quarta-feira, 2 de novembro de 2016

A igualdade é difícil

Uma fábrica é uma máquina de igualdade. Seu objetivo é produzir coisas iguais, e sua reputação tem a ver com a capacidade de produzir perfeitamente o mesmo do mesmo. O problema é que, começando com o seu proprietário, a igualdade da produção em massa promove, em outros níveis, uma brutal desigualdade.

Por outro lado, é impossível não constatar a impossibilidade de produzir objetos idênticos em sociedades não industriais. Quando eu vivi com os índios apinayé, surpreendia-me o fato de todos saberem quem eram os autores dos objetos — cestas, esteiras, arcos, bordunas, flechas ou enfeites — que eu havia adquirido para o museu onde trabalhava.

O igual é o modelo do fabricado. Todos seriam iguais perante a lei e igualmente iguais perante certos bens e serviços oferecidos pelo Estado ou adquiridos por meio do dinheiro, cujo valor é — vale falar no óbvio — igual para todos. Mas não se pode esquecer do “perante”. É a lei que é igual para os diferentes entre si.

Numa sociedade cujo ideal é a igualdade, as desigualdades seriam lidas como anomalias, perversões e hóspedes não convidados. Mas nem nas sociedades tribais fundadas na família, com tecnologia produzida por seus próprios membros, existe uma igualdade concreta. Há desigualdades, mas elas são transformadas em particularidades e pertencimentos. Cada grupo interno — metades, associações, linhagens — diferencia produzindo interdependências sem as quais o sistema ficaria abalado.

Ademais, entre os apinayé os demiurgos Sol e Lua, inventaram a Humanidade atirando cabaças nas águas de um ribeirão. As cabaças afundavam e, quando voltavam à tona, estouravam, e delas saíam pessoas. Sol produziu gente sadia e bonita. Mas Lua interferiu e começou a dizer baixinho: feio, cego, surdo e assim surgiram as diferenças. Quando Sol interpelou Lua, ele replicou que um mundo sem diferenças não ia dar certo.

Arte Urbana

Eis uma concepção na qual a descontinuidade não é fruto da desobediência da criatura, mas é instituída pelos criadores. Acrescento, contudo, que antes do contato com o “civilizado”, as diferenças materiais entre os membros desta coletividade eram mínimas e que a dinâmica que os une e desune é a da filiação e da afinidade, debaixo de uma ética de reciprocidade.

No nosso caso, a questão é outra. Como diz Lévi-Strauss, nós vivemos num mundo incapaz de fidelidade a si mesmo. O vir-a-ser é o tema dominante da nossa cosmologia fundada no individualismo, no progresso e, consequentemente, num futuro no qual tudo vai (ou deveria) se resolver. Temos uma aguda consciência das diferenças e dos abismos que separam e distinguem indivíduos e coletividades. Não há mais nenhum lugar inocente e sem sofrimento. Vivemos o fim das Shangri-Lás, e ninguém sabe mais quem foi James Hilton.

A novidade de um mundo globalizado é a descoberta de que nenhuma sociedade é perfeita mais adiantada. A globalização obriga a rever utopias. As musas da modernidade — liberdade, fraternidade e igualdade — são complicadas na prática. Muita igualdade liquida a liberdade. Muita liberdade dramatiza os limites das diferenças e racionaliza a exploração humana. Se o planeta é de todos, como aceitar que alguns países tenham o poder de tudo destruir?

No Brasil, o problema é como acabar de vez com o “Você sabe com quem está falando?”, esse brasileirismo inventado como último recurso hierárquico e escravista contra a igualdade republicana que obriga a entrar na fila, ser parado por um guardinha qualquer, ser compelido a responsabilidade quando se ocupa um cargo público e — eis o escândalo dos escândalos — ser enjaulado por um crime porque a lei vale mesmo para todos, e a igualdade perante e lei acaba com os privilégios. Antes de sermos presidentes, ministros, juízes, senadores e donos de grandes empresas, somos todos cidadãos. Mas como lidar com a contradição que transforma um eleito pelo povo com o nosso dinheiro numa superpessoa acima da lei? Ontem ele pedia votos, hoje — eleito por meio de um fundo partidário! — ele acha legítimo assaltar os cofres públicos.

É desprezível essa batalha judicial (mistificada como política) para manter privilégios. Estou convencido de que o discurso quase sempre vazio que enquadra as pessoas no velho dualismo de direita e esquerda dissimula muito mal o cerne da questão: somos uma sociedade dividida entre aristocratas (ancorados no Estado) e babacas — as pessoas comuns. Os que conhecem os limites dos seus papéis sociais e, com o seu trabalho, sustentam um palacianismo kafkiano de direita e de esquerda, duro de eliminar. Somos os últimos escravos...

Roberto DaMatta

O que as urnas renegaram

Como sempre, o pronunciamento dos eleitores propicia diversas e opostas interpretações, todas com um fundo de verdade. O PSDB solta fogos por ser o maior vitorioso nas urnas, o presidente Michel Temer respira aliviado por 80% dos prefeitos eleitos serem de sua base de sustentação e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, se projeta para 2018 como o tucano mais competitivo.

No outro extremo sobram avaliações cinzentas: uns dizem que o Brasil deu uma brutal guinada à direita, com uma onda conservadora varrendo o país, de ponta a ponta. Para outros, a eleição teria sido a própria negação da política, tanto pela via do “niilismo” – abstenção, votos nulos e brancos – como pela via do candidato “não político”.
clayton
Há um toque de ligeireza, superficialidade e pedantismo nessas conclusões. O recado das urnas ainda não está devidamente assimilado. Pode estar havendo uma baita confusão sobre o chamado desencanto com a política.

Para entendê-lo, é necessário mergulhar no tempo, ir até as jornadas de 2013, quando os brasileiros expuseram sua insatisfação quanto à secular ineficiência dos serviços públicos e as anacrônicas instituições político-partidárias, inteiramente descoladas do cotidiano das pessoas.

O “sem partido” de 2013, grito das ruas não entendido pela esquerda tradicional, transformou-se no “eles não me representam”, no voto nulo, em branco, na abstenção ou na sua contraface, o voto no “não político”.

