sábado, 5 de agosto de 2017
Macacos e girinos
Uma tristeza, esse momento do país. Denúncia contra Temer arquivada, nova denúncia esperada. A profunda crise econômica mostra que seguimos pagando o preço da irresponsabilidade e incompetência da “nova matriz econômica” de Dilma e Mantega, de terrível memória. O PMDB continua o de sempre. O PSDB se esgarça, entre a gravação de Aécio e o pragmatismo que sufoca a ética. A atual oposição — PT e outros — repete o macaco da história: pendurado pela cauda corrupta, ri do rabo alheio. Até despencar do galho. Como se não fosse vergonha ter indignação seletiva diante da corrupção.
As coisas têm de mudar.
Não se trata apenas de dar um basta nesse descalabro e começar de novo, sem ao menos ter clareza de por onde iniciar. É fundamental saber o que pretendemos recusar. E para onde queremos ir.
Também precisamos ter noção das prioridades, do que deve vir primeiro na agenda, dos prazos que correm. Por um lado, há muita coisa a fazer em pouco tempo, exigindo foco nítido. De outra parte, não adianta querer tudo de uma vez, nos arriscando a não conseguir nada.
Substituir uma palavra de ordem por outra é só uma forma de autoengano, de dar a impressão de que se está fazendo alguma coisa, protestando. Mas pode não passar de ilusão a girar no seco, sem sair do lugar. Os meses se escoam. Não adianta só trocar o “não vai ter golpe” pelo “fora Temer”, e assim por diante. Já devíamos ter aprendido. O mecanismo de que falava José Padilha é poderoso. Tudo é feito para não dar certo, o país continuar desigual, e se manter quem já está no poder.
Algo tem de mudar, além dos slogans. Com alvos nítidos. Por exemplo, algumas regras. E logo. As eleitorais têm de ser definidas até o mês que vem, para cumprir o prazo constitucional de um ano antes das eleições. Os políticos preferem nem falar nisso, deixando tudo como está. Ou piorar ainda mais, para garantir sua reeleição — e o foro privilegiado que pode protegê-los da cadeia, ao ganhar tempo em sucessivos adiamentos e recursos, até o possível crime prescrever. Preferem mudar de assunto e trazer novos temas para desviar o debate público. Nem que seja o número de tornozeleiras de Goiás.
A operação abafa contra punir os corruptos é ostensiva, frisa o ministro Barroso. Inventam todo tipo de obstáculo às investigações. Fingem garantir os direitos de defesa — que precisam mesmo ser mantidos, desde que não sirvam apenas para alimentar manobras de adiamento. Ou disfarçam a inercia sob a capa de preocupação com abuso de autoridade, a ponto de congelar a ação investigativa antes até de começar. E propõem mudanças estratégicas no Código de Processo Penal.
De qualquer modo, temos pouco tempo. Doações de empresas já não são mais permitidas. Em seu lugar virá o quê? Como termos campanhas mais baratas? Debates mais diretos? Fim do marketing? Ou virá esse famigerado fundo de dinheiro público a rodo, que estão querendo implantar? A encobrir um jeito legal de transferir grana para os partidos, junto com o direito de eles escolherem para qual cacique vai nosso precioso voto. Vamos deixar?
E os partidos que se alastram feito mofo? Como vão ser controlados? Haverá cláusula de desempenho? De que tipo? Poderão fazer coligações? Dentro de que limites? Será possível lançar candidaturas independentes, de gente que não esteja filiada a qualquer partido? Em vez de se adotar o voto distrital ou misto, vai se consolidar o Distritão, para que tudo fique como está? Quem esclarece a diferença entre um e outro?
A Lei da Ficha Limpa ainda vale? Ou vai se fingir que ela não existe? Ao menos desistiram da emenda Lula, do deputado petista Vicente Cândido, que ia blindar candidatos réus nos oito meses antes da eleição. Valeu a pena reagir... Mas muitos dos ingênuos que pensam protestar se calaram.
Para atuar politicamente com eficiência, é melhor sair da inércia gritadeira de slogans. Começar a pressionar os políticos que achamos honestos (em qualquer partido, se é que existem) para que mudem o mecanismo que perpetua a corrupção. Não mais insistir nessas cruzadas de moralismo superficial a exagerar eventuais escorregadelas da Lava-Jato ou deslizes da mídia ( e eles existem). Há que ter um pouquinho de jogo de cintura que nos leve adiante. Temos de descobrir possibilidades de fazer alianças e aumentar a resistência.
As pesquisas de opinião mostram um descrédito geral. Segundo as mais recentes, 94% da população reprovam Temer, 90% não querem saber de Aecio, 80% rejeitam Lula, 67% execram Alckmin.
Podemos aprender com a experiência alheia. Nos EUA, as exigências de pureza ideal fizeram com que eleitores democratas, que só admitiam Bernie Sanders e se negavam a aceitar Hillary, ajudassem a eleger Trump.
Não adianta esperar o candidato dos sonhos. Salvador da pátria não existe. Cabe a nós a função de tocar para a frente. Quem não quiser ficar reduzido a ter de se jogar em um colo populista vai precisar engolir uns sapinhos. Melhor examinar girinos com antecedência e considerar alternativas, do que vomitar e chorar diante da urna.
As coisas têm de mudar.
Não se trata apenas de dar um basta nesse descalabro e começar de novo, sem ao menos ter clareza de por onde iniciar. É fundamental saber o que pretendemos recusar. E para onde queremos ir.
Também precisamos ter noção das prioridades, do que deve vir primeiro na agenda, dos prazos que correm. Por um lado, há muita coisa a fazer em pouco tempo, exigindo foco nítido. De outra parte, não adianta querer tudo de uma vez, nos arriscando a não conseguir nada.
Substituir uma palavra de ordem por outra é só uma forma de autoengano, de dar a impressão de que se está fazendo alguma coisa, protestando. Mas pode não passar de ilusão a girar no seco, sem sair do lugar. Os meses se escoam. Não adianta só trocar o “não vai ter golpe” pelo “fora Temer”, e assim por diante. Já devíamos ter aprendido. O mecanismo de que falava José Padilha é poderoso. Tudo é feito para não dar certo, o país continuar desigual, e se manter quem já está no poder.
Algo tem de mudar, além dos slogans. Com alvos nítidos. Por exemplo, algumas regras. E logo. As eleitorais têm de ser definidas até o mês que vem, para cumprir o prazo constitucional de um ano antes das eleições. Os políticos preferem nem falar nisso, deixando tudo como está. Ou piorar ainda mais, para garantir sua reeleição — e o foro privilegiado que pode protegê-los da cadeia, ao ganhar tempo em sucessivos adiamentos e recursos, até o possível crime prescrever. Preferem mudar de assunto e trazer novos temas para desviar o debate público. Nem que seja o número de tornozeleiras de Goiás.
A operação abafa contra punir os corruptos é ostensiva, frisa o ministro Barroso. Inventam todo tipo de obstáculo às investigações. Fingem garantir os direitos de defesa — que precisam mesmo ser mantidos, desde que não sirvam apenas para alimentar manobras de adiamento. Ou disfarçam a inercia sob a capa de preocupação com abuso de autoridade, a ponto de congelar a ação investigativa antes até de começar. E propõem mudanças estratégicas no Código de Processo Penal.
De qualquer modo, temos pouco tempo. Doações de empresas já não são mais permitidas. Em seu lugar virá o quê? Como termos campanhas mais baratas? Debates mais diretos? Fim do marketing? Ou virá esse famigerado fundo de dinheiro público a rodo, que estão querendo implantar? A encobrir um jeito legal de transferir grana para os partidos, junto com o direito de eles escolherem para qual cacique vai nosso precioso voto. Vamos deixar?
E os partidos que se alastram feito mofo? Como vão ser controlados? Haverá cláusula de desempenho? De que tipo? Poderão fazer coligações? Dentro de que limites? Será possível lançar candidaturas independentes, de gente que não esteja filiada a qualquer partido? Em vez de se adotar o voto distrital ou misto, vai se consolidar o Distritão, para que tudo fique como está? Quem esclarece a diferença entre um e outro?
A Lei da Ficha Limpa ainda vale? Ou vai se fingir que ela não existe? Ao menos desistiram da emenda Lula, do deputado petista Vicente Cândido, que ia blindar candidatos réus nos oito meses antes da eleição. Valeu a pena reagir... Mas muitos dos ingênuos que pensam protestar se calaram.
Para atuar politicamente com eficiência, é melhor sair da inércia gritadeira de slogans. Começar a pressionar os políticos que achamos honestos (em qualquer partido, se é que existem) para que mudem o mecanismo que perpetua a corrupção. Não mais insistir nessas cruzadas de moralismo superficial a exagerar eventuais escorregadelas da Lava-Jato ou deslizes da mídia ( e eles existem). Há que ter um pouquinho de jogo de cintura que nos leve adiante. Temos de descobrir possibilidades de fazer alianças e aumentar a resistência.
As pesquisas de opinião mostram um descrédito geral. Segundo as mais recentes, 94% da população reprovam Temer, 90% não querem saber de Aecio, 80% rejeitam Lula, 67% execram Alckmin.
Podemos aprender com a experiência alheia. Nos EUA, as exigências de pureza ideal fizeram com que eleitores democratas, que só admitiam Bernie Sanders e se negavam a aceitar Hillary, ajudassem a eleger Trump.
Não adianta esperar o candidato dos sonhos. Salvador da pátria não existe. Cabe a nós a função de tocar para a frente. Quem não quiser ficar reduzido a ter de se jogar em um colo populista vai precisar engolir uns sapinhos. Melhor examinar girinos com antecedência e considerar alternativas, do que vomitar e chorar diante da urna.
A ocupação necessária
O Rio e o Brasil estão comemorando mais uma vez a entrada de nossos soldados na luta contra a violência que tomou conta desta bela cidade. Diante da guerra civil em andamento, não há como ficar contra a decisão do governo federal, mas é preciso estar alerta aos seus riscos e limitações.
