terça-feira, 25 de setembro de 2018

Esquerdo x Direitopatas, Brasil à parte

Apesar da dramaticidade feroz do presente, é como se ele não existisse. O mais dos movimentos são determinados pelo passado. O invisível é que faz o visível. E isso torna muito complicado entender o que se passa a tempo de não cometer erros fatais numa campanha tão curta e de tão cruciais implicações para o futuro.

Jair Bolsonaro pintado como ameaça iminente para a democracia é o exemplo mais evidente. Quem tem tanques e está querendo dar golpe não sai à rua pedindo votos. Antidemocrático declarado, com papel passado, com promessa solene de volta atrás, com “plano de guerra” aprovado em convenção nacional (2015) para a desmontagem das instituições republicanas já semi-implementado, com juras de amor diárias a ditadores com mãos sujas de sangue e supremas cortes recheadas de fantoches é o PT. Todas essas figuras sinistras da América do Sul e da África que estão enchendo o Brasil e o mundo de refugiados, com poucas exceções, são amigos diletos de Luís Ignácio Lula da Silva. Boa parte desses cujas “milícias” hoje atiram contra quem lhes pede eleições limpas foi bancada pelo BNDES do PT para chegar pelo voto às posições de que agora recusam-se a apear pelo voto.


Está mais atrasada a esquerda jurássica entrincheirada no Foro de São Paulo que a China e a antiga União Soviética na revisão do seu passado totalitário. O Foro de São Paulo, para ser exato, é declaradamente uma reação a esse “revisionismo”. É porque sabe que do “sonho” não restou nada que a esquerda bolivariana reacionária é um perigo real. Pra eles ou vai, ou racha! A Lava Jato tirou o lulismo do armário. Do confronto entre ele e as instituições democráticas, está jurado, só um sairá vivo. Tanto Haddad quanto Ciro Gomes têm como primeiro compromisso de campanha eliminar sumariamente o que ha de independente no Judiciário e no Ministério Público. “Lula livre, Brasil preso“! Para o lixo com o que resta da lei e da ordem institucional vigentes!

Onde acabaria o governo que começasse assim?

O ódio de Lula à democracia vem sendo gestado, gole por gole de fel, à vista do Brasil inteiro. Mas Fernando Henrique Cardoso não acredita nele. Não é o presente, é o passado que determina esse comportamento. Pior para Geraldo Alkmin – o homem certo no momento psicológico errado – que só confessou acreditar no Lula como ele é depois que o medo de fingir que não tornou-se maior que o de aceitar que sim. Jair Bolsonaro só teve de aquiescer: “Sim, eu também vejo o que vocês estão vendo; eu também ouço o que vocês têm ouvido“. E lá veio, para começar, 1/3 do eleitorado, os “direitopatas” à frente com seus 30 anos de sapos vomitados. Memórias também!

Mas o presente é o presente. Homofobia, misoginia, racismo? De Lula para baixo, qual o habitante deste planeta que se insere em todos os milímetros de exigências de pensamento, palavras e obras dos Grandes Inquisidores das sub-ideologias de ódio que vieram para reeditar a luta de classes como farsa? Nem o esfaqueador Adélio acredita honestamente que a eleição de Jair Bolsonaro levará a um genocídio LGBT. E depois, havendo Bolsonaro volta a haver imprensa.

Já quanto à venezuelização…

Deter o lulismo é a condição para a continuação da conversa. O resto é passado. E a eleição está como está. A opção entre Bolsonaro e Alkmin está espremida entre o “poste” e o “sub-poste”. Se correr o bicho pega, se parar o bicho come. A hora é de fazer contas. E se de Brasil se tratar, é a vez do do meio se mostrar magnânimo. A distensão tem de começar já. É preciso resistir à tentação das agressões irreversíveis agora porque será necessário construir um consenso do Brasil verde-e-amarelo inteiro em velocidade recorde logo adiante.

Pelo lado dos economistas as diferenças são só de grau. O quadro é agudo e as manobras de ressureição não variam muito. A questão, como sempre, é muito mais de tirar boca de bezerro de cima de teta e mão de ladrão com e sem alvará de dentro de cofre público que de escolher que contas fazer. Tirar o presunto da janela em vez de ficar espantando mosca, enfim. E para isso o que mais pesa é com que vontade um governo afirma essa disposição. Quem dá o tom é o maestro. Só não entendeu o que o tom de Lula fez com o Brasil quem não tem idade suficiente para ter memória viva do que nós fomos para comparar com o que nós viramos e tem na “narrativa” do próprio Lula e dos seus esbirros de palco, de sala de aula e de redação as únicas referências do passado do Brasil.

Este país nunca teve antes (nem terá agora) uma vontade autêntica de resolver de uma vez por todas esse problema sentada na cadeira presidencial. Mas agora a questão é de vida ou morte. E os primeiros a saber disso são os quadros do alto escalão do funcionalismo. Ainda que, como categoria, sejam eles próprios a essência do problema, a qualidade da elite dos nossos administradores públicos profissionais é indiscutível. E a frustração dos melhores entre eles por governos sucessivos se terem mantido surdos aos seus alertas e desperdiçado o seu know how na oferta de soluções em favor das ambições de presidentes que queriam ser reis, partidos que se queriam eternos e até de ministros que queriam ser presidente está mais que registrada na crônica das muitas estações do calvário do Brasil.

O Judiciário não aparelhado, se não for resgatado agora sabe que também cai definitivamente sob o domínio do crime. E o Legislativo, mesmo com todos os restos do passado que vão permanecer lá dentro, está tão ansioso quanto o resto do Brasil para provar que pode ser melhor do que tem sido, ou morte.

É nisso que é preciso investir. Vai ter de haver uma mudança, e grande como nunca houve. E isso vai exigir o concurso de todo o melhor do Brasil. A dúvida é quanto conseguiremos aproveitar da condição extrema a que chegamos para avançar de fato e tornar parte dessa mudança irreversível. Essa deve ser a pauta da reforma política. Ela é que determinará quanto tempo ficaremos livres de ter de fazer a próxima cirurgia de emergência.
Fernão Lara Mesquita

Democracias podem morrer

Democracias podem morrer quando líderes eleitos violam as regras democráticas, incentivam a violência, contestam a legitimidade dos adversários e atacam as liberdades civis. O diagnóstico de estudiosos como Steven Levitsky se baseia nos exemplos de Putin, Erdogan, Chávez, Maduro e Trump, mas omite um aspecto importante: a sensação dos cidadãos de que não contam no funcionamento da democracia produz desprezo pelo regime e a ideia de que pouco importa se ele for substituído por alternativas autoritárias.