Os anos dourados do lulopetismo geraram uma ilusão. Nossos serviços públicos continuavam sendo da época da pedra lascada, o modelo político perpetuava as iniquidades. A crise de representatividade – partidos, sindicatos, movimentos sociais formais - começa a saltar aos olhos com o advento da hiperconectividade, com o fim das bipolaridades, com a transversalidade e tangibilidade das bandeiras.

Em certo sentido, um fenômeno mundial, agravado no Brasil pelo modelo de presidencialismo de coalisão, pautado na repartição do botim da coisa pública, e pela pura e simples cooptação de centrais sindicais, UNE, MST e outros dinossauros.

Mas o “distributivismo” subsidiado pelas commodities escondia tudo. Quando a fonte secou, o lodo veio à tona.

Em 2014, vimos um país dividido ao meio, com o lulopetismo ganhando uma sobrevida que não resistiu à hecatombe que se seguiu. Havia, já na última disputa presidencial, o desejo de mudar, mas o medo falou mais alto.

Sim, a eleição de 2016 é a de mudança de paradigmas. A seu modo, o eleitorado superou a bipolarização que vinha dando o tom da política brasileira desde a última década do século XX, suprimindo, pura e simplesmente, um de seus polos: o PT.

O que fará com o outro polo, vai para a rubrica de médio prazo. Depende de qual será o desempenho do PSDB e dos vitoriosos, se eles corresponderão à agenda demandada pelas urnas, ou se provocarão novas frustrações. Só há uma certeza: a fatura será cobrada em 2018.

Os eleitores não renegaram a política. Renegaram essa política que está aí.

O protesto das urnas – ou de quem nela sequer compareceu – tem o sentido de que não basta apenas uma reforma política no sentido estrito do termo, de adoção de novas regras, como fim das coligações nas proporcionais, cláusula de barreira, voto-distrital, misto ou puro.

As urnas clamaram por uma nova mentalidade, uma nova cultura, uma nova forma de se fazer política. Esse é o complicômetro. As instituições são elas mesmas e os homens que as compõem também. Como mudá-las com as mesmas caras que ditam o jogo?

As categorias esquerda-direita são insuficientes para explicar o complexo pronunciamento das urnas. Verdade, pode-se pinçar aqui e ali alianças e pensamentos indicadores do campo de vários candidatos eleitos. Mas seria reducionismo atribuir aos milhões e milhões de brasileiros uma virada em direção ao conservadorismo.

Na verdade, os eleitores disseram não a tabus da esquerda, ou de sua maior parte. Eles descobriram, às duras penas, que as benesses do Estado, quando promovidas de forma insustentável, recaem sobre suas costas. Põem em risco seus empregos, sua saúde, sua família.

As urnas renegaram a política de atender as corporações em detrimento do conjunto da sociedade, de se gastar mais do que se arrecada, de rupturas de regras democráticas, como o respeito ao patrimônio público e privado.

Também abriram espaço para o Brasil enfrentar temas delicados, como meritocracia, tamanho do Estado, estabilidade no funcionalismo público e direitos iguais na aposentadoria, sem se vergar às patrulhas ideológicas.

E ainda há quem diga que os eleitores são despolitizados...
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Três sinais de que estamos cada vez mais infantilizados e dependentes do governo

Não é difícil constatar que os hábitos domésticos e familiares, têm grande influência na formação da criança e refletirão posteriormente na vida adulta. Esse é o ponto de partida para que fiquemos atentos aos 3 sinais de que estamos cada dia mais infantilizados e dependentes do governo:

Senão vejamos: Quando somos crianças, nosso almoço está sempre pronto à mesa e nossa cama está sempre arrumada. Depois, alguém vai lavar a louça ou as nossas roupas.

Observe que sempre existe alguém fazendo algo para nós, seja nossa mãe ou a diarista, de forma que temos ao nosso dispor o funcionando da casa, mesmo que não colaboremos em nada! A criança aprende, indiretamente, a não colaborar com o funcionamento do local onde vive. Evidentemente, há exceções!

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A consequência disso é que essa criança vai exigir do Estado o mesmo, quando for viver em sociedade, posto que ela aprendeu a ter alguém fazendo algo por ela. Se jogar lixo na rua, vai exigir que o Estado providencie um gari para limpar. Não vai se dedicar aos estudos, não vai empreender, porém, vai querer ter sucesso e ser bem-sucedida. Acabamos sendo um povo mimado!

E o pior: a precariedade da educação doméstica perniciosa ao nosso futuro, é habilmente utilizada pelo Estado para interferir em nossas vidas, criando a mesma dependência existente em nossa casa.

Isso ocorre através da infantilização da população, causada por uma dependência exagerada e desnecessária ao Estado, pois sem ele as pessoas se sentem “órfãs” e não sabem dirigir sua própria vida. Observe que ao longo dos anos, diversos governos vêm sistematicamente impondo políticas de dependência, através das quais se assenta o hábito de que ele, o Estado, vai cuidar de nós, assim como ocorre em nossa vida doméstica. Ele cuida do nosso dinheiro (FGTS), da nossa previdência, da nossa saúde e da educação, assim como nossos pais cuidaram de nós durante a infância.

É uma estratégia utilizada há muitas décadas, como forma de tratar a população de forma infantil, beirando à debilidade. E a lógica disso é que, quando você trata alguém como criança, a tendência é aquela pessoa se comportar como tal. Não é de se estranhar que a presidente anterior se dirigiu à população, através de um discurso pueril, mencionando “estocagem de vento” e “elogios à mandioca”.

Em razão disso, aceitamos como normal a presença de um funcionário público em nossa casa, visando combater um mosquito em nosso quintal (aedes aegypti), pois não sabemos fazer isso por conta própria. De igual modo, o ascensorista tem que apertar o botão do elevador, pois também não sabemos manusear os inúmeros botões do dispositivo. Por último, precisamos de um frentista para encher o tanque do automóvel. Esses são exemplos clássicos de infantilização de uma população!

Essa dependência e infantilização causam danos irreparáveis, pois torna as pessoas sem iniciativa e desmotivadas, criando uma população sem autoestima, deslumbrada com as qualidades dos outros povos e não do seu próprio país. Em países onde se aplica a liberalismo econômico, essa infantilização e falta de iniciativa da população, é praticamente inexistente!

