sábado, 8 de outubro de 2016
Os privilegiados 2,1%
Há dois tipos de pessoas que são mandadas à prisão antes de serem condenadas e terem todas as possibilidades de recurso esgotadas. Existem as pessoas presas após uma condenação em segunda instância e existem aquelas que são presas muito antes disso. No julgamento de quarta-feira, o Supremo repetiu sua decisão de fevereiro e reafirmou que a condenação em segunda instância permite o início provisório do cumprimento da pena.
Isso já ocorre em virtualmente qualquer país do mundo e também era o entendimento do Supremo até 2009. Como bem lembrou o ministro Barroso, nossa Constituição exige apenas flagrante ou decisão judicial fundamentada para a prisão. Proíbe que alguém seja considerado culpado antes do esgotamento dos recursos, mas não proíbe que inicie o cumprimento de sua pena.
Os tratados internacionais de direitos humanos dizem o mesmo: o réu pode começar a cumprir pena após decisão de segunda instância. Segundo estudo do projeto Supremo em Números, da FGV Direito Rio, publicado com exclusividade pelo GLOBO em 2 de setembro, esse grupo de pessoas representa 0,6% do nosso falido sistema prisional. Se consideradas aquelas com pena menor e que, portanto, iriam para o ainda mais falido regime semiaberto, estamos falando de 2,1% dos presos brasileiros.
E as pessoas presas muito antes da condenação em segunda instância? Representam 40% dos presos. Muitas vezes elas sequer foram sentenciadas na primeira instância. Ou ainda nem foram denunciadas pelo Ministério Público. É muito mais complicado manter presa uma pessoa nessa situação. Mas foi a decisão do Supremo sobre os 2,1% em fevereiro que causou a maior celeuma entre grupos que pretendem lutar por um direito penal melhor.
Em sua grande maioria financiados de forma privada, eles acudiram ao tribunal como nunca fizeram antes quando estavam em jogo questões criminais de impacto nacional. O Supremo acabou tendo que repetir o julgamento de fevereiro. Qual o perfil desses dois tipos de pessoas? Os 2,1% geralmente têm advogados bons, que abusam de todos os recursos disponíveis para atrasar o cumprimento da pena e tentar a prescrição.
Os 40% geralmente são pobres representados pela Defensoria. São esquecidos na prisão mesmo antes de uma sentença. Todos torcemos para que, na próxima vez em que os 40% tiverem seu dia no Supremo, esses grupos privados reservem a eles o mesmo tratamento privilegiado dos 2,1%.
Isso já ocorre em virtualmente qualquer país do mundo e também era o entendimento do Supremo até 2009. Como bem lembrou o ministro Barroso, nossa Constituição exige apenas flagrante ou decisão judicial fundamentada para a prisão. Proíbe que alguém seja considerado culpado antes do esgotamento dos recursos, mas não proíbe que inicie o cumprimento de sua pena.
E as pessoas presas muito antes da condenação em segunda instância? Representam 40% dos presos. Muitas vezes elas sequer foram sentenciadas na primeira instância. Ou ainda nem foram denunciadas pelo Ministério Público. É muito mais complicado manter presa uma pessoa nessa situação. Mas foi a decisão do Supremo sobre os 2,1% em fevereiro que causou a maior celeuma entre grupos que pretendem lutar por um direito penal melhor.
Em sua grande maioria financiados de forma privada, eles acudiram ao tribunal como nunca fizeram antes quando estavam em jogo questões criminais de impacto nacional. O Supremo acabou tendo que repetir o julgamento de fevereiro. Qual o perfil desses dois tipos de pessoas? Os 2,1% geralmente têm advogados bons, que abusam de todos os recursos disponíveis para atrasar o cumprimento da pena e tentar a prescrição.
Os 40% geralmente são pobres representados pela Defensoria. São esquecidos na prisão mesmo antes de uma sentença. Todos torcemos para que, na próxima vez em que os 40% tiverem seu dia no Supremo, esses grupos privados reservem a eles o mesmo tratamento privilegiado dos 2,1%.
Reeleição, adeus
Acabar com a reeleição em todos os níveis, de prefeito a governador e a presidente da República, parece uma aspiração nacional. Menos para os que se encontram no exercício do primeiro mandato, exceção de João Dória Júnior, que antes mesmo de assumir, já afastou a hipótese. No México, nos idos do presidente Lázaro Cárdenas, chegaram a aprovar o princípio de “no reeleciones” até para o Congresso. Entre nós, não pegou nem pegará essa profilática medida, mas não deixa de ser tentador, apesar do risco aberto em favor dos corruptos, que tentariam amealhar num único mandato o dinheiro que levariam para enriquecer em longas carreiras de deputado ou senador.
Proibidas as reeleições para os segundos períodos imediatamente depois dos primeiros, como parece que virá com a reforma política, abre-se um terreno pantanoso. A maioria dos partidários do mandato único, pretendendo levar vantagem em tudo, já sustenta para os cargos executivos e legislativos cômodas prorrogações. Em vez de quatro anos para deputado, prefeito, governador e presidente, por que não cinco? Ou seis? E para os senadores, que tal dez e não oito?
Além de haver a descoincidência de eleições, uma festa para quem gosta de juntar recursos fajutos.
Proibidas as reeleições para os segundos períodos imediatamente depois dos primeiros, como parece que virá com a reforma política, abre-se um terreno pantanoso. A maioria dos partidários do mandato único, pretendendo levar vantagem em tudo, já sustenta para os cargos executivos e legislativos cômodas prorrogações. Em vez de quatro anos para deputado, prefeito, governador e presidente, por que não cinco? Ou seis? E para os senadores, que tal dez e não oito?
Além de haver a descoincidência de eleições, uma festa para quem gosta de juntar recursos fajutos.
O regime militar inovou. Castello Branco foi eleito para permanecer dois anos, prorrogou seu mandato por mais um. Costa e Silva era para ficar quatro anos, ficou dois e meio por conta da doença. Garrastazu Médici governou por quatro, três meses e dezessete dias. Ernesto Geisel por cinco anos. João Figueiredo por seis.
José Sarney preparou-se para seis, a Assembleia Constituinte roubou-lhe um. Fernando Collor foi cassado depois de dois e meio, Itamar Franco completou os quatro, mas Fernando Henrique criou o segundo mandato, permanecendo oito anos, através de monumental garfada na memória nacional. Lula idem, ainda que Dilma cumprisse o primeiro e só um ano do segundo. Michel Temer a gente não sabe, o país continua uma caixinha de surpresas. É preciso tomar cuidado.
José Sarney preparou-se para seis, a Assembleia Constituinte roubou-lhe um. Fernando Collor foi cassado depois de dois e meio, Itamar Franco completou os quatro, mas Fernando Henrique criou o segundo mandato, permanecendo oito anos, através de monumental garfada na memória nacional. Lula idem, ainda que Dilma cumprisse o primeiro e só um ano do segundo. Michel Temer a gente não sabe, o país continua uma caixinha de surpresas. É preciso tomar cuidado.
Essa misteriosa reforma agrária brasileira
Há cerca de 20 anos, visitei diversos assentamentos do Incra no sul do Rio Grande do Sul. Alguns tinham barreira no acesso. Ninguém podia entrar sem autorização e a autorização era negada a curiosos. Eu era exatamente isso. Os que visitei estavam praticamente inativos, sem aproveitamento. Quase não se percebia sinal de vida. Em um deles, porém, encontrei animais de pasto e vasta extensão cultivada, prenunciando generosa safra. Pertencia a uma família de vários irmãos, procedentes da região noroeste do Estado, que trabalhavam seus lotes em conjunto. Fui conversar com eles e perguntei o motivo do contraste em relação aos demais assentados. A resposta foi surpreendente - eles plantavam. No entanto, fariam a colheita e iriam embora porque a vizinhança era perigosa. À menor desatenção, eram roubados.
***
Os órgãos destinados à Reforma Agrária no Brasil operam com a terceira geração de servidores. As duas anteriores se dedicaram a fazer a reforma agrária e hoje se beneficiam da aposentadoria. Uma terceira vai tocando o trabalho, olhos no desenvolvimento de suas vidas funcionais. Nada haveria de extraordinário nisso. É o que acontece em todo o órgão público longevo e os órgãos públicos costumam ser longevos. Depois que o Estado abre uma porta ou um guichê, dificilmente essa abertura se fecha. O que torna incomparável a atuação dos órgãos de reforma agrária, hoje convergentes no Incra, é a constrangedora falta de dados sobre aquilo que é objeto de seu oneroso trabalho, oficialmente iniciado há 54 anos com a criação da Superintendência de Reforma Agrária.