Com as Forças Armadas (FFAA) nas ruas, a população carioca pode ter um fôlego de paz, mas sob o risco de envolver nossos soldados em mortes: a deles e a de bandidos nas ruas. As consequências destas mortes poderão ser muito graves para o necessário casamento entre os brasileiros e suas FFAA.
Ao escolhermos o caminho do enfrentamento entre nossos soldados e a guerrilha do crime, adotamos o risco de soldados matarem brasileiros, inclusive com prováveis efeitos colaterais: eufemismo para dizer vítimas inocentes de balas perdidas atiradas por armas de um lado ou de outro. Somente neste ano de 2017, 92 policiais militares e mais de 500 civis, inclusive crianças, foram mortos na guerra entre bandidos e policiais. São estatísticas assustadoras: ainda mais grave se envolver nossos soldados.
Igualmente grave são os limites desta opção. O Exército não pode ficar para sempre nas ruas do Rio, nem de outras cidades. No dia seguinte à saída dos militares, mesmo não sendo vista como derrota, os bandidos voltarão com espírito de vencedores. Sem falar no risco de sucesso da guerrilha do crime, se não diretamente no enfrentamento com nossos soldados, indiretamente pela disseminação da bandidagem em outras cidades.
A solução provisória será um agravante. Ainda que tenham sucesso momentâneo, os soldados não construirão a paz permanente, que só viria se o governo federal ocupasse o Rio com professores bem preparados, dedicados, bem remunerados, em escolas bonitas e bem equipadas, todas com horário integral.
Há anos, muitos dizem que se o Brasil não ocupar suas cidades com professores, teria de ocupá-las com soldados. Darcy Ribeiro dizia que, se não fizermos escolas, teremos que fazer cadeias. Ou ocupamos com professores ou não adianta ocupá-las com soldados.
Mas continuamos preferindo os soldados aos professores, a segurança provisória à paz permanente. Comemoramos a federalização da segurança, mas nos recusamos a federalizar a educação. Se todas as crianças do Rio tivessem escolas equivalentes aos Colégios Federais, Pedro II ou Militares, em uma geração teríamos um ambiente de paz, evitando a necessidade da precária e arriscada opção militar.
Talvez isto nunca vá acontecer, por causa da miopia em relação ao futuro que nos faz preferir soldados nas ruas, muros nos condomínios, carros blindados, a uma paz duradoura que vem da educação. Em grande parte, porque temos três ideias arraigadas: a educação não resolve o problema; não podemos esperar por ela; e, sobretudo, a ideia de que no Brasil não há como oferecer escola com a mesma qualidade para os filhos de ricos e filhos de pobres. Esta mentalidade é a principal origem da violência que agora tentamos barrar com soldados.
Com as Forças Armadas (FFAA) nas ruas, a população carioca pode ter um fôlego de paz, mas sob o risco de envolver nossos soldados em mortes: a deles e a de bandidos nas ruas. As consequências destas mortes poderão ser muito graves para o necessário casamento entre os brasileiros e suas FFAA.
Ao escolhermos o caminho do enfrentamento entre nossos soldados e a guerrilha do crime, adotamos o risco de soldados matarem brasileiros, inclusive com prováveis efeitos colaterais: eufemismo para dizer vítimas inocentes de balas perdidas atiradas por armas de um lado ou de outro. Somente neste ano de 2017, 92 policiais militares e mais de 500 civis, inclusive crianças, foram mortos na guerra entre bandidos e policiais. São estatísticas assustadoras: ainda mais grave se envolver nossos soldados.
Igualmente grave são os limites desta opção. O Exército não pode ficar para sempre nas ruas do Rio, nem de outras cidades. No dia seguinte à saída dos militares, mesmo não sendo vista como derrota, os bandidos voltarão com espírito de vencedores. Sem falar no risco de sucesso da guerrilha do crime, se não diretamente no enfrentamento com nossos soldados, indiretamente pela disseminação da bandidagem em outras cidades.
A solução provisória será um agravante. Ainda que tenham sucesso momentâneo, os soldados não construirão a paz permanente, que só viria se o governo federal ocupasse o Rio com professores bem preparados, dedicados, bem remunerados, em escolas bonitas e bem equipadas, todas com horário integral.
Há anos, muitos dizem que se o Brasil não ocupar suas cidades com professores, teria de ocupá-las com soldados. Darcy Ribeiro dizia que, se não fizermos escolas, teremos que fazer cadeias. Ou ocupamos com professores ou não adianta ocupá-las com soldados.
Mas continuamos preferindo os soldados aos professores, a segurança provisória à paz permanente. Comemoramos a federalização da segurança, mas nos recusamos a federalizar a educação. Se todas as crianças do Rio tivessem escolas equivalentes aos Colégios Federais, Pedro II ou Militares, em uma geração teríamos um ambiente de paz, evitando a necessidade da precária e arriscada opção militar.
Talvez isto nunca vá acontecer, por causa da miopia em relação ao futuro que nos faz preferir soldados nas ruas, muros nos condomínios, carros blindados, a uma paz duradoura que vem da educação. Em grande parte, porque temos três ideias arraigadas: a educação não resolve o problema; não podemos esperar por ela; e, sobretudo, a ideia de que no Brasil não há como oferecer escola com a mesma qualidade para os filhos de ricos e filhos de pobres. Esta mentalidade é a principal origem da violência que agora tentamos barrar com soldados.
O divórcio
O presidente Michel Temer apresenta constrangedora aprovação, apenas 5% da população. Todavia, por meio de conchavos com deputados, da liberação de verbas para emendas parlamentares e da indicação de apaniguados para a administração federal, obtém maioria na Câmara dos Deputados. O balcão de negócios é explícito. Dessa forma impede a instauração de ação penal por crime grave de corrupção passiva.
Aí está um exemplo do divórcio existente entre a República e a sociedade, no atual momento. Muitos representantes de cada um dos três Poderes se encontram alheios aos anseios da população, como se as instituições do Estado e os grupos sociais fossem universos estanques, incomunicáveis.
A maioria das pessoas, diante das revelações de corrupção, reclama efetividade na apuração dos crimes perpetrados pelos agentes políticos, em prejuízo do dinheiro público. Fatos foram trazidos à tona pelas delações das grandes empreiteiras e da JBS, mas apenas pequeno porcentual das investigações prosperou.
Mesmo quando se instaura um processo criminal no Supremo Tribunal Federal, a demora é inaceitável, basta lembrar o recebimento da denúncia contra Renan Calheiros, por peculato, anos depois do fato envolvendo sua ex-amante Mônica Veloso. A denúncia foi recebida em dezembro do ano passado, mas o acórdão relativo a esse acolhimento só agora veio a ser posto à disposição pelo ministro relator, que o ficou burilando por oito meses. Enquanto isso, Renan Calheiros zomba da Justiça.
As principais lideranças políticas dos diversos partidos, em especial do PMDB e do PT, têm contra si vários inquéritos, cuja finalização, para a apresentação de denúncia, se vai prolongando no tempo. Enquanto isso, esses falsos líderes continuam a ditar a vida política brasileira, ocupando cargos de relevo na Câmara e no Senado. Se alguns políticos importantes como Lula, Palocci, Henrique Alves, Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima e Sérgio Cabral estão condenados, presos ou em prisão domiciliar, tal sucede apenas porque, sem mandato, não gozam de foro privilegiado. A morosidade é patente nos tribunais superiores.
A nossa proposta da criação de força-tarefa no Supremo Tribunal para enfrentar a avalanche de investigações decorrentes da delação da Odebrecht, agora, com a delação da JBS, torna-se ainda mais imperiosa. Medidas foram adotadas pela presidente Cármen Lúcia junto ao relator da Lava Jato no Supremo, ministro Edson Fachin, que pretende acelerar alguns processos. Mas é ainda pouco, perto da imensidão de fatos graves envolvendo a cúpula da política brasileira. E a sociedade, ansiosa, clama por justiça, que está adormecida.
A reforma política, tão almejada, foi desprezada por Michel Temer e pelo Legislativo. Com imensa desfaçatez, o deputado Vicente Cândido “corajosamente” propôs vergonhoso habeas corpus preventivo para a classe política, impedindo a eficácia da Justiça ao proibir, desde oito meses antes das eleições, a prisão de pretendentes a candidatos a qualquer cargo. A já chamada “emenda Lula” – da qual se teria desistido – seria convite, portanto, a que réus encontrassem um valhacouto na disputa eleitoral, transformada em reduto garantidor da impunidade. Nada mais avesso ao sentir do povo.
No instante em que as contas públicas não fecham, surge a proposta de criação de um Fundo Eleitoral Nacional, com dotação de mais de R$ 3 bilhões, para financiar os partidos reconhecidamente dominados pelos acusados de corrupção, tornando viável sua eleição como fuga da Justiça.
Ao se destinarem elevados valores para os partidos, de acordo com a composição das bancadas na Câmara dos Deputados, busca-se a manutenção dos atuais parlamentares, impedindo a renovação na política brasileira. De outra parte, pretende-se dar sigilo às pequenas doações, na direção contrária à exigência de transparência reveladora de quem doou para quem. Com doações de pessoas físicas devidamente identificadas, evita-se a fraude, fortalece-se a participação da população e a soma das pequenas quantias pode ser significativa.
O sistema eleitoral para deputado perdurará, provavelmente, mantendo-se o atual modelo proporcional. A lista fechada, pela qual se vota no partido, deixou de interessar às siglas hoje em desgraça. Pensou-se no Congresso no denominado “distritão”, pelo qual se elegem os candidatos mais votados, o que enfraquece os partidos e privilegia apenas os “famosos”. O sistema distrital, que seria o ideal, nem foi proposto. O Congresso rema contra a maré, surdo ao desejo das forças sociais.
Faltam dois meses para se votar qualquer mudança nas regras eleitorais que possam viger na eleição de outubro de 2018. O que fazer, se possível for tentar algo?
Para buscar diminuir a distância entre as instituições e a sociedade, caberia às entidades de classe e aos movimentos que pregam a moralização da política lutar ainda pela aprovação pela Câmara de duas emendas constitucionais já aprovadas no Senado: a instituidora da cláusula de barreira (visando a impedir a permanência de partidos de aluguel) e a proibitiva de coligações nas eleições legislativas (para se ter maior fidedignidade à escolha do eleitor). Outra urgente e necessária tarefa está em lutar contra o Fundo Eleitoral.