O Brasil tem democracia, mas seu sistema de representação está em crise. Mais de 90% de entrevistados de pesquisas de opinião declaram não se sentir representados por nenhum partido político e apenas 16 milhões de eleitores são filiados a eles. Em 2014, 45% de entrevistados de uma pesquisa declararam que a democracia pode funcionar sem os partidos políticos e outro tanto disse a mesma coisa do Congresso Nacional. Em 2013, quase 2 milhões de manifestantes já haviam dito isso, mas os partidos não se abriram aos jovens desejosos de ingressar na vida pública, e a distância entre governados e governantes só aumentou.

O Brasil é um caso extremo de fragmentação partidária, com 35 partidos, e outros 50 pedem registro, mas os eleitores não se sentem representados. Os programas partidários são frágeis em termos de disputas de projetos para o País e não enfrentam os desafios da governabilidade. A fragmentação corrói a responsabilidade dos partidos que, dominados por oligarquias que se perpetuam na sua direção, carecem de democracia interna e estão fechados à participação de seus apoiadores.

A resistência dos partidos brasileiros a adotar mecanismos como o de eleições primárias do sistema norte-americano é uma indicação do bloqueio à participação dos eleitores. Nas primárias, com base na posição dos postulantes a candidato, eleitores escolhem delegados às convenções partidárias, que tomam a decisão final. Milhões de pessoas se mobilizam, às vezes por mais de um ano, fazendo os candidatos considerarem as demandas específicas dos eleitores. O processo é inclusivo e vitaliza a democracia representativa.

No Brasil, a qualidade da democracia está em questão. Giovanni Sartori, cientista político italiano, discutindo o significado original da palavra grega demokratia, composta por demos (povo) e kratos (poder), argumentou que esse regime assegura a soberania do povo pela interação de dois princípios fundamentais: o demos-proteção e o demos-empoderamento. O primeiro assegura a liberdade e protege os cidadãos do arbítrio, o segundo garante o seu poder de escolher, influenciar e controlar quem governa em seu nome. O voto, então, é o instrumento pelo qual os eleitores garantem direitos, escolhem governantes e defendem seus interesses.

Mas ele não esgota o princípio de autogoverno dos cidadãos, reclama o entendimento dos eleitores sobre o que está em jogo na política e prevê meios de eles influírem no andamento do processo. Isso remete ao papel dos partidos para evitar que no interregno entre eleições os cidadãos sejam apenas objeto da ação dos eleitos. Para tanto o sistema eleitoral precisa traduzir os desejos e aspirações dos cidadãos no funcionamento das instituições. Se isso está bloqueado, as pessoas se frustram com a política, retiram a sua confiança nas instituições e duvidam que a democracia resolva os problemas da sociedade.

O sistema eleitoral brasileiro tem distorções que comprometem suas funções, como a desproporcionalidade entre a população das circunscrições eleitorais e seu teto de cadeiras na Câmara, resultando em pesos distintos dos eleitores dos Estados, violando o princípio “um homem, um voto”. O caso mais grave é o de São Paulo, que deveria ter mais de cem representantes, mas tem apenas 70, enquanto Roraima, Amapá, Acre e outros têm oito, mas deveriam ter menos.

O sistema proporcional de lista aberta com distritos de mais de 30 milhões de eleitores, como São Paulo, encarece as campanhas, dificulta a escolha de candidatos, estimula a personalização do voto em detrimento de projetos coletivos e favorece a competição entre candidatos do mesmo partido. Outra distorção é o sistema de coligações, que frauda o voto proporcional baseado em posições político-ideológicas e faz o eleitor eleger quem tem posição oposta à sua. O Congresso descontinuou as coligações para as eleições proporcionais a partir de 2020, mas sua manutenção em 2018 afetará a formação da próxima maioria governativa.

As distorções não acabam por aí. A desigualdade da inclusão política das mulheres, que a despeito de serem maioria na população têm menos de 10% de representação parlamentar, é algo gritante. As distorções também dizem respeito ao financiamento de campanhas, cujos recursos serão distribuídos pelas oligarquias partidárias que buscam continuar na liderança dos partidos, bloqueando a renovação política do Congresso. O fundo de financiamento de campanhas criado em 2017 reservou mais recursos aos maiores partidos, dificultando a indicação e a eleição de nomes novos para o Parlamento.

A crise recoloca a reforma política na ordem do dia. Os candidatos à Presidência têm de dizer como pretendem recuperar a confiança das pessoas na política. A agenda de reformas, além da recuperação da economia, inclui a revisão do sistema eleitoral com a adoção de distritos menores, o fortalecimento da relação entre representados e representantes e novas normas de funcionamento dos partidos. O País precisa de uma efetiva cláusula de barreira para diminuir a fragmentação dos partidos e eles precisam ser submetidos a regras de democracia interna se não quiserem ser rejeitados pelos eleitores. Os candidatos precisam sinalizar, portanto, com que maioria querem governar para serem capazes de realizar as reformas requeridas pela democracia brasileira.

O País não resiste a mais crises políticas.

Um presidente nada pode

São mal-informados e, de certa forma, inocentes, os eleitores que acreditam nas promessas mirabolantes de seus candidatos. É incrível como estão seguros e cheios de si os brasileiros que votarão em Bolsonaro pensando que ele vai mesmo resolver tudo na bala. E também os que aceitam sem questionar que Haddad vai conseguir dar uma virada na economia apenas porque tem o apoio do mártir Luiz Inácio.

O fato é que um presidente sozinho nada pode. Ele precisa de apoio do Congresso, do Judiciário e dos diversos mecanismos de controle do Estado para poder encaminhar, debater e aprovar medidas que de fato resultem em mudanças estruturais na vida da nação. Precisa também do apoio dos brasileiros, da sociedade organizada para tocar suas pautas.

Você pode dizer que todo presidente recém-eleito chega fortalecido pelas urnas. Pode ser, mas se o quadro até aqui pintado for este mesmo, o presidente eleito chegará ao Planalto com mais oposição do que apoio.


Mas, o pior é que, na verdade, esta é uma eleição sem propostas. A questão política é tão preponderante que propostas, projetos, ideias de inovação na gestão pública não fazem parte do cardápio da mais crucial sucessão presidencial desde a redemocratização. Além das menções ligeiras, sem profundidade, com nenhuma contestação, pouco ou quase nada se sabe sobre o que querem fazer do país os candidatos a presidente. Estamos num deserto sem qualquer vista para o futuro. O Brasil corre perigo.


Mesmo nos debates, entrevistas e sabatinas promovidos por TVs, jornais, revistas, rádios e sites o tema é predominantemente político. Queria ouvir dos eleitores de Bolsonaro o que eles podem dizer sobre as propostas do seu candidato para a geração de empregos, a dívida pública, o saneamento básico. Duvido que saibam. Tampouco saberiam dizer qual a fórmula dele para a segurança pública. Sim, apesar de ser o candidato mais identificado com a segurança, nada se sabe sobre o que fará para conter a criminalidade no país.

