terça-feira, 31 de outubro de 2017

Como fabricar monstros para garantir o poder em 2018

Pense. Preste atenção na sua vida. Olhe bem para seus problemas. Observe a situação do país. Você acredita mesmo que a grande ameaça para o Brasil – e para você – são os pedófilos? Ou os museus? Quantos pedófilos você conhece? Quantos museus você visitou nos últimos anos para saber o que há lá dentro? Não reaja por reflexo. Reflexo até uma ameba, um indivíduo unicelular, tem. Exija um pouco mais de você. Pense, nem que seja escondido no banheiro.

Seria fascinante, não fosse trágico. Ou é fascinante. E também é trágico. No Brasil atual, os brasileiros perdem direitos duramente conquistados numa velocidade estonteante. A vida fica pior a cada dia. E na semana em que o presidente mais impopular da história recente se safou pela segunda vez de uma denúncia criminal, desta vez por obstrução da justiça e organização criminosa, e se safou distribuindo dinheiro público para deputados e rifando conquistas civilizatórias como o combate ao trabalho escravo, qual é um dos principais assuntos do país?

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Desde setembro, quando a mostra QueerMuseu – Cartografia da Diferença na Arte Brasileira foi fechada, em Porto Alegre, pelo Santander Cultural, após ataques liderados por milícias como o Movimento Brasil Livre (MBL), arte, artistas e instituições culturais têm sido atacados e acusados de estimular a pedofilia e/ou de expor as crianças à sexualidade precoce no Brasil. Resumindo: enquanto os brasileiros têm seus direitos roubados, uma parte significativa da população está olhando para o outro lado. Ou, dito de outro modo: sua casa foi tomada por assaltantes de dinheiro público e ladrões de direitos constitucionais, mas você está ocupado caçando pedófilos em museus.

Conveniente, não é? E para quem? A resposta é tão óbvia que qualquer um pode chegar a ela sem ajuda.

Uma pergunta simples: por que os movimentos que ergueram a bandeira anticorrupção para derrubar Dilma Rousseff (PT), uma presidente ruim, mas que a maioria dos brasileiros elegeu, não estão fazendo nenhum movimento para derrubar Michel Temer (PMDB), um homem que só se tornou presidente por força de um impeachment sem base legal, ligado a uma mala de dinheiro e que tem como um dos principais aliados outro homem, Geddel Vieira Lima (PMDB), ligado a mais de 51 milhões de reais escondidos num apartamento? Ou Aécio Neves (PSDB), que em conversa gravada pediu dois milhões de reais a Joesley Batista, um dos donos da JBS, para pagar os advogados que o defendem das denúncias da Operação Lava Jato?

Isso não é corrupção? Isso não merece movimento? Quem mudou? E por quê?

Responda você.

Outra pergunta simples: por que, em vez disso, parte destes movimentos, que se converteu em milícia, criou um problema que não existe justamente num momento em que o Brasil tem problemas reais por todos os lados?

A não ser que você realmente acredite que o problema da sua vida, o que corrói o seu cotidiano, são pedófilos em museus, sugiro que você mesmo responda a essa pergunta. Eu vou buscar responder a algumas outras.
Leia mais o artigo de Eliane Brum

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Charge O Tempo 30/10/2017

Morte da esperança

Quando Esperança morreu, passamos todos a julgar. O sonho em que se perdeu, parece ser tudo o que conseguimos enxergar. No desvario seu, Esperança errou o lugar. Nasceu Maria Esperança. Veio da Espanha para o Rio visitar. Maria Esperança, turista espanhola, já não é mais.

Uma semana depois, quase não lembramos dela. Sua memória escorregou das manchetes. Foi para o canto da página. E daí para a injustiça do esquecimento. Sua lembrança, e tudo o que poderíamos ter aprendido ao menos para dar sentido ao seu sacrifício já foi atropelado por outras, novas, e repetitivas notícias.

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No Brasil, nem o novo é novidade. A gente se acostumou a recontar as tragédias do dia, esquecendo, desprezando e substituindo as de ontem por outras, muitas vezes iguais e parecidas, mas sempre graves de desumanas.

A verdade é que não haveria sentido em dar destaque a cada morte violenta no país. Ou melhor, faria sentido, mas talvez não fosse possível. No Brasil se mata por tudo ou qualquer coisa. Ou mesmo por nada.

Das 50 cidades mais violentas do planeta, 21 são brasileiras. São 60.000 homicídios por ano. 7 7 por hora. A maior parte das vítimas permanece anônima, soterrada pelos números. Fazendo sem notar a travessia de pessoa a estatística. Em destino sem qualquer distinção, condenado a ser um número em estudos, obscuros ou não, dormitando em gavetas.

Maria Esperança até mereceu atenção especial. Era turista, talvez a única coisa que a separe de todas as outras vítimas que acostumamos a aceitar sem nem mesmo lhes dedicar a atenção que merecem.

Maria Esperança se foi. Deixou para trás, fama efêmera em um local distante de casa, tão acostumado com selvageria que não é mais capaz de reconhecer no espelho a responsabilidade pelo caos.

Passados alguns dias, a memória de sua morte já se vai. Voltamos a rotina de conviver com a morte. O absurdo virou o normal. E se apagam outras Marias, ou Joãos, ou Pedros, ou Anas, ou Claras, e todos os outros nomes que já nem nos importamos de lembrar. Que não tem distinção. Não se chamam Esperança. Porque esperança, não há mais.

O direito ao delírio

Nos últimos anos de vida política em Brasília, disse a amigos que queria incluir uma nova bandeira entre as lutas cotidianas: o direito ao delírio. Sabiam que a palavra delírio não designava alteração da consciência, produzida por drogas. Ainda assim, não entendiam bem. Minha referência eram as alucinações que épocas, partidos, grupos e indivíduos cultivam sobre si próprios e, na maioria dos casos, são dissipadas pelo curso dos fatos.

Agora, posso voltar ao tema e avançar um pouco na explicação sucinta daquele momento. Pressinto que o próprio país caminha, depois de tantos embates, para uma fase que chamo de pós ideológica, consciente da precariedade do termo.

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As duas correntes que as pesquisas indicam como as preferidas, no momento, são as que travam um debate ideológico. Minha própria ideia de que se caminha para uma fase pós ideológica também é uma dessas ilusões que precisam ser testadas na prática. O problema não é ter ilusões, mas sim buscar a maior proximidade com os fatos. Tanto o marxismo, de certa forma herdeiro do iluminismo, como os liberais conservadores partem do que pode ser um erro fundamental.

Não me interessam aqui as explosões radicais, as brigas cotidianas em si próprias. Mas sim o nobre fundamento sobre a qual estão apoiados os contendores. Ambos os lados procuram, através do diálogo e dos confrontos, um consenso sobre a melhor maneira de viver bem. Nesse sentido, perseguem uma ilusão inalcançável. Nas sociedades complexas e diversificadas, o consenso não existe, nem está no horizonte. No seu lugar, é preciso introduzir a ideia de convivência pacífica, o que alguns autores chamam também de modus vivendi.

Encontrar o modus vivendi entre tantas concepções antagônicas é muito difícil porque os conflitos prosseguem, envolvem as instituições, explodem desejos contraditórias por liberdade.

Tanto os herdeiros do iluminismo que trabalham com a hipótese de um consenso racional sobre a melhor vida, como os liberais que acreditam em preservar os valores tradicionais, tendem ao fundamentalismo, sobretudo quando entram em choque.

Assim como a existência das ilusões não quer dizer que a realidade inexista, a busca do modus vivendi não significa um relativismo amoral. É apenas uma constatação que, se aceita, pode reorientar a energia não apenas para o confronto, mas para hipóteses de acordo em temas de interesse mútuo, sobretudo os de reconstrução nacional.

Para o marxismo, talvez isso não seja um problema pois parte do princípio de ter uma saída para os problemas sociais, uma forma única de ver o mundo, uma vontade de convencer que o leva a uma ação missionária.

Para o liberalismo, tornar-se fundamentalista, no entanto, é contradizer algumas de suas principais correntes teóricas. Isso aparece, claramente, nos debates que antecedem as guerras dedicadas a implantar a democracia em países distantes, com história e costumes diferentes. Será que funcionam?

Ao longo desses anos, hesitei um pouco em lançar mão da ideia da liberdade de delirar. Não pelo fato de levar pancadas dos dois lados, pois considero isso parte do jogo. A ideia de que é possível estabelecer uma hegemonia no campo cultural foi, na verdade um dos estopins do debate. Ela é ingênua e inadequada às instituições flexíveis, baseadas na pluralidade.

Mesmo os que não conhecem Antonio Gramsci ou se importam com suas teorias percebem que a ideia de hegemonia significa a neutralização de outras correntes, um domínio amplo e detalhado do espaço cultural, uma negação do próprio conceito de cultura.

Não é possível clamar por tolerância e sonhar com a hegemonia. A tolerância é moldada precisamente na aceitação da pluralidade. Afirmar isto, vale também acusações de proteger o status quo, eternizar o capitalismo, bloquear mudanças.

Isso revela também uma outra divergência sobre a ação política. Não há na realidade salvação nem salvadores. Há apenas soluções provisórias para alguns problemas recorrentes, até mesmo a admissão de que alguns não serão resolvidos a curto prazo.

Na casa de Câmara Cascudo, li uma frase interessante na parede: o Brasil não tem problemas, mas sim soluções adiadas. Uma coisa é tentar viabilizar algumas dessas soluções adiadas. Não é isso que costuma aparecer nas eleições.

Muitos candidatos dizem que trarão consigo um projeto nacional. Isto dá a impressão de que o país é uma folha em branco e será esculpido para as próximas gerações. Não é bem assim, embora seja legítimo o delírio de moldar um país por muitas décadas. Ainda não descobri se os principais partidos que passaram pelo poder usaram a expressão com o objetivo de plasmar um novo país ou apenas para racionalizar seu desejo de ficar muitos anos no governo. Os fatos apontam para esta última hipótese.

