domingo, 19 de março de 2017

Charge do dia 18/03/2017

Precisa-se pensar em seguir adiante

A extenuante operação Lava Jato, quanto mais se aprofunda, mais substância apodrecida encontra. Como aquela que enche as linguiças e mortadelas que chegam às prateleiras dos supermercados.

Está atravessando uma camada densamente povoada de crimes, interligados, sequenciais, sistêmicos.

A onipresença da exploração de poder, usada nas altas esferas da República, mergulhou a economia na pior crise econômica enfrentada pelo país nos últimos anos. Arrastou para baixo a economia nacional e a qualidade de vida de todos, especialmente na base da pirâmide social. Ser desempregado e “pobre” é uma condição cada vez mais desesperadora e frequente.

A roubalheira que dominou a “coisa pública” está ligada umbilicalmente à burocracia permitida por leis péssimas e nefastas. Que ampliam a insegurança e abrem brechas para qualquer interpretação. No emaranhado de leis, decretos, dispositivos, regulamentações para privilegiar os detentores do poder, a economia ficou engessada e distorcida. Exagerada e perversa, sempre engendrada para complicar e enriquecer indevidamente alguém. O Brasil mergulhou num inferno de complicações, de aviltamentos, de sofrimentos.

Embora condenada internacionalmente como a mais perversa do planeta, a burocracia brasileira não está na base programática de qualquer partido. Evidentemente, por se tratar da forma mais eficiente que os partidos possuem para se alimentar.

A burocracia gera inicialmente cabides de empregos, depois exploração de pedágios, em seguida negociatas de qualquer tamanho e desvios. É o instrumento preferencial de dominação dos canalhas, alguns trasvestidos de benfeitores da humanidade. No primeiro ato, na pedra fundamental, tem sempre alguém que declama as virtudes, na prática o enxoval que traz é cheio de dificuldades para vender facilidades.

Mesmo que incontestavelmente o atraso acorrente o desenvolvimento, tem todos os partido de acordo. Como? Obviamente ninguém cospe no prato que o alimenta.

A burocracia tem o acinte de contornar e até inverter o sentido da Constituição, fazendo do cidadão uma figura inicialmente culpada, tirando-lhe a condição de inocente. A presunção da inocência, um fundamento jurídico indispensável à democracia, foi varrida. As pessoas precisam passar nos guichês, como em estações da via-crúcis, por uma infinidade de órgãos anacrônicos e cartoriais. Não raro há necessidade de contratar despachantes e consultores que possuem o monopólio da aprovação, pagando 20 vezes mais do que seria bem pago. Toneladas de estudos sem sentido e certidões que vencem em curto prazo.

Quase todos os partidos são associações ad delinquerem. Não são responsabilizados, não correm o risco de falência fraudulenta, apesar de serem evidentes formações de quadrilhas.

Discutem a anistia do caixa 2, mas na realidade o caixa 1 pode ser mais ligado aos desvios de dinheiro público que o próprio caixa 2. Um superfaturamento de obra pública pode retornar ao partido sob a forma de financiamento oficial, como de fato são os bilhões em financiamentos pagos oficialmente pelas empreiteiras da Lava Jato.

Um caixa 2 pode ser mais “legal”, apesar de contabilmente ilegal, que o próprio financiamento oficial. Aliás, em ordem de gravidade a doação é uma lavagem de desvios.

O caixa 2 pode ter origem no suor e ser pago por meio de pressão e chantagem, enquanto o caixa 1 é arranjo para estourar os cofres do erário.

A ditadura se encerrou com uma anistia ampla e irrestrita de crimes violentos, já os últimos 32 anos de “democracia”, que chegou ao estado de cleptocracia, pretendem encerrar-se com anistia dos crimes de assalto à coisa pública.

A anistia realmente é uma forma de passar adiante, mas devem ser realizadas limitadamente a devolução de todo o patrimônio, oficial e oculto, e a prestação de trabalho social, seguidas de um exílio proporcional à gravidade e não menos que dez anos. Quem fosse flagrado em falsidade na devolução do subtraído passaria para penas de detenção superior a dez anos.

O país tem que pensar em recuperar o que perdeu e seguir adiante, livrando-se desses esqueletos.

Nau dos insensatos

Tábua de salvação frequente diante do naufrágio, a reforma política volta à tona. Desta vez para evitar o afogamento de envolvidos na Lava-Jato. E, como sempre, navega longe dos interesses do eleitor.

Não há dúvida quanto à necessidade de o país substituir o atual modelo político - falido, sustentado por financiamento não raro ilícito. Mas não há qualquer chance de que ele seja alterado por aqueles que dele se beneficiam.

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Se for, será sempre para pior.

E é nessa trilha do para lá de ruim ao péssimo que caminha o debate desde a delação coletiva dos executivos da Odebrecht, quando a Câmara tentou, sem sucesso, aprovar a primeira anistia a financiamentos espúrios passados. Piorou depois de a Segunda Turma do Supremo entender que o caixa oficial de campanha pode embutir lavanderia de dinheiro sujo, e chegou ao alerta máximo com a segunda lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, citando mais de uma centena de políticos, entre comandantes e tripulantes.

Além da anistia ao caixa dois, que não saiu da mira, o que se tenta agora é aprovar o voto em lista fechada, já com validade para 2018. Trata-se de um molde sob medida para proteger denunciados: eles estarão elencados em um rol elaborado pelo partido – e até com preferência para quem já é parlamentar –, algo já declarado inconstitucional pelo STF. E o eleitor, em vez de votar no candidato, vota na lista inteira, dando a vitória, pela ordem, aos primeiros relacionados pela agremiação.

A ideia foi rechaçada há dois anos, quando a Câmara também descartou o Distritão, que substituiria o atual sistema proporcional pela regra majoritária de se eleger o parlamentar com mais votos, independentemente do partido, e o voto distrital misto, que combina eleição proporcional e majoritária, com um candidato por partido em cada distrito. Manteve-se exatamente o que hoje existe, sem tirar nem por.

Em novembro de 2016, o Senado também aprovou reformas. Estabeleceu a cláusula de barreira, criando percentuais de votação mínima para que uma sigla tenha acesso ao fundo partidário e à propaganda eleitoral (dita) gratuita, e o fim das coligações proporcionais. Medidas fundamentais para banir as legendas de aluguel, detentoras de segundos milionários de horário eleitoral, e os eleitos quase sem votos, que chegam ao Parlamento na cola das grandes legendas.

Não virou lei porque ambos os dispositivos ainda dependem de aprovação de dois terços da Câmara, em duas votações. E nada indica que serão apreciados.

Mas os mesmos que nada querem mudar – se pudessem manteriam os sistemas de financiamento empresarial e, por que não, até o caixa dois, imortalizado como “recursos não contabilizados” pelo tesoureiro do PT, Delúbio Soares – agora clamam pela reforma política.

Nada diferente do que o PT e a presidente deposta Dilma Rousseff fizeram em 2013. Quando as ruas ocupadas por milhares os ameaçaram, eles sacaram do bolso a urgência popular por reforma política e plebiscito para aprová-la, como se fosse essa a reinvindicação das multidões.

Tanto lá como agora, uma armadilha tão bem tramada que enreda até gente acima de qualquer suspeita. Na sexta-feira, durante entrevista à CBN, a presidente do STF, Cármen Lúcia, se viu debatendo reforma política, que só fala a língua dos que têm seus mandatos atuais ou futuros ameaçados.

Mais uma vez, os que querem simplesmente tergiversar ou descaradamente fazer leis de autoproteção conseguiram recolocar em pauta a premência da reforma política. Mas, claro, longe de sua essencialidade. Não dão andamento ao que já foi aprovado no Senado e, muito menos, a temas como o fim do voto obrigatório e mecanismos de recall, capazes de destituir bandidos, traidores do voto ou ineptos.

Fosse um país sério, a reforma política há muito estaria feita. Já que não foi, seria a quarta na fila, atrás das reformas da Previdência, trabalhista e tributária, essenciais para tirar o país da crise.

Chamar de reforma política os remendos em curso é dar pano para vela de gente que saqueou e desgovernou a nau.

Ideia fixa

Uma das lendas mais bem-sucedidas da história do Brasil, que há décadas tem vencido a inteligência comum, a experiência prática e a aritmética, sustenta que cortes nos gastos do governo prejudicam “os pobres”. Quaisquer cortes? Sim, quaisquer cortes. Não daria para cortar nada – nem reduzir de 150 000 para 140 000 reais, por exemplo, o salário mensal de um desembargador federal, ou mesmo estadual? Não, não daria. Quem garante isso, naturalmente, é a prosa dos que mandam e influem neste país, de um jeito ou de outro – e que, ao mesmo tempo, são os encarregados de gastar e receber o dinheiro. Os brasileiros não sabem, mas tudo isso é feito em seu próprio bem. Você é pobre? Então cuidado: sempre que ouvir alguém dizendo que é preciso cortar despesas numa máquina pública que arrecada 2,5 trilhões de reais em um ano, gasta até o último tostão disso tudo e ainda fica devendo uma enormidade, pode ter certeza de que estão querendo tirar o pouco que você tem. É curioso, porque os que pregam com mais paixão a fábula segundo a qual não se pode cortar nada, nem colocar um teto para o gasto público, não são os pobres – são, justamente, os mais ricos. Não fazem isso, tanto quanto se saiba, porque querem prejudicar a si próprios.

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Estariam apenas querendo ajudar os mais desvalidos, então? É o que dizem, mas desde que não tenham de transferir a eles nem um níquel daquilo que ganham do governo e de seus subúrbios. Na prática, como em tantas outras coisas no Brasil, grita-se a favor de alguma decisão de elevado mérito público, enquanto se trabalha em silêncio para enfiar dinheiro, benefícios e vantagens em bolsos privados. Como a Constituição brasileira garante a plena liberdade de crença, todos têm o direito legal de acreditar que a cantoria contra a diminuição das despesas do governo é um procedimento generoso. Não se pode cortar, Deus do céu, dinheiro que vai pagar os “gastos sociais” – nosso maravilhoso sistema de saúde pública, por exemplo, que segundo o ex-presidente Lula causa “inveja” ao resto do mundo (embora ele mesmo, em pessoa, jamais ponha os pés ali dentro). Ou o confortabilíssimo serviço de transporte coletivo nas cidades. Ou o nosso aparelho de segurança pública, que consegue manter os casos de homicídio em apenas 60 000 por ano. Também não se pode, asseguram os campeões do pró-gasto, diminuir a “capacidade de investimento do Estado brasileiro” – talvez a melhor piada de todas, considerando-se que o Estado brasileiro, há anos, não tem dinheiro para investir nem na construção de um mata-burro no interior do Piauí. Gasto público, ainda por essa ideia fixa, significa “distribuição de renda”. Distribuição para quem? Para os pobres, com certeza, não tem sido. Se fosse, o número de pobres estaria diminuindo a cada hora. Fora em algumas cifras incompreensíveis, suspeitamente parecidas com estatísticas argentinas do estilo Kirchner, não foi possível até hoje observar esse fenômeno no Brasil.

Na verdade, o governo só consegue distribuir renda a si mesmo – e só seus donos, não “os pobres”, perderiam com a redução da despesa pública. Dos 2,5 trilhões de reais que vai tirar da população em 2017 (de janeiro até agora já se foram mais de 450 bilhões), o governo vai queimar 40% com sua folha de pagamento; em áreas como o Judiciário os gastos com pessoal chegam a 90% das despesas totais. O grosso desse dinheiro todo fica com uma minoria ridícula – talvez uns 50 000 peixes gordos, se tanto, num total de 12 milhões de funcionários públicos nos três níveis de governo. Em matéria de concentração de renda, é um espetáculo de categoria mundial – só comparável ao da Previdência Social, em que 1 milhão de aposentados do serviço público, civis e militares, consomem mais dinheiro que os outros 25 milhões de brasileiros que se aposentaram no setor privado. Há, para os nababos, os mais exóticos tipos de benefício: auxílio-moradia, vale-refeição, bolsa de estudo para os filhos até a universidade, licenças, prêmios, abonos, diárias, autorização para faltar ao serviço e mais ou menos tudo que se possa imaginar em matéria de roubar legalmente o público pagante. Outros 40% do bolo, ou pouco mais, vão para pagar juros da dívida – pois, com tudo o que arrecada, o governo não consegue cobrir suas despesas e tem de tomar dinheiro emprestado, o que, obviamente, só gera mais dívida e mais lucro para quem empresta. Tiram-se ainda as verbas de manutenção e vai sobrar o quê?

Só mesmo aumentando os impostos. É a única proposta dos nossos gênios.

Gente fora do mapa

tell me how you got here, tell me when and why. tell me, does the canine love to…

Tudo vai ser diferente

A candidatura do ex-presidente Lula ao Planalto a um terceiro mandato é algo tão consistente quanto um suflê de vento. Não só a dele. Da mesma inconsistência padecem os demais pretendentes que já começam a se escalar, ou a ser escalados, como integrantes do elenco de 2018: o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, o prefeito da capital, João Doria, o presidente do partido de ambos, Aécio Neves, Marina Silva, Ciro Gomes, o deputado Jair Bolsonaro, o senador Ronaldo Caiado.

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Na categoria das miragens enquadra-se a candidatura própria à Presidência pelo PMDB, promessa feita e nunca cumprida desde os desempenhos memoráveis em 1989 e 1994, quando obteve respectivamente 4,73% e 4,38% dos votos. Hoje, provavelmente não teria muito mais que isso, caso levasse adiante o plano de trocar o papel de passageiro pela condição de condutor.

Não vai acontecer, entre outros motivos porque ao partido interessa conduzir (a Presidência) a partir do banco do carona. Daí, também, a importância de preservar a força (bruta) no Congresso, conforme sobejamente demonstrado no impeachment de Dilma Rousseff. O controle, ou não, do Legislativo determina o rumo do Executivo. É mais barato e lucrativo, portanto, investir em eleições locais de onde saem deputados e senadores. Ademais, não há nomes disponíveis no PMDB. Os mais destacados estão presos ou enfurnados até o pescoço em processos, denúncias e pronúncias. A saída já encaminhada pelo senador Aécio Neves seria uma aliança com o PSDB. Detentor do controle absoluto da direção do partido, ele não facilitará a vida dos adversários internos e reforça seu cacife.

Instalou o deputado Antonio Imbassahy no gabinete palaciano antes ocupado por Geddel Vieira Lima, distribuiu aliados em postos-chave no Senado, tornou-se credor do presidente da Câmara ao emprestar apoio dos tucanos à reeleição de Rodrigo Maia, juntou-se a José Serra contra Alckmin e convenceu Michel Temer de que solução melhor que essa não há. Engenharia perfeita, não fosse o risco de a obra desabar por reação do eleitorado à presença de tucanos nas investigações da Lava Jato e/ou ao comprometimento do partido com um governo cuja popularidade só faz cair. Nesse quesito, o PT investe numa miragem com base nas pesquisas que indicam Lula à frente de seus oponentes “se a eleição fosse hoje”. Ocorre que nem a eleição é “hoje” nem o ex-presidente está em situação confortável: é o campeão de rejeição, o único a figurar como réu em processos criminais com potencial para lhe subtrair a elegibilidade e mesmo a liberdade. É o comandante de um partido zonzo com sucessivas derrotas políticas, jurídicas e eleitorais, um político que só circula em público entre convertidos.

As citadas excelências escrevem roteiros cuja validade depende de fatos imprevisíveis. Simulam controle sobre uma realidade em total descontrole e, assim, iludem o eleitor. A disputa de 2018 ninguém sabe como será. Mas certamente será muito diferente de tudo o que já se viu.

Coquetel mortal

é preciso saber morrer
Misturar o verdadeiro e o falso é um problema muito sério porque é uma característica fundamental das ditaduras. No final, a única verdade é a voz do líder
Roger Cohen, colunista dos mais influentes dos Estados Unidos

E o que vocês fizeram juntos?