Os eleitores sabem quase tão somente que Bolsonaro é duro, agressivo, misógino, homofóbico, racista e quer liberar o porte de armas de maneira indiscriminada. E daí? Daí, nada. Bolsonaro é uma incógnita. Nem mesmo o seu lado mais civilizado, exercido pelo economista Paulo Guedes, pode ser levado muito a sério. Já foi chamado de exótico e mentiroso e não é respeitado pelos seus pares. Suas ideias ultraliberalizantes são tão simplistas quanto inadequadas.


O mesmo pode se dizer dos eleitores de Haddad. Desconhecem o que propõe o candidato. Como o capitão do PSL, o poste de Lula tem que se ocupar muito mais com a sua defesa e a do seu partido, responsável pelo maior escândalo de corrupção do planeta. Claro que os temas estão todos elencados no programa de governo que ele mesmo ajudou a construir. Mas papel aceita tudo e não é contestado. Um dos principais desenhistas do programa, o economista Marcio Pochmann, ultra-estatista, já foi até desautorizado publicamente por Haddad.

Enquanto isso, o eleitor fica no ar. Os mais esclarecidos podem até saber mais ou menos como pensa cada corrente antagônica que os dois representam, mas se quiser detalhes terá que pesquisar, ir no site dos partidos e ler o que propõem. Mas aí, como já disse, o mundo é cor de rosa por absoluta falta de contra-argumentação.

Bolsonaro não tem TV e não pode, portanto, trazer conteúdo para os 12 segundos de que dispõe. A TV de Haddad prefere dourar a própria pílula, atacar Temer, ignorar Dilma e louvar, louvar e louvar Lula.

O que se ouve aqui e ali dos candidatos são pitacos, para usar um termo apropriado. Mesmo a proposta de Ciro Gomes de limpar o seu nome no SPC merece detalhamento, que ele mesmo disse que uma hora vai apresentar. Geraldo Alckmin, dono do maior tempo de TV, pode se dar ao luxo de apresentar no horário algumas das suas ideias, mas a pressão com a derrota que se avizinha fez do programa dele um campo de guerra. Pode ser a solução, difícil, para ele, mas certamente não será a solução para os problemas do país.

Você pode estar certo se disser: “Dane-se, conheço a ideia central do meu candidato e sei que ele vai corresponder”. Claro, o direito de votar é seu, mas convenhamos que ter informação ajuda muito mais do que atrapalha. Salvo o pouco que se extrai de algumas entrevistas colhidas pelas ruas da cidade, por insistência dos repórteres, pouco mais se sabe do caminho por onde os candidatos a presidente querem levar o Brasil.

Gente fora do mapa


A insensatez das elites

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso divulgou uma carta aberta rogando aos candidatos presidenciais ditos de centro que se unam para frear o que chamou, apropriadamente, de “marcha da insensatez” - isto é, a possibilidade de um segundo turno disputado entre Jair Bolsonaro (PSL), um populista que defende a ditadura, elogia torturadores e confessa nada entender de economia, e Fernando Haddad (PT), outro populista, que representaria a volta ao poder do grupo político responsável direto pela crise econômica, política e moral que o País hoje atravessa.

FHC se dirige “aos eleitores” em geral, mas o endereço de sua mensagem é bem mais específico: as elites nacionais.


De um lado, tem-se uma parte da elite econômica que se deixou impressionar pelas promessas ditas liberais de Bolsonaro, malgrado o fato, público e notório, de que o deputado sempre pautou sua medíocre vida parlamentar e política pela defesa do estatismo e contra as reformas estruturantes. 

São tão frágeis os alegados elos de Bolsonaro com qualquer ideia de modernização da economia que custa crer que investidores e empresários que prezam seu dinheiro estejam realmente convencidos da conversão do ex-capitão ao credo liberal. Resta, como explicação para a adesão a Bolsonaro, a hipótese de que, para essa elite, a única coisa que interessa é evitar o retorno do PT ao poder - que representaria, segundo esse ponto de vista, transformar o País em uma Venezuela ou coisa pior. Mas a eleição de Bolsonaro eliminaria esse risco que ninguém, em são juízo, quer correr?

O integrante do baixo clero da Câmara soube encarnar esse antipetismo virulento, cuja marca é a absoluta intransigência com qualquer coisa que tenha a mais remota relação, às vezes apenas imaginária, com o PT. Há pouca coisa de consequente nesse comportamento - para esses eleitores, não importam as propostas de Bolsonaro, de resto totalmente desatinadas, e sim a promessa de aniquilar o lulopetismo. Ou seja, troca-se a insânia pelo desequilíbrio, querendo-se evitar o caos.

De outro lado, há uma parte substancial da elite intelectual do País que igualmente renunciou à moderação e hoje perfila ruidosamente nas hostes lulopetistas mesmo diante das evidências de que o PT e seu grande líder, Lula da Silva, se envolveram em grossa corrupção e de que o partido, quando governou o País, implementou uma política econômica francamente irresponsável, cujos efeitos nefastos se farão sentir por anos. Essa elite simplesmente se recusa a crer nas provas incontestáveis da indecência lulopetista no exercício do poder e nos dados sobre a degradação das condições de vida dos mais pobres do País como resultado direto das fantasias demagógicas de Lula. Qualquer informação que revele os erros e delitos do PT e de Lula é desde logo relacionada ao que esses intelectuais e artistas chamam de “golpe”. Nessa lógica, a culpa da crise, claro, é sempre dos outros - especialmente da oposição, que, dizem, “sabotou” a presidente cassada Dilma Rousseff. Não fosse isso, pode-se imaginar, o Brasil seria o Paraíso na Terra.

Como se vê, uma parcela importante das elites nacionais, que hoje deveriam estar debruçadas na discussão madura de soluções para os graves problemas nacionais, digladia-se numa guerra sem quartel, que torna praticamente impossível, a esta altura, qualquer forma de entendimento num futuro previsível. Está claro que essas elites não demonstram neste momento nenhuma disposição de encontrar o caminho do compromisso, sem o qual dificilmente a democracia se realizará na desejada plenitude.

É esse o alerta que Fernando Henrique Cardoso fez em sua mensagem: “Em plena vigência do Estado de Direito, nosso primeiro compromisso há de ser com a continuidade da democracia. Ganhe quem ganhar, o povo terá decidido soberanamente o vencedor e ponto final”. Para o ex-presidente, o dramático quadro atual demanda que se busquem “coesão política” e “sensatez para se juntar os mais capazes”. Do contrário, a eventual eleição de “um salvador da Pátria ou de um demagogo”, ambos com suas “promessas irrealizáveis”, levará “ao aprofundamento da crise econômica, social e política” - e “as demandas do povo se transformarão em insatisfação ainda maior”. Essa é a crua realidade, que nenhuma bravata é capaz de mascarar.

Incompetência geral

O cenário eleitoral continua volátil, mas a reiteração das tendências que projetam um segundo turno entre Bolsonaro e Haddad tem sido suficiente para que se dissemine um clima que cruza entusiasmos salvacionistas com receios democráticos e alguma dose de pânico. A pergunta vem se repetindo: como conseguimos chegar a este ponto, em que uma candidatura pouco qualificada e alinhada com a autocracia regressista ameaça defrontar-se no segundo turno com outra sustentada pela expectativa de retorno a um tempo pretérito mitificado? A euforia de uns se choca com a preocupação de muitos.

O desfecho anunciado deve-se a um conjunto de equívocos.

Erraram os democratas, que não conseguiram compreender a derivação conservadora da sociedade, turbinada pela repulsa ao politicamente correto e pela antipolítica. Trataram isso como uma espécie de doença, de forma simplória, com insultos e estigmas. Deixou-se assim caminho livre para a pregação bolsonarista, que foi capturando apoios, mal-estares e convicções. A direita fundamentalista pôs o corpo inteiro para fora, misturando ódio, medo e ressentimento contra a “esquerda”. Bolsonaro decodificou esses sinais e traduziu-os num bólido antipetista.


Os democratas erraram uma segunda vez quando deram o PT como morto, depois da derrota eleitoral de 2016 e do impeachment. Não reconheceram a força do partido, derivada tanto da alta exposição midiática, da estrutura organizacional e das adesões intelectuais quanto da mitificação popular de Lula. Em vez de pressionarem para que o PT se depurasse e revisse suas opções, passaram a mão na cabeça do partido e quando abriram os olhos o velho PT estava mais vivo que nunca, fabricando ilusões, plantando esperanças e ocupando simbolicamente os espaços do “progressismo”.

Foram incompetentes os liberais. Optaram por medir forças entre eles num quadro de polarização em que só teriam chances se formassem um polo alternativo marcado pela moderação. Batendo uns nos outros, naufragaram de modo patético, sem sequer aproveitarem o ambiente receptivo à pregação liberal em favor da liberdade pessoal, do mercado, do empreendedorismo. Fecharam-se à esquerda democrática e foram afundando agarrados a um doutrinarismo primário.

Foi igualmente incompetente o centro-esquerda. Em vez de impulsionar o imaginário social-democrático, que tanta falta nos faz, seus articuladores derivaram para um apoio ao centro que jamais teve reconhecimento e não soube desvencilhar-se do abraço asfixiante do “Centrão”, cujo fisiologismo recebe repulsa generalizada. Olharam para a direita sem se preocupar com a esquerda. Sua ideia de “polo democrático e reformista” ficou solta no ar, sem contagiar o eleitorado ou sensibilizar o mundo político. O centro-esquerda colou-se assim a um centro fragmentado e autodestrutivo, largando Marina e Ciro à própria sorte e ajudando-os a se encantarem com a possibilidade de atrair as viúvas do lulismo.

E foi incompetente, por fim, o PT. Inebriado pelo desejo de vingança, pela vocação de dono da verdade e pela pretensão de comandar com mão de ferro o campo progressista, o partido submeteu-se ao imperialismo religioso do lulismo. Orientado pelas cartas nada gramscianas de um Lula encarcerado, Haddad trocou a ousadia e o arejamento discursivo pela narrativa tosca do “golpe” e do retorno a um passado em que o povo era feliz. Passou a prometer crescimento, abundância e geração de empregos sem explicar como fará isso sem cortes de gastos, sem reforma da Previdência e sem criticar os esquemas de corrupção associados ao modo lulista de governar. Haddad flutua entre o distanciamento e a submissão a Lula. Num dia afirma que vai soltá-lo, no outro diz não ao indulto. Esconde o retrocesso havido nos anos de Dilma para louvar a bonança do período Lula. Dissimula e falseia a realidade, ludibriando os eleitores. Quer pagar de moderado para atrair os não petistas, mas ao adular Lula gera desconfiança e rejeição.

Haddad e Bolsonaro têm seus problemas e dificuldades. O capitão, hospitalizado, vê sua campanha desorientar-se e perder seu principal ativo. Terá de reorganizá-la rapidamente para não perder o que já acumulou. Se vencer, terá de provar que tem condições de governar. Já Haddad, que ganhou fôlego com a ascensão fulminante, precisará buscar os votos dos indecisos, dos antipetistas, dos que não se identificam com nenhum dos polos. Se vencer, terá de demonstrar, dia a dia, que consegue soltar-se de Lula e conter o apetite do PT.

Bolsonaro e Haddad não são equivalentes. Um é autoritário e outro, não. Mas estão atados por um mesmo tipo de cegueira e fanatismo.

O modo como avançou a disputa não sugere que o próximo ciclo será produtivo. As campanhas deseducam a população. Eleitores petistas estão sendo induzidos a acreditar que do céu cairá uma chuva de fartura e facilidades. Os de Bolsonaro acham que ele acabará com a bandidagem e a corrupção. Uns e outros estão cansados e parecem querer ver o circo pegar fogo.

Normaliza-se o que deveria ser visto como risco. A vitória de Bolsonaro ou de uma nova versão do lulismo deixará o País numa situação ruim. A ponte que liga esses dois cenários chama-se ingovernabilidade, alimentada por uma dinâmica de vetos cruzados permanentes, radicalizações e confusão social.

Cada época tem seus limites. Os nossos, no Brasil de 2018, se resumem a poucas palavras: a sociedade abandonou os políticos à própria sorte e os políticos, sem apoio social e sem partidos dignos do nome, perderam as referências e não sabem mais o que fazer.

Chegamos assim, por vias que não puderam ser controladas, ao esgotamento de uma época democrática. No próximo ciclo, seja quem for o eleito, a obra será de reconstrução: do Estado, da economia, da política, do tecido social. Não será um começar de novo, mas qualquer avanço será sofrido e terá de ser duramente negociado.
Marco Aurélio Nogueira

A 'fulanização' sem projeto

Ao contrário do que muitos imaginam, a criação do sistema de representação proporcional uninominal vigente no Brasil, uma jabuticaba de autoria do gaúcho Assis Brasil, teve como objetivo fortalecer os partidos e não os enfraquecer, como afirmam muitos dos seus críticos. Foi a saída encontrada para mitigar uma característica da política brasileira desde a criação da primeira Câmara Municipal, em São Vicente, já em 1532, no início do período colonial: o fato de que os eleitores votam nas pessoas e não nos partidos, seja nos legislativos seja nos executivos. Não é à toa que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso insiste na tese de que um conjunto de ideias, mesmo majoritárias na sociedade, para conseguir se tornar um projeto político viável, precisa encontrar alguém capaz de “fulanizá-las”.