O preocupante, no entanto, é o desanimador divórcio entre sociedade e instituições, com o gravame da ausência de lideranças livres dos males incrustados na nossa prática política. A descrença já toma conta dos espíritos. A anomia é um risco real.
Apesar dos pesares, se há, todavia, de resistir, sendo urgente reivindicar a aprovação imediata dessas emendas constitucionais. Depois, devem tentar os órgãos de classe, sindicatos e movimentos sociais, se manter unidos para, olhando para frente, viabilizar, nas eleições, mudanças no quadro político do país. É o pouco que nos resta.
Aí está um exemplo do divórcio existente entre a República e a sociedade, no atual momento. Muitos representantes de cada um dos três Poderes se encontram alheios aos anseios da população, como se as instituições do Estado e os grupos sociais fossem universos estanques, incomunicáveis.
Mesmo quando se instaura um processo criminal no Supremo Tribunal Federal, a demora é inaceitável, basta lembrar o recebimento da denúncia contra Renan Calheiros, por peculato, anos depois do fato envolvendo sua ex-amante Mônica Veloso. A denúncia foi recebida em dezembro do ano passado, mas o acórdão relativo a esse acolhimento só agora veio a ser posto à disposição pelo ministro relator, que o ficou burilando por oito meses. Enquanto isso, Renan Calheiros zomba da Justiça.
As principais lideranças políticas dos diversos partidos, em especial do PMDB e do PT, têm contra si vários inquéritos, cuja finalização, para a apresentação de denúncia, se vai prolongando no tempo. Enquanto isso, esses falsos líderes continuam a ditar a vida política brasileira, ocupando cargos de relevo na Câmara e no Senado. Se alguns políticos importantes como Lula, Palocci, Henrique Alves, Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima e Sérgio Cabral estão condenados, presos ou em prisão domiciliar, tal sucede apenas porque, sem mandato, não gozam de foro privilegiado. A morosidade é patente nos tribunais superiores.
A nossa proposta da criação de força-tarefa no Supremo Tribunal para enfrentar a avalanche de investigações decorrentes da delação da Odebrecht, agora, com a delação da JBS, torna-se ainda mais imperiosa. Medidas foram adotadas pela presidente Cármen Lúcia junto ao relator da Lava Jato no Supremo, ministro Edson Fachin, que pretende acelerar alguns processos. Mas é ainda pouco, perto da imensidão de fatos graves envolvendo a cúpula da política brasileira. E a sociedade, ansiosa, clama por justiça, que está adormecida.
A reforma política, tão almejada, foi desprezada por Michel Temer e pelo Legislativo. Com imensa desfaçatez, o deputado Vicente Cândido “corajosamente” propôs vergonhoso habeas corpus preventivo para a classe política, impedindo a eficácia da Justiça ao proibir, desde oito meses antes das eleições, a prisão de pretendentes a candidatos a qualquer cargo. A já chamada “emenda Lula” – da qual se teria desistido – seria convite, portanto, a que réus encontrassem um valhacouto na disputa eleitoral, transformada em reduto garantidor da impunidade. Nada mais avesso ao sentir do povo.
No instante em que as contas públicas não fecham, surge a proposta de criação de um Fundo Eleitoral Nacional, com dotação de mais de R$ 3 bilhões, para financiar os partidos reconhecidamente dominados pelos acusados de corrupção, tornando viável sua eleição como fuga da Justiça.
Ao se destinarem elevados valores para os partidos, de acordo com a composição das bancadas na Câmara dos Deputados, busca-se a manutenção dos atuais parlamentares, impedindo a renovação na política brasileira. De outra parte, pretende-se dar sigilo às pequenas doações, na direção contrária à exigência de transparência reveladora de quem doou para quem. Com doações de pessoas físicas devidamente identificadas, evita-se a fraude, fortalece-se a participação da população e a soma das pequenas quantias pode ser significativa.
O sistema eleitoral para deputado perdurará, provavelmente, mantendo-se o atual modelo proporcional. A lista fechada, pela qual se vota no partido, deixou de interessar às siglas hoje em desgraça. Pensou-se no Congresso no denominado “distritão”, pelo qual se elegem os candidatos mais votados, o que enfraquece os partidos e privilegia apenas os “famosos”. O sistema distrital, que seria o ideal, nem foi proposto. O Congresso rema contra a maré, surdo ao desejo das forças sociais.
Faltam dois meses para se votar qualquer mudança nas regras eleitorais que possam viger na eleição de outubro de 2018. O que fazer, se possível for tentar algo?
Para buscar diminuir a distância entre as instituições e a sociedade, caberia às entidades de classe e aos movimentos que pregam a moralização da política lutar ainda pela aprovação pela Câmara de duas emendas constitucionais já aprovadas no Senado: a instituidora da cláusula de barreira (visando a impedir a permanência de partidos de aluguel) e a proibitiva de coligações nas eleições legislativas (para se ter maior fidedignidade à escolha do eleitor). Outra urgente e necessária tarefa está em lutar contra o Fundo Eleitoral.
O preocupante, no entanto, é o desanimador divórcio entre sociedade e instituições, com o gravame da ausência de lideranças livres dos males incrustados na nossa prática política. A descrença já toma conta dos espíritos. A anomia é um risco real.
Apesar dos pesares, se há, todavia, de resistir, sendo urgente reivindicar a aprovação imediata dessas emendas constitucionais. Depois, devem tentar os órgãos de classe, sindicatos e movimentos sociais, se manter unidos para, olhando para frente, viabilizar, nas eleições, mudanças no quadro político do país. É o pouco que nos resta.
Michel Temer não vai estragar meu ano!
Como bem me apontou outro dia um amigo, o governo Temer é o menos ruim dos três que o petismo proporcionou ao Brasil. Convém, mesmo, reconhecer os fatos: Temer é produto de duas chapas eleitorais petistas e, no curto espaço que lhe coube, exibe resultados que não podem ser depreciados. Para recordar: emenda constitucional que estabeleceu limite aos gastos públicos; reforma trabalhista e fim da sinecura sindical; afastamento de milhares de militantes a serviço de causas partidárias nos órgãos de Estado, governo e administração; inflação abaixo do centro da meta; investimento de R$ 1 bilhão no sistema prisional; reforma do ensino médio; redução de cinco pontos percentuais na taxa de juros; extinção de oito ministérios; e se alguém chegar com um espelhinho no nariz de dona Economia perceberá que ela, lentamente, volta a respirar.
Mas nem só por isso 2017 foi um ano melhor do que os precedentes. Aumentou muito o número de brasileiros conscientes de que não se pode brincar com o gasto público e de que é necessário tirar de campo, nas próximas eleições, bem identificados picaretas aproveitadores do erário. A Lava Jato preserva seu vigor, com reconhecimento nacional. Réu em seis processos, Lula colheu sua primeira condenação. Vem aí uma reforma da Previdência. Criou-se necessária rejeição social às regalias de certas categorias funcionais e aumentou a intolerância em relação aos corporativismos do setor público e privado. É o primeiro passo para que essas coisas mudem. Ampliou-se a consciência de que precisamos reformar nossas instituições. Ou seja, tornamo-nos mais esclarecidos sobre temas essenciais e isso, sob o ponto de vista político e administrativo, é promissor para o horizonte de 2019-2022.
Então, o novelo em que se enrolou Michel Temer não vai estragar meu ano. A propósito, a Câmara não o julgou e, menos ainda, o inocentou porque essas não eram atribuições suas. Aquele plenário tinha diante de si a tarefa constitucional de decidir sobre a conveniência de o STF processá-lo neste momento. E decidiu que, de momento, ele fica onde está. De momento. A fila anda e a Justiça o espera, mas o Brasil precisa de estabilidade e das reformas em negociação.
A saída dele serviria ao PT, a seus coligados, a seus movimentos ditos sociais, a seus fazedores de cabeça na Educação, a seus sindicatos e respectivos “exércitos”. Ou seja, daria a alguns uma alegria que estragaria meu ano e meu humor. Se a maior parte dos detentores de mandato até aqui investigados, de todos os pelos, só amargará acertos nos próximos anos, que também Temer entre nessa lista. Por enquanto, que fique quieto na sua cadeirinha e tenha modos. Por enquanto.
Observo, nas redes sociais, súbita atividade dos militantes de esquerda em defesa da ética na política. Essa mobilização não me convence nem comove. Aliás, faz lembrar o antagonismo entre os Manos e os Bala na Cara. É disputa pelo mercado do crime organizado. No ano que vem, fora todos eles!
Percival Puggina
Mas nem só por isso 2017 foi um ano melhor do que os precedentes. Aumentou muito o número de brasileiros conscientes de que não se pode brincar com o gasto público e de que é necessário tirar de campo, nas próximas eleições, bem identificados picaretas aproveitadores do erário. A Lava Jato preserva seu vigor, com reconhecimento nacional. Réu em seis processos, Lula colheu sua primeira condenação. Vem aí uma reforma da Previdência. Criou-se necessária rejeição social às regalias de certas categorias funcionais e aumentou a intolerância em relação aos corporativismos do setor público e privado. É o primeiro passo para que essas coisas mudem. Ampliou-se a consciência de que precisamos reformar nossas instituições. Ou seja, tornamo-nos mais esclarecidos sobre temas essenciais e isso, sob o ponto de vista político e administrativo, é promissor para o horizonte de 2019-2022.
A saída dele serviria ao PT, a seus coligados, a seus movimentos ditos sociais, a seus fazedores de cabeça na Educação, a seus sindicatos e respectivos “exércitos”. Ou seja, daria a alguns uma alegria que estragaria meu ano e meu humor. Se a maior parte dos detentores de mandato até aqui investigados, de todos os pelos, só amargará acertos nos próximos anos, que também Temer entre nessa lista. Por enquanto, que fique quieto na sua cadeirinha e tenha modos. Por enquanto.