Dilma e Lula, cada qual a seu tempo e estilo, voltaram a protagonizar espetáculos anedóticos nos últimos dias. E só rindo mesmo para não chorar diante dos desaforos que lançam sistematicamente contra a inteligência de cada um de nós brasileiros. Lula escolheu como picadeiro o banco dos réus e palanques na rua, habitat tradicional para seus showzinhos particulares. Dilma, por sua vez, optou pelos grandes salões mundo afora, num tour que fez corar de vergonha não apenas os patrícios como a plateia estrangeira que dedicou tempo a ouvi-la. Comecemos pois, fazendo jus ao cavalheirismo, pela dama e suas diatribes. Não foi uma, mas inúmeras as escorregadelas e falta de compostura que adotou, até quando se arriscou a dialogar em um francês sofrível com gafes em profusão. No que disse de absurdos, atribuiu os maus resultados da economia a sua queda, decorrência direta do “golpe” – para usar uma lorota muito em uso nos discursos petistas – contra o mandato que exercia. Não foram as barbeiragens que executou, nem mesmo as medidas populistas que ordenou aos comandados, as verdadeiras razões da mais devastadora recessão da história do País. De maneira alguma! Esqueçam isso! Dilma, na tortuosa linha de raciocínio exposta ali, era a razão do sucesso, o porto seguro para as inversões redentoras do capital. Sem ela, estaríamos perdidos, chafurdando na lama. E assim aconteceu, acredita a honorável ex-presidente deposta. E disse isso literalmente a cada um dos ouvintes: “você acha que alguém investe em um país em que parte da oposição pede o impeachment da presidente? Eles construíram algo irresponsável, a insegurança do Brasil. Hoje a economia se deteriora”.
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Vamos nos ater a alguns itens dessa pantomima. Não foi “parte da oposição” que gerou o seu impeachment. A quase totalidade do Congresso, somada às hordas de milhões de brasileiros desesperados nas ruas – em maioria ensurdecedora, cujos panelaços e buzinaços não deixariam negar –, a afastou do poder, por obra e graça de improbidades administrativas notórias. Na letra da lei. E, qualquer um sabe, não é de “hoje” que a economia se deteriora. Dilma apagou da memória os números devastadores de PIBs negativos sob sua gestão. Esqueceu (só ela!) os milhões de trabalhadores que empurrou para o desemprego, os repiques da inflação, o descontrole nas contas públicas, a destruição das empresas, o caos em resumo, frutos das inconsequentes escolhas tomadas por ela. Dilma, ardilosamente, gosta de entrar em modo de negação e fez isso mais uma vez. Falseou os fatos. Pensava enganar a quem? Na Suíça, onde a rigidez de princípios e a qualidade de vida se sobrepõem à média, disse para assombro geral: “duvido que vão continuar chamando o PT de corrupto daqui para frente!”. Um pouco mais de sensatez seria aconselhável nos discursos da senhora Dilma. Na rota europeia, sem fundamento algum, chegou a falar no risco de adiamento das eleições do ano que vem e na ameaça de mudanças de regras para condenar Lula. Há de se perguntar de onde ela tira tantas ilações? A ex-presidente difama o Brasil, a democracia e as instituições como quem despreza escrúpulos. A tentação populista de encobrir e distorcer a realidade em proveito próprio ganha força por esses dias.

Mesmo seu mentor Lula não fica atrás nesse aspecto. Na primeira audiência a que compareceu como réu para prestar esclarecimentos sobre a acusação de tentar atrapalhar investigações da Lava-Jato fez da sessão um espetáculo. Se disse vítima de perseguição. Tripudiou de indagações. Os favores que teria ganho em um triplex, reformas do sítio (que não o pertence) ou mesmo os gordos dividendos recebidos por palestras a empresas que, em troca, lhe pediam favores, não passam de besteira! Intriga da oposição. Não existe organização criminosa no PT, uma definição de juízes da mais alta corte que o ofende. Na oitiva preliminar reclamou de levantar todo dia com receio de ser preso e negou qualquer influência na indicação daqueles que a seguir saquearam as empresas do Estado. O senhor Lula, como deixou transparecer mais de uma vez, gostaria mesmo que tudo isso fosse esquecido. Não reconhece malfeitos. Fez troça até quando indagado sobre seus rendimentos; “põe aí R$ 50 mil”. Com a profusão de amigos a socorrê-lo quando precisa, não saberia mesmo dizer de onde vem seu sustento. Dias após o interrogatório judicial, como se nada tivesse acontecido, estava ele novamente no palanque a reclamar com veemência contra as reformas da previdência. O rombo no caixa do Estado não é problema seu – muito embora tenha crescido espantosamente em pouco mais de uma década de PT no poder. Valem mesmo as promessas eleitoreiras a arrebanhar massa de manobra para colocá-lo mais uma vez no comando da farra. Lula anseia o papel de “salvador da pátria” contra o “governo ilegítimo”. Não toma jeito. Culpa de quem ainda acredita nele.

Pior para todos no escândalo da carne

Incrível, mesmo, com as exceções de sempre, foi o comportamento da mídia televisiva e escrita diante do escândalo que expôs o mercado da carne. A maioria dos veículos noticiou a ação da Polícia Federal na investigação da roubalheira que envolve frigoríficos grandes e pequenos, mas abriu páginas e vídeos à farta publicidade das empresas flagradas metendo a mão na atividade conspurcada.

Evidenciaram, esses veículos, a disposição de continuarem faturando em cima de desculpas esfarrapadas que pretenderam contrabalançar crimes capazes de perturbar a economia nacional. O Brasil está em vias de perder os resultados da exportação que vinha sendo das mais lucrativas de nossa economia, por conta da roubalheira dos responsáveis pelos frigoríficos.

Não adianta argumentar que tudo se tratou de iniciativa solerte de uns poucos funcionários públicos e privados, porque na realidade são as empresas as responsáveis pelo envio de carne podre a nossos fregueses dos outros continentes. Basta ver a queda nos preços das ações e a reação de países que não confiam mais na produção nacional. Nem nossa população, da mesma forma atingida pela certeza de estar sendo envenenada.

A queda, já neste fim de semana, das vendas de carne nos supermercados, só será inferior às exportações que elevavam nossa balança comercial e agora começam a ser denunciadas pelos importadores. Pior para todos, menos para os concorrentes.

Como complemento desse festival de corrupção, também surgiu a denúncia de que propinas da carne também abasteciam o PMDB e o PP.

Paisagem brasileira

Plano contra Lava Jato é o mesmo, apenas a estratégia é que foi aperfeiçoada

Não há nada de novo. O plano para inviabilizar a Lava Jato, colocado em prática desde o início do governo interino de Michel Temer, não sofreu modificações, somente a estratégia foi alterada. Nas primeiras investidas, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), fracassaram totalmente quando tentaram aprovar a anistia ao caixa dois eleitoral (para poupar parlamentares e governantes), a mudança na Lei da Leniência (para isentar as empresas) e a Lei do Abuso de Autoridade (para intimidar juízes, procuradores, promotores e delegados). Deu tudo errado no primeiro round – ou assalto, melhor dizendo.

