A sentença ensejava um risco imenso. A própria França carregava em sua História, que tinha em 1848 um dos seus epicentros, a mais “verdadeira” das revoluções, depois de 1789. Dela resultou a Segunda República, um regime político que, longe de ser falso e apesar dos seus limites, inovou a forma do Estado burguês no seu nascedouro. Foi um momento heurístico na fundação do Estado democrático e da política moderna. Se, depois dele, aí, sim, emergiria a “falsidade”, com o golpe de Luís Napoleão, restaurando o Império, tal fato não lhe retira a marca histórica, fixando a revolução e seu regime do mesmo lado da “verdade”.
Difícil não acolher a observação sobre quão temerário é falar de verdade e falsidade, especialmente no âmbito da política. Contudo, da mesma forma que o filósofo, é possível cogitar de que, em dose adequada, tal artifício pode resultar sugestivo do ponto de vista analítico.
Com toda a precaução que esse tipo de recurso analítico exige, pode-se dizer que há eleições verdadeiras e falsas. As primeiras realizam-se no interior da legitimidade democrática e expressam o embate real em torno dos desafios que a sociedade vive. As segundas, mesmo que realizadas no interior da mesma legitimidade, bloqueiam essa dinâmica e o resultado é o afastamento da sociedade em relação ao “grande debate” que precisaria ser realizado. Uma eleição verdadeira convoca o país para a resolução efetiva de seus problemas, guarda uma relação forte com o presente e um sentido de futuro. Uma eleição falsa afasta-se disso ao impor à sociedade um embate irrealista, geralmente alimentado pela demagogia. Nesta as paixões não estabelecem nenhum diálogo com a dimensão racional da política e depois de contados os votos as energias se esvaem, o oportunismo se instaura e a inércia valida seus métodos.
Ante essa disjuntiva, pode-se dizer que foi verdadeira a eleição presidencial vencida por Emmanuel Macron, na França, e confirmada semanas depois em âmbito parlamentar. A centralidade do europeísmo e da modernização das relações entre Estado e sociedade definiram o quadro de embates reais e, além de os eleitores darem a vitória a Macron, aniquilaram a extrema direita, subalternizaram o republicanismo conservador e empurraram a velha esquerda para uma posição residual.
Pode-se dizer que, no Brasil, a eleição presidencial de 1989 foi uma eleição falsa, uma vez que os dois contendores do segundo turno, Collor e Lula, não representavam as estratégias políticas que guiaram o curso da transição para a democracia e que, atualizadas, dariam nova orientação para o futuro do País. O resultado não expressou o equacionamento dos problemas que então se viviam. Se Lula tivesse vencido, provavelmente se veria o mesmo. O resultado não tinha como ser positivo para o País.
As eleições subsequentes, ambas de FHC e de Lula, não podem ser vistas como falsas. O mesmo não se pode dizer das eleições que consagraram Dilma, interposta pessoa sob comando de Lula. A despeito do julgamento do Tribunal Superior Eleitoral, a eleição de 2014 esteve eivada de corrupção e o embate que se travou dispensou os problemas reais do País, todos eludidos e abordados via marketing. Em 2014 o País entrou em perigosa deriva, perceptível na desconsideração das manifestações do ano anterior tanto pelos governantes de turno como por parte da oposição, que não compreenderam nem assimilaram a crítica da sociedade à falência dos serviços públicos e o seu repúdio à corrupção.
Hoje, a Operação Lava Jato é elemento-chave do cenário político. Além da notória inabilidade de Dilma, dos erros e crimes fiscais, a Lava Jato foi essencial para o clima que levou ao seu afastamento, assim como tem fustigado o presidente Temer, retirando-lhe a iniciativa política e boa parcela da sua sustentação parlamentar. Seguramente, o ethos de intransigência republicana da Lava Jato terá seu peso nas eleições de 2018, embora ainda não se vejam atores homólogos a ele no plano político-eleitoral, excetuando-se a retórica de agrupamentos residuais.
Vivemos um ambiente político angustiante, a despeito de parcos êxitos econômicos do governo. A expectativa de chegarmos a bom porto em 2018 esvai-se a cada dia, aproximando-nos de uma transição mitigada em suas principais tarefas, com Temer ou sem ele.
O pior que nos poderá acontecer é caminharmos para uma eleição falsa – provável, conforme muitos sinais –, que poderá mergulhar o País num poço de autoenganos. Reviver 1989 representará um retorno inconsequente e infeliz. É um momento em que o “pessimismo da razão” é essencial. Resta saber se haverá “otimismo da vontade” para enfrentar um desafio dessa monta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário