quarta-feira, 17 de agosto de 2016

nani (1)

Detalhes olímpicos

Todas as Olimpíadas fabricam seus heróis. Aliás, toda atividade humana na qual se destaca um papel central, esse destaque dificilmente deixaria de ser visto como o “herói” simplesmente porque sua ausência impediria definir o ponto, dando-lhe um ponto de vista ou um arremate. Afinal, o diálogo com a finitude é o que constrói os heróis e os campeonatos. Dos torneios de várzea aos refinados Jogos Olímpicos, cuja marca é justamente um ciclo mundial de quatro anos. Fosse anual, não haveria Phelps ou Pelés.

O mundo em que vivemos é marcado pela predominância da parte sobre o todo; do individuo sobre o grupo. Para nós, a sociedade é o resultado de uma associação de indivíduos que perseguem os seus interesses, os quais se coordenam, no dizer de um tal de Adam Smith, por meio de uma bruxaria chamada de “mão invisível”. O próprio conceito revela como é central o foco na parte e no sujeito, deixando de lado as relações e, com elas, o reconhecimento do todo que, entre outras coisas, simboliza o limite. E o limite é o olimpo, o assento dos sobre-humanos. Mas, com o fim da monarquia, pode-se subir ou descer deste monte...

Se levarmos esses “detalhes” em conta, descobrimos que comparar conduz a individualizar. Eu prefiro X e você Y; eu sou Z e você X. Tal destaque pode levar ao desprezo ou a ênfase no elo que, afinal, é a base do contraste. Toda comparação pode conduzir a uma competição ou a uma guerra. Não foi por acaso que os Jogos foram reinventados na Europa!

A individualização extremada leva a diferenças que podem se fixar em desigualdades. Ou, ao contrário, em diferenciações que obrigam a rever preconceitos e exclusões. Os Jogos colocam no mapa países ignorados por meio de seus heróis. E, ao mesmo tempo, transformam desigualdades eventuais em diferenças irremovíveis. Um “detalhe” crucial da Olimpíada é o jogo entre eventos (ou “provas”) e um padrão geral — o tal “quadro de medalhas” — que reordena ou confirma nações alinhadas não mais pelo poder militar ou econômico, mas por desempenho neste campo situado entre guerra e arte.

Como mencionei na semana passada, o esporte, como as artes, é um ponto de repouso das rotinas — das questões práticas e das tragédias. Ele não as elimina, mas as converte e, no caso de fracassos, pode agravá-las acentuando ainda mais os radicalismos. De qualquer modo, como tudo que é programado e delimitado por um texto, palco e atores, o esporte é uma fantasia, mas uma fantasia transformada numa realidade tão séria quanto um filme musical ou um martini. Sua “glória” é um transbordamento parcial para o real. Seria maravilhoso se questões políticas pudessem ser resolvidas por meio de uma luta de boxe ou por um jogo de basquete...

De um certo ponto de vista, o campo do esporte é um experimento comparativo e uma abertura para a mudança. Aqui, dois “detalhes” se destacam imperiosamente: as regras explícitas e um uso do corpo com foco exclusivo no seu desempenho, talento e capacidade. No caso, uma refrega do atleta-herói contra o tempo, o espaço e os “estrangeiros” — esses outros que, paradoxalmente, não podem ser eliminados. Nesse sentido, o esporte é um ritual cujo proposito permite diferenciar iguais (todo jogo começa numa igualdade absoluta, como aprendi com Lévi-Strauss) sem, entretanto, esquecer — e isso digo eu — que as diferenciações sejam passageiras e relativas, pois tudo pode mudar numa outra competição.

Vejam a diferença: no mundo “real” a competição promove desigualdades permanentes e naturais, satânicas ou divinas. Mas, no esporte, a contingência da derrota (e da vitória) engloba apenas as inferioridades daquela competição ou jogo.. Nesta esfera da vida, não pode haver um campeonato que acabe com todos os campeonatos (como foi o caso de algumas guerras); ou um estilo de disputa definitivo. Muito pelo contrário, todo torneio tem como pressuposto um outro torneio de modo que a serie derrotado/vitorioso/derrotado seja permanentemente renovada. É muito semelhante a experiência do cantor com a música cujas interpretações são infinitas, embora ela continue sendo a mesma música.

Um dos “detalhes” do esporte como uma esfera de significado social é que nele vitória e derrota estão em relação. Perder não é desonra. É uma “prova” do outro lado desta moeda sem a qual não há jogo, pois sem ela não há vitória.