Quando completam 18 anos, em países como Estados Unidos e Canadá, os jovens têm que sair de casa. Quando ainda estão em casa, eles colaboram com a administração doméstica, seja lavando pratos ou arrumando a cama. Essa cultura de independência e colaboração, faz com que esses países sejam empreendedores e a consequência disso, por óbvio, é a prosperidade e uma existência agradável na sociedade, com a colaboração para o seu funcionamento, seja cuidando dos lugares públicos ou cortando a grama da sua própria casa, posto que ela não é algo somente individual, mas parte de uma visão coletiva.

Aos brasileiros, cabe uma melhor compreensão sobre o que é ser dono do seu próprio destino. Poderíamos começar, por exemplo, exigindo que nós mesmos administremos nosso dinheiro, como o do FGTS, e não o governo! O FGTS e outras contribuições são verdadeiros confiscos, com a desculpa de que o governo está cuidando do nosso dinheiro.

A verdade, todavia, é que ele usa esse dinheiro para financiar um estado gigantesco e desnecessário, através de custos exorbitantes de administração (no caso do FGTS, menos da metade da inflação). É uma espécie de “consórcio do mal”, onde a taxa de administração é absurda e insuportável para o consorciado, no caso, os pagadores de impostos e o bem a ser usufruído é entregue pela metade, em razão da sua baixa rentabilidade!

A solução, sem dúvida, é o Estado parar de agir como empresário e deixar sob a responsabilidade da iniciativa privada as áreas incompatíveis com o governo (petróleo, eletricidade, sistema bancário, entre outras), posto que isso evita a necessidade de buscar recursos na sociedade, via impostos, para administrar a máquina governamental, além de impedir a péssima administração estatal nessas áreas, com o tradicional uso político dos cargos utilizados para rapinagem endêmica, como visto no caso da Petrobras.

Frise-se que a iniciativa privada é a verdadeira geradora de riqueza, aquela que mantém, inclusive, o Estado através dos impostos. É ela quem deveria ser a maior protagonista no país, mas hoje é o Estado, eis que sua onipresença é evidente em grande parte dos setores produtivos e burocráticos do país. O Estado deveria operar tão somente onde a iniciativa privada não atua, como a diplomacia, poder judiciário, polícia, entre outros.

O que podemos concluir é que a dependência ao Estado e a infantilização da população são intencionais, para que não haja contestação à atuação do Estado nas áreas econômicas não condizente com seu mister, prejudicando, sobremaneira, a população, principalmente os mais pobres, com serviços caros e ineficientes, relegando à iniciativa privada a fama de vilã do protagonismo econômico.

Edemir Bozeski

As ilusões das eleições

O principal derrotado nas eleições municipais de outubro de 2016 foi o Partido dos Trabalhadores (PT). E com ele afundaram nas urnas seus sucedâneos e tradicionais aliados de esquerda: de Rede, PSOL e PCdoB a nanicos revolucionários – os de centro-esquerda e os mais extremados.

Isso quer dizer que a centro-direita venceu a disputa, levando em conta estatísticas avassaladoras do gênero: 80% das prefeituras do País foram conquistadas por legendas, das gigantes às mínimas, todas componentes da base de apoio do governo-tampão de Michel Temer? Ou, ainda, o maior partido da oposição nos desgovernos petistas de Lula e Dilma, o PSDB, ganhou 863, ou seja, 25% dos pleitos, um recorde histórico? Nada disso!

Acreditar em tal lorota – ou na análise oportunista e apressada do advogado, empresário e político Eliseu Padilha, ministro-chefe da Casa Civil do governo federal, de que os eleitores derrotaram nas urnas a hipótese estapafúrdia do “impeachment sem crime é golpe” – é dar alguma razão a quem ainda insiste nessa total tolice.

Quem rotula PSDB e PMDB de centro-direita acredita em contos de fadas e bruxas nos quais Lula, insubstituível líder do PT, é esquerdista. Os tucanos, atarantados sócios da maior legenda que se opôs aos 13 anos, 4 meses e 12 dias sob o ex-sindicalista e a ex-guerrilheira, são farinha do mesmo saco de que se nutriu o partido que foi comandado por Ulysses Guimarães. Foram produzidos na luta gloriosa contra a ditadura militar e civil, esta, sim, de direita, que promoveu o milagre econômico e a repressão brutal dos anos 60 a 80. Mas foram separados na feira em que se puseram à venda nas vicissitudes da democracia que sucedeu ao arbítrio.

Ao contrário do que reza a doutrina esquizofrênica da esquerda, dominante nas escolas e nos palanques, o autoritarismo não ruiu aos pés dos “heróis” da guerra suja, mas da prática democrática da sociedade e dos parlamentos liderados pela oposição civil, mesmo sob dura ameaça permanente.

O longo processo que depôs a quarta gestão federal petista nunca foi contaminado em um segundo que fosse pelo vício da ilegitimidade. A teoria do “gópi” – apud senadora Fátima Bezerra (PT-RN) – nunca sequer foi levada em conta pelo cidadão comum na hora de votar em seu prefeito. O engano de Padilha nem precisa ser negado por pesquisas de opinião que constatam índices massacrantes de impopularidade de seu chefe no Palácio de Planalto. Pois esta é percebida, por qualquer brasileiro de posse das faculdades mentais, em casa, no trabalho e nas ruas. Mas, como ficou rouca de insistir Dilma, impopularidade não tira legitimidade de presidente nenhum. E a maioria que a sufragou nele votou, ora bolas!

Das profundezas de sua tumba o Conselheiro Acácio, criado por Eça de Queiroz, mandou avisar que os vencedores das eleições municipais, a salvo de todas as ilusões, foram os candidatos que tiveram mais votos. Em São Paulo, João Doria precisou muito de Geraldo Alckmin para afastar Andrea Matarazzo da legenda tucana, exilando com ele os figurões Fernando Henrique, José Serra e Alberto Goldman. Mas o governador paulista não contribuiu com os votos necessários para a vitória nas urnas.