No segundo assalto, o Planalto e a bancada da corrupção convocaram um novo treinador, com fama de especialista na matéria, chamado Gilmar Mendes, que resolveu mudar a estratégia e usar como cortina de fumaça o aumento de recursos para financiar a campanha eleitoral. A adesão dos parlamentares, obviamente, foi ampla, geral e irrestrita.


Não há parlamentar que recuse patrocínio para fazer campanha. E o ministro Gilmar Mendes, na condição de presidente do Tribunal Superior Eleitoral, acenou com dois argumentos verdadeiramente irresistíveis. Não somente ofereceu a volta do patrocínio de empresas, como também sugeriu a aprovação de um projeto para garantir maior volume de financiamento público, através de um fundo a ser criado.

Resistir, quem há de? Mas na verdade o plano anunciado por Gilmar Mendes abrangia era um ardil e encobria uma reforma total, a começar pelo rejeitadíssimo voto em lista fechada, que foi anexado como irmão xifópago do financiamento público.

Na empolgação do samba-enredo, o presidente do TSE nem levou em conta o carnaval passado. Na última discussão sobre reforma política na Câmara, dia 26 de maio de 2015, quando eram necessários 308 votos para aprovar o voto em lista fechada, somente 21 deputados foram favoráveis. E o próprio Rodrigo Maia, que hoje defende entusiasticamente esse estranho voto em lista, votou contra, junto com outros 401 deputados.


Portanto, os articuladores da atual reforma (leia-se: Planalto, Gilmar Mendes e bancada da corrupção, nesta ordem) achavam que, menos de dois anos depois, poderiam mudar o voto de 287 deputados, vejam como são delirantes. E na mesma balada, contavam aprovar também a anistia ao caixa dois eleitoral, a isenção de punições aos partidos políticos por irregularidades, a Lei do Abuso de Autoridades e até mesmo a reforma da Lei de Leniência, para dar um alívio às empreiteiras, ufa!

E se houvesse facilidades, aprovariam também a fixação de um prazo-limite para autorização judicial às escutas telefônicas e outras coisitas mais, porque essa gente realmente não conhece limites.


Quanto ao maior problema jurídico brasileira, o foro privilegiado, que protege mais de 40 mil autoridades políticas e administrativa, nenhuma palavra do ilustre ministro Gilmar Mendes, mais omisso do que fiscal de frigorífico.

Acontece que a realidade é muito mais imaginativa do que a ficção tramada no recôndito dos gabinetes. Até a segunda-feira passada, dia 13, apenas 9 senadores haviam assinado o pedido de urgência para votar o fim do foro privilegiado, uma emenda de Álvaro Dias (PV-PR). De terça a sexta-feira, num esforço extraordinário de Dias e do relator da emenda constitucional, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), eles conseguiram fechar as 41 assinaturas necessárias para colocar em votação a emenda.


Agora, na maior saia justa, o presidente do Senado, Eunício Rodrigues (PMDB-CE) terá de desengavetar e colocar em pauta a proposta, que necessita de 49 votos de senadores, em dois turnos, e 308 votos de deputados, também em dois turnos, para ser aprovada. É difícil, mas nada tem de impossível, até porque haverá pressão massiva das redes sociais da internet sobre os senadores. E não há quem resista.

A grande dúvida é saber se algum senador vai roer a corda e retirar a assinatura de apoio, arriscando-se a cair na lista negra do eleitorado. Mas os outros 40 estão sendo pressionados a assinar. Portanto, o momento ainda é de expectativa. Vamos aguardar.

Relatório classifica água do Rio Doce como péssima

A Fundação SOS Mata Atlântica acaba de publicar o relatório em que analisa o trecho do rio Doce destruído pelo vazamento dos resíduos de minério de ferro da mineradora Samarco, ocorrido há 16 meses. O estudo é fruto de uma expedição realizada entre os dias 19 a 28 de outubro de 2016 por 650 km de rio. Os resultados, já divulgados em novembro, estão agora reunidos na publicação Rio Doce: o retrato da qualidade da água.

O relatório concluiu que nos 18 pontos analisados pela Fundação, a qualidade da água é considerada péssima, totalmente imprópria para consumo e está em desconformidade com a legislação vigente por apresentarem altas concentrações de magnésio, cobre, alumínio e manganês acima do permitido. Em vista disso, a população das regiões afetadas devem ficar atentas e não consumir a água diretamente do Rio Doce, não nadar e que não deem água do rio para os animais, ainda que seja fervida antes, e somente beber água tratada pelas companhias de saneamento.

A publicação descreve também que nos pontos protegidos pela Mata Atlântica, em que a vegetação não foi arrastada e devastada, registram-se os melhores e únicos índices de recuperação da condição ambiental da bacia do rio Doce.

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“O mais grave desse retorno à bacia do Rio Doce foi constatar que, em primeiro lugar, a contaminação não cessou. Além disso, passados 12 meses ainda há arrasto de sedimentos por toda a bacia. E notamos como a presença de vegetação nativa protege a água, pois nos trechos onde existe remanescente de Mata Atlântica, nas áreas protegidas que não foram arrastadas pela lama, três pontos se recuperaram”, afirma Malu Ribeiro, coordenadora de Águas da SOS Mata Atlântica.

O estudo aponta como essencial medidas de restauração florestal com espécies nativas para a recuperação da qualidade da água. Além disso, destaca a necessidade de serviços de saneamento básico e ambiental nos municípios da bacia para a diminuição das demais fontes de poluição registradas e que foram agravadas com a degradação provocada pelo rompimento da barragem.