Roberto DaMatta 

Salvação na virtude

PIEDADE-Ilustração de Bandeira de Mello.:
Recomendai a vossos filhos a virtude. Só ela poderá dar a felicidade, não o dinheiro, digo-vos por experiência própria. Só a virtude me levantou de minha miséria. Só a ela e à minha arte devo não ter terminado em suicídio os meus pobres dias
Ludwig Van Beethoven (1770 – 1827)

O monólogo vazio de Dilma

Dilma Rousseff leu sua carta ao povo diante de jornalistas, mas não aceitou perguntas. Ela gostaria de ir ao Senado para apresentar sua defesa, mas não quer perguntas. Foi esse gosto pelo monólogo que a levou ao ponto onde está. Mesmo assim, há monólogos que ilustram. Esse não foi o caso da carta lida ontem.

Quando a senhora e o PT não sabiam o que fazer, propunham um pacto. Assim foi em 2013, quando os brasileiros foram para a rua. Ela ofereceu cinco pactos e mudou de assunto semanas depois. Ontem, novamente, ofereceu um “pacto pela unidade, pelo desenvolvimento e pela justiça”. Quando pactos não rendem, surge a carta do plebiscito, e Dilma voltou a tirá-la da manga. Sugeriu a realização de um plebiscito “sobre a realização antecipada de eleições, bem como sobre a reforma política e eleitoral”.

A reforma política é necessária e não precisa de plebiscito, mas é o caso de se lembrar que tipo de reforma era defendida pelo seu partido. O PT queria, e quase conseguiu, a instituição do voto de lista. Ela confiscaria o direito do eleitor de votar no candidato de sua escolha. Esse poder iria sobretudo para as direções partidárias. (O PT teve dois ex-presidentes e três ex-tesoureiros encarcerados.)

Dilma e o PT revelaram-se intelectualmente exaustos. Tiveram em Eduardo Cunha um aliado, um cúmplice e, finalmente, um inimigo. Nem ela nem o PT conseguiram dar apoio à Operação Lava-Jato. Ambos foram ostensivos críticos do instituto da colaboração premiada. Sem ela, a Lava-Jato estaria no ralo.

A um passo das cenas finais de sua carreira politica, a presidente diz platitudes como esta: “É fundamental a continuidade da luta contra a corrupção. Este é um compromisso inegociável. Não aceitaremos qualquer pacto em favor da impunidade.”

A presidente arruinou a economia do país pulando do galho das “campeãs nacionais” para as “mãos de tesoura” de Joaquim Levy, e dele para o breve mandarinato de Nelson Barbosa. Teve em Michel Temer um parceiro de chapa, um articulador político e, finalmente, um inimigo a quem chama de usurpador.

Num episódio raro, a carta de Dilma se parece mais com o programa de um governo que, tendo existido, deixou de existir, mas persiste, vagando qual alma penada.

Sua carta aos senadores poderia ter sido diferente na extensão e no conteúdo. Por decisão dela e de seu bunker do Palácio do Planalto, foi um documento empolado no estilo e catastrófico na essência. Ele não seria capaz de mudar votos no plenário do Senado que baixará a lâmina sobre seu mandato. Poderia ter motivado pessoas que aceitam parte de seus argumentos contra o processo de impeachment. Se ele não tiver esse efeito, isso refletirá a exaustão política do petismo e do dilmismo (se é que isso existe).

A presidente afastada vive seus últimos dias de poder na redoma do Alvorada, transformado em magnífico calabouço. Lá espera o automóvel que a conduzirá ao aeroporto. Poderia ter sido diferente, se ela e o PT tivessem entendido que estar no poder não significa poder fazer o que se queira. Algum dia essa ficha haverá de cair.

Elio Gaspari

Olimpída - De Keynes a Deaton

John Maynard Keynes irrompeu na filosofia política no limiar do século XX. E ganhou notoriedade ao final da II Guerra Mundial em 45, sobre as ruínas materiais e sociais que engoliam o continente europeu na fome e desemprego. O liberalismo do laisser faire reduzia-se impotente e frágil diante do desafio catastrófico de reerguer a economia. Neste cenário apontou Keynes propugnando ao Estado, aos governos o papel de conduzir a economia, naquilo que o empreendedorismo individual mostrava-se incapaz de cumpri-lo. Tese que Franklin Roosevelt levou à prática nos EUA de 39 a 45. Funcionou.