Foi o que aconteceu com a sua eleição para a Presidência em 1994, no embalo do Plano Real, com um programa cujo eixo era a estabilidade econômica, a reforma administrativa do Estado e as privatizações de empresas estatais nos setores siderúrgico e de telecomunicações, principalmente. Àquela época, o candidato favorito nas pesquisas era o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que hoje está preso em Curitiba, em razão do recebimento de vantagens indevidas no exercício da Presidência (corrupção passiva e lavagem de dinheiro). FHC conseguiu “fulanizar” o Plano Real. Por ironia do destino, mais tarde, em 2010, Lula terminou o governo melhor avaliado do que o tucano e hoje isso faz a diferença na hora de “fulanizar” o seu candidato, Fernando Haddad (PT). O mesmo não ocorre com Geraldo Alckmin (PSDB), apoiado por FHC, que goza de enorme prestígio e frequenta as salas de espera dos aeroportos de cabeça erguida, acompanhado apenas da esposa.

Mas voltemos à fórmula de Assis Brasil. O Brasil elege representantes para a Câmara dos Deputados desde 1824, logo após a Independência. Até 1880, durante o Império, o sistema de votação era feito em dois níveis: os votantes elegiam os eleitores (primeiro nível), que, por sua vez, escolhiam os representantes para a Câmara dos Deputados (segundo nível). Em 1881, as eleições para a Câmara dos Deputados passaram a ser diretas. Na Primeira República (1889-1930), três sistemas eleitorais foram utilizados; todos majoritários. O mais duradouro (1904-1930) dividia os estados em distritos eleitorais de cinco representantes; o eleitor podia votar em até quatro candidatos e ainda podia votar no mesmo candidato mais de uma vez, o que facilitava as fraudes em larga escala.

Em 1932, após a Revolução de 1930, novo código eleitoral modernizou o processo: as mulheres passaram a ter o direito do voto; foi criada a Justiça Eleitoral — que ficou com a responsabilidade de organizar o alistamento, as eleições, a apuração dos votos e a proclamação dos eleitos; foram tomadas medidas para garantir o sigilo do voto. Assis Brasil e João Cabral participaram da redação do Código Eleitoral de 1932 e defenderam a introdução do voto proporcional: para Câmara dos Deputados, um sistema misto (com parte dos representantes eleita pelo sistema proporcional), cuja operação era bastante complexa. Mas veio o “autogolpe” de 1937 e Getúlio Vargas suspendeu as eleições, fechou os partidos e o Congresso.

As eleições voltariam em 1945, com o processo de democratização do país. Somente naquele ano, o sistema proporcional proposto por Assis Brasil foi integralmente adotado nas eleições para Câmara dos Deputados e demais casas legislativas, com exceção do Senado, com objetivo de fortalecer os partidos recém-criados, carreando para eles a tradição do voto “fulanizado”. Nas eleições para prefeito, governador, senador e presidente da República, o voto continuou majoritário. O sistema funcionou razoavelmente antes do golpe militar de 1964, que teve outras causas.


Depois da Constituinte de 1988, o surgimento do financiamento público partidário sem limitações para a criação de partidos, com base no critério de distribuição dos recursos proporcional à composição da Câmara, criou um desequilíbrio terrível na distribuição desses fundos e facilitou a proliferação de legendas, que hoje são 35 com representação no Congresso, situação agravada pelo uso em escala crescente de “caixa dois” nas eleições passadas, conforme revelado pela operação Lava-Jato.

Nesse cenário, os partidos políticos sofreram um grande desgaste, ainda mais agravado pela crise da democracia representativa na sociedade pós-industrial e pela forte influência das redes sociais na formação da opinião pública, à margem dos meios de comunicação tradicionais e dos próprios partidos. Nas eleições deste ano, o fenômeno da “fulanização” da política, que tem tudo a ver com as características da cultura eleitoral do brasileiro (e da velha herança “sebastianista” do salvador da pátria), ganhou novas características. Na reta final do primeiro turno, embora a maioria dos candidatos seja de velhos conhecidos, em razão das crises econômica, ética e política, a eleição se “fulanizou” a partir de narrativas radicais, que aprofundam a fragmentação das forças políticas mais centristas e democráticas, sem que um só candidato consiga unificá-las eleitoralmente.

Os candidatos Jair Bolsonaro (PSL), à direita, e Fernando Haddad (PT), à esquerda, que lideram a disputa, representam o avanço avassalador de opiniões radicais formadas a partir das redes sociais. Caso não surja um nome alternativo pela via do “voto útil”, como prega o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o eixo da disputa se deslocará do centro para um dos extremos e nova escalada de confrontação ocorrerá no segundo turno, aprofundando a divisão da sociedade em torno de suas lideranças, sem nenhum programa unificador, apenas velhas palavras de ordem. Ou seja, teremos a “fulanização” sem ideias novas e projeto de país.

Brasil do Amanhã


O desgoverno em três programas populistas

A mais otimista e mais errada profecia política dos últimos 30 anos - “pior do que está não fica” - será mais uma vez testada, quando o novo presidente ocupar sua mesa no Palácio do Planalto. A previsão será de novo desmentida pelos fatos se o eleito insistir nas piores ideias apresentadas pelos candidatos e seus assessores. Várias foram sustentadas por Jair Bolsonaro, Fernando Haddad e Ciro Gomes, os mais pontuados nas últimas pesquisas, ou por seus conselheiros. As promessas do grupo incluem revogação do teto de gastos, intervenção nos juros e no câmbio, protecionismo comercial, recriação da CPMF, uso de reservas para abater a dívida pública, revisão da reforma trabalhista e menor ênfase à reforma da Previdência. Cada programa combinou apenas alguns desses pontos e nem sempre ficou clara a concordância entre o candidato e seu conselheiro. Mas qualquer combinação é tóxica. O palhaço Tiririca, autor, há alguns anos, da famosa profecia, absteve-se até agora de comentar os programas dos três mais cotados para a Presidência.

Os três são populistas, prometem soluções simples para os problemas nacionais e dois deles, Bolsonaro e Ciro Gomes, tentam impressionar o eleitor com exibições de firmeza. Ciro Gomes comprometeu-se, por exemplo, a controlar a especulação “com mão de ferro”. Como realizará a façanha? Qual o sentido técnico da palavra “especulação” nesse discurso? Há mercado sem ação especulativa? Quem decide - e como - o limite entre a formação “normal” dos preços e a perversão introduzida pelo especulador malvado? Nenhuma pessoa alfabetizada em economia e finanças levará a sério essa promessa, mas ficará certamente preocupada com a bravata voluntarista.