Observo, nas redes sociais, súbita atividade dos militantes de esquerda em defesa da ética na política. Essa mobilização não me convence nem comove. Aliás, faz lembrar o antagonismo entre os Manos e os Bala na Cara. É disputa pelo mercado do crime organizado. No ano que vem, fora todos eles!
Percival Puggina
Temer recorre ao pior da política e ri de todos
O governo acredita que, encerrada a batalha na Câmara dos Deputados, onde enterrou a denúncia de corrupção passiva contra o presidente Michel Temer, conseguirá retomar a agenda que foi abandonada em 17 de maio, quando as delações do grupo JBS se tornaram públicas. Com as finanças do país em estado de calamidade e as mudanças à vista nas metas fiscais deste ano e de 2018, o Palácio do Planalto terá que dar a garantia aos investidores de que será capaz de levar adiante a reforma da Previdência. Se o rombo fiscal vai aumentar neste momento, as alterações no sistema previdenciário, se aprovadas, serão a garantia de que, mesmo a longo prazo, o ajuste das contas federais virá.
O número de votos a favor de Temer, que recorreu ao pior da política e riu de todos, ficou acima do esperado pelo Planalto. Mas o resultado e a garantia do mandato não significam uma travessia fácil para o governo. Muito pelo contrário. Há um descontentamento enorme no país contra o presidente, o mais impopular da história. Será preciso um convencimento muito grande no Congresso para conseguir o apoio necessário à reforma da Previdência. No que depender da equipe econômica, nenhuma nova concessão será feita para que o projeto ande. Na avaliação dos técnicos, tudo o que era possível abrir mão já foi feito. Agora, dizem eles, é aproveitar o momento favorável e partir para o ataque. É importantíssimo dar perspectivas de que o quadro fiscal não saiu do controle.
A ala política do Planalto acredita que o governo, mesmo fortalecido, terá que recuar em alguns pontos para que os itens principais da reforma prevaleçam. A promessa é de que, já a partir de hoje, a tropa de choque que atuou nos últimos dias para preservar o mandato de Temer saia a campo e coloque a reforma da Previdência na pauta de urgências do Congresso. Temer acredita que, mesmo parlamentares que votaram contra ele, como os do PSDB vão encampar a agenda de reformas de olho em 2018. Nenhum candidato vai querer tratar desse tema durante as campanhas eleitorais. Portanto, ressalta o presidente, será melhor fazer logo o mal agora e colher os frutos mais adiante.
Apesar do discurso de preocupação com as contas públicas, deve-se ressaltar que o governo pouco fez para entregar o ajuste fiscal que prometeu assim que tomou posse. A gastança continuou a todo vapor, benesses foram concedidas a corporações, em especial aos servidores públicos, e os cofres não foram poupados nos últimos dias para garantir a derrubada da denúncia de corrupção passiva contra Temer feita pela Procuradoria-Geral da República. Não à toa, as metas fiscais terão que ser alteradas. Neste ano, em vez de deficit de até R$ 139 bilhões, veremos rombo entre R$ 150 bilhões e R$ 155 bilhões. Em 2018, o buraco nas contas deverá saltar de R$ 129 bilhões para até R$ 140 bilhões.
O governo apostou firme na recuperação da economia e da arrecadação para evitar o desgaste de ter que mudar as metas fiscais. Acreditava-se que receitas extras compensariam a elevação dos gastos e que ninguém daria conta da fragilidade das finanças. Contudo, nada do que o Planalto e a equipe econômica esperavam ocorreu. Assim, o discurso de austeridade foi sendo desmontado. O retrato final do fracasso será explicitado nos próximos dias, quando o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, anunciar que foi incapaz de entregar o que prometeu, que o tão alardeado ajuste ficará para depois.
Os investidores, porém, já jogaram a toalha em relação ao ajuste fiscal neste e no próximo ano. Para eles, o mais importante, neste momento, é que Temer consiga levar o país até o fim de 2018 sem grandes solavancos. Todos sabem que novas denúncias contra Temer estão por vir, mas não devem mais provocar tanto estresse. O que os donos do dinheiro querem é a manutenção da equipe econômica e do compromisso com as reformas. Há boas notícias no horizonte. O ritmo da atividade está melhorando, ainda que lentamente, a inflação está em queda e os juros, no nível mais baixo desde 2013. Garantir esse quadro, com a volta gradual do emprego, já será suficiente. Ninguém espera uma revolução, apenas o arroz com feijão.
O número de votos a favor de Temer, que recorreu ao pior da política e riu de todos, ficou acima do esperado pelo Planalto. Mas o resultado e a garantia do mandato não significam uma travessia fácil para o governo. Muito pelo contrário. Há um descontentamento enorme no país contra o presidente, o mais impopular da história. Será preciso um convencimento muito grande no Congresso para conseguir o apoio necessário à reforma da Previdência. No que depender da equipe econômica, nenhuma nova concessão será feita para que o projeto ande. Na avaliação dos técnicos, tudo o que era possível abrir mão já foi feito. Agora, dizem eles, é aproveitar o momento favorável e partir para o ataque. É importantíssimo dar perspectivas de que o quadro fiscal não saiu do controle.
A ala política do Planalto acredita que o governo, mesmo fortalecido, terá que recuar em alguns pontos para que os itens principais da reforma prevaleçam. A promessa é de que, já a partir de hoje, a tropa de choque que atuou nos últimos dias para preservar o mandato de Temer saia a campo e coloque a reforma da Previdência na pauta de urgências do Congresso. Temer acredita que, mesmo parlamentares que votaram contra ele, como os do PSDB vão encampar a agenda de reformas de olho em 2018. Nenhum candidato vai querer tratar desse tema durante as campanhas eleitorais. Portanto, ressalta o presidente, será melhor fazer logo o mal agora e colher os frutos mais adiante.
Apesar do discurso de preocupação com as contas públicas, deve-se ressaltar que o governo pouco fez para entregar o ajuste fiscal que prometeu assim que tomou posse. A gastança continuou a todo vapor, benesses foram concedidas a corporações, em especial aos servidores públicos, e os cofres não foram poupados nos últimos dias para garantir a derrubada da denúncia de corrupção passiva contra Temer feita pela Procuradoria-Geral da República. Não à toa, as metas fiscais terão que ser alteradas. Neste ano, em vez de deficit de até R$ 139 bilhões, veremos rombo entre R$ 150 bilhões e R$ 155 bilhões. Em 2018, o buraco nas contas deverá saltar de R$ 129 bilhões para até R$ 140 bilhões.
O governo apostou firme na recuperação da economia e da arrecadação para evitar o desgaste de ter que mudar as metas fiscais. Acreditava-se que receitas extras compensariam a elevação dos gastos e que ninguém daria conta da fragilidade das finanças. Contudo, nada do que o Planalto e a equipe econômica esperavam ocorreu. Assim, o discurso de austeridade foi sendo desmontado. O retrato final do fracasso será explicitado nos próximos dias, quando o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, anunciar que foi incapaz de entregar o que prometeu, que o tão alardeado ajuste ficará para depois.
Os investidores, porém, já jogaram a toalha em relação ao ajuste fiscal neste e no próximo ano. Para eles, o mais importante, neste momento, é que Temer consiga levar o país até o fim de 2018 sem grandes solavancos. Todos sabem que novas denúncias contra Temer estão por vir, mas não devem mais provocar tanto estresse. O que os donos do dinheiro querem é a manutenção da equipe econômica e do compromisso com as reformas. Há boas notícias no horizonte. O ritmo da atividade está melhorando, ainda que lentamente, a inflação está em queda e os juros, no nível mais baixo desde 2013. Garantir esse quadro, com a volta gradual do emprego, já será suficiente. Ninguém espera uma revolução, apenas o arroz com feijão.
A força do querer
Depois de ser absolvido pelo TSE por excesso de provas, Temer conseguiu escapar da investigação da PGR pelo excesso de emendas parlamentares e cargos usados para convencer deputados a votar “pelo Brasil e pela governabilidade”. Uma farsa vergonhosa com cartas marcadas que, por seu cinismo e previsibilidade, não mereceria uma cobertura de televisão ao vivo.
Até o “Jornal Nacional” e a novela “A força do querer” (que não é sobre Temer) não foram exibidos para que víssemos um espetáculo constrangedor, em que a oposição desempenhou o papel de legitimar a “vitória” governista dando quorum e votando “contra” para aparecer, para esbravejar em rede nacional, fingir que quer mesmo derrubar Temer, quando o quer fraco e sangrando até 2018.
O desinteresse e o desprezo da população pela “votação histórica” são mais que isto, são desesperança. Com seu look antiquado de galã dos anos 50, Temer representa o arquétipo da velha política, uma raposa esperta que conseguiu ser presidente da Câmara três vezes e escolhido por Lula para ser vice de Dilma, para depois derrubá-la com a ajuda de uma maioria parlamentar. É um exemplo de político brasileiro, um péssimo exemplo. Um espécime em extinção que sintetiza as práticas que vêm deteriorando a política brasileira e revelando que todos os partidos, ou quase, desenvolveram um espírito de organização criminosa, para manter o poder e institucionalizar a corrupção, usando de todos os meios para inviabilizar as investigações e salvar a pele de um terço do Congresso.
OK, “Fora Temer” é uma unanimidade, mas e o pós-Temer? Tirando os lulistas patológicos, e os fanáticos bolsonaristas, quem se anima para eleições diretas? Diz a lenda que a História não anda para trás, mas não custa lembrar que Getulio Vargas, depois de ter sido por oito anos um ditador odiado, que censurou, prendeu e matou muita gente, cinco anos depois de deposto voltou nos braços do povo em eleições democráticas, saindo do lixo e entrando para a História. O povo brasileiro é capaz de tudo. Até mesmo de esquecer as propinas e falcatruas de Lula e transformá-lo em um Getulio 2.0?
Nelson Motta
Até o “Jornal Nacional” e a novela “A força do querer” (que não é sobre Temer) não foram exibidos para que víssemos um espetáculo constrangedor, em que a oposição desempenhou o papel de legitimar a “vitória” governista dando quorum e votando “contra” para aparecer, para esbravejar em rede nacional, fingir que quer mesmo derrubar Temer, quando o quer fraco e sangrando até 2018.