A eleição folgada em segundo turno do ex-bispo (isso existe?) da Igreja Universal Marcelo Crivella, no Rio, não representa uma adesão em massa da maioria católica dos cariocas às barbas do pretenso profeta Edir Macedo. Os mapas eleitorais da cidade que já foi maravilhosa desvendam um triunfo obtido na periferia miserável sobre os bairros dos abonados que, isolados, elegeriam Marcelo Freixo. Na verdade, este foi derrotado porque sua tolerância com traficantes e vândalos mascarados fere mais a suscetibilidade do pobre, que não pode sair da favela onde nasceu, do que a segurança do rico, apto a comprar a própria paz com uma parte ínfima da mais-valia a que tem acesso.

Segurança é uma senha evidente para definir o voto majoritário de outubro, mas não é a única. Nem a principal. O sinal disso foi dado pela transformação do agressivo cinturão vermelho que cingia a Grande São Paulo por um diáfano diadema azul. Nunca antes na História deste país, no ABC, berço do sindicalismo autêntico, do PT e do carisma de Lula, bandeiras rubras foram enroladas nas festas de vitórias municipais. A região teve a terrível oportunidade de testemunhar que o poder nas mãos dos sindicalistas e os cofres públicos escancarados pela renúncia fiscal às montadoras não poderiam resultar em nada diferente do desemprego em massa, que esvaziou as despensas dos lares operários. A fuga das estrelas encarnadas das ruas do ABC paulista é o melhor símbolo da consciência do eleitorado de ter sido vitimado pela corrupção, pela inépcia e pelo aparelhamento petista da máquina pública, que resultaram na crise econômica, na quebradeira das empresas e na tragédia do desemprego galopante.

Foi necessário o holerite desaparecer em todos os municípios para os brasileiros notarem quanto os empobrece o enriquecimento dos políticos, cujo furto fica mais cruel quando se acompanha do desencanto com o lorotário ideológico.

Por incrível que pareça, a pré-racionalidade do eleitorado (apud Mauro Guimarães) também cobrou duramente do maior adversário de Lula e principalmente Dilma, o tucano mineiro Aécio Neves, que perdeu a eleição em Belo Horizonte para um cartola de futebol que disse que “roba” (sic), mas não pega propina. Neto de Tancredo Neves, que avisava sabiamente que ninguém se elege presidente se não for capaz de unir o próprio berço, Aécio trouxe agora à tona a mentira de que em 2014 teria sido derrotado no Nordeste, mas foi vencido mesmo em Minas Gerais.

Agora disputará a indicação do partido com Geraldo Alckmin, que elegeu um prefeito em cada quatro cidades paulistas, sendo uma delas a maior de todas. Nesta era cibernética até o castigo “avoa” nos ares.

Onda furada

Concluídas as eleições, inicia-se a fase das conclusões. No geral, apressadas quando se trata de fazer projeções. A mais difundida no momento é a que põe nas mãos do governador Geraldo Alckmin a legenda do PSDB para concorrer à Presidência da República em 2018, como consequência da vitória em primeiro turno de João Doria para a Prefeitura de São Paulo, da conquista de importantes cidades no Estado e da derrota do candidato do senador Aécio Neves à prefeitura de Belo Horizonte.

Nesses casos de A + B=C, somam-se bananas com laranjas e trata-se a política como se fosse ciência exata ou como algo que funcione no piloto automático. No meio, entre um acontecimento e outros há os fatos, há as circunstâncias e há gente, espécie humana, categoria instável, sujeita aos efeitos da chuva e das trovoadas.

Experiente no tema, Alckmin tratou anteontem de declarar algo que certamente não pensa: que, no momento, a disputa de 2018 não está na agenda dele nem do PSDB. É claro que está, mas é daquelas coisas que o político precavido não assume. Entre outros motivos para não se queimar e ver se consegue atravessar a distância entre uma eleição e outra com chance de sucesso na tarefa de ultrapassar obstáculos.

São inúmeros. Na seara tucana há dois com nomes e sobrenomes: José Serra e Aécio Neves. Sem contar os respectivos aliados internos e externos. O primeiro é chanceler e um interlocutor privilegiado no PMDB. Importantíssimo para a eventualidade da conquista desse apoio caso o partido de Michel Temer não concorra ou não chegue ao segundo turno em 2018. O segundo é senador e presidente do PSDB; tem a máquina, portanto. Ambos contam com visibilidade garantida, além de não terem seus destinos ligados ao êxito ou fracasso de alguém, como Alckmin precisa de que João Doria corresponda às expectativas do maior eleitorado do País.

Além disso, a própria história de eleições fornece milhões de exemplos de desconexão entre resultados bons e maus. Dois deles: em 2008, Geraldo Alckmin não chegou ao segundo turno na eleição municipal em São Paulo, disputada entre Marta Suplicy e Gilberto Kassab, o vitorioso; em 2014, Aécio Neves teve menos votos que Dilma Rousseff em Minas Gerais, seu reduto principal, mas por pouco não ganhou dela na final pela Presidência.

Vamos a outro caso de conclusão apressada que, aliás, dá título a este texto: a tal da onda conservadora que supostamente varre o País. Por causa da derrota ampla, geral e irrestrita do PT? Pela eleição de Marcelo Crivella no Rio de Janeiro? Pela vitória de Doria?

Ora, o fiasco do PT não tem nada a ver com ideologia. Tem a ver com corrupção e desatino na administração da economia. Ademais, quem disse que os petistas detém o monopólio do pensamento de esquerda? Governou com e para a direita atrasada, tratou os mais pobres como consumidores – algo típico do coronelato arcaico dos grotões. Além disso, seu líder máximo quando sindicalista declarava não ser de esquerda. Lula vestiu essa roupagem quando precisou dela para construir um partido.

Doria venceu em São Paulo por ter sabido encarnar com eficiência o antipetismo. Crivella ganhou no Rio em boa medida pela autossuficiência do prefeito Eduardo Paes que insistiu em apoiar um candidato eleitoralmente inviável. De onde o segundo turno entre o bispo aposentado e um candidato visto como representante de uma esquerda amalucada. Marcelo Freixo, convenhamos, não chega perto de ser um Fernando Gabeira, que, aliás, perdeu de pouco para Paes em 2008 quando, pela régua dos arautos da onda conservadora, o Brasil era de esquerda.

Em momento algum o País teve a prevalência da corrente de esquerda. Não nos esqueçamos: Lula só ganhou a eleição quando adaptou seu discurso ao centro e fez uma Carta aos Brasileiros jurando fidelidade à política econômica qualificada pejorativa e equivocadamente como neoliberal.

