Não foi só isso. Pouco depois da cena deplorável na CPMI, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) foi às suas redes sociais e postou nada menos que o seguinte: “Eu não duvido que a senhora Patrícia Campos Mello, jornalista da Folha, possa ter se insinuado sexualmente, como disse o senhor Hans, em troca de informações para tentar prejudicar a campanha do presidente Jair Bolsonaro. Ou seja, é o que a Dilma Rousseff falava: fazer o diabo pelo poder”.
A mensagem do deputado consumou, com total explicitude, mais uma investida do poder contra a mulher e contra a imprensa. Portanto, o que se passou em Brasília na terça-feira não foi apenas mais um surto de misoginia abjeta dando mais uma prova cabal da falta de decoro e de preparo das autoridades que encontram abrigo nos palácios da República; o que se passou lá foi o novo lance da cruzada fanática do governo federal contra os jornais. Enfim, o que se passou em Brasília na terça-feira era (e é) notícia do mais alto interesse público.
Em sua edição de ontem, a Folha repudiou oficialmente a mentira do acusador e as “insinuações ultrajantes” do deputado Bolsonaro. Quanto ao Estado, ao dar o devido destaque ao assunto, deixou claro que o tema não se reduz aos interesses do jornal concorrente e cumpriu o dever de levar ao seu leitor o que há de mais preocupante no País: o empenho alucinado do poder em destruir o jornalismo. A vítima desta vez foi uma repórter da Folha, mas o objetivo final deste coro de intolerantes – e mentirosos – é desacreditar não apenas a Folha, e sim todos os jornais. O objetivo é desmoralizar as redações profissionais independentes, todas elas.
Vistos em conjunto, esses ataques contra a imprensa, sucessivos e crescentes, conformam este fato irrefutável do nosso tempo: o poder que aí está, mais do que não gostar, rejeita visceralmente a função investigativa dos jornalistas e, se pudesse, gostaria de sumir com eles. Outro dia mesmo o presidente se referiu aos jornalistas como “espécie em extinção”. Não há um só momento em que um representante do governo federal tenha saído em defesa da liberdade de imprensa.
Quando muito – e isso rarissimamente –, uma autoridade governista reconhece alguma utilidade nos jornais para, logo em seguida, com a ajuda de uma conjunção adversativa, de preferência um “mas”, disparar um desaforo qualquer, como “jornalista tem de ir para a cadeia” ou “a imprensa só produz fake news”.
Esta campanha aberta e contumaz é um fato. Não é uma questão de opinião do observador. É fato objetivo. Suas consequências são desastrosas. Quem consegue aquilatar os efeitos de tamanha prepotência na formação das mentalidades das novas gerações? Essa postura animalesca ajuda ou atrapalha a cultura política no Brasil? Promove ou inibe a compreensão dos direitos? Se a autoridade, em lugar de ensinar a liberdade, dá exemplo de calúnia, de infâmia e de intolerância, o que acontece com os princípios democráticos? Ficam mais fortes ou mais fracos?
Será tão difícil perceber esse fato notório? O Brasil ainda não está numa ditadura, é óbvio, mas a democracia brasileira vai mal, e vai mal porque o bolsonarismo de bueiro, com o apoio do Planalto, milita para fazê-la sangrar diariamente. O fato é que o governo não cessa de trabalhar contra a imprensa, contra os valores democráticos, contra as mulheres, contra a razão.
Eugênio Bucci