Mas o voluntarismo de Ciro Gomes pode aparecer fantasiado com uma roupa mais sóbria. Isso ocorrerá, por exemplo, se for criado para o controle do câmbio um grupo inspirado no Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC). Será mais uma enganação. Conduzido com seriedade, o Copom determina a taxa básica de juros, a Selic, a partir de projeções de inflação, dados sobre a atividade recente, informações sobre a utilização de recursos produtivos, incluída a mão de obra, e avaliação de riscos externos e internos de vários tipos. Além do mais, há um detalhe fundamental: decisões do Copom afetam a oferta de moeda - e a fonte primária de emissão é o próprio BC. Mexer no câmbio é muito diferente.

Quando o BC, como tem ocorrido, intervém no mercado de câmbio comprando ou vendendo moeda estrangeira, seu objetivo tem sido atenuar as oscilações para evitar turbulências. Não se busca inverter tendências ou manter o câmbio tabelado. Qualquer pretensão maior acabará distorcendo os sinais dos preços e criando problemas graves, como comprova a experiência de muitas crises. O mesmo voluntarismo aplicado aos juros prejudicará as decisões de investidores, produtores e consumidores. A última aventura desse tipo, no governo da presidente Dilma Rousseff, alimentou a inflação, desmoralizou o BC e desembocou numa nova e inevitável fase de aperto monetário.

O voluntarismo de dona Dilma poderá retornar, talvez de modo menos atabalhoado que em seu governo, se for aplicado o programa de Fernando Haddad, o Lula, ou de Lula, o Haddad. O candidato petista e seu principal conselheiro econômico propõem oficializar um BC com mandato duplo - cuidar ao mesmo tempo da moeda e do emprego. Menciona-se o exemplo do banco central americano, o Federal Reserve (Fed), para dar aparência de seriedade à proposta. A conversa poderá, como sempre, enganar o desinformado e o propenso a comprar bilhetes premiados.

De fato, o Fed tem mandato duplo, mas sua meta de inflação, nem sempre explicitada oficialmente, é em geral muito baixa. No momento, é uma taxa sustentável de 2% ao ano, superior às verificadas durante muito tempo. Na prática, o BC brasileiro tem combinado os dois objetivos, emprego e estabilidade monetária, há muitos anos, embora seu mandato oficial seja mais limitado.

A oficialização do segundo objetivo criará espaço para uma política mais tolerante à inflação. Isso fica evidente quando se escutam os pronunciamentos, em geral toscos, a favor da mudança. Além disso, o BC só teve de fato autonomia operacional, no período petista, quando foi presidido por Henrique Meirelles, nos governos de Lula. Essa foi a condição imposta por Meirelles, e Lula precisava muito, especialmente no primeiro mandato, de uma imagem respeitável. Todo o resto do programa petista combina com o controle voluntarista das ações do BC, com a eliminação do teto de gastos e com a promessa de arrumar as contas públicas sem aperto de cinto e sem reforma ampla da Previdência.

A opção pelas soluções menos sérias e economicamente mais custosas inclui a recriação da CPMF, o chamado imposto do cheque, uma das maiores aberrações da história dos tributos. Com a CPMF, o contribuinte é taxado pelo ato de pagar uma compra - além de ser taxado também pela compra. Recriar essa figura teratológica é parte do programa de Ciro Gomes. O conselheiro econômico de Jair Bolsonaro também falou sobre isso. Mas o candidato o desautorizou e proclamou como objetivo a redução de impostos. Para decifrar o programa do capitão é preciso mexer num emaranhado de ideias e o esforço pode ser inútil. Resta a promessa de rápida eliminação do déficit fiscal com um grande e muito mal explicado leilão de estatais.

Nenhum dos três candidatos mais cotados tem soluções claras para equilibrar as contas e aliviar a dívida pública. A proposta de usar reservas cambiais para diminuir o endividamento é evidente irresponsabilidade. A dívida seguirá elevada e voltará a crescer, porque as contas continuarão com déficit primário. Além disso, os US$ 380 bilhões de reservas são um precioso amortecedor de choques externos. Mexer nesse dinheiro é tornar o País mais vulnerável.
 

Um país na margem de erro

Brasileiro confia tanto em pesquisa que nem dá para entender por que ainda tem eleição. Votar pra quê? Chega de intermediários.

Há mais de ano o Brasil sabe que Lula está no segundo turno. Como ele sabe? As pesquisas disseram. E não disseram uma vez, nem duas. Gritaram, reiteraram, vaticinaram sempre que o noticiário policial dava uma trégua ao ex-presidente.

O segundo turno de Lula hoje é o do carcereiro que toma conta dele à noite, mas não tem problema. Ele envia um representante, com procuração e tudo, para tomar conta do que é dele. O triplex do Guarujá, o sítio de Atibaia, a cobertura de São Bernardo e a fortuna incomensurável para pagar advogados milionários por anos a fio não são de Lula. O que é dele, e ninguém tasca, é o lugar cativo no pódio dos institutos de pesquisa.

A estratégia de trazer o comandante do maior assalto da história para o centro da eleição que deveria ser o seu funeral político não é um incidente. Como já escrito – mas não custa repetir ao eleitorado distraído – é uma estratégia. E uma estratégia tosca.



O Brasil viu – mas para variar não enxergou – a construção dessa lenda surrealista: Lula, o PT e sua quadrilha representam, na sucessão de 2018, “a salvação progressista contra o autoritarismo”. Contando ninguém acredita.

Uma imensa maioria de formadores de opinião e personagens influentes da elite branca (aquela mesma do refrão petista) vive de lamber esse herói bandido, fingindo defender o povo – esse mesmo povo roubado até as calças pelo meliante idolatrado por eles. Ou melhor: idolatrado de mentira, porque a única idolatria dessa elite afetada e gulosa é por grana, poder e aquele verniz revolucionário que rende até umas almas carentes em mesa de bar.

Então, aí está: a estratégia funcionou e os cafetões da ética imaginária conseguiram – milagre – chegar às portas da eleição defendendo sem um pingo de inibição o PT, exatamente o maior estuprador da ética que a história já conheceu.

Pode ser doloroso, mas é preciso constatar: a possível presença do PT no segundo turno será a canalhice brasileira saindo do armário. Sem meios tons.

Se o Brasil estivesse levando uma vida saudável, estaria agora dando continuidade à exumação da Era PT – e tomando as devidas providências para jamais errar de novo tão gravemente. Mas a margem de erro por aqui é um latifúndio – o país mora no erro, e eventualmente passa férias fora dele, como um marginal.

Tradução: o insistente culto ao fantasma petista fermentou as assombrações antipetistas – e o Brasil deixou de se olhar no espelho para ficar perseguindo morto-vivo com crucifixo na mão.

Fora desse fetiche mórbido, dessa tara masturbatória pelo falso dilema esquerda x direita, a reconstrução do Brasil parou. A saída quase heroica da recessão, com redução dos juros e da inflação, reforma trabalhista e recuperação da Petrobras – nada disso existe no planeta eleitoral de 2018.