Zum-zum-zxum, pá-pá-pá, blá-blá-blá

Clap, Clap, Clap. Tem gente investigando tim-tim por tim–tim tudo quanto é tipo de falcatrua por aqui e ali. Mas o fundo do poço nos parece infinito, uff! Ai ai, todo dia tem um plaft na nossa cara. Grrr…

Tchantchantchantchan. Cada amanhecer é uma surpresa sobre qual vai ser o Oh! que nos deixará a todos boquiabertos. Aí é se preparar para passar o dia inteiro ouvindo os desdobramentos do caso, ou casos, porque ultimamente eles se sobrepõem de uma forma tal que quando você pensa que está ouvindo falar sobre um assunto, já é outro. Não dá nem mais tempo de sair por aí com o fubá enquanto o outro já está chegando com o bolo pronto e o café no bule.
Mesmo para quem trabalha com informação, como é o caso de nós, jornalistas, a velocidade absurda e incontrolável da comunicação em tempos atuais chega a ser exasperante. Não dá tempo para assimilar, entender, ver todos os lados da questão para poder analisar e transmitir aos leitores uma impressão mais segura, consolidada, uma análise mais esclarecedora e que acredito é o que se espera de nós. Glub-glub-glub, estamos nos afogando no mar de acontecimentos, morrendo pela boca, fisgando iscas em anzóis.

Mas quem quer saber? É tiroteio verbal para todos os lados. Não é à toa que até as onomatopeias estão sendo trocadas pelos simpáticos desenhinhos de emoticons, imagens que acabam representando a nossa opinião bem mais rápido. Outro dia mesmo até o presidente aí, ao se vangloriar no Twitter da compra de aeroportos por grupos estrangeiros usou duas daquelas cornetinhas de festa lançando confetes. Fofo, né? Nós é que temos de fazer aquela carinha brava, vermelhinha de raiva, de smile, por assunto tão importante aparecer assim engolfado, espremido entre listas e novas denúncias e escândalos. Numa semana que teve uma absurda e mal amanhada greve geral (! Até parece!), protestos contra a reforma da previdência e até um sapo barbudo emergindo do lago cheio de lama – coach,coach,coach.

Toda hora é preciso explicar para alguém porque e como que é cada vez mais supérfluo o tratamento de alguns temas em momentos com esse. A gente precisa sempre fazer que recordem que o espaço, seja o de jornais, tevês ou rádios é o mesmo, e dentro dele devem caber todas as notícias. Incluindo as seções fixas, o resultado dos jogos, o horóscopo, as colunas cada vez mais numerosas, espaços e programas que estão dando para qualquer um falar ou escrever, bem barato, especialistas, cheios de opinião a favor ou contra, numa dicotomia constante, maniqueísmo do bem ou do mal, “tucanos” ou “petistas”. É tanto cricri que parece noite de verão com cigarras gritando até estourar os peitinhos.
Mais: dizer que a internet é gloriosa porque é mais condescendente com os espaços é bobagem, porque nessa loucura não dá mais tempo de ler tudo. É vapt-vupt. No Facebook já até foi cunhada uma expressão “lá vem textão”! – quando alguém quer mais tempo de sua atenção para expor um assunto. (Cá entre nós, acredito que não funciona, e tem gente que sai correndo justamente nesse alerta).

Fom fom! Bi-bi! Quando é que conseguiremos um pouco mais de normalidade, andar para a frente, sem ouvir o ratatá da violência, o sentido sniff e ais das mulheres violentadas das mais diversas formas, o buááá das crianças massacradas?

Quando poderemos ouvir o trimmm do telefone nos chamando para trabalhar e não ter medo do ring, din-don e toc toc em nossas portas? Ouvir o tumtumtum de nossos corações apenas por paixões?

Imagem do Dia

 Praia de Gulpiyuri, nas Astúrias (Espanha), no alto do morro e longe do mar. Tem marolas e água salgada

Governantes que destruíram a Previdência precisam dar explicações ao país

Frédéric Bastiat, um inteligente deputado francês que viveu na época da Revolução de 1848, escreveu: “O Estado tem duas mãos: uma para receber e outra para dar, ou, melhor dizendo, a mão rude e a mão delicada. A ação da segunda subordina-se necessariamente à da primeira”. O pensamento de Bastiat poderia ser a síntese perfeita do que vemos em relação à previdência social: um seguro público, coletivo e, principalmente, compulsório, administrado pelo governo. Portanto, como uma mão rude, seu pagamento é uma imposição estatal, não uma “contribuição”, como se costuma dizer.

Assim, o governo impõe um “contrato” sobre os cidadãos. Mas isso não é o mais grave. O esquema moderno de previdência social é concebido como um sistema de fluxo financeiro. Um recurso da parte “ativa” da população vai para a parte “inativa”.

E dois problemas se destacam nesse cenário.

A proporção entre as duas partes está crescendo desequilibradamente: os encargos sobre a população ativa estão cada vez mais altos. E como resultado, estamos vendo ampliar o número de necessitados, ao mesmo tempo que está sendo reduzida a fatia dessa população ativa.

Ao contrário do que muitos ainda pensam, o dinheiro entregue ao governo não é investido em um fundo no qual ele fica rendendo juros. Ele é repassado diretamente a uma pessoa que está aposentada. Não é um sistema de capitalização, mas de repartição: o trabalhador de hoje paga a aposentadoria de um aposentado para que, no futuro, quando esse trabalhador se aposentar, outro trabalhador que estiver entrando no mercado de trabalho pague sua aposentadoria. Ou seja, um exemplo máximo de incompetência, já que não há investimento nenhum.

E, como se não bastasse, há um terceiro fator. Esse sim talvez seja o pior de todos. A irresponsabilidade da geração que “cuidou” de previdência social até aqui e vendeu a ilusão de uma pseudo-poupança.