Quanto mais se acredita no sonho de um consenso racional, mais escasseia a tolerância. O delírio de um, modus vivendi, acho eu, é mais próximo de nossa realidade diversa.

Gente fora do mapa

Photo

Filosofia da construção

Todo político sem causa é um corrupto em potencial: usa o poder para enriquecer ou para ficar no poder. Por isso, a escassez de bons filósofos é tão grave quanto o excesso de maus políticos.

Até recentemente, havia filosofias que empolgavam os debates políticos: capitalismo, socialismo, comunismo, liberalismo, desenvolvimentismo, nacionalismo, oferecendo bases filosóficas que justifiquem as causas das lutas dos políticos.

Com a globalização, robotização, comunicação instantânea, crise ecológica, pobreza persistente, desigualdade crescente, migração em massa, fracasso do socialismo e injustiças do capitalismo, essas filosofias ficaram ultrapassadas, sem bandeiras claras no horizonte filosófico e político.

Neste vazio de propostas, surgem três alternativas possíveis para orientar o comportamento político. A “filosofia do conformismo”, justificando aqueles que assistem sem reação nem alternativa à marcha da História em direção à modernidade técnica descontrolada, aceitando o progresso global provocar desemprego estrutural, separar as pessoas por “mediterrâneos invisíveis”, muros e cercas, desequilibrar a ecologia, assistindo à generalização das drogas e da violência, crianças sem futuro. Por esta filosofia, o caminho seguido nas últimas décadas é inexorável e não caberia à política controlar o rumo social.

A “filosofia da resistência” é praticada por aqueles que não aceitam a marcha do avanço tecnológico, mas não buscam propostas alternativas: limitam-se à luta para impedir o progresso técnico e fechar as fronteiras nacionais; defendem direitos adquiridos no passado, sem buscar entender quais destes direitos ficaram obsoletos, quais amarram o futuro, e que novos direitos precisam ser conquistados.

A “filosofia da construção” aceita o progresso em marcha, mas não se acomoda aos desastres sociais e ecológicos que ele provoca. Comemora o avanço técnico e a globalização, mas ao mesmo tempo busca definir regras para manter o equilíbrio ecológico, salvaguardar as diversidades, inclusive nacionais, educar as novas gerações para um futuro com emprego reduzido e proteger os que ficam desempregados, mas com tempo livre bem ocupado e com renda mínima assegurada.

Tenta propor um progresso que respeite a natureza, substitua o PIB pelo bem-estar, promova atividades culturais, seja responsável com as finanças públicas. Que estabeleça um Piso Social que assegure a todos o atendimento dos bens e serviços essenciais e também um Teto Ecológico acima do qual ninguém poderá consumir.

A formulação desta “filosofia da construção” é um desafio para aqueles que desejam fazer política com causa, sem ignorar nem naufragar nas vertiginosas transformações que ocorrem no mundo contemporâneo.

Data venia, excelências

Instituições como o Supremo Tribunal Federal (STF), que são parte dos pilares do estado democrático de direito, têm por obrigação zelar por sua credibilidade. Quem está lá na condição de ministro tem mais do que a função de magistrado. Tem uma missão, que é a de zelar pelo equilíbrio entre os Poderes, interpretando, com base na Constituição, qual é a função de cada um numa sociedade democrática, de forma que todos sigam harmônicos e independentes.

Se o STF perder a credibilidade, com ela vai junto a última esperança do injustiçado que busca Justiça, das minorias que brigam pelo direito de se fazer ouvir, do cidadão de bem que deseja contribuir para o crescimento do País.

Os 11 ministros que estão lá foram escolhidos entre brasileiros natos de reputação ilibada e de notório saber jurídico para, numa espécie de função sacerdotal, com toga e tudo, zelar para que o País seja mais justo, para que as desigualdades sejam menores, para que os privilégios desapareçam.

Conquistar credibilidade, todo mundo sabe que é muito difícil. Perdê-la, é fácil. Basta uma atitude errada aos olhos da sociedade para que isso ocorra.

Veja-se o exemplo do Congresso, dos partidos políticos, dos governantes. Tanto aprontaram, e ainda aprontam, que a última pesquisa da Ipsos sobre a credibilidade deles mostra que 93% da sociedade não confia nos políticos em geral. A situação é tão ruim que hoje alguns deputados e senadores, quando viajam, escondem a medalhinha que usam no paletó e os identifica como integrantes do Congresso. Aquilo que era para ser motivo de orgulho virou motivo de vergonha. Alguns, de cara mais conhecida, são identificados em aeroportos, restaurantes, museus, e passam por situação vexatória, tal a ira do público.

Nos últimos dias o STF protagonizou fatos e cenas que podem comprometer muito a imagem da instituição. Uma delas de puro privilégio em causa própria. A Corte transferiu o feriado do dia do servidor público, comemorado todos os dias 28 de outubro, hoje, para o dia 3, logo depois do feriado do Dia de Finados, 2. Como no dia 1.º é feriado no Judiciário, a folga no Supremo, que será acompanhada também pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), irá da quarta-feira que vem ao domingo. Umas miniférias.

Já na quinta-feira, os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso tiveram um bate-boca em público daqueles de dar vergonha. Entre outras coisas, depois de muita provocação, Barroso disse que Gilmar é leniente com os crimes de colarinho-branco, além de não trabalhar com a verdade. Gilmar respondeu que Barroso concedeu habeas corpus para José Dirceu e que foi advogado de criminosos internacionais, numa referência ao fato de o colega ter defendido Cesare Battisti, condenado a prisão perpétua na Itália sob acusação de ter participado do assassinato de pelo menos quatro pessoas quando militava num grupo esquerdista que tentava derrubar o governo democrático pelas armas.

Indagado sobre o que achou da briga, o ministro Marco Aurélio Mello afirmou que tais episódios denigrem a imagem do STF e mancham a sua credibilidade. Mas não se esqueceu de lembrar que em relação a Gilmar Mendes tem “inimizade capital”.

Debates acalorados sobre o entendimento de determinada doutrina do Direito são corriqueiros em qualquer espaço que reúna duas ou mais pessoas ligadas ao Judiciário. Da forma como ocorreram não são normais, porque não trataram do entendimento a respeito de uma norma, mas de acusações pessoais.

Uma coisa é dizer que não dá para levar desaforo para casa. Outra é ter um comportamento que compromete a credibilidade da instituição a que serve, só para repetir, o último refúgio do cidadão.

Mordendo o alheio

(Esse tipo de gente) está sempre abocanhando o seu. E você nunca se livra dele, Aonde você vai, lá está ele à sua espera, à sua cata. Arranca-lhe a alma para viver folgado. E continua coberto de razão
Tchinguiz Aitmátov, "O navio branco"

Temer e os áulicos vivem ilusão da 'normalidade'

Segundo a superstição de Michel Temer, revelada a aliados que lhe telefonaram para saber como estava sua saúde, o governo inaugura nesta semana uma nova fase. Um ciclo de “normalidade” administrativa. A percepção de Temer é compartilhada pelos áulicos do Planalto.

Falando do leito do Hospital Sírio Libanês, Temer informou que voltará ao batente na quarta-feira. “Ele está muito animado”, disse ao blog um parlamentar que conversou com o paciente. Tudo faz crer que o congelamento das denúncias da Procuradoria fez com que o presidente voltasse a acalentar o pior tipo de ilusão: a ilusão de que preside.


Na área econômica, a prioridade de Temer é colocar em pé a reforma da Previdência. O mandarim da Câmara, Rodrigo Maia, declarou que, numa escala de zero a 10, a chance de ser aprovada uma versão lipoaspirada da mexida previdenciária oscila entre 2 e 3. O comandante do Senado, Eunício Oliveira, afirmou que não é a melhor hora para tratar do tema.

Na área político-penal, Temer terá de tourear o inquérito em que figura como suspeito de beneficiar uma empresa no Porto de Santos. E não pode descuidar dos humores de Rodrigo Rocha Loures, o homem da mala de R$ 500 mil, e de Geddel Vieira Lima, o amigo do cafofo com R$ 51 milhões. Loures arrasta uma tornozeleira eletrônica em casa. Geddel puxa cana na Papuda. Por ora, guardam obsequioso silêncio.

Numa conjuntura assim, tão sujeita a delações e trovoadas, se Temer consegue manter a cabeça no lugar enquanto tanta gente perde a sua, provavelmente já não sabe onde colocou a noção do perigo. Ou está exercitando o seu cinismo.

Paisagem brasileira

Archimedes Dutra, Paisagem rural, 1939, osm, 22 x 26 cm
Paisagem rural (1939), Archimedes Dutra

O mendigo disse: 'Não tenha vergonha de olhar para mim'

O mendigo disse: "Não tenha vergonha de olhar para mim". Estava falando com uma senhora muito elegante cujo cão tinha parado para fazer suas necessidades perto do indigente, que estava sentado no chão, sobre um papelão sujo, com as costas apoiada na parede do McDonald's do centro de Madri. A senhora, que não queria puxar o cão, olhava de soslaio para o pobre: o copo de plástico com duas ou três moedas, sua garrafa de água, seu guarda-chuva, sua sacola de supermercado cheia de frutas, os pés descalços e pretos pela sujeira, sua mochila rasgada... Foi quando o homem se dirigiu a ela para dizer que não precisava ter vergonha de olhar, pois ele podia suportar.

A senhora se agachou para recolher o cocô do cachorro e ao se levantar estava chorando. Você pode suportar, disse, mas eu não. De forma incongruente, disse que era professora de história. O mendigo tirou de sua mochila, para mostrar uma História do Mundo Contemporâneo: um velho livro de bolso com as folhas inchadas, como os tornozelos de alguém que sofre de hidropisia. É tudo que li na minha vida, explicou, ler é muito instrutivo. Muito, concordou ela dando um nó no saco de cocô do animal, enquanto engolia as lágrimas. Se você quiser, ofereceu, amanhã trago outro livro para você. Traga-me um sobre o mundo antigo, para comparar, disse o homem. A mulher andou oito ou nove passos e voltou para deixar algumas moedas. Não precisava ter se incomodado, disse ele. Não é nenhum incômodo, assegurou ela. Deixe o cocô do cachorro, ele sugeriu então, também tenho que me desfazer do meu. Ela, depois de resistir um pouco, entregou a ele. Depois começou a caminhar, puxando o cão, que não queria se afastar da sua merda.

Onisciência

Seria uma heresia comparar Deus com a sociedade? Acho que não, e como não estamos na época da Inquisição nem de Torquemada podemos fazer tais ilações e delírios.

O filósofo Luiz Felipe Pondé diz que a narrativa cósmica é associada a práticas cotidianas. E que a narrativa dá sentido às práticas e as práticas dão corpo à narrativa. Seria essa a inter-relação entre Deus e a sociedade?

Procuro ver, sem discordar, por outro ângulo. Deus é onisciente, onipresente e onipotente. A sociedade também poderia ser. Guardada as devidas proporções. A sociedade é onipresente. Está em todos os lugares, como Deus. Ela, a sociedade, também é onipotente: tudo pode. Inclusive fazer revoluções, derrubar ou eleger governos, influenciar políticas públicas, mostrar caminhos e até mesmo se autodestruir. A sociedade pode fazer o seu apocalipse como construir o paraíso.

A combinação de onipresença e de onipotência faz da sociedade, potencialmente, o ente mais poderoso de um país.


Não é esse, porém, o caso brasileiro, pois a nossa sociedade não se utiliza adequadamente de sua onipresença nem de sua onipotência. Pelo fato de que não é onisciente. Pouco ou nada sabe sobre como funcionam a máquina da política e os meandros do governo. Em não sendo onisciente, pouco faz com sua onipresença e sua onipotência.

E como tal fato ocorre no Brasil?

A nossa sociedade relaciona-se de forma interesseira com o governo. É uma relação em que predominam os interesses sobre os princípios. Por quê? Porque somos uma sociedade ignorante, não apenas no que se refere à educação básica e formal, mas, sobretudo, no que tange à educação cidadã. Aí reside nossa imensa ignorância. Não sabemos de nada e não conseguimos romper o véu de opacidade que o Estado impõe à sociedade.

Em sendo assim, de nada vale sermos uma sociedade onipresente e onipotente, já que não sabemos para onde ir e os faróis que tentam nos guiar estão contaminados por agendas de poder e de interesse.

Sabemos que a sociedade jamais será onisciente. Mas poderá ser menos ignorante e mais reflexiva. Sobre tudo desconfiando dos que se vestem de bondade e de boas intenções. Pois o mau muitas vezes se disfarça de bom, de politicamente correto, de libertário. Lute pela sabedoria e pela desconfiança. Pois, como disse Santo Agostinho, mais vale ter dúvidas sobre temas complexos do que certezas de difícil comprovação.

Murillo de Aragão

Dois importantes pronunciamentos

 Na semana passada e na anterior tivemos dois importantes pronunciamentos: o de Xi Jinping, primeiro-ministro chinês, e o de Tiririca, deputado federal brasileiro. A importância do primeiro decorreu mais do peso econômico e político da China no mundo que de seu conteúdo. Afirmo isso porque a substância do pronunciamento é bem conhecida.

Em sua fala de três horas e meia, o mandatário chinês reafirmou que a China é hoje uma superpotência econômica e política e fadada a um importante protagonismo no cenário mundial. E não precisou bater no peito para indicar que ele, como líder do Partido Comunista, está próximo de atingir uma estatura política comparável à de Mao Tsé-tung e Deng Xiaoping.

Mantidas as devidas proporções, Tiririca também disse uma coisa relevantíssima, embora desconhecida da maioria dos brasileiros. Anunciando que não pretende se recandidatar no ano que vem, ele afirmou: “Vim para cá pensando em aprovar projetos, mas a coisa aqui é muito complicada”. Para bom entendedor, pingo é letra.

A referência principal de sua curta sentença é, sem dúvida, o poder absurdo que as Mesas do Senado e da Câmara detêm. Nenhum senador ou deputado consegue aprovar projeto algum se elas não quiserem, só com uma paciência de Jó e puxando bastante o saco dos respectivos presidentes.

Esse mecanismo explica um dos maiores paradoxos do Legislativo, dois traços perversos que qualquer cidadão percebe a olho nu: de um lado, o governismo sem-vergonha que reduz as duas Casas a uma quase total impotência, fraudando a estipulação constitucional do equilíbrio de Poderes e desestimulando carreiras políticas sérias; do outro, revoltas inesperadas, surtos de rebeldia, notadamente no chamado “baixo clero”, cujo objetivo é invariavelmente aumentar o custo do apoio às Mesas e, por via de consequência, ao Executivo. Há quem singelamente acredite que a debilidade e a mediocridade do Legislativo sejam como uma danse sur place, um ponto de equilíbrio muito ruim, mas estático. Ledo engano.



O que se passa no Brasil, mercê do equivocado conjunto de engrenagens que compõe nosso sistema político, é um paulatino deslocamento para um equilíbrio cada vez pior. Uma das faces mais visíveis desse processo é a incapacidade do Legislativo, evidente já há muitos anos, de recrutar bons candidatos. Por que cargas d’água uma pessoa apta a desempenhar cá fora um papel de relevo vai se meter numa máquina de moer carne como aquela?

Tiririca disse que não vai se recandidatar, e eu acredito nele. Tem toda a razão: entre ser figurativo ou de verdade, é melhor sê-lo de verdade, cá fora. Circo por circo, os de cá são mais engraçados.

Claro, o deslocamento do equilíbrio para pior deve-se à operação de outros mecanismos, não só ao poder das Mesas. A proliferação desordenada de partidos carentes de identidade é um deles. É mais ou menos assim que a coisa se passa: um aventureiro ou um grupelho qualquer funda um partido e obtém no Tribunal Superior Eleitoral o devido reconhecimento. Só com esse passo ele (aventureiro ou grupelho) já se habilita a participar dos recursos do Fundo Partidário. Se conseguir eleger um punhado de deputados ou senadores, habilitar-se-á a vantagens não menos suculentas: entrará no universo conhecido como “presidencialismo de coalizão”, usando seus votinhos como poder de chantagem para integrar a maioria governista, que cedo ou tarde, no limite, vai precisar deles. A contrapartida do Executivo pode ser em cargos nos ministérios ou nas estatais, mas, em caso de necessidade, há quem a aceite em moeda sonante, como ocorreu abundantemente no “mensalão” arquitetado pelo ex-presidente Lula.

Claro, a proliferação de agremiações acirra a disputa na arena eleitoral. Em cada Estado, um número cada vez maior de pretendentes começa a dar cotoveladas, a azeitar o caixa 2 e a clamar por “chances” proporcionais à contribuição que haverão de prestar à jovem democracia brasileira. Foi assim que, pela Constituição de 1988, deixamos para trás aquele saudável teto de 400 e poucos deputados e passamos aos 513 que integram atualmente uma Câmara proporcionalmente muito maior que a dos Estados Unidos!

Sejamos francos: para que tantos deputados e senadores? Por que não estabelecemos um mínimo de seis (em vez de oito) deputados e dois (em vez de três) senadores por Estado?

Mas seria ainda o caso de rir, e não de chorar, se nossos parlamentares fossem totalmente cínicos, defendendo tais disparates tão somente como uma engrenagem apta a acomodar seus interesses. O problema é que muitos não são cínicos. Muitos há para os quais esses mecanismos são o alfa e o ômega da sabedoria política, a estrada real que levará nosso país ao que chamam de “verdadeira democracia”. Para esses, quanto mais assentos no Legislativo e quanto mais partidos, melhor. Ora, se assim é, por que não uma Câmara com cinco ou dez mil parlamentares, cada um com seu próprio partido? Os que assim pensam não percebem que um corpo superdimensionado é uma forma de debilitar, não de fortalecer o Legislativo, uma forma de desnaturá-lo e castrá-lo, transformando-o num apêndice (é certo que barulhento!) do Executivo.

No Paper Federalista n.º 51, um dos estudos que elaborou como contribuição à Constituição americana, James Madison escreveu: “Se a assembleia de Atenas tivesse dez mil membros, com certeza deveríamos vê-la como uma horda de arruaceiros, não como um corpo deliberativo sério”. Eu só faria um pequeno acréscimo: uma horda formada por um baixo clero de uns nove mil e novecentos, precariamente controlados por uma elite de talvez cem.
Bolívar Lamounier

domingo, 29 de outubro de 2017

Imagem do Dia

George Owen Wynne Apperley - Calle del Albaycín (granada, spain)
Calle del Albaycín (Granada, Espanha), George Owen Wynne Apperley

Políticos imperfeitos

Na conhecida conferência A política como vocação, proferida em 1919, o sociólogo alemão Max Weber sugeriu que o verdadeiro homem político deveria possuir ao menos três qualidades essenciais: precisaria combinar a paixão por uma causa, o sentimento de responsabilidade e o senso de proporção. Poderia ter uma dessas qualidades em maior dose, mas não poderia deixar de ter as três. Com elas, entre outras coisas, haveria como controlar a vaidade, o desejo de permanecer sempre no primeiro plano, e dar o devido peso à missão política propriamente dita.

A sugestão é útil para que se discuta, por exemplo, a conduta de parlamentares e governantes, seu maior ou menor sucesso, seu estilo de liderança, as razões que os fazem mais eficientes na representação política e na gestão e lhes dão maior capacidade pedagógica de interagir democraticamente com as massas.