OK, “Fora Temer” é uma unanimidade, mas e o pós-Temer? Tirando os lulistas patológicos, e os fanáticos bolsonaristas, quem se anima para eleições diretas? Diz a lenda que a História não anda para trás, mas não custa lembrar que Getulio Vargas, depois de ter sido por oito anos um ditador odiado, que censurou, prendeu e matou muita gente, cinco anos depois de deposto voltou nos braços do povo em eleições democráticas, saindo do lixo e entrando para a História. O povo brasileiro é capaz de tudo. Até mesmo de esquecer as propinas e falcatruas de Lula e transformá-lo em um Getulio 2.0?
Nelson Motta
Todos os deputados do mundo
O que mais se ouve atualmente é que todos os deputados do mundo são preguiçosos, ignorantes e venais (não necessariamente nessa ordem). Não concordo com tal argumento, mas admito que refutá-lo está ficando cada vez mais difícil. Vinha procurando um método, mas nenhum me ocorria. Sair em viagem pelo mundo a fim de assistir a sessões legislativas até poderia ser agradável, mas dificilmente compensaria as despesas.
Não pretendo endeusar o rapaz. Colhi indícios de que, em seus primeiros meses de mandato, ele padeceu tormentos semelhantes aos que diariamente observamos em Brasília. Hesitava entre escolher o nome de uma rua ou batalhar por uma emenda parlamentar para financiar melhoramentos em sua cidadezinha natal. A sorte dele foi que, naqueles tempos, só existia imprensa escrita. Podia dar toda a atenção necessária aos jornalistas, pois muito tempo lhe sobrava para ir à biblioteca, visitar alguma repartição ministerial e consultar especialistas sobre alguma questão que lhe viesse à mente.
E foi então que o simpático Morrill teve um autêntico estalo de Vieira. Extraordinária e relevantíssima para o Brasil, a história está magnificamente relatada no capítulo 52 do livro Americans – The Democratic Experience, de Daniel J. Boorstin. Meditando sobre a lamentável situação educacional de seu país naquele tempo, o deputado Morrill convenceu-se de duas coisas. Primeiro, que o acesso à educação era extremamente restritivo. Era imperativo ampliá-lo, massificá-lo, democratizá-lo. Segundo, de latinórios e letras clássicas o país estava bem servido. As vetustas universidades do leste, notadamente Yale e Harvard, davam perfeitamente conta do recado. Partindo dessas duas constatações, Morrill deitou mãos à obra. Leu relatórios, escreveu um monte de notas, elaborou um projeto de lei e aí, sim, fez um trabalho de formiguinha, angariando apoios para sua proposta.
Sua ideia era um autêntico ovo de Colombo. Naquela década – a que precedeu a Guerra de Secessão, 1861-1865 – existia no país uma vasta quantidade de terras públicas, das quais o governo federal podia dispor livremente, sem necessidade de tributar os indivíduos ou entidades que eventualmente as recebessem. Em 1859 o presidente Buchanan vetou o projeto, mas Morrill não se deu por achado. Insistiu, insistiu, até que em 1862 o presidente Lincoln sancionou a Lei Morrill. E foi assim, com o país vivendo uma guerra sangrentíssima, que se veio a implantar uma das mais audaciosas reformas educacionais de que o mundo tem notícia.
O objetivo, que ficou conhecido como land-grant colleges, era implantar um college (uma universidade com o nível comparável ao nosso bacharelado) em cada Estado. A terra fornecida pelo governo seria utilizada ou parcialmente vendida a fim de financiar o empreendimento. Em contrapartida, os Estados comprometiam-se a imprimir a tais colleges uma orientação definida: o aprimoramento da agricultura e o desenvolvimento das “artes mecânicas” (leia-se: tecnologias), tudo em termos eminentemente práticos. Ofereceriam modalidades de instrução capazes de produzir um impacto imediato na economia e de promover a ascensão social das “classes industriais” (entenda-se: gente com aptidão empresarial, notadamente entre as camadas de menor renda).
Por volta de 1880, o sucesso creditável à Lei Morrill era nada menos que espetacular. As terras doadas tinham ajudado não só a aumentar algumas das universidades tradicionais, como também a edificar uma inteiramente nova – a Universidade Cornell, no Estado de Nova York – e a implantar dezenas de novos estabelecimentos, incluídos seis voltados especificamente para a parte negra da população. Daniel J. Boorstin afirma, com toda a razão, que o programa dos land-grant colleges desencadeou uma mudança cultural sem precedentes no país. Dali em diante, firmou-se a convicção de que todo cidadão americano teria direito não apenas à educação, genericamente falando, mas a um sistema de educação superior de alta qualidade.
Do acima exposto, meus eventuais leitores e leitoras haverão de convir que, se tivesse tido uma ideia semelhante, Vladimir Illich Lenin teria embarcado em outra canoa, não na que levou à sua “ditadura do proletariado” e a sete décadas de um regime totalitário que deixou um séquito inacreditável de cadáveres. Os land-grant colleges foram a espinha dorsal de uma revolução democratizante inteiramente compatível com o liberalismo político. Se tivesse vivido o suficiente para assistir à implementação do programa, o nunca assaz louvado Alexis de Tocqueville não teria perdido tantas noites de sono procurando uma fórmula que harmonizasse as tensões inevitáveis na redução de desigualdades sociais com a vigência de um regime livre e democrático, assentado no Estado de Direito.
A certa altura tive uma ideia. O jeito seria recorrer à lógica elementar que aprendi nos bancos escolares. Vejam bem: as três qualidades negativas a que me referi têm sido atribuídas aos deputados em caráter geral. “Todos” eles seriam preguiçosos, ignorantes e venais. Nenhum presta. Ora, se assim é, um caso contrário é tudo o que se requer para invalidar o argumento. Optei, pois, por esse método e creio havê-lo aplicado com bons resultados. Foi trabalhoso, claro. Pesquisei centenas de arquivos de vários países, li milhares de biografias, analisei um sem-número de projetos, mas encontrei, finalmente, o que procurava: um americano chamado Justin S. Morrill (foto), que em 1854 teria chegado a Washington como representante conservador do pequeno Estado de Vermont.
Não pretendo endeusar o rapaz. Colhi indícios de que, em seus primeiros meses de mandato, ele padeceu tormentos semelhantes aos que diariamente observamos em Brasília. Hesitava entre escolher o nome de uma rua ou batalhar por uma emenda parlamentar para financiar melhoramentos em sua cidadezinha natal. A sorte dele foi que, naqueles tempos, só existia imprensa escrita. Podia dar toda a atenção necessária aos jornalistas, pois muito tempo lhe sobrava para ir à biblioteca, visitar alguma repartição ministerial e consultar especialistas sobre alguma questão que lhe viesse à mente.
E foi então que o simpático Morrill teve um autêntico estalo de Vieira. Extraordinária e relevantíssima para o Brasil, a história está magnificamente relatada no capítulo 52 do livro Americans – The Democratic Experience, de Daniel J. Boorstin. Meditando sobre a lamentável situação educacional de seu país naquele tempo, o deputado Morrill convenceu-se de duas coisas. Primeiro, que o acesso à educação era extremamente restritivo. Era imperativo ampliá-lo, massificá-lo, democratizá-lo. Segundo, de latinórios e letras clássicas o país estava bem servido. As vetustas universidades do leste, notadamente Yale e Harvard, davam perfeitamente conta do recado. Partindo dessas duas constatações, Morrill deitou mãos à obra. Leu relatórios, escreveu um monte de notas, elaborou um projeto de lei e aí, sim, fez um trabalho de formiguinha, angariando apoios para sua proposta.
Sua ideia era um autêntico ovo de Colombo. Naquela década – a que precedeu a Guerra de Secessão, 1861-1865 – existia no país uma vasta quantidade de terras públicas, das quais o governo federal podia dispor livremente, sem necessidade de tributar os indivíduos ou entidades que eventualmente as recebessem. Em 1859 o presidente Buchanan vetou o projeto, mas Morrill não se deu por achado. Insistiu, insistiu, até que em 1862 o presidente Lincoln sancionou a Lei Morrill. E foi assim, com o país vivendo uma guerra sangrentíssima, que se veio a implantar uma das mais audaciosas reformas educacionais de que o mundo tem notícia.
O objetivo, que ficou conhecido como land-grant colleges, era implantar um college (uma universidade com o nível comparável ao nosso bacharelado) em cada Estado. A terra fornecida pelo governo seria utilizada ou parcialmente vendida a fim de financiar o empreendimento. Em contrapartida, os Estados comprometiam-se a imprimir a tais colleges uma orientação definida: o aprimoramento da agricultura e o desenvolvimento das “artes mecânicas” (leia-se: tecnologias), tudo em termos eminentemente práticos. Ofereceriam modalidades de instrução capazes de produzir um impacto imediato na economia e de promover a ascensão social das “classes industriais” (entenda-se: gente com aptidão empresarial, notadamente entre as camadas de menor renda).
Por volta de 1880, o sucesso creditável à Lei Morrill era nada menos que espetacular. As terras doadas tinham ajudado não só a aumentar algumas das universidades tradicionais, como também a edificar uma inteiramente nova – a Universidade Cornell, no Estado de Nova York – e a implantar dezenas de novos estabelecimentos, incluídos seis voltados especificamente para a parte negra da população. Daniel J. Boorstin afirma, com toda a razão, que o programa dos land-grant colleges desencadeou uma mudança cultural sem precedentes no país. Dali em diante, firmou-se a convicção de que todo cidadão americano teria direito não apenas à educação, genericamente falando, mas a um sistema de educação superior de alta qualidade.
Do acima exposto, meus eventuais leitores e leitoras haverão de convir que, se tivesse tido uma ideia semelhante, Vladimir Illich Lenin teria embarcado em outra canoa, não na que levou à sua “ditadura do proletariado” e a sete décadas de um regime totalitário que deixou um séquito inacreditável de cadáveres. Os land-grant colleges foram a espinha dorsal de uma revolução democratizante inteiramente compatível com o liberalismo político. Se tivesse vivido o suficiente para assistir à implementação do programa, o nunca assaz louvado Alexis de Tocqueville não teria perdido tantas noites de sono procurando uma fórmula que harmonizasse as tensões inevitáveis na redução de desigualdades sociais com a vigência de um regime livre e democrático, assentado no Estado de Direito.