Rio de sol

Facção tem time de futebol campeão e opera rotas de tráfico interncional

Em 2009 a equipe Manaus Compensão, conhecido apenas como Compensão, sagrou-se campeão da segunda divisão do campeonato amazonense de futebol após bater o ASA da Amazônia. Foi a maior conquista deste time cujo nome homenageia o bairro manauara de Compensa, e que nos anos anteriores havia disputado o Peladão, campeonato amador da capital, no qual sagrou-se campeão em 2006 e 2008. Um dos cartolas do clube, no entanto, se tornou famoso fora das páginas esportivas. É José Roberto Fernandes Barbosa, traficante conhecido dentro do sistema carcerário como Messi, um dos fundadores da facção criminosa amazonense Família do Norte (FDN). O grupo se dedica ao tráfico internacional de drogas, e conta com cerca de 200.000 membros no país. Inimiga declarada do paulista Primeiro Comando da Capital, a Família se aliou à organização fluminense Comando Vermelho.

Camisa do time homenageando o traficante Potência Máxima.
Camisa do time homenageando o traficante Potência Máxima
Um uniforme especial do Manaus Compensão chegou a ser criado para prestigiar Potência Máxima, apelido de João Pinto Carioca, outra liderança da Família do Norte. Em uma mensagem interceptada pela Polícia Federal, Barbosa chega a afirmar que “Compensão é o time que representa o crime no Amazonas, representa a FDN e todos os presídios do Estado”. No final da conversa com Eduardo Queiroz de Araújo, vulgo Foguinho, pistoleiro da facção, Barbosa conclui dizendo: “E representa bonito”.

De acordo com a Polícia Federal, a facção, criada por Barbosa e Gélson Lima Carnaúba, vulgo Mano G, tem o domínio de praticamente todo o sistema prisional do Amazonas, e expandiu sua influência nos últimos anos para outros Estados do Norte, como Rondônia, Roraima e Acre. Atualmente a Família do Norte controla um dos mais importantes corredores de tráfico de drogas do país, chamada de Rota Solimões, percurso entre Tabatinga (AM), na região da tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, até a capital Manaus. Além de ter o monopólio da distribuição de droga no Estado, a facção também atua enviando remessas de cocaína para a Europa, principalmente para Portugal.

Segundo interceptações telefônicas feitas pela PF, a facção paga 1.000 dólares (cerca de 3.100 reais) por carga de 50 kg de cocaína “de segunda” (já diluída), e 1.650 pela mesma quantidade de pasta base. Além disso, o grupo utilizaria 74 contas correntes, a maioria em nome de laranjas, para realizar os pagamentos no Amazonas, Colômbia e Peru.

É de dentro dos presídios também que os líderes do grupo criminoso teriam negociado contratações de jogadores, treinadores e investido na estrutura para treinos da equipe do Manaus Compensão. O time costuma disputar suas partidas no Estádio Francisco Garcia, conhecido como Chicão, localizado em Rio Preto da Eva, a 78 km da capital. O local tem capacidade para 8.000 torcedores. Em dia de jogo, salves – comunicados da organização criminosa – são enviados aos membros da Família do Norte e seus familiares, cobrando presença e apoio ao time em dias de jogo. Nas arquibancadas faixas e bandeiras homenageando lideranças da facção são comuns.

O grupo apareceu pela primeira vez no radar das autoridades após a apreensão, em abril de 2014, da lancha rápida Glória de Deus III no Rio Solimões. Em um fundo falso na embarcação a polícia encontrou 200.000 reais escondidos dentro de aparelhos de ar condicionado. Posteriormente ao menos outras cinco lanchas da facção foram apreendidas. Meses depois um computador foi encontrado pelas autoridades no telhado do Complexo Penitanciário Anísio Jobim, em Manaus, durante uma revista. Ao examinar o disco rígido a polícia se deparou com um organograma do grupo, e descobriu que a Família do Norte conta com um cadastro estadual de seus membros, onde consta até mesmo o endereço de parentes.

O grupo também cobra de seus integrantes uma “caixinha”, utilizada para o custeio das atividades criminosas e para o pagamento de honorários a advogados de membros encarcerados. Os familiares dos criminosos presos também recebem um auxílio, especialmente para que possam visitar seus parentes detidos em presídios federais localizados em outros Estados. A arrecadação mensal do grupo com essa contribuição chegaria a 100.000 reais por mês, mas de acordo com a PF a intenção do grupo seria aumentar a arrecadação para 1 milhão de reais por mês.

Assim como o PCC, em São Paulo, e o CV, no Rio, a Família do Norte também opera de dentro dos presídios um tribunal do crime. Sentenças são proferidas e assassinatos autorizados de dentro das celas. Segundo dados de homicídios dolosos (com intenção de matar) da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas, dos 800 crimes do tipo ocorridos na capital do Estado em 2015, ao menos 266 teriam sido motivados por acertos de contas do tráfico de drogas com autorização da facção.

A influência do grupo se expandiu para fora dos presídios, e a polícia acredita ter evidências de uma teia de corrupção que envolve membros do Judiciário e da Polícia. Uma operação da Polícia Federal realizada no início do ano levantou indícios de que um juiz da Vara de Execuções Penais e uma desembargadora teriam ligação com os criminosos. Eles atuariam para conceder habeas corpus aos integrantes da Família do Norte, além de dificultar a vistoria nas celas por parte de policiais militares. Quando a investigação veio a público, mensagens de celular interceptadas pela PF mostram os criminosos orquestrando uma petição para que o juiz não fosse afastado: “Mano, temos que fazer alguma coisa para manter ele [o juiz]. Se ele sair mano tudo vai ficar mais difícil para presos do fechado. Estamos pensando em pedir para todas as cadeias fazerem um abaixo assinado para ele ficar”.