Quem vai tocar isso adiante? Quem vai segurar o leme da economia com a perícia de Ilan Goldfajn, o presidente do Banco Central que nos salvou do populismo monetário de Dilma e seus aloprados?

A resposta contém o disparate: um desses aloprados (que tinha o leme nas mãos na hora do naufrágio), o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa foi expulso da campanha de Haddad, o gato (ligação clandestina no poste) – banido por outro náufrago ainda mais aloprado que ele, o economista Marcio Pochmann. Ou seja: a possível reencarnação petista no Planalto está nas mãos dessa militância pré-histórica que se fantasia de autoridade acadêmica para perpetrar panfletos que fariam Nicolás Maduro dizer “menos, companheiro”.

Adivinhe se esse tema aparece na campanha presidencial?

Adivinhou, seu danado. O Brasil está lá, boiando na margem de erro, lendo pesquisa e brincando de jogar pôquer com o 7 de outubro. Nem sabe quem é o economista do Haddad. Ou melhor: nem sabe quem é o Haddad – porque aquele ministro da Educação tricampeão de fraudes no Enem, que não sabia nem aplicar uma prova e mandava escrever “nós pega o peixe”, sumiu de cena. Não existe mais também o prefeito escorraçado ainda no primeiro turno por inépcia.

Esse Haddad aí é outro: é o super-homem das pesquisas, que voa por cima de todo mundo com a criptonita do Lula e faz a imprensa companheira lutar por uma foto dele com a camisa aberta e a grife do presidiário explodindo no peitoral.

Vai nessa, Brasil. As pesquisas colecionam erros clamorosos em todas as eleições, mas dessa vez talvez até acertem, porque num país exilado na margem de erro qualquer chute é gol – mesmo no campeonato dos detentos.

Voto irrefletido é um erro renovado a cada 4 anos

Feridos pela Lava Jato, oligarcas da política nacional pedem voto aos brasileiros como se nada tivesse sido descoberto sobre eles. Apostam na desatenção e no cansaço do eleitor, que começa a enxergar o esforço anticorrupção apenas como mais um assunto chato. As pesquisas de intenção de voto para o Senado indicam que a estratégia deve funcionar. Réus, denunciados e investigados lideram a disputa pelas duas vagas de senador em vários Estados.

Estão na bica de se reeleger, por exemplo, encrencados notórios como Renan Calheiros, Jader Barbalho, Edison Lobão, Eunicio Oliveira e Ciro Nogueira. São favoritos à eleição para o Senado investigados do porte de Jaques Wagner e Dilma Rousseff. Há também casos como o do multiprocessado Aécio Neves. Ele foge da disputa pela cadeira de senador, mais difícil, mas concorre com boas chances a um assento na Câmara dos Deputados.

O tempo da Justiça é diferente do tempo da política. O eleitor não precisa de uma sentença judicial para excluir de suas opções candidatos sujos ou mal lavados. Mas a democracia é um regime em que as pessoas têm ampla liberdade para exercitar a sua capacidade de fazer besteiras por conta própria. Quando é desvalorizado, o voto vira apenas um equívoco renovado de quatro em quatro anos.

Pensamento do Dia


Delinquência fardada, salvação togada

Quem poderá nos salvar de nós mesmos? Duas figuras suspeitas têm disputado esse posto messiânico no país: o general e o juiz. A grande ironia da cruzada purificadora é ela ter sido abraçada por duas das instituições estruturalmente mais corruptas da história brasileira. Judiciário e Forças Armadas, equipados por ferramentas antirrepublicanas de chantagem e manutenção de privilégios rentistas e dinásticos, miram seu raio despolitizador no processo de competição democrática. As eleições já não correm sob a fiscalização regular da Justiça, mas sob tutela. Os guardiões já avisaram que não aceitarão qualquer resultado. Comporte-se.


De um lado, a delinquência verbal dos homens de verde: alertam que os “profissionais da violência” são eles, não um psicopata ou extremista qualquer; lançam dúvidas sobre as urnas eletrônicas, pois não passam por auditoria; recordam que “as Forças Armadas são disciplinadas, mas não estão mortas”; mandam recados públicos ao tribunal mais alto do país para que este não saia da linha (não é por acaso que no gabinete do novo presidente do STF hoje mora um general). Sua forma de participar costuma ser pela ameaça de intervenção, pela prática da intervenção e agora pelo caminho ilustrado da disputa eleitoral. Mas, como um já disse, se pelo voto não der certo e houver cheiro de anarquia no ar, que seja pela força.

De outro lado, a verborragia salvacionista dos homens de preto: Luiz Fux, o mesmo que forçou a nomeação de sua jovem filha como desembargadora no Rio de Janeiro e há anos batalha pela manutenção do auxílio-moradia ilegal de juízes, afirmou, sem corar, que “só o Poder Judiciário pode levar nossa nação a um porto seguro”. A toga também aceita condecorações oferecidas pela farda, mesmo quando esta a ameaça via Twitter: só no ano passado, três ministros do STF receberam a Medalha da Ordem do Mérito Naval das mãos de ninguém menos que Michel Temer. A harmonia entre os Poderes nem sempre se dá em favor do interesse público.

General e juiz prepararam, juntos, o caminho para um candidato que normalizou, no discurso político, os verbos fuzilar e metralhar e cujo herói apreciava torturar mães nuas na frente de filhos pequenos. Não é qualquer torturador que sobrevive a essa tortura sem perder o autorrespeito. Limparam também o caminho para uma terceira categoria de purificador, o gestor apolítico. É aquele que está na política, mas não é político, que encarna o “idiota da objetividade” e luta por um mundo em que, como numa empresa, os ideológicos não têm vez. Não lhe entra na cabeça que seu sonho de consumo já não se chama mais “democracia” nem que o público é distinto do privado. Romper essa fronteira, mal sabe ele, chama-se corrupção, aquela que ele detesta.

Juízes têm dito que nada mais fazem que aplicar a lei: observe quando, como e a quem. Comece pelo quando. Generais dizem defender a nação: para entender de que nação se trata, dê só uma olhada em seu currículo, nos relatórios das comissões da verdade espalhadas pelo país ou, se não confiar, nos documentos da CIA (agência de inteligência americana). Dessa nação nem todos podem (ou querem) ser sócios. Para Elio Gaspari, “quando se sabe o nome de generais, algo estranho está acontecendo”. Quando se sabe o nome de tantos promotores e juízes, também.

A “teoria da depuração” que os orienta é de autoria de gurus do calibre de Janaina Paschoal e do candidato Mourão, o “desajustado”, para emprestar seu próprio vocabulário. A fantasia distópica governada por pessoas “de bem”, credencial moral autoconcedida, está voltando.

Lembrar-se da história é para os fracos, desconfiar para os preguiçosos, resistir para os ignorantes. Prometem nos entregar, de bandeja, um mundo mais limpo da política.