A geração de Sarney, Itamar (Collor), Fernando Henrique, Lula e seus respectivos ministros, com atitudes inconsequentes, desviaram um volume incomensurável de recursos da Previdência para os mais sinistros propósitos, cujo dinheiro jamais voltou aos cofres previdenciários.

Podemos buscar muitos motivos para explicar tal insensatez. Mas, de certa forma, a resposta principal não é assim tão obscura. Eles simplesmente não enfrentaram o problema previdenciário porque qualquer atuação nesse setor causa desgaste político. Então, levianamente, os governos anteriores optaram pela omissão em contar a verdade aos cidadãos, levando a população apenas àquilo que lhes interessava.

Por isso, não adianta insistir no fato de que os gastos com os aposentados aumentaram porque as pessoas passaram a viver mais. Escuto isso desde a minha adolescência, há 25 anos. O que temos que fazer é voltar 25 anos e investigar melhor por que ninguém fez os ajustes adequadamente, os ajustes graduais.


Se não há ajustes, nenhuma reforma previdenciária vai funcionar. O governo precisa explicar, claramente, como a Previdência chegou nesse estado. Não adianta fazer fórmulas matemáticas, e até mesmo miraculosas, para dizer que daqui pra frente vai dar certo e vamos consertar as coisas para os próximos 50 anos. Porque isso não vai acontecer.

Daqui a 10 anos a Previdência vai estar quebrada do mesmo jeito, porque ainda haverá má administração, roubos, desvios. Por isso, antes de tentar ganhar a opinião pública para que faça qualquer sacrifício e aceite a tal reforma, é preciso explicar porque a Previdência quebrou. Com todas as letras.

Todavia, além das razões que comentei acima, e daquelas que o governo poderá explicar, é necessário trazer outra, que existe – e que se houver boicote à Lava Jato continuará a existir: o problema da corrupção. Mal que, conforme estamos vendo, envolveu toda a geração anterior que esteve na cúpula do poder.
Veja apenas um exemplo. A JBS, da Friboi, com R$ 1,8 bilhão, é a segunda maior empresa devedora da Previdência. Apesar disso, parece não estar sendo devidamente “incomodada”.

Um dos motivos, provavelmente, é porque a JBS também é uma das maiores financiadoras de campanhas eleitorais do país. Participante de esquemas fraudulentos sofisticados, ao ser alvo da Lava Jato, a empresa revelou pagamento de propinas a autoridades públicas para obtenção de recursos do FGTS. Os recursos desse fundo são bancados pelos trabalhadores e devem ser investidos em projetos de infraestrutura. O FGTS é uma fonte barata de financiamento e muito cobiçada pelas empresas. E o grupo JBS recebeu recursos do FGTS.

Sim, Frédéric Bastiat tinha razão: o Estado tem duas mãos. Pelo menos.
Eles precisam explica por que a Previdência foi a pique
Elisa Robson

O que resta

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Eu não confio no Estado. Eu confio na vigilância da sociedade
Nélida Piñon

Ácido ascórbico político

No dia 19 de fevereiro, escrevi uma coluna intitulada “Carne queimada”. À espera da nova lista do Janot, que finalmente se materializou na semana passada, analisava que eram inúteis as tentativas dos políticos de acordos ou operações-abafa para se salvar, porque quem fosse “marcado com a cruz escarlate da Lava Jato será carne queimada”.

E eis que da metáfora à literalidade mais aterradora, descobrimos nesta semana que, no Brasil, não só o que consumimos nas urnas, mas também nas gôndolas refrigeradas dos supermercados, está adulterado.

Os paralelos entre a Lava Jato, que completou três anos no mesmo dia em que, na sua maior operação, a Polícia Federal veio nos lembrar que a carne é fraca e a propina grassa em todos os terrenos da vida nacional, não são poucos.

O ambiente que permitiu prosperarem tanto um esquema duradouro de pilhagem à Petrobrás e demais estatais quanto outro em que se formou um oligopólio de carne no Brasil que, agora sabemos, operava à base de adulteração de produtos e suborno a fiscais, foi o mesmo: o lulopetismo e sua construção de um capitalismo dos amigos, voltado a perpetuar um partido no poder.

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Foi sob os auspícios de Lula e do BNDES que a BR Foods e a JBS, agora no centro da operação Carne Fraca, viraram duas potências do setor.

Durante a ilusória bonança econômica da era Lula, o surgimento desses gigantes dos frigoríficos ajudou a embalar a narrativa de um Brasil pujante, que dava lições ao resto do mundo de como empreender e virar um “país grande”. Os empresários da carne passaram a integrar o rol dos amigos do rei e a ser perfilados como os grandes campeões nacionais, ao lado de figurões de outros setores, como, vejam só, Eike Batista.

O crescimento desses impérios da proteína animal se deu à base da concentração de marcas antes concorrentes sob o mesmo guarda-chuva, bem como dos produtores e frigoríficos associados. Por isso, é hipócrita e inútil a tentativa das holdings de fazerem anúncios assépticos adotando a versão empresarial do “eu não sabia” de Lula e Dilma. Elas são, sim, responsáveis pela gororoba que seus associados misturaram na carne que eles venderam com sua marca reluzente e seus artistas globais.

E aqui voltamos ao terreno das analogias da carne podre do prato com a carne queimada da política. Assim como fizeram os frigoríficos, cotejados com o fato de que passaram do prazo de validade, os políticos continuam a tentar injetar na própria carne um ácido ascórbico legal que lhes dê uma sobrevida eleitoral.

Uma proposta de “anistia” ao caixa 2 aqui, outra de tirar a legislação eleitoral da Constituição para ser manipulada sem nenhum controle sanitário ali, essas tentativas de disfarçar o cheiro do produto estragado vão se sucedendo em velocidade cada vez maior à medida que o abatedouro de reputações da Lava Jato avança.

A dificuldade de fazer a mandracaria prosperar é que, nos três anos que nos separam do início das investigações do que viria a ser o petrolão, as instituições amadureceram e não vão retroceder ao que eram.