Sem grandes esperanças

HECTOR SILVA LA PASION DE FRIDA X560 | ADVOCATE.COM:
Hector Silva
Como é impossível viver sem esperanças, tenho uma, de estimação, que tiro do bolso, acaricio e lustro sempre que um político em quem não confio assume o poder: tomara que ele me surpreenda e que, daqui a quatro anos, eu precise reconhecer que estava errada.
Dessa vez está tão feia a coisa que, olhando para a minha esperança tão pálida, desejo apenas que o novo prefeito não seja pior do que imagino que será.
É muito pouco para uma cidade tão complicada e desigual como a nossa, muito pouco para uma cidade tão insegura e tão cheia de problemas; mas é o que temos para hoje.
Cora Rónai

Quebra de paradigmas

Há uma falsa lógica nas análises de que os eleitores fizeram uma opção conservadora nas eleições municipais, em razão da derrocada eleitoral do PT, na sequência do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Essa lógica mais ou menos reproduz a narrativa petista do golpe, que de certa forma servia de biombo para a legenda se esconder atrás do movimento de esquerda tradicional, no qual orbitam também outras legendas, como o PCdo B e o PSol. Essa lógica reduz a esquerda brasileira ao nacional desenvolvimentismo, ao anti-imperialismo e ao populismo e caracteriza como direita outras forças que sempre desempenharam um papel democrático e progressista no país.

Na América Latina, isso não acontece por acaso. É terceiro-mundista a tradição política das esquerdas do hemisfério Sul, herança do anticolonialismo e da “guerra fria”, em decorrência da atuação internacional da antiga União Soviética, da China e do Movimento de Não Alinhados. Setores da esquerda sempre se opuseram a essa lógica, mesmo antes da queda do Muro de Berlim, como é o caso da social-democracia europeia, ou o fizeram depois, como o Partido Democrático italiano. Atuaram na direção contrária e apostaram na integração competitiva à globalização e no cosmopolitismo, como é o caso da União Europeia.

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As forças que se opõem à globalização são chauvinistas e retrógradas, muitas vezes abertamente reacionárias. Na América Latina, o lulismo, o peronismo e o bolivarianismo, em maior ou menor grau, têm a singularidade de promoveram uma recidiva do populismo, que resultou no fracasso econômico e político no Brasil, Argentina e Venezuela. O saldo da experiência não tem nada de progressista.

Um pouco mais longe na história, a grande divisão da esquerda europeia no século passado ocorreu por causa da I Guerra Mundial, com o racha da social-democracia, protagonizado principalmente pelo poderoso Partido Social Democrata Alemão, que aprovou os créditos de guerra, e o Partido Socialista Operário Russo (bolchevique), que se opunha à guerra, com o Partido Socialista francês. A experiência social-democrata no poder foi interrompida pela guerra e somente veio a ser retomada depois da II Guerra Mundial, com a implantação do Estado de bem-estar social, no rastro do Plano Marshall, mas num ambiente de antagonismo aberto com os comunistas e o chamado “socialismo real”.

Ambas as experiências entraram em xeque após a crise do petróleo, com a onda neoliberal dos anos 1980 e a terceira revolução industrial. De certa forma, o avanço das forças conservadoras provocou uma guinada ao centro dos partidos social-democratas na Europa e nos países periféricos, ao mesmo tempo em que o comunismo no Leste Europeu entrava em colapso. O Estado do bem-estar social, em decorrência de sua crise fiscal, estava em xeque. Para se manterem como alternativa de poder, os grandes partidos de esquerda da Europa fizeram uma revisão programática.

No Brasil, como havia conquistado o poder em 1994, em meio à crise de financiamento do Estado brasileiro e a hiperinflação, o PSDB foi espelho dessa viragem, assim como aconteceu com o Partido Socialista francês, o Partido Trabalhista britânico, o Partido Socialista Operário espanhol e o Partido Socialista português. Foi então que a esquerda tradicional sapecou a pecha de neoliberal nos tucanos. De igual maneira, excomungou o antigo Partido Comunista Brasileiro, que abandonou a foice e o martelo e mudou de sigla, para PPS, em 1991. A hegemonia do PT tornou-se absoluta no campo da esquerda, principalmente após a chegada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, em 2002, que operou uma estratégia de desconstrução da imagem dos demais partidos.

A partir do segundo mandato de Lula, porém, começou a ocorrer uma crise de hegemonia do PT, que, em vez de fazer um “aggiornamento”, passou por um processo de “transformismo”. O surgimento do PSol e da Rede e o reposicionamento do PSB são expressão dessa crise de hegemonia. A divisão entre esquerda e direita, porém, no universo da política, manteve os velhos paradigmas.

O impeachment da presidente Dilma Rousseff, no rastro do fracasso da experiência do projeto de poder do PT, passou a ser utilizado como linha divisória entre esquerda e direita no país, mas isso é tão falso quanto a narrativa do golpe. Simplesmente porque as bandeiras defendidas são anacrônicas e retrógradas. Num país como o Brasil, de tantas injustiças e desigualdades, valores liberais somados à igualdade de oportunidades podem representar um grande avanço, e estão bem representados pelos partidos mais bem-sucedidos nas eleições municipais.

PT e PCdoB manipulam os líderes estudantis

Já está confirmado que 192 mil alunos não vão fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no próximo fim de semana e terão as provas remarcadas para os dias 3 e 4 de dezembro. Em diversos Estados, 304 escolas estão ocupadas por lideranças estudantis ligadas ao PT, ao PCdoB e a instituições como a UNE, a UBES e os chamados movimentos sociais. E esse número deve aumentar com a ocupação de outros colégios nos próximos dias.

O Planalto está preocupado e não faltam motivos. Houve o impeachment, o PT e seus aliados perderam o poder e agora foram arrasados nas eleições municipais, mas vão vender caro essas derrotas. A mobilização é feita em cima da denúncia do golpe, da ascensão dos fascistas, do corte dos programas populares e da perda de direitos trabalhistas e previdenciários. Ou seja, existe terreno fértil para radicalizações.

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Os jovens são idealistas pela própria natureza, sonham com um mundo melhor, preocupam-se com as injustiças sociais, percebem que a riqueza total jamais poderá conviver pacificamente com a miséria absoluta. O desemprego atinge suas famílias, passam dificuldades, a revolta é inevitável e se tornam facilmente manipuláveis.

No Paraná, um dos estados menos atingidos pela crise, a radicalização estudantil deu certo, a despropositada ocupação nas escolas está se revelando um movimento eminentemente político, sem qualquer compromisso com a melhoria da educação. E a mobilização já se espalhou pelo país.