Guardando as devidas proporções, nossa Olimpíada pautou-se por um keynesismo sem fundos. Governos federal, estadual e municipal inadimplentes investiram maciçamente na festa esportiva mundial na esperança de que sobrasse algum proveito à cidade. Dos delírios demagógicos restaram as contas milionárias. E mais, a imposição inarredável de conservar o capital imobilizado ou abandoná-lo à ruína. Compromisso assumido por um estado incapaz de pagar os salários do funcionalismo. O governo olímpico do Rio, no auge da crise hospitalar, foi socorrido por três bilhões do governo deficitário Federal, cujo orçamento grava 170 bi negativos em 2016.

O economista Angus Deaton, prêmio Nobel de 2015, destacou-se nos estudos da micro-economia - a demanda e opção do comprador, o trivial comportamento popular exibido na feira diária. Pode servir à vista da Olimpíada. Afirma Deaton: aumentar apenas a renda dos mais pobres não reduz a pobreza se não for acompanhada do acesso à saúde e educação; mais importante que estimular o consumo é estimular a poupança para reduzir a pobreza. Deaton condenou a doação monetária e outras formas de assistencialismo aos governos africanos no combate à pobreza.

O crescimento econômico é que reduz a pobreza; não as doações. Deste confronto imaginário, ergue-se desafiadora a apolínea questão: pode um país endividado ao horizonte imprevisível, numa capital em guerra cercada de favelas, bancar uma Olimpíada?

Imagem do Dia

 Maoyuan Cui, ruínas da dinastia Qing em Yuxian, na província chinesa de Hebei 

Carta de despedida

A História do Brasil é importante demais apesar de muitos quererem menosprezar seu passado com a arrogância dos desclassificados de hoje. Entre seus registros, figuram as cartas e não são apenas as de Pero Vaz de Caminha, a certidão de nascimento, ou de Getúlio Vargas. O que falar das de José Bonifácio e da imperatriz D. Leopoldina a dom Pedro I quando da proclamação da Independência? 

Em meio à papelada, também há a rascunhada histriônica. Como os hilários bilhetinhos de Jânio Quadros sem qualquer interferência na História como a carta-renúncia de agosto de 1961.

Para entrar na própria História, Dilma também recorreu à sua veia epistolográfica. Dias e noites escrevendo para repetir o mais do mesmo em seu dilmês de chavões sobre golpes, plebiscito, novas eleições e exaltação à honradez própria como se honradez se auto-elogiasse. Foi outra vez o próprio ventríloquo. 

A carta de Dilma passará à História como a confissão de um poste, que ainda vaga pelos corredores do Alvorada arrastando a própria insignificância de ex-presidente (ou seria presidenta?). Não assusta, apenas se evapora.
E Viva a Farofa

O maior problema do Brasil é o desvirtuamento do Judiciário

Gigante pela própria natureza, o Brasil é o quinto maior país em extensão territorial e número de habitantes. No momento, está disputando a oitava colocação no ranking das maiores economias, e isso depende da cotação do real. Tem o maior volume de água doce do planeta, inclusive no subsolo; a maior capacidade de geração de energia limpa (hidrelétrica, solar e eólica); as mais extensas áreas agricultáveis, em condições ideais de luminosidade, com direito a até três safras anuais; a maior biodiversidade em florestas ainda inexploradas; e uma indústria sofisticada, que produz até computadores e aviões de última geração. Além de tudo isso, dispõe de reservas incomensuráveis em recursos minerais, ainda a serem exploradas, enquanto já caminham para o esgotamento na grande maioria dos países.

A Deusa Themis, simbolo da justiça, no Maranhão parece uma mendiga.:
Mesmo assim, o Brasil não dá certo… Portanto, tem de haver alguma coisa errada. Poder-se-ia até dizer que existe muita coisa errada, mas é preciso encontrar o ponto central da questão, ou seja, o mais importante fator que incida ao mesmo tempo em todos os setores e se revele capaz de impedir o aproveitamento do inegável potencial de desenvolvimento da economia brasileira. E esse fator é a justiça.

Sem a menor dúvida, pode-se afirmar que o maior problema do Brasil é hoje o desvirtuamento do Judiciário. A estrutura da nossa Justiça parece ter sido montada para propiciar a impunidade de governantes, autoridades, políticos e empresários incompetentes e corruptos.