Temer tem apoio popular, ainda que seja envergonhado ou enrustido
Você aprova ou rejeita o Governo Temer? Há uma grande chance de que você, leitor ou leitora, esteja entre os 95% que rechaçam o presidente brasileiro por suas práticas pouco republicanas, como mostrou a pesquisa do Ibope da semana passada. Mas, ainda que essa seja sua resposta, há uma chance de que no fundo, no fundo, você prefira manter as coisas como estão e esperar 2018. E, ainda que desconfiando, está dando um voto de confiança pela melhoria da economia. Os entrevistados pelo Ibope disseram que desaprovam o Governo Temer, mas não disseram que queriam que ele saísse já.
Um outro levantamento do instituto, divulgado na segunda (31), revelou que 81% das pessoas esperavam que os deputados aceitassem a denúncia. Mas, não sei se diriam a mesma coisa numa prosa animada sentados à mesa de um boteco com amigos de longa data. O retrato do silêncio popular com tímidos protestos nesta quarta, enquanto a Câmara arquivava a denúncia por corrupção passiva contra o presidente, mostra muito mais que o brasileiro age conforme o que ele realmente pensa: apesar de ruim, melhor ele ficar.
Nem mesmo o fato de a rede Globo ter deixado de lado o seu principal noticiário e a novela das 9 gerou algum efeito. Na recepção de um consultório médico de São Paulo, no dia da votação, um grande telão transmitia a votação em tempo real. Mas as pessoas ali presentes não prestavam atenção, estavam olhando os respectivos celulares.
A ideia de que o desânimo com a política procrastinou os brasileiros não me parece tão certa. Em conversas informais, dá para perceber que ninguém se atreve a defender o presidente com vigor, e nem consegue apontar algum gesto marcante de sua gestão. Na atual conjuntura, com todas as denúncias na mesa, pega mal defender Temer. Mas, o temor de que o que está ruim na economia fique pior com outro desconhecido colou sim, e a ideia de duas trocas de presidentes em um ano é um pouco forte para esta parcela.
Tenho, também, um palpite de que dois fatores paralisaram aqueles que se dizem de esquerda e de direita – muito embora essa classificação seja rasa e fajuta. Tire os organizadores dos protestos, que defendem interesses. O povo mesmo, o arquiteto, a professora, o microempresário que se sentiu feliz de ir à avenida Paulista, em São Paulo, protestar contra os desmandos do Governo Dilma, entende que contribuiu com o quadro atual. Prefere, assim, pagar esse pedágio que é esperar até 2018, para não colocar em risco os parcos ganhos da economia. Que o diga a classe média diante de um dólar e a inflação em baixa. Algo vingou e esses dois indicadores seriam a prova. Para eles, é fato que Temer está pagando a fatura deixada por Dilma. Daí, é como tentar mandar embora um parente chato que está hospedado em casa por um mês. Expulsá-lo pode gerar uma crise familiar maior do que o incômodo por mais uns dias.
Pelo lado dos que defendiam a petista, debatem-se diversas explicações. A falta de unidade é uma. Vi lulistas, por exemplo, preferirem não validar a denúncia contra Temer, que partiu de uma delação premiada conduzida pela Lava Jato. A mesma operação que está no calcanhar de Lula e o acusa de crimes a partir de... delações. Protestar em público para que Temer fosse denunciado seria legitimar a Lava Jato? Talvez.
Outro grupo que foi contra o impeachment se sente indignado ao ver colegas à esquerda defendendo cegamente o ex-presidente que pode ser preso, sem lhe atribuir uma responsabilidade sequer. Fragmentam-se ainda mais os grupos que se opõem ao atual Governo, num conjunto de bolhas separadas que não fazem verão.
Arrisco-me a dizer que, neste silêncio, outro padrão de comportamento brasileiro aparece. Temer ainda se beneficia de uma certa casca que o PT no poder perdeu depois de 13 anos. Uma certa tolerância que o eleitor brasileiro demonstra, suportando o que não gosta. Suportou o PT depois do mensalão, por exemplo, e reelegeu Lula e logo após, sua sucessora. Em outras palavras, Temer ainda não encheu o copo, portanto a denúncia não é a gota d’água. Dilma teve vários lances que rasgaram essa casca. Desde os gastos exagerados com a Copa do Mundo, as jornadas de junho de 2013, a propaganda eleitoral contra Marina Silva, o estouro da inflação...
Temer começou a conduzir o Brasil com o apoio popular dos opositores de sua antecessora. Dilma fora. Ponto. A massa que foi às ruas no ano passado não é cientista político ou especialista no assunto para fazer cálculos profundos ou matemáticos sobre eventuais retrocessos, seja na distante Amazônia, ou na educação de quem mora na periferia. O impeachment de Dilma chegou quando a petista já tinha um desgaste irreversível, algo que, aparentemente, Temer ainda não tem. Parece pairar sobre ele um certo benefício da dúvida entre esses apoiadores enrustidos. E afinal de contas... 2018 está logo ali. Na cabeça do temerista envergonhado, por que não suportar um pouco mais?
Um outro levantamento do instituto, divulgado na segunda (31), revelou que 81% das pessoas esperavam que os deputados aceitassem a denúncia. Mas, não sei se diriam a mesma coisa numa prosa animada sentados à mesa de um boteco com amigos de longa data. O retrato do silêncio popular com tímidos protestos nesta quarta, enquanto a Câmara arquivava a denúncia por corrupção passiva contra o presidente, mostra muito mais que o brasileiro age conforme o que ele realmente pensa: apesar de ruim, melhor ele ficar.
Nem mesmo o fato de a rede Globo ter deixado de lado o seu principal noticiário e a novela das 9 gerou algum efeito. Na recepção de um consultório médico de São Paulo, no dia da votação, um grande telão transmitia a votação em tempo real. Mas as pessoas ali presentes não prestavam atenção, estavam olhando os respectivos celulares.
A ideia de que o desânimo com a política procrastinou os brasileiros não me parece tão certa. Em conversas informais, dá para perceber que ninguém se atreve a defender o presidente com vigor, e nem consegue apontar algum gesto marcante de sua gestão. Na atual conjuntura, com todas as denúncias na mesa, pega mal defender Temer. Mas, o temor de que o que está ruim na economia fique pior com outro desconhecido colou sim, e a ideia de duas trocas de presidentes em um ano é um pouco forte para esta parcela.
Tenho, também, um palpite de que dois fatores paralisaram aqueles que se dizem de esquerda e de direita – muito embora essa classificação seja rasa e fajuta. Tire os organizadores dos protestos, que defendem interesses. O povo mesmo, o arquiteto, a professora, o microempresário que se sentiu feliz de ir à avenida Paulista, em São Paulo, protestar contra os desmandos do Governo Dilma, entende que contribuiu com o quadro atual. Prefere, assim, pagar esse pedágio que é esperar até 2018, para não colocar em risco os parcos ganhos da economia. Que o diga a classe média diante de um dólar e a inflação em baixa. Algo vingou e esses dois indicadores seriam a prova. Para eles, é fato que Temer está pagando a fatura deixada por Dilma. Daí, é como tentar mandar embora um parente chato que está hospedado em casa por um mês. Expulsá-lo pode gerar uma crise familiar maior do que o incômodo por mais uns dias.
Pelo lado dos que defendiam a petista, debatem-se diversas explicações. A falta de unidade é uma. Vi lulistas, por exemplo, preferirem não validar a denúncia contra Temer, que partiu de uma delação premiada conduzida pela Lava Jato. A mesma operação que está no calcanhar de Lula e o acusa de crimes a partir de... delações. Protestar em público para que Temer fosse denunciado seria legitimar a Lava Jato? Talvez.
Outro grupo que foi contra o impeachment se sente indignado ao ver colegas à esquerda defendendo cegamente o ex-presidente que pode ser preso, sem lhe atribuir uma responsabilidade sequer. Fragmentam-se ainda mais os grupos que se opõem ao atual Governo, num conjunto de bolhas separadas que não fazem verão.
Arrisco-me a dizer que, neste silêncio, outro padrão de comportamento brasileiro aparece. Temer ainda se beneficia de uma certa casca que o PT no poder perdeu depois de 13 anos. Uma certa tolerância que o eleitor brasileiro demonstra, suportando o que não gosta. Suportou o PT depois do mensalão, por exemplo, e reelegeu Lula e logo após, sua sucessora. Em outras palavras, Temer ainda não encheu o copo, portanto a denúncia não é a gota d’água. Dilma teve vários lances que rasgaram essa casca. Desde os gastos exagerados com a Copa do Mundo, as jornadas de junho de 2013, a propaganda eleitoral contra Marina Silva, o estouro da inflação...
Temer começou a conduzir o Brasil com o apoio popular dos opositores de sua antecessora. Dilma fora. Ponto. A massa que foi às ruas no ano passado não é cientista político ou especialista no assunto para fazer cálculos profundos ou matemáticos sobre eventuais retrocessos, seja na distante Amazônia, ou na educação de quem mora na periferia. O impeachment de Dilma chegou quando a petista já tinha um desgaste irreversível, algo que, aparentemente, Temer ainda não tem. Parece pairar sobre ele um certo benefício da dúvida entre esses apoiadores enrustidos. E afinal de contas... 2018 está logo ali. Na cabeça do temerista envergonhado, por que não suportar um pouco mais?
Sob o risco de prisão, Lula vaticina: 'Vamos voltar'
Lula passou a sexta-feira na Zona Sul da cidade de São Paulo. À noite, discursou para uma plateia companheira num evento do PT. Condenado a 9 anos e 6 meses de cadeia, ignorou o risco de prisão que o assedia para vaticinar: “Esperem as eleições de 2018, que nós vamos voltar…”
Septuagenário, o pajé do petismo revelou que, para se manter em forma, costuma exercitar outros músculos além da língua: “Tenho 71 anos de idade. Estou novo, garotão. Faço duas horas de ginástica por dia. Levanto às cinco da manhã. Estou quase ficando bombado. Faço 7 km todo dia, além da musculação —faça chuva ou faça sol. Quero mostrar que um velhinho de 72 anos, com tesão por esse país, vai fazer muito mais do que um jovem sem tesão.”