A repórter Amanda Acosta, do “Jornal da Cidade”, revela que o principal líder do movimento, Mateus dos Santos, não é um estudante comum. Trata-se do presidente da seção estadual da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES). “É um ‘estudante profissional’ ou um ativista político filiado ao PCdoB, disfarçado de estudante”, relata a jornalista, assinalando que “o lugar menos frequentado pelo jovem militante é a sala de aula”.
Além de presidir a UBES no Paraná, Mateus dos Santos também dirige a União da Juventude Socialista (UJS), tem fortes ligações com o deputado federal Zeca Dirceu, filho de José Dirceu, e nas redes sociais pode ser visto em fotos ao lado do ex-presidente Lula. Detalhe importante: o PCdoB também controla o Movimento dos Trabalhadores Sem- Teto (MTST), uma versão urbano do MST dos sem-terra, que reforçam as ocupações das escolas.

Essa ação política estudantil é apimentada pelo uso de drogas nas ocupações, e na segunda-feira passada, dia 24, um adolescente de 16 anos, Lucas Eduardo Araújo Mota, foi morto a facadas por outro colega, de 17 anos, na ocupação do Colégio Estadual Santa Felicidade. Segundo a Secretaria da Segurança, os dois se desentenderam após usarem uma droga sintética, chamada “balinha”.

 Se o cineasta Glauber Rocha estivesse em cena, veria que sua “Terra em Transe” continua atual. Enquanto o PT e o PCdoB se desmoronam eleitoralmente e até já existe um movimento de 40 parlamentares petistas para deixarem o partido e criar uma nova sigla, os radicais do sindicalismo e dos movimentos sociais ameaçam a estabilidade do país em nome da ressurreição do PT.

É uma maluquice sem a genialidade de Glauber Rocha, porque o processo não tem pé nem cabeça. Os militantes estudantis da UNE e da UBES, apoiados pelos “exércitos” de Stédile e Boulos, tentam desestabilizar o governo para possibilitar a volta do PT ao poder, enquanto o próprio Lula da Silva está totalmente alijado do processo e só pensa em pedir asilo ao Uruguai, onde um dos seus filhos roedores (Luís Cláudio), investigado na Operação Zelotes, estrategicamente já encontrou abrigo.

Ou seja, trata-se de um movimento radical de protesto que no final nem será liderado por Lula. É uma corrida quixotesca para nada, em nome de coisa alguma, e os maiores prejudicados são os próprios estudantes das escolas públicas.

Paisagem brasileira

José Maria de Almeida, Rua Bernardo Vasconcelos (1960)

Ladrões da boa-fé

Sempre que vejo falsos religiosos pregando nas tevês com a maior cara de pau, com a maior seriedade, como senhores absolutos da verdade, penso naqueles 300 picaretas que alguém disse existir no Congresso Nacional, antes de aderir ao grupo. Falsos pastores e falsos políticos são farinha do mesmo saco. Uns e outros sempre me remetem a Tartufo, um dos mais famosos personagens de Molière, o maior dramaturgo francês. Tartufo é, também, o nome da peça que ele protagoniza, das mais conhecidas do teatro.

Tartufo é fingido, hipócrita, mentiroso, corrupto, chantageador, desleal, falso religioso, interessado apenas em tirar dinheiro daqueles a quem faz as mais devotas pregações. A peça estreou em 1664, portanto há 352 anos, e continua atualíssima. São três séculos e meio de Tartufo, sem mudança do caráter humano – e sem perspectiva de melhora. Provocou violenta reação do clero da época, ficando proibida por alguns anos. Quem a visse ou encenasse foi ameaçado de excomunhão pelo arcebispo de Paris.

Leia Tartufo, para ver como a canalhice atravessa o tempo. Depois, ligue a tevê, escute atentamente os canais religiosos com apelo financeiro, analise as técnicas de dissimulação utilizadas, observe a sub-reptícia venda de Deus em prestações mensais. Em seguida, compare os debates no Congresso com a verdadeira atuação, nos bastidores, de deputados e senadores, da venda de emendas ao propinoduto descarado. O resultado é puro teatro, o teatro de Molière, a falsidade de Tartufo até a exaustão. Uma tartufada sem fim.

Acontece que Tartufo, no final da peça, é desmascarado. No Brasil, isso ainda está longe de acontecer. Ensaiamos apenas os primeiros passos. Nossos Tartufos continuam depositários da moralidade, ladrões da boa-fé. A cada dia que passa, Molière estremece no túmulo por nós. Ai de nós.

Bolsa sonegador faz bom contribuinte de otário

Há no país dois tipos de cidadãos: os brasileiros comuns e os brasileiros especiais. Os comuns têm o imposto de renda descontado mensalmente no contracheque. E honram todos os outros tributos na hora em que pagam no caixa do comércio pelas coisas que compram. Os brasileiros especiais brincam de esconde-esconde com a Receita Federal, sonegam impostos e esperam que o governo aprove algum plano que lhes perdoe os crimes e ofereça vantagens fiscais. O programa de repatriação do dinheiro que brasileiros entesouraram ilegalmente no exterior é mais uma festa organizada para premiar sonegadores.

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Alega-se que foram repatriadas apenas verbas de origem lícita. Isso é conversa fiada. O dinheiro deixou de ser lícito no instante em que migrou para o exterior sem o pagamento dos tributos devidos. Cometeram-se no mínimo os crimes de sonegação fiscal e evasão de divisas. Daí para a lavagem de dinheiro procedente do submundo do crime é um pulinho. A repatriação enxaguou e passou a ferro todo esse dinheiro de má origem.

Quebrado, o governo não tem muita alternativa. Entrega a alma para conseguir dinheiro. Arrecadou quase R$ 51 bilhões ao regularizar uma fortuna de quase R$ 170 bilhões enviada para o estrangeiro às escondidas por 25 mil emrpesas e uma centena de pessoas. A festa deve continuar. Renan Calheiros, o notório presidente do Senado, anuncia que apresentará um projeto para reabrir o bolso sonegador a partir de janeiro. A mensagem que fica é que, no Brasil, quem paga imposto é otário.