Nesse "já longo andar", nosso país optou por ir na contramão da tendência mundial, que é de concentração das propriedades rurais para torná-las mais produtivas e eficientes, com ganhos de competitividade e rentabilidade. Essa tendência, natural e inevitável, reduziu a menos de 5% a população rural dos países desenvolvidos, inclusive nas potências agrícolas com as quais o Brasil compete. Resultado? Maior renda per capita no campo, aproximando-a da renda média do meio urbano.
Para atender a esse projeto de desenvolvimento com farol voltado para o século XIX, o Brasil dedicou à Reforma Agrária uma formidável extensão de terras. "Quantos milhões de hectares?" perguntará o leitor. Pois é, meu caro. Ninguém sabe! Pelo que encontrei enquanto tentava descobrir, trata-se de algo entre 40 e 80 milhões de hectares. Por outro lado, ninguém - ninguém mesmo! - sabe o que acontece nos assentamentos. As perguntas mais naturais da sociedade, que paga a conta da "reforma agrária" e os salários dos servidores ativos e inativos do Incra, não têm resposta. O que produzem essas dezenas de milhões de hectares destinados a resolver o problema social do campo pelo tão ambicionado projeto do MST e seus assentamentos? Os técnicos sequer arriscam palpite. Provavelmente se trata de insignificante fração do que poderia ser produzido se adequadamente aproveitado. Não é por acaso que o Incra aparece, mesmo nos levantamentos do próprio governo, como um dos principais responsáveis pelo desmatamento em certas regiões do país.
Até agora, o que de mais robusto se produziu com essa política foi o MST, com aquele extraordinário suporte que as organizações internacionais a serviço do comunismo dedicam aos que abraçam estratégias e pedagogias revolucionárias. Venderam caro - e, mesmo assim, parcela significativa da sociedade comprou - a ideia de que todo brasileiro nasce titular de um direito natural a receber dos demais um lote de terra para dela fazer o que bem entender, inclusive nada.
Ah, se fosse produtivo o que já se destinou para reforma agrária! Ah se não houvesse o MST, pedagogicamente, ensinado violência, desrespeito à lei e uma ideologia de primatas! Ah, se tivesse sido aplicado em educação junto aos excedentes do meio rural tudo que foi gasto para promover algo cujo resultado não se vê nem se conhece! O Brasil estaria num outro estágio de desenvolvimento socioeconômico, regido com maior racionalidade e paz.
Percival Puggina
Nesse "já longo andar", nosso país optou por ir na contramão da tendência mundial, que é de concentração das propriedades rurais para torná-las mais produtivas e eficientes, com ganhos de competitividade e rentabilidade. Essa tendência, natural e inevitável, reduziu a menos de 5% a população rural dos países desenvolvidos, inclusive nas potências agrícolas com as quais o Brasil compete. Resultado? Maior renda per capita no campo, aproximando-a da renda média do meio urbano.
Para atender a esse projeto de desenvolvimento com farol voltado para o século XIX, o Brasil dedicou à Reforma Agrária uma formidável extensão de terras. "Quantos milhões de hectares?" perguntará o leitor. Pois é, meu caro. Ninguém sabe! Pelo que encontrei enquanto tentava descobrir, trata-se de algo entre 40 e 80 milhões de hectares. Por outro lado, ninguém - ninguém mesmo! - sabe o que acontece nos assentamentos. As perguntas mais naturais da sociedade, que paga a conta da "reforma agrária" e os salários dos servidores ativos e inativos do Incra, não têm resposta. O que produzem essas dezenas de milhões de hectares destinados a resolver o problema social do campo pelo tão ambicionado projeto do MST e seus assentamentos? Os técnicos sequer arriscam palpite. Provavelmente se trata de insignificante fração do que poderia ser produzido se adequadamente aproveitado. Não é por acaso que o Incra aparece, mesmo nos levantamentos do próprio governo, como um dos principais responsáveis pelo desmatamento em certas regiões do país.
Até agora, o que de mais robusto se produziu com essa política foi o MST, com aquele extraordinário suporte que as organizações internacionais a serviço do comunismo dedicam aos que abraçam estratégias e pedagogias revolucionárias. Venderam caro - e, mesmo assim, parcela significativa da sociedade comprou - a ideia de que todo brasileiro nasce titular de um direito natural a receber dos demais um lote de terra para dela fazer o que bem entender, inclusive nada.