Sem mencionar a Lava Jato, Lula voltou a fazer pose de perseguido político. Em timbre megalomaníaco, insinuou que seus algozes prejudicam toda a população brasileira: “…Se eles querem fazer alguma coisa comigo, se eles querem evitar que eu tenha a possibilidade de concorrer em 2018, se eles querem julgar o meu governo é uma coisa. O que eles não podem —por uma questão moral, política, de decência e de respeito —é, para me prejudicar, prejudicarem 204 milhões de brasileiros, sobretudo a maioria do povo trabalhador…”
Réu em cinco ações penais, já sentenciado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Lula disse coisas assim: “Se tiver corrupção, tem que ser preso quem roubar. Empresário roubou, tem que ser preso. Político roubou, tem que ser preso. Juiz roubou, tem que ser preso. Qualquer um que roubar.” No caso do PT, disse o oligarca da legenda, o que mais incomodou os rivais não foi a corrupção, mas a ascensão social dos pobres.
Escorando-se em autocritérios, Lula jactou-se de sua ex-presidência. “O Brasil era respeitado internacionalmente. O Brasil ficou um país popstar, mais do que o Neymar está hoje. As pessoas só falavam do Brasil lá fora.” O ex-soberano não notou. Mas o Brasil continua falado no estrangeiro. Desde o mensalão, o país está pendurado de ponta-cabeça nas manchetes como uma das nações mais corruptas do planeta.
Mais próximo das grades do que das urnas, Lula ameaçou a turma da Lava Jato. “Eu vou processá-los por danos morais. A coisa não fica barata, não. Eles não sabem o que é mexer com Garanhuns. Se tem político com rabo preso e está com medo, é problema de quem está com rabo preso. Se tem político que não quer abanar o rabo porque está com medo, é problema dele. Comigo eles vão ter que provar, custe o que custear, demore o quanto demorar.”
Ao se despedir da plateia, Lula flechou Michel Temer, que celebra o sepultamento na Câmara da denúncia em que a Procuradoria o acusa de corrupção passiva: “O Temer, que gastou anteontem R$ 14 bilhões para comprar 260 votos, não perde por esperar. Até a vitória do nosso partido!”
Acomodado por Lula na chapa de Dilma Rousseff, hoje reduzida à condição de cuidadora dos netos, Temer realmente revelou-se mais jeitoso do que a antecessora no gerenciamento do balcão. O difícil será superar o próprio Lula, que comprou o Legislativo durante oito anos, servindo aos aliados rações regulares de mensalão e de petrolão. (veja abaixo o discurso de Lula, antecedido por manifestação da presidente do PT, Gleisi Hoffmann).
Septuagenário, o pajé do petismo revelou que, para se manter em forma, costuma exercitar outros músculos além da língua: “Tenho 71 anos de idade. Estou novo, garotão. Faço duas horas de ginástica por dia. Levanto às cinco da manhã. Estou quase ficando bombado. Faço 7 km todo dia, além da musculação —faça chuva ou faça sol. Quero mostrar que um velhinho de 72 anos, com tesão por esse país, vai fazer muito mais do que um jovem sem tesão.”
Sem mencionar a Lava Jato, Lula voltou a fazer pose de perseguido político. Em timbre megalomaníaco, insinuou que seus algozes prejudicam toda a população brasileira: “…Se eles querem fazer alguma coisa comigo, se eles querem evitar que eu tenha a possibilidade de concorrer em 2018, se eles querem julgar o meu governo é uma coisa. O que eles não podem —por uma questão moral, política, de decência e de respeito —é, para me prejudicar, prejudicarem 204 milhões de brasileiros, sobretudo a maioria do povo trabalhador…”
Réu em cinco ações penais, já sentenciado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Lula disse coisas assim: “Se tiver corrupção, tem que ser preso quem roubar. Empresário roubou, tem que ser preso. Político roubou, tem que ser preso. Juiz roubou, tem que ser preso. Qualquer um que roubar.” No caso do PT, disse o oligarca da legenda, o que mais incomodou os rivais não foi a corrupção, mas a ascensão social dos pobres.
Escorando-se em autocritérios, Lula jactou-se de sua ex-presidência. “O Brasil era respeitado internacionalmente. O Brasil ficou um país popstar, mais do que o Neymar está hoje. As pessoas só falavam do Brasil lá fora.” O ex-soberano não notou. Mas o Brasil continua falado no estrangeiro. Desde o mensalão, o país está pendurado de ponta-cabeça nas manchetes como uma das nações mais corruptas do planeta.
Mais próximo das grades do que das urnas, Lula ameaçou a turma da Lava Jato. “Eu vou processá-los por danos morais. A coisa não fica barata, não. Eles não sabem o que é mexer com Garanhuns. Se tem político com rabo preso e está com medo, é problema de quem está com rabo preso. Se tem político que não quer abanar o rabo porque está com medo, é problema dele. Comigo eles vão ter que provar, custe o que custear, demore o quanto demorar.”
Ao se despedir da plateia, Lula flechou Michel Temer, que celebra o sepultamento na Câmara da denúncia em que a Procuradoria o acusa de corrupção passiva: “O Temer, que gastou anteontem R$ 14 bilhões para comprar 260 votos, não perde por esperar. Até a vitória do nosso partido!”
Acomodado por Lula na chapa de Dilma Rousseff, hoje reduzida à condição de cuidadora dos netos, Temer realmente revelou-se mais jeitoso do que a antecessora no gerenciamento do balcão. O difícil será superar o próprio Lula, que comprou o Legislativo durante oito anos, servindo aos aliados rações regulares de mensalão e de petrolão. (veja abaixo o discurso de Lula, antecedido por manifestação da presidente do PT, Gleisi Hoffmann).
Banheiro na rua
Dia desses, cumprindo minha rotina diária de leitura de jornais do planeta, deparei-me com uma significativa notícia publicada no jornal "O País", de Moçambique - uma daquelas notícias dignas de reflexão.
O título da matéria trazia que "faltam sanitários públicos em Maputo". Advertiu-se, em seguida, que "a poluição ambiental provocada pela urina deliberada está a ficar fora do controlo das autoridades municipais". Registrou-se que "quando não é possível se esconder junto de um contentor para urinar, os transeuntes aflitos recorrem às árvores, postes e pilares de painéis para espalhar imundície".
Explicando o fenômeno, "algumas pessoas revelaram que a situação se deve à falta de sanitários na via pública". Ouvido pela reportagem, um cidadão de nome Nunes Emílio declarou que "é pouca vergonha a realidade da Cidade de Maputo. Não há casas de banho".
Ouviu-se, em seguida, uma mulher de nome Lola Mangahe: "Imagine eu de calças e no meio desta multidão, como é que posso fazer para encostar num contentor ou numa árvore para urinar? Se tivesse sanitários, em todas as paragens, nem os homens nem as mulheres urinariam de qualquer maneira".
Consultado, o ambientalista Aguiar Baquete, ponderadamente, salientou "os riscos causados por esta poluição, a começar pelo pudor, a exposição da imagem da pessoa, a contaminação dos solos, as doenças, entre outros".
O jornal conclui a matéria recordando o artigo 49 de uma certa Resolução Municipal nº 15/2004, a qual "proíbe que se urine ou que paute por práticas de fecalismo a céu aberto. Porém, na Cidade de Maputo, esta medida é totalmente ignorada".
Agora vá à janela. Contemple o Brasil e veja, com olhos de ver, seus semelhantes fazendo a mesma coisa por conta da escassez de banheiros públicos - um quadro deplorável que nos humilha a todos.
Decidi verificar a quantas anda o PIB de Moçambique. É de apenas US$ 14,69 bilhões. Seguramente reside aí o motivo de não serem disponibilizados banheiros públicos em quantidade suficiente para a população.
Quanto ao nosso país, arrisco dizer que a explicação também é essa - em 2015, nosso PIB foi de apenas US$ 1,7 trilhão. Ou seja, realmente nítida a falta de recursos para a construção de banheiros públicos.
Fiquei a recordar Rousseau: "a higiene é muito mais uma virtude que uma ciência".
Pedro Valls Rosa
O título da matéria trazia que "faltam sanitários públicos em Maputo". Advertiu-se, em seguida, que "a poluição ambiental provocada pela urina deliberada está a ficar fora do controlo das autoridades municipais". Registrou-se que "quando não é possível se esconder junto de um contentor para urinar, os transeuntes aflitos recorrem às árvores, postes e pilares de painéis para espalhar imundície".
Explicando o fenômeno, "algumas pessoas revelaram que a situação se deve à falta de sanitários na via pública". Ouvido pela reportagem, um cidadão de nome Nunes Emílio declarou que "é pouca vergonha a realidade da Cidade de Maputo. Não há casas de banho".
Ouviu-se, em seguida, uma mulher de nome Lola Mangahe: "Imagine eu de calças e no meio desta multidão, como é que posso fazer para encostar num contentor ou numa árvore para urinar? Se tivesse sanitários, em todas as paragens, nem os homens nem as mulheres urinariam de qualquer maneira".
Consultado, o ambientalista Aguiar Baquete, ponderadamente, salientou "os riscos causados por esta poluição, a começar pelo pudor, a exposição da imagem da pessoa, a contaminação dos solos, as doenças, entre outros".
O jornal conclui a matéria recordando o artigo 49 de uma certa Resolução Municipal nº 15/2004, a qual "proíbe que se urine ou que paute por práticas de fecalismo a céu aberto. Porém, na Cidade de Maputo, esta medida é totalmente ignorada".
Agora vá à janela. Contemple o Brasil e veja, com olhos de ver, seus semelhantes fazendo a mesma coisa por conta da escassez de banheiros públicos - um quadro deplorável que nos humilha a todos.
Decidi verificar a quantas anda o PIB de Moçambique. É de apenas US$ 14,69 bilhões. Seguramente reside aí o motivo de não serem disponibilizados banheiros públicos em quantidade suficiente para a população.