O instituto da delação premiada foi consolidado, os acordos de cooperação internacional, tanto no plano judicial quanto no setor financeiro, avançaram, foi mudada a jurisprudência sobre início do cumprimento da pena a partir da condenação em segunda instância e pela primeira vez uma operação casada da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça levou figurões à cadeia e recuperou bilhões de reais desviados em tempo real.

Tudo isso fez com que a Lava Jato virasse um patrimônio da sociedade. Tentar injetar um papelão institucional para dar consistência a políticos que viraram uma massa amorfa e putrefata será mais difícil que vender cabeça de porco como linguiça.

Labirinto

Ainda choro quando me lembro do menino João Hélio Fernandes Vieites.

Ele foi assassinado em 7 de fevereiro de 2007. Faz dez anos que morreu, arrastado pelas ruas entre Oswaldo Cruz e Cascadura.

A vida girou, e o horror da sua morte virou arquivo. Assim como hoje a paz no Rio parece converter-se em lembrança.

Minha enteada tinha 9 anos, e meu filho tinha 1 ano naquele dia da besta.

Fui morador do Campinho. Conhecia aqueles lugares.

Eu costumava colocar a ponta seca do compasso no prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, na Ilha do Fundão, e fazer um círculo. Eu e meu amigo Rafael Balbi morávamos no mesmo raio de distância de 13 quilômetros da escola que Jorge Machado Moreira projetou com rigor modernista para contar uma utopia brasileira.

Eu morava na Rua Pinto Teles e ele, no Alto Leblon. Eu a duas horas e meia da faculdade, ele a uma hora. A generosidade dele em me hospedar permitiu que eu frequentasse os bares, as festas e as alegrias do bom urbanismo da Zona Sul. Rafael tá no México. Sinto saudades.

Por que tamanha diferença na mobilidade urbana do Rio? Que fatos haviam levado a tal condição? Por que cidades são assim? Perguntas que eu queria equacionar.

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Parei no acostamento, no caminho de Nova Iguaçu, onde ia projetar praças, e chorei pelo menino morto. Foi suado comprar aquele carro para me livrar dos malditos ônibus. Ensopei com lágrimas minha direção assombrado por uma cadeirinha infantil vazia no banco traseiro.

Por que tamanha brutalidade contra uma criança? Haveria uma morte central e outra periférica? O que fazer? Como resolver? Pelo menos iria escrever.

Expeli uma carta que foi publicada no GLOBO. “Sintamos o horror desta morte. Até quando não vamos perceber a relação estrutural desta e de outras mortes com a corrupção de congressistas, supersalários do Judiciário, impunidade para fraudadores e desrespeito ao meio ambiente? O Brasil está sendo arrastado para a morte.” Escrevi. Ainda escrevo.

São Paulo, 26 de Fevereiro de 2017, um menino de 13 anos, João Victor de Souza Carvalho, morre em circunstâncias ainda por esclarecer junto a um restaurante de “comida rápida”. Há um vídeo nas marés da internet mostrando o menino sendo arrastado para o outro lado da rua por dois adultos e depositado. Seu corpo tem peso mas é mole. Sua bermuda cai. O vídeo é frio como é a calçada jazigo. Noutro vídeo o menino tenta agredir um adulto com um pedaço de pau. Laudos médicos contam de traços de cocaína e lança-perfume.

Assustam-me crianças em sonhos de cola ziguezagueando pelas ruas.

Ofereci um lanche. Mora onde? Nova Iguaçu. Conhece a praça tal? Sim. Fui eu que desenhei. Gosta de praça? Os olhos correm para lugar de tempo indefinido. Foi. Levou o salgado. Não terminou o suco.

Vejo a notícia de uma praça sendo vendida. Não vi direito a reportagem. Estava com pressa.

Por que aceitamos as crianças depositadas no éter?

Meninas e meninos vagam pelo Largo do Machado. Lá, uma bilheteria construída sobre os desenhos de Burle Marx engole dinheiros de tíquetes para ir ao Cristo. As crianças de cola correm. Dormem contorcidas sobre banco curvo moderno. Penso no Fundão.

A FAU pegou fogo. Vai fechar. A Maré e a Igreja da Penha viram quando eu beijei uma amiga no telhado lá. Havia tanto tempo e futuro. A faculdade parecia incendiária. Não queimada. Rio Cidade e Favela-Bairro nos inspiravam.

Ficava até a hora de fechar na farmácia do meu tio João de Deus, em Piedade, após voltar do Fundão. Gostava de fazer embalagens. Decifrar a lógica para achar remédios nas estantes. Morava com a família dele no Campinho. Ele confiava no subúrbio. Sinto saudades.

Assisti com meus primos filme de kung fu no Cine Piedade, no final da galeria da farmácia. Eu era criança de São Paulo. Havia muita luz no Rio.

Quem tinha 6 anos em 2008, quando foi implantada a primeira UPP, hoje tem 15. Se 8 fosse seria 17. Onde estão? Fazendo vestibular? No cinema?

Estudantes de várias partes do país aguardam a lista do Enem para entrarem em sequestros relâmpagos no Fundão.

Sai a lista do procurador-geral da República. Dezenas de adultos abraçados a dinheiros em delírios de cola de poder sem se importar com criança alguma. Apenas herdeiros.

O Instituto dos Pretos Novos vai fechar. É um sítio arqueológico onde estão os fragmentos depositados de corpos de adultos e crianças. É um “cemitério” de escravos. O casal Merced e Petrúcio cuida há 20 anos de um bem da República.

Não estão na lista de Brasília. Não têm dinheiro nem cola, mas oferecem um fio de Ariadne a quem chegar. Ajudam a decifrar o labirinto. A não esquecer.

Décadas de crianças perdidas.