Imagem do Dia

Cascata Takachiho (Japão )

Senado vai às compras

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Em meio ao corte de gastos proposto pelo governo, os 81 senadores vão ganhar novos televisores para seus gabinetes até o fim do ano. Isso porque o Senado Federal lançou pregão eletrônico para comprar intactos 220 aparelhos de TV. E com algumas condições: têm que ser LED e Full HD com conversor digital.

O total da compra aos cofres públicos será de R$ 681 mil. As TVs, conforme a licitação, devem ser de 40 a 43 polegadas e de 55 a 60 polegadas.

De acordo com o Senado, a aquisição é para "atender solicitações de gabinetes dos senhores senadores e diversos órgãos do Senado Federal no que concerne ao fornecimento de aparelhos para exibição de vídeo".

O Senado informou que a mudança "deve-se principalmente à necessidade de substituição de televisores de tubo, os quais impossibilitam o acesso à transmissão digital, com o desligamento do sistema analógico de TV no Distrito Federal. Cabe ressaltar que as antigas TVs de tubo, além de não possuírem peças de reposição, consomem mais energia".

Boas políticas sociais no Brasil não dependem de ideologia

Confirmou-se nessas eleições municipais o movimento tectônico da política brasileira rumo à centro-direita, em harmonia com o que ocorre na América do Sul. Parece ser o início de um ciclo longo. É fácil detectar os traços organizacionais da esquerda no Brasil, conectada com o sindicalismo trabalhista nos setores público e privado, com lobbies da reforma agrária e urbana, com uma parcela do professorado das universidades públicas e com uma franja da Igreja Católica.

Menos óbvio é entender por que a luta contra a desigualdade de renda e oportunidades encontra obstáculos intransponíveis numa esquerda assim configurada.

Avanços na educação e na saúde para a maioria mal remediada da população dependem de derrotas do corporativismo encarnado pelos sindicatos. As próprias ideias econômicas da esquerda fertilizam o solo no qual vicejam grupos empresariais bem situados que parasitam o Estado.

A centro-direita e sua constelação de interesses, um pouco mais liberal na economia, tampouco é portadora necessária das melhores respostas. Busquem-se no Ceará dos irmãos Gomes ou no Pernambuco de Campos experiências de sucesso no ensino público, mas não na modorrenta administração Alckmin em São Paulo.

Direitistas e esquerdistas muitas vezes se unem nas agendas predatórias. O tucano João Doria dará sequência à caótica e perdulária política de subsídios no transporte paulistano, que o petista Fernando Haddad, pressionado por movimentos de esquerda, conseguiu a proeza de piorar.

Aqui quem faz 60 anos, faixa cuja renda já dispõe de ampla proteção no país, também ganha ônibus de graça. Talvez fosse mais eficaz lançar dinheiro de helicóptero sobre regiões carentes da cidade.

O que distingue as boas políticas igualitárias no Brasil não é a cor ideológica, mas a capacidade de, com base na melhor ciência, deslocar os grupos de pressão.

A revolução cultural promovida pela Lava Jato na política do Brasil

Imaginem se os habitantes de Hiroshima soubessem que a bomba atômica iria explodir. Imaginem ainda que, mesmo sabendo, não tivessem para onde fugir. É a situação dos membros do sistema político às portas da delação premiada do empresário Marcelo Odebrecht e de seus executivos dentro da operação Lava Jato.

A gravidade da delação não se mede apenas pela montanha de nomes a serem revelados como beneficiários de recursos de sua empresa nem pelo fato de que membros do governo Temer vão ser atingidos. Três aspectos aumentam a gravidade da situação.

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O primeiro é que o esquema a ser revelado traduz nada mais, nada menos que a fórmula do funcionamento do capitalismo tupiniquim. Esquema que existia antes mesmo da era Lula. Criado no regime militar, foi aperfeiçoado na redemocratização. O que Marcelo Odebrecht vai expor será, no mínimo, espetacular e fará com que a Lava Jato passe para a história do Brasil como uma espécie de revolução cultural e episódio mais importante na política brasileira desde o fim do regime militar.

O segundo ponto é que a delação de Odebrecht e de seus companheiros colocará o Supremo Tribunal Federal no centro do julgamento mais crucial da história política do Brasil. Nada do que ocorreu antes no STF – e no Judiciário, de maneira geral – foi tão relevante para o presente e para o futuro do país. O volume de trabalho ali tem-se multiplicado.

Até sexta-feira, o STF tinha 77.159 processos para serem julgados. No Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por exemplo, de 432 recursos contra decisões da Lava Jato tomadas na primeira instância, apenas 17 tiveram êxito.

Provavelmente, não temos a melhor composição de ministros da história da Corte Suprema. Mas é o que temos, e vale o que está escrito. Serão eles que julgarão não apenas homens e algumas mulheres, mas todo o sistema político e suas relações com o arremedo de capitalismo que existe no Brasil.
A partir do que acontecer, devemos considerar que ocorrerão mudanças sérias que podem até mesmo pôr em xeque a sobrevivência do governo Temer em médio prazo. No entanto, apesar do caráter de explosão atômica das revelações de Marcelo Odebrecht e de seus companheiros, o governo deve sobreviver, assim como as instituições.

O resultado das eleições municipais, por exemplo, deu fôlego à atual gestão para avançar nas reformas, o que é positivo. O PT, que poderá receber punições mais severas nos tribunais, já mereceu uma dura censura por parte dos eleitores.

O terceiro aspecto será crítico para a regeneração do mundo político. É difícil acreditar que todo o sistema entrará em default. Qual será o desafio? Discernir os crimes cometidos e fazer a dosimetria das penas. O que será considerado corrupção relacionada a obras públicas, o que foi apoio político, o que é caixa 2 e como criminalizá-lo, entre outros desafios.

Com o fim das doações empresariais e o estabelecimento de um teto de gastos de campanha, um novo direito eleitoral já está emergindo da Lava Jato. A questão agora é como definir caixa 2 e como tratar aqueles que distribuíram dinheiro arrecadado dessa forma. O recurso serviu apenas para financiar campanhas eleitorais ou foi mesada para políticos e partidos?

É certo considerar que nada será como antes. E que, para o bem do Brasil, o governo deve ser preservado a fim de que a retomada da economia e a modernização das relações entre governo e empresariado possam prosseguir.