Ah, se fosse produtivo o que já se destinou para reforma agrária! Ah se não houvesse o MST, pedagogicamente, ensinado violência, desrespeito à lei e uma ideologia de primatas! Ah, se tivesse sido aplicado em educação junto aos excedentes do meio rural tudo que foi gasto para promover algo cujo resultado não se vê nem se conhece! O Brasil estaria num outro estágio de desenvolvimento socioeconômico, regido com maior racionalidade e paz.
Percival Puggina
Nossa biodiversidade no centro de atenção
São importantes as informações de que o Ministério do Meio Ambiente e outros órgãos se mobilizam diante de notícias que levantam preocupações por alguns ângulos na Amazônia. Uma delas é a de que o desmatamento ali pode estar em tendência de aumento, enquanto outras sugerem estabilização e até queda.
Algumas instituições, entre elas o Sistema Nacional de Estimativas de Emissão de Gases do Efeito Estufa (SEEG) e o Observatório do Clima, apontam para um “sinal amarelo” na área. Após queda de 2005 a 2010, as emissões por desmatamento mantiveram o patamar até 2014: 0,82 bilhão de toneladas de gás carbônico equivalente por ano. Agora, as emissões por desmatamento fariam crescer a preocupação com o compromisso brasileiro de redução de emissões no âmbito da Convenção do Clima. De acordo com os últimos dados, o setor de mudanças no uso da terra emitiu entre 1990 e 2014 cerca de 56 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente, a maior parte por desmatamento em três biomas: Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica (65% na Amazônia). Com diversas ações governamentais, as emissões médias anuais haviam caído 13% em 2014, comparadas com as do ano anterior.
O desmatamento ainda é o principal responsável pelas emissões nacionais, com 42% (amazonia.org, 3/10). Pará e Mato Grosso concentram metade das emissões. Há poucas semanas (Valor Econômico, 4/8) o Ministério Público Federal do Pará começou a investigar esquema de desmatamento que envolveria até empresa de titular de cargo oficial.
Avanços no desmatamento significam ameaças aos 7 milhões de quilômetros quadrados (60% dos quais em território brasileiro) onde vivem 2,5 milhões de tipos de insetos, dezenas de milhares de espécies de árvores e mais de 2 mil animais entre peixes, anfíbios répteis e mamíferos – fora os desconhecidos. Em estudo recente, pesquisadores na Amazônia apontam estar ali o hábitat de ao menos 12 mil espécies de árvores (Amazônia.org, 25/7).
Várias instituições continuam a pesquisar formatos de valorizar produtos nativos da Amazônia, na tentativa de consolidar caminhos que possam contribuir para a valorização econômica e a preservação do bioma. É o caso do buriti, que vem sendo muito estudado no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) pelo cientista Afonso Rabelo e sua equipe, principalmente na área de doces e sorvetes. Com forte aceitação, da mesma forma que o pato no castamburi (buriti, castanha e tucumã). Ele lembra que só nas feiras de Manaus são comercializados 300 frutos regionais e seus produtos.
Por outro ângulo, a jornalista Camila Faria enfatiza (Eco 21, agosto 2016) que, segundo um grupo internacional de pesquisadores, “a floresta com tipos diferentes de plantas se recupera melhor aos ser submetida a um aquecimento moderado” – e isso é vital para a biodiversidade. Tem também maior potencial de adaptação a mudanças do clima – a Amazônia é um “estudo de caso”. A pesquisa Resilience of amazon forest emerges from plant trait diversityreforça “a importância da preservação da biodiversidade como instrumento de políticas públicas contra o agravamento da crise climática (...). A diversidade vegetal pode permitir que o maior ecossistema tropical do mundo se ajuste a certo nível de mudança climática – árvores que hoje são espécies dominantes, por exemplo, poderiam dar lugar a outras que seriam mais adaptadas às novas condições”.
Também é um bom sinal que se amiúdem estudos sobre a riqueza e a importância nutricional da biodiversidade brasileira. Como é o caso dos peixes, que hoje representam apenas 1,69 quilo no nosso consumo anual por habitante, enquanto os importados chegam a 2 quilos por habitante/ano – e ainda assim 55% do consumo é fora de casa. Compradores em feiras e mercados exigem que o peixe já venha sob a forma de filé.