Nós não vamos pagar nada. Só precisamos deixar com eles, sem reclamar. Ou então nos juntar ao time. Esse mundo não terá partido: escola sem partido, opinião sem partido, roupa sem partido. Menos praça pública e feira livre, mais condomínio fechado e shopping center; menos escola e SUS, mais cadeia e arma de fogo; menos barulho, mais silêncio; menos diferença, mais conformidade.

Decisões democráticas pedem autorização popular.

Eles devem desculpas

Esta é, por enquanto, a eleição das minorias. Isso porque, até agora, pesquisas como a do Ibope ontem mostram os principais candidatos oscilando em torno do patamar de 25% da preferência. Nenhum deles pode se achar seguro de que vai obter mais de 50% dos votos válidos no domingo 7 de outubro.

Projeções sobre eventual avanço de Jair Bolsonaro na maioria dos estados nordestinos, antigos redutos do PT que somam 26,6% dos votos do país, animam reuniões de empresários em São Paulo, pontuadas por desembolsos crescentes. A torcida para a eleição acabar logo no primeiro turno é apenas desejo manifesto do antipetismo, sobretudo entre líderes do agronegócio

Falta combinar com o eleitorado, que ainda mantém elevados os índices de rejeição a Bolsonaro (46%) e ao “advogado de Lula” (30%), como Fernando Haddad se apresenta.


Os candidatos, sem exceção, deveriam aproveitar esse intervalo de imprevisibilidade a 12 dias do primeiro turno para apresentar um pedido de desculpas aos brasileiros. Eles devem isso, porque são protagonistas de um histórico fracasso.

Encerram um ciclo de três décadas, iniciado no funeral da ditadura, empenhados numa campanha de volta ao passado da Guerra Fria. Disputam uma eleição com mochila recheada de falsificações da história, e um catálogo de ilusões baratas.

Omitem o futuro corrosivo na esquina de 2019. Não souberam, ou quiseram, reinventar o modo de fazer política — apelo recorrente nas ruas e nas urnas desde 2013.

O que está aí é um espetáculo de realismo mágico, onde todos perdem no final. Vitória nessas circunstâncias dificilmente levará a uma sólida coalizão governamental. O eleito não terá bancada expressiva no Congresso e deverá amargar dificuldades crescentes com um Judiciário ativista e um Legislativo mais fragmentado.

É a eleição da exclusão. Atrás da cabine de votação oculta-se um Estado em colapso, consumindo 40% de tudo que os brasileiros produzem.

Dinheiro público mal gasto na América Latina bastaria para acabar com extrema pobreza

A cada ano, a ineficiência do gasto dos Governos da América Latina e do Caribe gera um desperdício total de 220 bilhões de dólares (cerca de 891 bilhões de reais), equivalente a 4,4% do PIB. “Esse montante, bem investido, seria suficiente para acabar com a pobreza extrema na região", diz Alejandro Izquierdo, economista-chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A instituição acaba de publicar um estudo de mais de 400 páginas em que analisa os orçamentos dos países da região e seu potencial de melhoria. A principal conclusão: em tempos de restrições orçamentárias, em que a margem fiscal é pequena, se pode (e se deve) fazer mais com menos. Se o gasto público não for bem feito, o futuro dos latino-americanos será comprometido.

Dedicar a esse problema o principal estudo que o BID publica a cada ano não é casual. “A maioria dos países da América Latina e do Caribe entrou recentemente ou está prestes a entrar na categoria de renda média. Consequentemente, os cidadãos estão exigindo mais e melhores serviços de seus Governos”, afirma Luis Alberto Moreno, presidente do órgão financeiro com sede em Washington e ex-ministro de Desenvolvimento Econômico da Colômbia. A tão necessária eficiência do gasto público será, em sua opinião, “crucial” para que os países sigam o caminho do desenvolvimento e evitem conflitos sociais. “Esse desafio é ainda maior diante da ameaça de taxas de juros internacionais mais altas, menores preços das matérias-primas e menor crescimento mundial.”


O Banco Interamericano de Desenvolvimento identifica três grandes fontes de ineficiência, presentes em maior ou menor grau em todos os países da América Latina e do Caribe: compras públicas –seja por problemas nas licitações, seja por ineficiências na seleção de projetos de investimento adequados ou corrupção, aumentando a eficiência seria possível economizar o equivalente a 1,5% do PIB da região–, transferências monetárias aos cidadãos –muitas vezes os beneficiários não são os mais necessitados, o que aumenta a desigualdade e desperdiça cerca de 1,7% do PIB– e os salários do setor público –os salários dos funcionários públicos representam uma porcentagem maior do orçamento total dos Governos da América Latina e do Caribe (29%) do que a média da OCDE (pouco mais de 24% ). “É uma questão muito difícil de resolver”, antecipa o economista-chefe do BID, Alejandro Izquierdo, referindo-se a este último ponto, um dos mais sensíveis. “Mas se comparamos os salários do setor público com os do setor privado, com o mesmo nível de qualificação, encontramos diferenças de 25%."

A América Latina e o Caribe seguiram o caminho menos recomendável na composição de seu gasto público. Nas últimas três décadas, os Governos do subcontinente optaram por aumentar o gasto corrente –principalmente, gasto social e salários– em detrimento do investimento, um dos principais determinantes do crescimento futuro de um país e, portanto, da qualidade de vida de seus cidadãos. “Muitas vezes, o gasto corrente cresce acima da tendência nos períodos de expansão da economia, mas depois o investimento público é alvo de cortes por conta de ajuste nos períodos de retração econômica, dizem os técnicos do BID. “Essa tendência em detrimento do investimento público prejudica o crescimento, já que o capital público é um fator determinante do investimento privado, que por sua vez é o principal motor do crescimento econômico. Acrescente-se a isso o fato de que o efeito multiplicador do investimento público sobre o produto é muito maior do que o gasto corrente, razão pela qual uma política de cortes de gastos que foca apenas no investimento público está errada.”

A América Latina seguiu, nesse ponto, uma tendência comum a todo o bloco de países em desenvolvimento que, ao contrário do que ocorreu nas economias industrializadas –onde a composição do gasto público se manteve praticamente estável–, o gasto de capital diminuiu em favor de um muito gasto muito mais de curto prazo. “Isso implica uma decisão consciente de priorizar os gastos atuais em relação aos investimentos para construir o futuro. Em suma, a atualidade ganha do futuro.” A desconfiança dos cidadãos em suas autoridades é, em grande medida, responsável por essa tendência em relação ao gasto corrente, segundo o estudo publicado nesta segunda-feira: “É um ingrediente fundamental: quando há um alto nível de desconfiança –seja por ineficiência do Governo ou pela corrupção flagrante–, os cidadãos preferem as transferências para investimentos de longo prazo”, acrescentam os técnicos do BID.