Há governantes que se seguram tão somente na paixão pela causa, conseguindo compensar a ausência (relativa) das outras qualidades mediante a organização de uma boa equipe de auxiliares. Enquanto o chefe faz política e enfatiza sua causa, os assessores cuidam da administração e garantem alguma margem de responsabilidade e senso de proporção no processo de tomada de decisões. Lula pode ser aqui tomado como exemplo positivo. Dilma seria um exemplo negativo.

Em seus dois mandatos, o ex-presidente não deixou um minuto sequer de fazer política e reverberar sua causa. Conseguiu terminar seus governos nos braços do povo, sua equipe de auxiliares se encarregou, com eficiência, de fazer a máquina administrativa funcionar e estabilizar a base política, que forneceu ao governo a necessária sustentação. As circunstâncias nacionais e internacionais foram-lhe favoráveis e o beneficiaram com os ventos da Fortuna, mas é evidente que houve Virtù e bom desempenho entre 2013 e 2010.

Com Dilma Rousseff ocorreu o contrário. Apresentada ao mundo como “gestora rigorosa e técnica competente”, não mostrou aptidão particular para a política, não conseguiu expressar causa alguma nem exibiu a exaltada competência administrativa. Seu senso de proporção e responsabilidade foi reduzido, o que impulsionou a crise. Em decorrência, entrou em atrito com amigos, aliados e auxiliares, não estruturou uma equipe leal e eficiente, teve de aceitar a contragosto a transferência da operação política para outros personagens e não conseguiu organizar um Estado administrativo vigoroso. As circunstâncias não a beneficiaram e passaram, em decorrência, a exigir sempre mais talento político, que lhe era escasso. Dilma plantou, assim, os ventos que iriam transformar-se na tempestade perfeita do impeachment. A desgraça configurou-se quando ela, em 2014, bateu pé e fez questão de concorrer à reeleição. Sua vitória nas urnas foi de Pirro e só serviu para bloquear as chances que o PT teria de ajustar o curso do navio.

Faltaram a Dilma, portanto, as três qualidades essenciais estabelecidas por Weber, com o que ela foi devorada pela vaidade e pela dificuldade de interagir democrática e pedagogicamente com as massas. Sua queda foi uma espécie de profecia que se autorrealizou.

Trazendo o argumento para os dias correntes, encontramos Michel Temer como exemplo de político com dificuldades para combinar as três qualidades. Falta-lhe antes de tudo a devoção a uma causa, já que a ideia de fazer de seu governo um artífice da retomada do crescimento econômico e do ajuste fiscal não aquece mentes e corações. Com o tropeço nas pedras que surgiram pelo caminho (Joesley e Janot), Temer viu evaporar o que tinha de força para aprovar reformas, sobretudo porque não soube reunir os consensos sociais necessários para fazê-las e foi sendo desconstruído pelo próprio Congresso, que esperava ver apoiá-lo. O presidente também não demonstra possuir um apurado senso de proporção e responsabilidade, o que fez com que vacilasse na composição de seu Ministério, para o qual convocou pessoas que pouco o ajudam e têm opaca imagem pública, e se entregasse desmesuradamente ao jogo político miúdo e fisiológico. Foi, assim, sendo devorado por predadores de várias espécies, perdendo condições de fazer política abrangente, a ponto, por exemplo, de influenciar sua própria sucessão. Tornou-se um governante inercial, refém do Congresso e sustentado pelos relacionamentos que amealhou durante a longa carreira parlamentar. Seus baixíssimos índices de aprovação e popularidade fecham a moldura.

Mas a crítica a ele deve ser bem calibrada. Temer é produto do quadro político atual, que está majoritariamente ocupado por políticos imperfeitos. Alguns têm causas, outros se declaram responsáveis, mas há poucos que se dediquem a unir uma qualidade à outra. Não porque não as tenham, mas porque não se dispõem a confrontar as bandas podres do sistema e recuperá-lo.

Bons políticos existem e continuarão a existir sempre. O que falta é que eles se reúnam, se articulem, se imponham nos espaços políticos institucionais e dialoguem abertamente com a sociedade. Sem a paixão que promove a entrega a uma causa e sem um sentido superior de responsabilidade (pública), os políticos são atraídos mais pelo brilho do que pela realidade do poder; e terminam por usufruir o poder pelo poder, sem cumprirem funções positivas. Precisam romper com isso.

Constatar que um país como o Brasil esteja entregue nos últimos 15 anos às desventuras de políticos “imperfeitos” – e imperfeitos porque “incompletos” – certamente levaria Max Weber a tremer no silêncio sepulcral em que repousa.

Quanto a nós, pobres seres viventes, a constatação provoca pasmo e uma perturbadora inquietação. O momento é exigente, pede empenho e discernimento. Não precisamos de “chefes”, mas de políticos dispostos ao sacrifício e vocacionados para colocar os dedos nas engrenagens da História, assumindo compromissos claros com uma agenda corajosa.

Marco Aurélio Nogueira

A fórmula da simplicidade

Se multiplicarmos 853 (municípios de Minas) por 40 cargos, “cabides de emprego”, em média, por cada prefeitura, número que pode ser subestimado, teremos 34.120 salários inúteis pagos com recursos públicos. Quer dizer que, com um desembolso médio unitário de R$ 1.500, multiplicado por 12 meses mais um mês de 13º, chega-se a encontrar um rombo de R$ 665 milhões a cada ano, ou R$ 2,6 bilhões por mandato.

Cada município tem assim uma perda por mandato de cerca de R$ 3 milhões.

Essa montanha de dinheiro pode ser, segundo uma avaliação menos conservadora, até três vezes superior, passando de R$ 10 bilhões por mandato. Apenas em Minas Gerais.

Esse batalhão de gente à toa, de regra, é inevitável para “quitação” de apoios eleitorais, que são pagos com recursos públicos subtraídos da saúde, educação e assistência social.

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Também se o governo do Estado cumprisse com metade de sua responsabilidade de repasses de saúde pública, que a cada ano descumpre com maior gravidade, Minas Gerais seria exemplo de saúde para o mundo.

Os recursos existem sem aumentar impostos, mas o grave é que são desviados.

Resolver o problema: cada um cumprir com o dever de casa.

A equação é tão simples quanto impossível no Brasil em vista dos vícios do sistema político-eleitoral e da indigência moral em geral.

Não paira dúvida de que investimentos de alcance difuso em benefícios da população são surrupiados para quitar a fatura eleitoral, grande pecado original que deixa de “rabo preso” os vencedores. Aí sem moral a coisa se generaliza, descarrilhando em mensalões e quadrilhões.

Embora haja exceções, a vergonha encobre quase tudo.

Encontram-se multidões de prefeitos peregrinando em corredores do Estado, da União, de gabinetes de deputados à procura de verbas para sustentar as contas municipais, quando, para muitos deles, ficar no município arrumando a casa seria de maior valia, com resultados imediatos.

Os R$ 750 mil por prefeitura, em média, pagos por ano em manutenção de cabides de emprego, seriam suficientes para zerar a fila de cirurgias, de 200 mil, que se alonga em sofrimentos e até mortes de inocentes. Esse laço de causalidade, não enxergado, é real, e pecaminoso.

Apesar das dificuldades nacionais, a moralização do uso dos recursos públicos é a solução mais rápida e imediata, ao alcance da mão dos bem-intencionados.

Outra praga que se abate sobre o povo vem da burocracia, irmã siamesa da corrupção.

A caterva de normas de nosso ordenamento jurídico, sua indecente sofisticação, é um insulto à inteligência, e um grave obstáculo, na contramão de tudo aquilo que vem dando certo pelo mundo afora.

Quanto mais burocrático é o ordenamento (caos), supostamente em defesa do bem comum, mais abertura se concede à burocracia. Gerou-se no Brasil um emaranhado perverso de leis contraditórias que leva ao pagamento de vantagens e de propinas.

Nos últimos 20 anos o Brasil, alardeando modernização e outras balelas, se transformou no país mais burocrático e corrupto do planeta. Engavetou milhões de empregos, que aguardam um carimbo de poderosos burocratas, que costumam em muitos casos esfolar quem quer produzir e gerar oportunidades, empregos, receitas públicas e desenvolvimento.

O PIB brasileiro ficou 15% em três anos e meio; Minas Gerais, cerca de 18% no mesmo período. Passamos de 13 milhões de desempregados desesperados.

Ainda das centenas de bilhões drenados pela corrupção se recuperou uma parte ínfima; os acordos de leniência com os bandidos, além de lhes garantir sobrevida e passaporte para voltar a arrombar o país, são insignificantes. Num país civilizado estariam impedidos por cem anos de continuar nas atividades econômicas em solo nacional. Seus bens seriam confiscados e leiloados.

Tirar a burocracia e a corrupção, praticadas na forma mais ardilosa e sofisticada, bastaria para produzir um portentoso e imediato desenvolvimento sem recorrer a qualquer medida mais ousada ou mirabolante ditada por um banqueiro.

Deixar a economia e o mercado em paz.

Em Betim, a prefeitura, endividada e arrebentada, zerou seus cabides de emprego, podou a burocracia, castigou e aniquilou as origens da corrupção. Obrou para apoiar os pedidos de novas atividades e, em apenas sete meses, deu sinais de resultados retumbantes.

Em agosto o Caged, do Ministério do Trabalho, divulgou uma saldo positivo de 688 empregos gerados no município. Já em setembro Betim aumentou e chegou a ser o município – na contramão do aumento do desemprego na região Sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais) – que registrou saldo negativo de 9.000 empregos. Betim teve saldo positivo de 769 empregos, deixando atrás o município de São Paulo, com 732, seguido de Guarulhos, com 704, e Santo André, com 540.

Proporcionalmente, Betim, com seus 430 mil habitantes, gerou 24 vezes mais empregos que o segundo colocado, o maior município do país, e registrou um aumento de 266% na geração de empregos em relação a setembro de 2016.