Segundo o biólogo Fernando Reinach, “cientistas observaram que basta remover 10% da floresta de uma bacia hidrográfica para que entre 20% e 40% da biodiversidade desapareça. E essa perda de biodiversidade aumenta gradativamente, à medida que a região em volta da floresta remanescente é desmatada”. Uma conclusão: “Se queremos preservar 80% da biodiversidade da Amazônia, a fração da área que poderia ser desmatada é significativamente menor que os 20% permitidos hoje pelo Código Florestal”. Ou seja, temos fechado os olhos para um futuro muito problemático para o País; porque uma floresta intacta, localizada numa região onde o desmatamento pode ser de 20% da área total, perde entre 39% e 54% de seu valor como área de conservação da biodiversidade.
Pode ser ainda mais grave se se levar em consideração notícia recente (geodireito, 26/9) de que já haveria “estimativa maior de desmatamento”. Uma revisão do desmatamento entre 2014 e 2015 teria mostrado que o corte raso nas florestas da região alcançou 6.207 quilômetros, ou seja, 6,45% mais que os 5.831 km2 até aqui conhecidos. Essa estimativa reajustaria de 16% para 24% o aumento do corte na Amazônia, em comparação com o período de 2013 a 2014, que foi de 5.012 km2.
Há preocupações vindas também de fora. Uma ONG holandesa quer criar “um corredor gigante de biodiversidade no Brasil, com 2,6 mil quilômetros contínuos e até 40 quilômetros de largura, 10,4 milhões de hectares e 2 bilhões de árvores plantadas” (Estado, 8/9). Outros estudiosos já discutem modelos de desenvolvimento para o Brasil que tenham seu centro em projetos de valorização da biodiversidade e de novos produtos para o mercado que tenham esse ponto de partida.
É também preciso dar muita atenção ao secretário executivo da Convenção da Diversidade Biológica da ONU, o cientista brasileiro Bráulio Dias (Estado, 11/9): o Brasil pode perder o acesso a recursos genéticos para várias áreas se não ratificar o Protocolo de Nagoya, que regula essa matéria.
Algumas instituições, entre elas o Sistema Nacional de Estimativas de Emissão de Gases do Efeito Estufa (SEEG) e o Observatório do Clima, apontam para um “sinal amarelo” na área. Após queda de 2005 a 2010, as emissões por desmatamento mantiveram o patamar até 2014: 0,82 bilhão de toneladas de gás carbônico equivalente por ano. Agora, as emissões por desmatamento fariam crescer a preocupação com o compromisso brasileiro de redução de emissões no âmbito da Convenção do Clima. De acordo com os últimos dados, o setor de mudanças no uso da terra emitiu entre 1990 e 2014 cerca de 56 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente, a maior parte por desmatamento em três biomas: Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica (65% na Amazônia). Com diversas ações governamentais, as emissões médias anuais haviam caído 13% em 2014, comparadas com as do ano anterior.
O desmatamento ainda é o principal responsável pelas emissões nacionais, com 42% (amazonia.org, 3/10). Pará e Mato Grosso concentram metade das emissões. Há poucas semanas (Valor Econômico, 4/8) o Ministério Público Federal do Pará começou a investigar esquema de desmatamento que envolveria até empresa de titular de cargo oficial.
Várias instituições continuam a pesquisar formatos de valorizar produtos nativos da Amazônia, na tentativa de consolidar caminhos que possam contribuir para a valorização econômica e a preservação do bioma. É o caso do buriti, que vem sendo muito estudado no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) pelo cientista Afonso Rabelo e sua equipe, principalmente na área de doces e sorvetes. Com forte aceitação, da mesma forma que o pato no castamburi (buriti, castanha e tucumã). Ele lembra que só nas feiras de Manaus são comercializados 300 frutos regionais e seus produtos.