Sem medo de errar, podemos dizer que o país cultiva um regime jurídico que inequivocamente privilegia as chamadas elites, ao mesmo tempo em que se mostra implacável com as camadas inferiores da população, que cumprem penas em condições verdadeiramente desumanas, fazendo com que nos lembremos do grande jurista Sobral Pinto, que na era Vargas se viu obrigado a recorrer à Lei de Proteção aos Animais para impedir que continuassem a torturar um de seus clientes mais famosos.

Não há dúvida de que a Justiça brasileira está falida. Aliás, devemos agradecer a um dos ministros do Supremo Tribunal Federal (Luís Roberto Barroso, que nunca foi magistrado) a sinceridade de proclamar que o STF não tem a menor condições de conduzir os inquéritos e os processos envolvendo políticos na corrupção da Lava Jato. Simples assim.

Barroso já errou feio no Supremo, no caso do rito do impeachment, conforme denunciamos duramente aqui na Tribuna da Internet, mas é preciso reconhecer que ele teve muita coragem ao denunciar a flagrante incompetência da Justiça brasileira. E o que fizeram os outros dez ministros do STF, diante da afirmação dele? Nada, não fizeram rigorosamente nada.

Isso significa que a farsa vai continuar. O Supremo continuará simulando que trabalha, e a opinião pública fingirá que acredita nisso. É uma situação cômoda, mas que precisa mudar.

Agora, o Supremo (com voto contrário de Barroso) acaba de proclamar que as prestações de contas dos prefeitos só poderão ser recusadas se houver reprovação de dois terços dos vereadores. Ou seja, o STF simplesmente jogou na lata do lixo o trabalho dos Tribunais de Contas e “politizou” (no mau sentido) a contabilidade das Prefeituras. Basta fazer acordo com um terço dos vereadores, e o prefeito pode roubar à vontade. Ah, Brasil…

O silêncio de Marisa Letícia e Fábio Luís

A esposa de Lula e o filho Fábio Luis foram convocados para depor sobre aquele sítio que dizem não lhes pertencer. Como se sabe, a família usava o local como proprietária, atuou nas obras e reformas como se fosse dona, mas tudo era custeado por empreiteiras que trabalhavam para o governo Lula. Por seus advogados, mãe e filho afirmaram nada terem a declarar. Se intimados, permaneceriam em silêncio. O delegado não abriu mão da convocação e os advertiu sobre uma possível condução coercitiva.

Situação constrangedora! Imagine dona Marisa Letícia acompanhando a obra, escolhendo materiais, dispondo sobre detalhes, aceitando isto, recusando aquilo, dando ordens e recebendo mesuras dos engenheiros e arquitetos, gerando despesas vultosas numa propriedade alheia. Por que estava ela ali? Porque o marido assim determinou. De repente, ela e o filho são chamados à delegacia para dar explicações sobre algo tão indecifrável.

Fico a imaginar com quanta diligência qualquer leitor destas linhas se apressaria a comparecer espontaneamente perante a autoridade policial e a tudo esclarecer – fatos, relatos, documentos e testemunhas – para que nenhuma dúvida pairasse sobre sua honestidade pessoal, para que mácula alguma sombreasse sua família.

Se assim agiriam pessoas de bem, de que se pode cogitar quando o silêncio é a resposta possível, quando o chão é o lugar certo para esconder o olhar e quando a imobilidade facial é a única expressão que alguém se permite?

O homem por trás desse constrangimento todo é o chefe daquela família, o ex-presidente da República, o senhor Luiz Inácio Lula da Silva. Sua ascensão ao poder foi encarada como oportunidade de enriquecimento familiar e assim levada de modo tão minucioso quanto amplo.

O constrangimento de Marisa Letícia e do filho Fábio Luis, que ocuparam o noticiário deste fim de semana, têm tudo a ver com o sentido de honra que o marido, que o pai, não soube preservar. Ao ceder em dignidade, perdeu alguns amigos e granjeou muitos outros. Nasceu a maior organização criminosa de que se tem notícia.