A fórmula mágica está aí. Apagar o inferno da burocracia mais corrupção, sem sofisticadas medidas. Isso se aplica às economias civilizadas mais modernas e dá certo em qualquer governo, nacional, estadual ou municipal.

No buraco da Infraero

Não tem mandato, função pública ou cargo partidário, mas circula pelos palácios com a desenvoltura de quem desfruta de intimidade com o poder. Conhece os corredores do Planalto, do Alvorada e do Congresso como o chão da cela onde viveu por um ano, com cama de aço e chuveiro de água quente, na ala VIP do presídio da Papuda, a 20 quilômetros da Praça dos Três Poderes.

Alto, sorriso afável, não aparenta 68 anos de idade, mas conserva hábitos de chefão à moda antiga no beija-mão diário dos diretores de agências reguladoras, como ANTT, e de empresas estatais, como Valec e Infraero.

Ex-presidiário do mensalão, sentenciado e perdoado, Valdemar Costa Neto administra 37 votos no plenário da Câmara. Novamente investigado por corrupção, agora na Operação Lava-Jato, é um homem de negócios com década e meia de experiência nos subterrâneos dos governos Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer.

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Semana passada, ouviu um pedido de favor do presidente, o segundo nos últimos quatro meses: assegurar o apoio do Partido da República na votação de amanhã, decisiva à suspensão do inquérito por corrupção e formação de quadrilha aberto contra Temer. Como tudo deu certo, Temer e Costa Neto continuarão sócios no poder até dezembro 2018.

Para o chefe do PR, atender a um presidente significa investimento. Foi assim em 2002, quando Lula pediu-lhe para ajudar a transformar José Alencar no seu candidato a vice-presidente. Até hoje Costa Neto se apresenta como o “principal artífice” dessa aliança. Cobrou R$ 8 milhões, negociados com Delúbio Soares e José Dirceu no quarto do senador Paulo Rocha (PT-PA), em Brasília. Lula e Alencar aguardaram na sala.

Como Delúbio e Dirceu não pagaram no prazo combinado, Costa Neto chegou às vésperas daquela eleição geral sem caixa para sustentar seus candidatos a deputado federal. Recorreu a Lúcio Funaro, intermediário financeiro do PMDB de Temer, Eduardo Cunha, Geddel Vieira e Henrique Alves — os três últimos estão presos. Tomou R$ 6 milhões de Funaro, a quem chama de “agiota” por causa dos juros de R$ 200 mil ao mês.

O PT retribuiu-lhe na dúzia de anos seguintes. Com Lula e Dilma, ele obteve o poder de influir nas contratações de obras como a Ferrovia Norte-Sul, 4,1 mil quilômetros de trilhos através de dez estados, e a Ferrovia Oeste-Leste, com 1,5 mil quilômetros entre Tocantins e Bahia.

Esses projetos continuam no papel, mas renderam dividendos a Costa Neto e sua facção política. Agora, estão sob investigação com base em provas e depoimentos de executivos da Odebrecht e Andrade Gutierrez, além de agentes como Funaro.

Costa Neto avança em negócios na política. Prometeu um punhado de votos a Temer e virou donatário com poder de influir nas concessões de aeroportos, como o de Congonhas (SP), e em transações de lojas e balcões da Infraero.

Combalida, a estatal abriga sete mil empregados — muitos sem ter o que fazer —, e acumula R$ 9 bilhões em prejuízos. Depende do socorro do Tesouro (mais R$ 1,4 bilhão) para fechar as contas de 2017.

Escavada nesse buraco, a parceria Temer-Costa Neto pode vir a ser o começo de uma longa amizade.
José Casado

Paisagem brasileira

Voltando da lida, João Bosco Campos

Supremo vive sob clima de churrasco na laje

A última sessão do Supremo Tribunal Federal terminou num arranca-rabo. De um lado, Luís Roberto Barroso. Do outro, Gilmar Mendes. No ápice da toga justa, Barroso acusou Gilmar de ser leniente com os corruptos de colarinho branco. Esse episódio foi a radicalização do clima de churrasco na laje que se instalou na Suprema Corte brasileira. Quem paga a picanha é você. Por isso, convém prestar atenção.

O Supremo está organizado em duas turmas de cinco ministros. Em tese, isso deveria desafogar o plenário do tribunal. O problema é que as duas turmas começaram a tomar decisões divergentes sobre temas análogos. O pano de fundo das controvérsias é a Operação Lava Jato.

A música que toca na Segunda Turma do Supremo é o pagode da cela vazia. Ali, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski se juntaram para fazer de Edson Fachin, relator da Lava Jato, um ministro minoritário. Na Primeira Turma, Luís Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux rodam o pagode da linha dura. Quando a picanha passa do ponto, o espeto vai ao plenário do Supremo.

No último embate, ganhou Aécio Neves. O próximo embate envolverá as prisões em segunda instância. Uma turma quer adiar a cadeia de poderosos como Lula. A outra quer consolidar a jurisprudência anti-impunidade. A tensão que descambou para o bate-boca entre Barroso e Gilmar faz exalar da suprema laje um insuportável cheiro de queimado.

Os perigos de outsiders

O ser humano só atinge sua essência dentro da comunidade política, hoje entendida como o Estado. E sua missão, como cidadão e animal cívico, é o de poder interferir na vida do Estado para alcançar o bem comum, não sendo suficiente, portanto, bastar-se a si mesmo. Essa é a inclinação natural que conduz os homens a conviver em sociedade.

Sob essa arquitetura aristotélica, qualquer cidadão pode ser chamado para servir à polis (O Estado), donde se infere que a política não é um compartimento reservado a uns poucos. Ou, em outros termos, a política não se esconde em quatro paredes. Não tem margens.

Dito isto, analisemos os fenômenos políticos de nosso cotidiano, a partir das questões que beiram às margens do absurdo: Luciano Huck, o jovem empresário e animador do Caldeirão do Huck, programa semanal de uma rede de TV, poderia ser candidato e se eleger presidente da República? Nessa mesma vertente, poderiam concorrer figuras como Silvio Santos, Edir Macedo, Roberto Carlos, Pelé, Faustão e, por que não (?), Gisele Bundchen?

Os nomes citados compõem uma galeria das mais influentes e conhecidas personalidades brasileiras. São os outsiders (perfis fora da política). Huck, aliás, já manifestou apoio a uma campanha de renovação da política, para a qual investirá esforços e recursos, também escrevendo artigos para jornais.


A eleição de um outsider não é coisa muito fora de propósito no contexto da política pós-sociedade industrial, onde se amontoam as mazelas que corroem as democracias, como a desideologização, o declínio dos partidos, o declínio dos parlamentos, o declínio das oposições, a personalização do poder, a ascensão das tecno-estruturas e o aparecimento de novos circuitos de representação, como associações, sindicatos, federações, núcleos, grupos, movimentos de toda a ordem.

O deslocamento da política tradicional para outros espaços é uma realidade aqui e alhures. Aqui, esse fenômeno ganha impulso sob o clima de degradação da política, foco da mais aguda crise vivida pelo país na contemporaneidade. Os índices de pesquisas exibem protagonistas de todos os quilates e cores mergulhados em imenso lamaçal.

Portanto, o momento e as circunstâncias induzem a comportamentos inusuais da base política, do tipo eleição de um Cacareco. Lembremos: em 1959, com a morte de Getúlio Vargas, sob o governo de Adhemar de Barros, em São Paulo, o eleitorado estava indignado contra os vereadores da Câmara Municipal. Na campanha, apareceu o rinoceronte Cacareco, na verdade uma fêmea, vinda do Rio emprestada para abrilhantar a inauguração do Zoológico de São Paulo.

O empréstimo era por seis meses. Passado o tempo, os paulistanos fizeram um movimento para que o animal, de 230 quilos, aqui ficasse. Decidiu-se pela candidatura de Cacareco a vereador, com o slogan: “vale quanto pesa”. Um matreiro candidato saiu à rua carregando uma onça, apostando no slogan: “eleitor inteligente vota no amigo da onça”.

Na época o voto era num pedaço de papel que o eleitor colocava em envelope recebido do mesário. Gráficas imprimiram milhares de cédulas com o nome do bicho. Cacareco recebeu 100 mil votos, quando o candidato mais votado naquele ano não ultrapassou 110 mil votos.

O partido que elegeu a maior bancada obteve 95 mil. Infelizmente, Cacareco não pode comemorar. Foi devolvido ao zoológico do Rio, vindo a morrer poucos anos depois, antes de completar 10 anos. (O coração não resistiu a tanta emoção). A revista Time acabou dando ênfase à frase de um eleitor: “é melhor eleger um rinoceronte do que um asno”.

Não é que, em 2018, há muito eleitor querendo votar em Cacarecos?

Outra opção é a busca de perfis que encarnem a lei, a ordem, a disciplina, a postura militar. Bolsonaro entra nesse figurino. Outra banda, saturada dos velhos costumes políticos, volta-se na direção de perfis que encarnem assepsia, limpeza, inovação, gestão. João Doria ganhou a Prefeitura de São Paulo com essa vestimenta.

Por falta de lideranças novas, o eleitorado tende a buscar candidaturas nas bandas dos comunicadores de massa ou do futebol, pessoas que possuem grande visibilidade em atividades de entretenimento. Aqui entram Huck, Silvio Santos (que já acenou com uma candidatura presidencial no passado) e outros. Teriam chance?

Em tese, sim. A revolta do eleitorado se faz ver na frase que é comum em todos os rincões: “todo político é ladrão”. Infelizmente, o país corre esse risco.

Que o levaria a uma crise de proporções inimagináveis, porquanto um Luciano Huck ou outra celebridade do mundo do espetáculo não teria condição de “pôr o guizo no gato”, ou seja, de administrar a complexidade do nosso sistema político: 35 partidos, sistema bicameral com duas casas congressuais, presidencialismo de coalizão etc.