Quanto ao nosso país, arrisco dizer que a explicação também é essa - em 2015, nosso PIB foi de apenas US$ 1,7 trilhão. Ou seja, realmente nítida a falta de recursos para a construção de banheiros públicos.
Fiquei a recordar Rousseau: "a higiene é muito mais uma virtude que uma ciência".
Pedro Valls Rosa
Ação humana contribuiu para seca sem precedentes na Amazônia
A ação humana contribuiu para intensificar o período de seca na Amazônia em 2016, que bateu o recorde de pior em 100 anos, mostrou um estudo da Universidade de Connecticut, publicado recentemente na Scientific Reports, da editora da revista Nature.
Entre as secas na região analisadas pelos pesquisadores, de 1983, 1998, 2005, 2010 e 2016, a do ano passado foi a primeira que não pôde ser explicada somente pelo aumento da temperatura da superfície dos oceanos, incluindo mudanças causadas pelo fenômeno do El Niño. Isso "sugere fortemente" que o desmatamento e a mudança climática causados pelo homem contribuíram para tornar a seca ainda mais severa.
"Temperaturas acima do normal da superfície oceânica na região tropical do Pacífico e no Atlântico foram os principais causadores de secas extremas na América do Sul, mas não explicam a severidade da falta de chuva em 2016 em uma porção substancial da Amazônia e do Nordeste", diz o estudo.
"Isso sugere fortemente uma contribuição potencial de fatores não oceânicos (como mudanças na cobertura da terra e aquecimento por emissões de dióxido de carbono) para a seca de 2016", conclui.
As secas de 2005 e 2010 também foram recordes num período de 100 anos, mas puderam ser melhor previstas pelo modelo dos pesquisadores, que não considerava a contribuição humana, do que a seca de 2016.
Com o aumento do desmatamento, que cresceu quase 30% passado, "futuras secas podem se tornar mais severas e mais frequentes", afirmou uma das autoras do estudo, Guiling Wang, à DW Brasil.
O desmatamento agrava períodos de seca porque a perda da cobertura vegetal reduz a transferência de água para a atmosfera, a chamada evapotranspiracão (evaporação do solo somada à transpiração das plantas), resultando em menos chuvas.
Com cada vez mais secas recordes, o que o futuro reserva para a Floresta Amazônica? As secas recorrentes em períodos curtos de tempo afetam a recuperação do ecossistema, o que aumenta o risco de queimadas e mortalidade das árvores. As secas de 2005 e 2010, por exemplo, resultaram em recordes de queimadas e emissões de carbono.
Um fator importante a observar é o chamado "ponto de inflexão" da floresta. "Algumas pesquisas mostram que uma vez que o desmatamento ultrapassa um limite, ele pode sustentar uma forte dinâmica entre vegetação e clima que pode levar a seca e morte da floresta tropical em um período relativamente curto", afirmou Wang.
Esse fenômeno seria preocupante não só para a biodiversidade da Amazônia, mas poderia ter impactos sobre a falta de água em outras regiões do país. Cientistas já apontaram que o desmatamento na Amazônia prejudica a rota dos chamados rios voadores, grandes nuvens que levam a umidade para outras regiões do Brasil, incluindo as mais populosas como o Sudeste.
Entre as secas na região analisadas pelos pesquisadores, de 1983, 1998, 2005, 2010 e 2016, a do ano passado foi a primeira que não pôde ser explicada somente pelo aumento da temperatura da superfície dos oceanos, incluindo mudanças causadas pelo fenômeno do El Niño. Isso "sugere fortemente" que o desmatamento e a mudança climática causados pelo homem contribuíram para tornar a seca ainda mais severa.
"Temperaturas acima do normal da superfície oceânica na região tropical do Pacífico e no Atlântico foram os principais causadores de secas extremas na América do Sul, mas não explicam a severidade da falta de chuva em 2016 em uma porção substancial da Amazônia e do Nordeste", diz o estudo.
"Isso sugere fortemente uma contribuição potencial de fatores não oceânicos (como mudanças na cobertura da terra e aquecimento por emissões de dióxido de carbono) para a seca de 2016", conclui.
As secas de 2005 e 2010 também foram recordes num período de 100 anos, mas puderam ser melhor previstas pelo modelo dos pesquisadores, que não considerava a contribuição humana, do que a seca de 2016.
Com o aumento do desmatamento, que cresceu quase 30% passado, "futuras secas podem se tornar mais severas e mais frequentes", afirmou uma das autoras do estudo, Guiling Wang, à DW Brasil.
O desmatamento agrava períodos de seca porque a perda da cobertura vegetal reduz a transferência de água para a atmosfera, a chamada evapotranspiracão (evaporação do solo somada à transpiração das plantas), resultando em menos chuvas.
Com cada vez mais secas recordes, o que o futuro reserva para a Floresta Amazônica? As secas recorrentes em períodos curtos de tempo afetam a recuperação do ecossistema, o que aumenta o risco de queimadas e mortalidade das árvores. As secas de 2005 e 2010, por exemplo, resultaram em recordes de queimadas e emissões de carbono.
Um fator importante a observar é o chamado "ponto de inflexão" da floresta. "Algumas pesquisas mostram que uma vez que o desmatamento ultrapassa um limite, ele pode sustentar uma forte dinâmica entre vegetação e clima que pode levar a seca e morte da floresta tropical em um período relativamente curto", afirmou Wang.
Esse fenômeno seria preocupante não só para a biodiversidade da Amazônia, mas poderia ter impactos sobre a falta de água em outras regiões do país. Cientistas já apontaram que o desmatamento na Amazônia prejudica a rota dos chamados rios voadores, grandes nuvens que levam a umidade para outras regiões do Brasil, incluindo as mais populosas como o Sudeste.
PT, política e crime
O reiterado apoio do PT e de seus satélites (Psol, PCdoB, PDT etc.) à sangrenta ditadura venezuelana – que matou, nas ruas, mais de cem manifestantes em dois meses -, indica a natureza do projeto político interrompido pelo impeachment de Dilma Roussef.
Interrompido, mas não extinto. Mais que nunca, o partido o defende, num de seus raros gestos de coerência e sinceridade. Coerência, sim: sem o apoio dos governos de Lula e Dilma, o regime hoje comandado por Nicolas Maduro não existiria.
Lula, quando da celebração dos 15 anos do Foro de São Paulo, em 2005, jactou-se de ter “inventado o Chavez”. E inventou mesmo.
Esta semana, o condenado (embora solto) José Dirceu fez coro à presidente do partido, Gleisi Hoffmann, defendendo o regime de Maduro num artigo para o jornal espanhol El País.
A ladainha é a mesma: Maduro é democrata, difamado pela imprensa burguesa e pelos lacaios do imperialismo. Os cidadãos assassinados e os presos políticos, claro, são um detalhe.
O que se deduz é que, na remota eventualidade de retorno do partido ao poder – que José Dirceu, sonhando com Lula, garante que ocorrerá -, já se sabe qual o modelo político a ser imposto ao país.
As milícias que assassinam nas ruas de Caracas existem também aqui. E Lula chamou-as de “exército do Stédile”, ameaçando, em mais de uma ocasião, jogá-las contra seus adversários. O “exército” apresenta-se sob diversas siglas: MST, CUT, MTST etc.
Lula não hesitou em ameaçar o próprio Sérgio Moro: disse, em seu depoimento, em maio passado, que, voltando ao poder, mandará prender os que hoje pedem a sua prisão. Ao ser instado a se esclarecer, disse que falava em sentido figurado. Claro, claro.
Em relação ao chavismo, o PT admite, nas atas de seu 5º Congresso, em 2015, que cometeu uma falha. Enquanto Chávez, coronel do exército venezuelano, engendrou seu golpe com o apoio das Forças Armadas, o petismo quis impor sua revolução à revelia delas – e contra elas. Em vez de conquistá-las, quis enfraquecê-las.
O sentimento revanchista, sobrepôs-se ao pragmatismo. A Comissão da Verdade, que intentava punir os raros sobreviventes do regime militar, findo há mais de três décadas, blindou as Forças Armadas ao discurso esquerdista.
O partido lamentou também não ter intervindo no currículo das escolas militares, manejado as promoções dos oficiais de alta patente e aparelhado o suficiente a Polícia Federal. E são essas as instâncias, na máquina do Estado, hoje hostis ao projeto petista.
Mesmo assim, ainda tem (literalmente) alguma bala na agulha. O partido investiu na formação de uma Força Nacional, subordinada ao governo – e não às Forças Armadas -, e pretendia extinguir as PMs, o que enfraqueceria o poder dos governadores.
Depois de desarmar a população, queria desarmar os estados e desaparelhar os militares. Não deu tempo.
Mas as conexões com o crime organizado avançaram. A inteligência do Exército constatou que, apenas no Rio, há nada menos que 15 mil fuzis, além de metralhadoras, granadas e até obus nas mãos das quadrilhas do narcotráfico. Sem destroçar esse arsenal, o patrulhamento ostensivo terá curta validade.
E é esse o cerne da presente intervenção no Rio, que poderá, diante de eventuais (e prováveis) vinculações para além daquela área, estender-se a outros estados. O Estado Maior que opera na cidade não desconhece a presença de aliados revolucionários de países vizinhos, espalhados em outras cidades, a postos para entrar em ação. Nada é dito, mas tudo é monitorado.
Enquanto a política continua a exibir seu estado de degradação – e a rejeição à denúncia contra Temer, na quarta-feira, na Câmara dos Deputados, dispensa comentários -, novas prisões pela Lava Jato prosseguem em território fluminense.
Mas há mais: há um outro jogo com cheiro de pólvora sendo jogado no país. Em dez anos de guerra no Vietnã, os EUA perderam 60 mil soldados. É o número de brasileiros mortos por ano na guerra civil da criminalidade. Um Vietnã por ano – e isso há mais de dez anos. Eis o desafio que corre paralelo à luta contra a corrupção da política – e que guarda conexões cada vez mais visíveis com ela.
O PT deixou o governo, mas seu legado está vivíssimo.
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