Creio que pelos amigos antigos falou José Carlos Bumlai, com as palavras que li nos jornais de 14 de agosto. Bumlai era tão ligado ao ex-presidente que a recepção do gabinete presidencial mantinha ativo um cartaz com sua foto assegurando total prioridade de acesso a Lula. E o que disse Bumlai sobre suas relações com o ex-presidente e seu partido? – “Fui o trouxa perfeito do PT”!
Em fevereiro, ao depor, Lula tentou empurrar a reforma do sítio para Bumlai. Seria um presente do trouxa perfeito. O advogado do pecuarista, contudo, refutou a afirmação: “Só se a Odebrecht for propriedade de Bumlai, o que não me consta”.

O anunciado silêncio de Marisa Letícia e Fábio Luis certificam o precipício moral em que a cobiça, a arrogância e a vaidade lançaram o chefe da família Lula da Silva.

Proliferação de estatais

A ideologia petista sempre pregou que a solução dos problemas nacionais inclui o aumento da interferência do Estado na vida econômica e social do País, em especial com o fortalecimento e a proliferação de empresas estatais. Com essa distorcida visão, Lula e Dilma aproveitaram seus anos na Presidência da República para criar dúzias dessas empresas. Levantamento feito pelo Instituto Teotônio Vilela (ITV) indica que, entre 2003 e 2015, foram criadas 43 empresas estatais. Continuam ativas 41.

Além de ineficaz – basta ver a herança maldita deixada por 13 anos de PT no governo federal, com uma crise econômica, social, política e moral sem precedentes na história do País –, essa política de proliferação de estatais gerou uma conta cara para o bolso do brasileiro. De acordo com o estudo do ITV, as operações das 28 estatais não financeiras criadas nos anos de gestão petista geraram um prejuízo acumulado de R$ 7,99 bilhões. Além disso, no período, a folha salarial dessas novas empresas consumiu mais de R$ 5,4 bilhões.

Duas subsidiárias da Petrobrás foram as mais deficitárias entre as novas estatais. O prejuízo acumulado da Citepe desde sua criação, em 2009, foi de R$ 4,01 bilhões. Em segundo lugar está a Petroquímica Suape, com um saldo negativo de R$ 3 bilhões.


A ânsia petista de criar estatais foi mais intensa até mesmo que a observada nos governos militares, período marcado por forte presença do Estado na vida econômica. Durante os 21 anos de ditadura militar, entre 1964 e 1985, foram criadas 47 empresas estatais. Já o PT, em 13 anos, criou 43 empresas estatais. É um número mais que expressivo, tendo em conta que, segundo o Ministério do Planejamento, o governo federal tem hoje ao todo 149 estatais.

Não é apenas o número de estatais criadas por Lula e Dilma que chama a atenção. Surpreende a diversidade das áreas de atuação dessas empresas. A lista inclui, por exemplo, uma fábrica de semicondutores no Rio Grande do Sul – cuja promessa na inauguração incluía a transformação da região do Vale dos Sinos em um novo Vale do Silício – e a Hemobrás, empresa de produção de medicamentos derivados do sangue em Pernambuco. Vinculada ao Ministério da Saúde, a estatal deveria “reduzir a dependência externa do Brasil no setor de derivados do sangue e biofármacos”.

Entre as obras-primas da administração petista está também a Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade S.A. (Etav), criada para supervisionar a execução das obras de infraestrutura e implantação do trem de alta velocidade que ligaria Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro. Posteriormente, a estatal teve suas competências ampliadas para abrigar os estudos e pesquisas de planejamento integrado de logística no País, envolvendo rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e hidrovias. Com a mudança, passou a se chamar Empresa de Planejamento e Logística S.A. (EPL). Nada disso, porém, fez mudar a realidade da estatal, reconhecidamente irrelevante no planejamento da infraestrutura logística nacional.

A diversificada lista das 41 estatais petistas faz parecer que os governos petistas operavam com a ideia fixa de que, para todo problema, se devia ter uma estatal. Esse modo primário de gestão pública tem um alto custo social. Com enormes desafios econômicos e sociais a serem enfrentados – basta citar saúde, educação e saneamento básico –, o governo federal despendeu energias e recursos em atividades inúteis.

Ou seja, o prejuízo dessa política não se resume ao rombo econômico, já por si escandaloso, que se vê nos balanços das novas estatais. Entre os efeitos danosos da gestão petista incluem-se também todas as omissões administrativas – aquilo que podia e devia ser feito, mas foi deixado de lado em função de o governo estar preocupado com a criação de novas estatais.

Além do mais, num ambiente de tanta conivência com a corrupção, sempre fica a dúvida se era apenas ideológica a motivação para criar tanta estatal.