Teria de se submeter ao DNA de uma cultura política, cujas raízes estão fincadas nas roças do fisiologismo, do nepotismo, do grupismo, do coronelismo. Nem Marina Silva, com sua roupagem ética, ou mesmo Ciro Gomes, usando sua metralhadora expressiva, resistiriam ao poder de mando dos nossos representantes, 513 na Câmara e 81 no Senado.

Portanto, não devemos pensar que nomes fora da política terão condições de administrar um país com uma crise política crônica como a nossa. O que os perfis com oxigênio da inovação podem fazer é colaborar para a renovação das frentes políticas nas três instâncias federativas.

O país estaria na beira do abismo ante a hipótese de eleger um perfil radical, seja de direita ou de esquerda, e ainda se decidisse por um quadro do mundo do espetáculo. Imaginar que Silvio Santos poderia reabrir a porta da esperança seria não um sonho, mas um pesadelo. Infelizmente, a moldura política começa a exibir sinais da carcomida polarização que cindiu nos últimos 15 anos a sociedade brasileira entre “nós e eles”, “bons e maus”, apartheid originado na era PT. Será que veremos novamente Lula em palanques prometendo mundos e fundos?

Os próximos tempos serão reveladores. Se a economia sair do fundo do poço, como dá sinais de ocorrer, podemos esperar a escolha de um figurante do centro, capaz de puxar alas da direita e da esquerda. Esta é a aposta deste consultor.

Apoio à democracia na América Latina cai pelo quinto ano consecutivo

Os latino-americanos estão cada vez menos satisfeitos com a saúde de suas democracias e, o que é pior, também acreditam menos nela como a melhor forma de governo. De acordo com o último Latinobarômetro, uma prestigiosa pesquisa regional que analisa 20.000 entrevistas realizadas em 18 países, o apoio caiu de 54% em 2016 para 53% este ano, a quinta queda consecutiva desde 2010, quando atingiu um pico de 61%. O relatório conclui que o declínio da democracia é lento e invisível “como o diabetes”. “Existem países que não são doentes terminais, mas sofrem de um diabetes democrático generalizado. Você não vê o mal, não há sintomas que chamem a atenção; mas se você não o tratar, acabará te matando”, diz a chilena Marta Lagos, diretora do Latinobarômetro, durante a apresentação do relatório na sede do BID em Buenos Aires.

Este ano, a pesquisa foi atrasada pela crise na Venezuela. Lagos comemora a oportunidade de analisar um país “quando está com febre alta”, mas advertiu que a situação em Caracas “fez muito mal para a região pelos problemas que esconde em outros países”. “Desde 2010, o apoio à democracia caiu oito pontos em média e os indiferentes aumentaram de 23% para 25% em apenas um ano. As pessoas se afastam dos governos e das ideologias. Também vemos uma enorme variação regional, porque temos 18 países, não uma região homogênea”, diz Lagos.

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Entre os cidadãos que menos apoiam a democracia como sistema de governo estão os brasileiros (43%) e os mexicanos (38%). No topo da lista, mas positivamente, estão os venezuelanos, com 78% de apoio. Como se explica isso? “Entendemos que é uma questão de aspiração. Os venezuelanos estão em crise, mas defendem a democracia como a melhor opção”, explica Lagos. Quando se trata de avaliar a saúde do sistema atual, os números se invertem: apenas 22% dos venezuelanos se declaram “muito satisfeitos” ou “satisfeitos” com a situação política e social. A curva de satisfação dos venezuelanos não parou de cair desde 2010, quando atingiu 57% de opiniões positivas, mas, apesar do que se possa acreditar, a Venezuela é mais otimista do que o Brasil e o México. Este ano, apenas 13% dos brasileiros se declararam satisfeitos, alinhados com os mexicanos, que mal alcançaram 18%.

Somente em três países as pessoas estão satisfeitas com a democracia: Uruguai(57%), Nicarágua (52%) e Equador (51%). A Argentina é a quinta depois da Costa Rica, com 38%. Mas “vistos em conjunto, os indicadores revelam a deterioração sistemática e crescente das democracias da região. Os governos sofrem a mesma sorte, a cada ano os latino-americanos os aprovam menos. O que hoje é a média, antes era o mínimo. Não há indicadores de consolidação, mas indicadores de desconsolidação”, adverte o estudo. A desconfiança no governo atinge 92% dos brasileiros e 85% dos mexicanos.

O relatório destaca um cenário que pode parecer contraditório à primeira vista: a queda dos indicadores políticos e sociais coincide com um aumento generalizado dos econômicos. Cerca de 54% dos latino-americanos disseram aos pesquisadores do Latinobarômetro que seu dinheiro é suficiente para chegar ao fim do mês, dois pontos a mais do que em 2016. No topo estão os brasileiros, com 68% e, no último lugar, os venezuelanos, com 21%. A conclusão do estudo é que existe “uma dissociação entre dois mundos, o mundo da economia e o mundo do poder político”. “A economia vai bem para um lado e a democracia para outro. Não há relação entre elas, porque, embora metade da população tenha se beneficiado, a outra metade está apenas assistindo. A região é bipolar: há sucesso econômico e pobreza, o aspecto econômico avança e os valores despencam”, diz Lagos, para quem hoje, mais do que nunca, “a democracia não tem nada a ver com a economia”.

sábado, 28 de outubro de 2017

As urnas eletrônicas

É estranha a resistência do TSE e da esquerda partidária brasileira ao voto impresso, como registro complementar ao voto eletrônico. O Congresso aprovou, em 2015, projeto nesse sentido, de autoria do deputado Jair Bolsonaro, para viger já em 2018.

A presidente Dilma Roussef, sem maiores explicações, vetou-o, mas o Congresso derrubou-lhe o veto. Tudo estaria resolvido não fosse um detalhe: a Justiça Eleitoral. Lá, a resistência persiste.

Alega-se que, por razões de ordem financeira e operacional (não exatamente esclarecidas), só se poderia cogitar da mudança a partir de 2022. O presidente do Tribunal – e também ministro do STF -, Gilmar Mendes, considera o temor às urnas mera paranoia. E garante que são seguríssimas. Não explica por quê.

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Seu diagnóstico conflita com o de parcela expressiva da comunidade científica brasileira e internacional – e com o da própria empresa que fabrica as urnas e treinou técnicos do TSE para o seu manejo, a Smartmatic. O CEO da empresa, Antonio Mujica, em entrevista em Londres, há três meses, admitiu que são violáveis.

Mais que isso, revelou que foram violadas nas eleições para a Constituinte da Venezuela, este ano, aumentando em mais de 1 milhão o número de eleitores que efetivamente votaram.

As urnas, postas sob suspeita no Brasil desde a reeleição de Dilma, cuja apuração quase secreta (havia apenas 23 pessoas acompanhando-a, sem fiscais partidários), têm mais defensores que Gilmar - o PT e seus aliados de esquerda, por exemplo. No entanto, não lhe acrescentam quaisquer argumentos.

Em julho, foi realizada em Las Vegas, EUA, a maior conferência “hacker” do mundo, a Defcon, evento que ocorre anualmente desde 1993. A deste ano teve como foco as urnas eletrônicas de votação. Todos os modelos testados, inclusive o fabricado no Brasil, foram violados em menos de duas horas.

Alguns, segundo Ronaldo Lemos, representante do MIT Media Lab no Brasil, “foram hackeados sem sequer a necessidade de contato físico, utilizando-se apenas de uma conexão wi-fi insegura”.

E ainda: “Outras foram reconfiguradas por meio de portas USB. Houve casos de aparelhos com sistema operacional desatualizado, cheio de buracos, invadidos facilmente”.

O fato, diz ele, é que “todas as urnas testadas sucumbiram”. Vejam bem: todas. E com um detalhe: a manipulação de uma urna digital, segundo Lemos, “pode não deixar nenhum tipo de rastro, sendo imperceptível tanto para o eleitor quanto para funcionários da Justiça Eleitoral”. O crime perfeito.

O voto impresso, como complemento ao voto eletrônico, pode ser um inibidor da fraude: o eleitor vê a confirmação de sua escolha numa cédula impressa, que cai numa urna convencional, que será lacrada para eventual recontagem. O óbvio em ação.

Isso previne outro truque, constatado na Defcon, segundo Lemos: “Uma máquina adulterada pode funcionar de forma aparentemente normal, inclusive confirmando na tela os candidatos selecionados pelo eleitor. No entanto, no pano de fundo, o voto vai para outro candidato, sem nenhum registro da alteração”.

Não são suposições ou meras paranoias, como sugere o ministro Gilmar Mendes, mas constatações de especialistas que puseram a mão na massa. O que se deduz é que, nos termos em que se realizam, as eleições brasileiras não são seguras.

Podem até mesmo ter produzido vencedores de araque já há alguns pleitos. Pelo perfil dos que nos governaram – e dos que ainda governam -, não é despropositada (embora inútil) tal ilação. Foram capazes de outras aberrações de calibre equivalente.

O risco, no entanto, é insistir em nada fazer quanto às próximas eleições, dado o que já se apurou a respeito com relação aos procedimentos até aqui utilizados. Há, sim, suspeições – e, como se vê, fundamentadas. E a maior é alegar despesas para descumprir a lei. O TSE alega que o custo de colocar impressoras nas juntas eleitorais seria de R$ 2,5 bilhões. Ora, o fundo eleitoral aprovado pelo Congresso é de R$ 3,8 bilhões para financiar os partidos.

Temer, para fazer frente na Câmara às duas denúncias que lhe moveu a PGR, liberou emendas parlamentares que montam a R$ 2,8 bilhões. E só na Petrobras os desvios de recursos, nos governos petistas, ultrapassam R$ 42 bilhões. Por que a preocupação de economizar exatamente nesse quesito? Sherlock Holmes, com seu gênio dedutivo, talvez dissesse: “Elementar, meu caro”.

O certo é que, quando nem as eleições merecem confiança, é a própria democracia que já acabou.

E agora, presidente?

"Adeus, senhor Presidente", do ex-ministro de Planejamento Carlos Matus, foi uma espécie de livro de cabeceira dos bons gestores públicos brasileiros logo após a redemocratização. Ensaio romanceado sobre a sua experiência de administrador no governo de Salvador Allende, descreve a trajetória de um típico presidente latino-americano. O protagonista assume o poder com grandes expectativas de mudança e termina o mandato sem fazer o que prometeu — o único consolo é saber que o sucessor está fracassando. Ao longo desse processo, descreve reuniões surreais de gabinete e até uma tentativa frustrada de golpe militar.

Pululam no romance arquétipos da nossa política: sindicalistas, políticos de esquerda e de direita, empresários, tecnocratas, acadêmicos, idealistas, jornalistas, amigos corruptos e muitas polêmicas como as que frequentam o nosso noticiário, principalmente sobre como equilibrar as finanças públicas e, simultaneamente, estimular o crescimento. O personagem se parece muito com Allende, mas o figurino se aplica a outros presidentes, como os brasileiros Dilma Rousseff e Michel Temer. A diferença é que a primeira não pode ainda rir por último, porque foi apeada do poder pelo impeachment, e Michel Temer, aos trancos e barrancos, já conseguiu escapar de dois impeachments, que seriam a consequência natural de seu afastamento caso as denúncias do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot tivessem sido aceitas.

Dilma não teve habilidade para escapar da cassação, embora estivesse dormindo com o inimigo, pois Temer, vice-presidente da República, conspirou para assumir a Presidência. Faltou à Dilma, também, o mesmo empenho revelado pelos caciques do PMDB na atuação dos líderes do PT, apesar do alarido que foi feito durante as sessões da Câmara e do Senado. Seu partido fez muita agitação na rua, mas sua atuação no parlamento somente aumentou o isolamento de Dilma. Nos bastidores, não era incomum parlamentares petistas dizerem que estava muito mais fácil “trabalhar a rua” depois do afastamento de Dilma. De certa forma, a recente entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao jornal espanhol El País, na qual disse que Dilma traiu seus eleitores após a reeleição, nada mais foi do que a confirmação dessa avaliação. Pano rápido.


Em outra obra — "O líder sem Estado-Maior" —, Matus aprofunda suas reflexões de forma objetiva, faz uma crítica antológica aos governantes latino-americanos. Nela, descreve os gabinetes presidenciais na América Latina (bonitos e bem decorados, com muita gordura e pouco músculo, imponentes, mas frágeis), comparando-os a uma “jaula de cristal”, na qual o presidente se isola, prisioneiro de uma corte que o controla. “Um homem sem vida privada, sempre na vitrine da opinião pública, obrigado a representar um papel que não tem horário. Não pode aparecer ante os cidadãos que representa e dirige como realmente é, nem transparecer seu estado de ânimo.”

“O governante sente-se satisfeito com seu gabinete: nem sente que precisaria melhorá-lo, nem saberia como fazê-lo porque o desacerto está no comando”, descreve Matus. Na tentativa de realizar o impossível, continua, “deteriora a governabilidade do sistema e não aprende, porque não sabe que não sabe. Encontra-se entorpecido por uma prática que acredita dominar, mas que na realidade o domina. Acumula experiência, mas não adquire perícia; tem o direito de governar, sem ter a capacidade para governar. Nesse caso, pode ser que seu período eficaz de governo resulte nulo, pela impossibilidade de combinar, ao mesmo tempo, o poder para fazer e a capacidade cognitiva para fazer”.

Da fatídica reunião com o empresário Joesley Batista, da JBS, que gravou uma conversa no mínimo esquisita, à retenção urológica que o levou ao Hospital do Exército, na quarta-feira, Michel Temer foi o exemplo perfeito de prisioneiro de uma “jaula de cristal”. Todos os movimentos que fez para evitar o afastamento do cargo e sustar as investigações sobre as denúncias do doleiro Lúcio Funaro foram narrados nas rádios, tevês, redes sociais e jornais. Conseguiu manter o cargo, mas saiu mais enfraquecido das escaramuças, uma vez que manteve o apoio de apenas 251 deputados, ou seja, menos da metade da Câmara, que 513 integrantes eleitos. Foi suficiente para barrar a segunda denúncia e restabelecer sua blindagem constitucional (não pode ser investigado por fatos anteriores ao mandato), mas não é o bastante para governar. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia DEM-RJ), pôs o dedo na ferida, ao afirmar que Temer terá que recompor seu ministério, se quiser aprovar qualquer coisa no Congresso.

Portar arma de uso restrito é crime previsto na Lei de Segurança Nacional

Temer anunciou nesta quinta-feira (26) que sancionou o projeto de lei que considera crime hediondo a posse ilegal de fuzis e outras armas de fogo de uso restrito das Forças Armadas e demais órgãos de segurança pública e que são utilizadas por bandidos para a prática de crime. Essa tal lei que Temer disse ter sancionado também considera crime hediondo o comércio irregular de metralhadora e submetralhadoras. E Temer encheu o peito para dizer que o cumprimento da pena desta nova lei que disse ter sancionado, inicialmente será em regime fechado, sem direito a fiança, anistia e indulto, mas com progressão de regime.

Grande conquista da sociedade? Que nada! Conquista seria se Temer vetasse a progressão de regime a fim de permitir que os condenados cumprissem a pena por inteiro em regime fechado. Com progressão da pena, basta cumpri um quinto dela para ter direito à progressão.

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O Estatuto do Desarmamento, Lei 10.826/2003, prevê penas tão pequenininhas que até vale a pena correr o risco para os bandidos. Reclusão de 2 a 4 anos e de 3 a 6 anos, mais multa. Ora, meu Deus, que punição frouxa! Um condenado à pena máxima de 6 anos (72 meses), com pouco mais de quatorze meses (1 ano e 2 meses) já passa a ter direito à progressão!

Por que o projeto de lei do então senador Crivella e nesta quinta-feira sancionado por Temer não aumentou a pena e não aboliu a progressão, esta, sim, hedionda?

Aliás, essa nova lei que Temer disse ter sancionado é uma gota no oceano da criminalidade urbana crescente. Por que Crivella e Temer não mandam aplicar a Lei de Segurança Nacional? Registre-se que embora a Lei de Segurança Nacional remeta ao tempo da ditadura, a Lei nº 7170, de 14.12.1983 está vigente. E nada tem de ditatorial.

A Lei de Segurança Nacional é dura e justa. Introduzir no território nacional, por qualquer forma, sem autorização da autoridade federal competente, armamento militar privativo das Forças Armadas é crime com pena de reclusão de 3 a 10 anos (artigo 12).

Fabricar, vender, transportar, receber, ocultar, manter em depósito ou distribuir armamento ou material militar privativo das Forças Armadas, sem autorização da autoridade federal competente é outro crime, com pena de 3 a 10 anos (artigo 12, parágrafo único). E tudo isso sem progressão de regime.

Como se vê, Temer mais uma vez comete e pratica inocuidade. A Lei de Segurança Nacional está aí desde 1983. Basta ser aplicada pelo Judiciário, sem precisar de outra, com esta que veio ontem de forma benevolente. E ao contrário de se revelar uma conquista, é um retrocesso. É mais uma frouxidão. Por Segurança Nacional entende-se tudo que diga respeito ao país, fundamentalmente a seu povo, sua população, porque sem povo e sem população não existe pais ou nação. Logo, se outrora o alvo dos militares era o Brasil, hoje a Lei de Segurança Nacional serve ao povo brasileiro, que é o seu alvo principal.

Gente fora do mapa

(117) Kerala Backwaters. | Kerela india | Pinterest

No aniversário de Lula, o 'parabéns' é uma ironia

Lula fez aniversário nesta sexta-feira. Deveria ter presenteado a si mesmo com o silêncio. Mas percorre Minas Gerais em caravana. Faz comícios diários. Seus lábios não desgrudam do microfone. Assim, sem medo de ser patético, declarou: ''Não é aos 72 anos que vou roubar um centavo para envergonhar milhões e milhões de pessoas que a vida inteira confiaram em mim''.

Lula discursou num comício na cidade de Montes Claros. Apresentou-se à plateia como um símbolo, seu papel predileto: ''Estão tentando me destruir desde que nasci. Tentem destruir o Lula, vocês nunca vão conseguir, porque o Lula não é o Lula, é uma síntese daquilo que são milhões e milhões de mulheres e homens. Lula é uma idéia criada por vocês.''


O pajé do PT, de fato, pode se dar ao luxo de falar como símbolo. Deixou de ser qualquer um quando virou líder sindical em plena ditadura. Perdeu eleições como símbolo, chegou ao Planalto como símbolo, invocou a condição de símbolo para sobreviver ao mensalão e como símbolo imaginou-se invulnerável no petrolão. Agora, responde pelo que passou a simbolizar.

Suprema ironia: coube ao companheiro Antonio Palocci formular a pergunta que explica por que muitos brasileiros deixaram de respeitar os cabelos brancos do símbolo: “Até quando vamos fingir acreditar na autoproclamação do ‘homem mais honesto do país’ enquanto os presentes, os sítios, os apartamentos e até o prédio do Instituto Lula são atribuídos a dona Marisa?”, indagou Palloci na carta que enviou ao PT para se desfiliar da legenda.

Lula tornou-se um símbolo completo. Fez-se sozinho na vida. E se desconstrói sem a ajuda de ninguém. O símbolo discursa como se fosse uma estátua de si mesmo. E age como um pardal que suja sua própria testa de bronze. Costuma-se dizer que Lula virou um político como todos os outros. Bobagem. Aconteceu algo pior. Lula tornou-se um símbolo completamente diferente de si mesmo.

Certas frases —“Não é aos 72 anos que vou roubar um centavo…”— passam a impressão de que o autor será símbolo do cinismo até o fim. No aniversário do símbolo, um simples “parabéns” soa como ironia.

Brasil tem 13 milhões de analfabetos e não consegue redução há três anos

O Brasil ainda tem 13 milhões de analfabetos e não consegue reduzir esse número há três anos, segundo relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) divulgado nesta semana.

Os dados são da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) que apresentou o "Relatório de Monitoramento Global da Educação 2017/8". O tema da pesquisa é "Responsabilização na educação: cumprir nossos compromissos".

A conclusão do relatório é que de faltam incentivos para a educação profissionalizante e para o aluno terminar o ensino médio. Em todo o mundo, são 100 milhões de analfabetos.


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A educação é uma responsabilidade compartilhada entre todos nós – governos, escolas, professores, pais e atores privados
Irina Bokova, diretora-geral da UNESCO
Os resultados do relatório avaliam como os países conseguem ou não cumprir o "Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4 da ONU: assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos".

O relatório alerta que a culpa desproporcional sobre qualquer ator para problemas educacionais sistêmicos pode ter sérios efeitos colaterais negativos, além de ampliar a inequidade e prejudicar a aprendizagem.

Os dados mostram que, nos países ricos, 84% dos jovens concluem o ensino médio, enquanto no Brasil o índice é de 63%. Os resultados obtidos também são distintos: no Brasil, menos de 50% dos alunos demonstram habilidades em ciências. No Japão, esse percentual é de 90%.

Lei mais

Não verás país nenhum

O deputado-presidiário Celso Jacob, peemedebista carioca, já deveria estar recolhido na sua cela na Papuda nesta altura da noite - pode exercer o mandato apenas durante o dia -, no entanto faz o seu “corre” para salvar mais uma vezo colega de “quadrilhão” Michel Temer. Coube a Jacob registrar o voto 171 no painel do Congresso.

Quem precisa de ficção no Brasil, quem precisa do mundo paralelo de Stranger Things se um embusteiro com quase zero de aprovação consegue impor a um país inteiro as assombrações que bem entende?

O presidente Temer é internado com uma obstrução urológica e o índice da Bolsa de Valores despenca. Quem necessita de coisas estranhas tipo anos 80? Diga, amigo meu, quem carece de ficção genuinamente brasileira?

No que o chapa Bidu Queiroz, médico e cineasta pernambucano, adverte, grande leitor de plantão: assim como em “Não Verás País Nenhum”, do escritor paulista Ignácio de Loyola Brandão, o Brasil é governado por uma entidade chamada “Esquema” – aqui cabe o estelionatário Jacob, a bizarria dos mercados e todos os monstrengos derivativos do pós-golpe.

O livraço, oitentista como uma fita cassete de Stranger Things, se passa em um futuro que acaba de chegar em pleno 2017, na cidade de São Paulo. Talvez não fosse intenção do autor que se tornasse realidade tão rápido.

Estava tudo lá no Loyola Brandão safra 1981: a massa enfrenta o volume morto da crise da água e se alimenta com a mandioca factícia, um pó amarelado que vem em sacos plásticos. Não, querida Adelaide (que personagem!), não estamos lembrando a farinata de um certo alcaide tucano.

Uma palinha da distopia à brasileira: “Fomos nos habituando, de tal modo que passamos a pactuar com a tragédia, aceitando-a como cotidiano. Me espanta essa capacidade de acomodação da mentalidade, sua adaptação ao horror. Acredito que a gente possua um componente de perversidade que nos leva a encarar como normal esse pavor, a desejá-lo, às vezes, desde que não nos toque”.

Com o “Esquema” no comando é assim. Funciona para o quadrilhão, para o parlamentar do voto 171, para os apostadores da jogatina financeira... Não precisa sequer de um presidente, basta algum pau-mandado com quase zero de aprovação popular. Vale. Melhor deixar como registrado nas linhas e entrelinhas de “Não Verás País Nenhum”, o livro: “Uma porcentagem de perversidade que tem sido alimentada pelo Esquema, essa coisa tão abstrata, que consegue se manter em meio à anarquia, ao caos estabelecido como ordem, à anomalia mascarada em progresso.”

No mesmo momento em que o deputado-presidiário Jacob deixava a sua digital na votação de Brasília, o poeta Sérgio Vaz, no palco no Sesc/Campo Limpo, ZS de SP, dizia o “Manifesto da Antropofagia Periférica” na 10ª Mostra da Cooperifa, para uma plateia da quebrada. O ator baiano Wagner Moura e este cronista que vos batuca, convidados da noitada, éramos testemunhas oculares da história.

Poesia numa hora dessas?!, indagaria o Veríssimo. Precisamos como nunca. No que Sérgio Vaz manda a sua versão de “Os Miseráveis”, um poema que muita gente sabe de cor e recita em coro na periferia de SP:

“Retrato falado, Vítor tinha a cara na notícia, /enquanto Hugo fazia pose pra revista./ O da pólvora apodrece penitente, o da caneta enriquece impunemente. /A um, só resta virar crente, o outro, é candidato a presidente.”

Xico Sá

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Charge do dia 27/10/2017

O mal-estar urinário de Temer e as dores morais dos brasileiros

O presidente Michel Temer, ao deixar na tarde de quarta-feira o hospital do Exército, de Brasília, onde havia sido internado com urgência, escreveu: “Tive um mal-estar e já estou bem”. O tormento doloroso de Temer pertencia à baixa fisiologia corporal. E o que estão sofrendo os brasileiros em meio a uma tempestade política considerada uma das mais graves e decisivas de sua história democrática?

O mal-estar do Brasil de hoje é moral e por isso mais doloroso que o fisiológico de Temer, e não vai bastar a sonda das eleições de 2018 para desobstrui-lo. O mal-estar do Brasil é de esquizofrenia política, como pudemos observar no templo do Congresso na mesma tarde do mal-estar do presidente, quando os deputados decidiam em favor ou contra sua conduta moral.

Se a Casa dos deputados representa o sentir e o querer dos cidadãos que os elegem, o que ali vimos foi um espetáculo de dissociação mental. “Pelo Brasil” alguns deputados votaram sim à salvação de Temer, e pelo mesmo Brasil outros votaram não. Por quem vota o Brasil real, o que sofre a crise criada pelos políticos?

Enquanto as redes sociais e os meios de comunicação ironizavam as cenas, às vezes patéticas às vezes grotescas, de suas senhorias que votavam uma coisa e o contrário pelo Brasil, me golpeava a dúvida de que talvez uma parte da sociedade esteja repetindo o espetáculo de esquizofrenia da Câmara dos Deputados.

Em menos de um ano, 140 milhões de brasileiros deverão pronunciar-se sobre o bem desse mesmo Brasil pelo qual votaram os congressistas, em eleições presidenciais que se apresentam entre as mais cruciais e perigosas de sua história democrática.

Nas urnas é possível que se antes não fizerem uma profunda reflexão sobre o que querem para seu futuro e o de seus filhos muitos brasileiros repitam o mesmo paradoxo dos deputados, votando, indistintamente, “pelo bem do Brasil”, em candidatos tão opostos como o duro e direitista Bolsonaro e o populista sindical Lula, como Ciro Gomes, amante da testosterona, e a delicada Marina Silva, ou entre o clássico e viscoso Alckmin, imune a todas as aflições, e o saltimbanco Dória, que parece governar mais na nuvem virtual do que no asfalto da rua.

Enquanto o Brasil não for capaz de perceber que não é possível que a mesma pessoa, como foi Temer para os deputados, seja igual para o bem ou para o mal do país, porque todos são iguais, continuará a haver uma desorientação ideológica que pode conduzir a elegerem com seu voto um Congresso com a mesma indecência do de hoje.

O espetáculo que o Brasil está vivendo com os representantes que elegeu para que o governe deveria fazer todos refletirem antes de colocarem no ano que vem seu voto nas urnas. Um conselho prático para tentar desobstruir a democracia ferida seria não votar, por motivo algum, naqueles sobre os quais pese, não uma condenação criminal, mas até uma sombra de corrupção ou de flerte como autoritarismo.

Outra receita seria exigir dos candidatos que se comprometam a abolir, como primeira medida, o tão cobiçado “foro privilegiado”, que coloca os políticos corruptos sob as asas protetoras da grande mãe do Supremo Tribunal Federal, sempre compassivo e vigilante para que os políticos não tenham de sofrer a humilhação da cadeia, a mesma em que amontoam as pessoas comuns.

Parece que Temer, que em seus longos anos de política nunca pôde imaginar chegar ao Planalto, se conformaria, ao deixar a Presidência, em ser um ministro a mais daquele que vier a substituí-lo. Parece que Dilma, depois de ter sido considerada uma das mulheres mais influentes do mundo, não se sentiria apagada sendo senadora, e que para Aécio Neves, que antes de explodir em escândalos de corrupção aparecia como um dos candidatos-chave nas presidenciais de 2018, bastaria ser eleito simples deputado. E já vimos Lula, o presidente mais popular e aclamado dentro e fora do país, aceitar, embora tenha abortado o projeto, um ministério da então presidenta Dilma. Tudo para esses personagens poderem se abrigar no seio doce e seguro do Supremo, sinônimo de indulgência plena de seus pecados.

Diante do espetáculo do obscurantismo que está oferecendo a elite política e até uma parte da sociedade envenenada pela luta ideológica, que os brasileiros ainda não contaminados pelo vírus da discórdia saibam apostar no Brasil da normalidade política. Por um país com uma só ética, sem privilégios para os já privilegiados, e com o ouvido alerta aos queixumes mudos dos esquecidos à própria sorte, aos desprovidos de sua dignidade ou aos que estão de novo resvalando para a pobreza. Os satisfeitos já sabem muito bem defender-se entre si e deter as “sangrias” que os acometem. Eles nunca perdem.