Por outro ângulo, a jornalista Camila Faria enfatiza (Eco 21, agosto 2016) que, segundo um grupo internacional de pesquisadores, “a floresta com tipos diferentes de plantas se recupera melhor aos ser submetida a um aquecimento moderado” – e isso é vital para a biodiversidade. Tem também maior potencial de adaptação a mudanças do clima – a Amazônia é um “estudo de caso”. A pesquisa Resilience of amazon forest emerges from plant trait diversityreforça “a importância da preservação da biodiversidade como instrumento de políticas públicas contra o agravamento da crise climática (...). A diversidade vegetal pode permitir que o maior ecossistema tropical do mundo se ajuste a certo nível de mudança climática – árvores que hoje são espécies dominantes, por exemplo, poderiam dar lugar a outras que seriam mais adaptadas às novas condições”.
Também é um bom sinal que se amiúdem estudos sobre a riqueza e a importância nutricional da biodiversidade brasileira. Como é o caso dos peixes, que hoje representam apenas 1,69 quilo no nosso consumo anual por habitante, enquanto os importados chegam a 2 quilos por habitante/ano – e ainda assim 55% do consumo é fora de casa. Compradores em feiras e mercados exigem que o peixe já venha sob a forma de filé.
Segundo o biólogo Fernando Reinach, “cientistas observaram que basta remover 10% da floresta de uma bacia hidrográfica para que entre 20% e 40% da biodiversidade desapareça. E essa perda de biodiversidade aumenta gradativamente, à medida que a região em volta da floresta remanescente é desmatada”. Uma conclusão: “Se queremos preservar 80% da biodiversidade da Amazônia, a fração da área que poderia ser desmatada é significativamente menor que os 20% permitidos hoje pelo Código Florestal”. Ou seja, temos fechado os olhos para um futuro muito problemático para o País; porque uma floresta intacta, localizada numa região onde o desmatamento pode ser de 20% da área total, perde entre 39% e 54% de seu valor como área de conservação da biodiversidade.
Pode ser ainda mais grave se se levar em consideração notícia recente (geodireito, 26/9) de que já haveria “estimativa maior de desmatamento”. Uma revisão do desmatamento entre 2014 e 2015 teria mostrado que o corte raso nas florestas da região alcançou 6.207 quilômetros, ou seja, 6,45% mais que os 5.831 km2 até aqui conhecidos. Essa estimativa reajustaria de 16% para 24% o aumento do corte na Amazônia, em comparação com o período de 2013 a 2014, que foi de 5.012 km2.
Há preocupações vindas também de fora. Uma ONG holandesa quer criar “um corredor gigante de biodiversidade no Brasil, com 2,6 mil quilômetros contínuos e até 40 quilômetros de largura, 10,4 milhões de hectares e 2 bilhões de árvores plantadas” (Estado, 8/9). Outros estudiosos já discutem modelos de desenvolvimento para o Brasil que tenham seu centro em projetos de valorização da biodiversidade e de novos produtos para o mercado que tenham esse ponto de partida.
É também preciso dar muita atenção ao secretário executivo da Convenção da Diversidade Biológica da ONU, o cientista brasileiro Bráulio Dias (Estado, 11/9): o Brasil pode perder o acesso a recursos genéticos para várias áreas se não ratificar o Protocolo de Nagoya, que regula essa matéria.
Filosofou no meio do passeio público
Em 1966, o prefeito Faria Lima lançou um concurso para escolher a melhor arte para as calçadas paulistanas. A vencedora foi Mirthes Bernardes, desenhista da Secretaria de Obras.
Era um desenho geométrico, com o formato do mapa do estado de São Paulo. A ideia da artista paulista é saudada até hoje – e já lá se vão 50 anos. Com apenas três peças: uma preta, uma branca e a última dividida em diagonal, com uma metade de cada cor, Mirthes Bernardes concebeu um criativo padrão randômico. Nos anos seguintes, a prefeitura começou a pavimentar as ruas e avenidas de São Paulo com essa criação minimalista. Muitas calçadas, tanto de imóveis residenciais quanto comerciais, ainda têm o estado de São Paulo como estampa.
Corta para o Anno Domini de 2016.
Estou bordejando pelo bairro da Vila Madalena, indo do barbeiro a um restaurante durante meu horário de almoço. De um ponto a outro, segundo o GPS do meu celular, não dá 300 metros. Vou enumerando mentalmente os diferentes tipos de passeio público (se é que algum pode ser chamado assim): calçada de cerâmica, de pedrisco, de cimento, de tijolinho, de grama, estilo deck de madeira. 9 entre 10 estão fora de padrão ou com enormes valas.
Como a Vila Madalena é um bairro quase montanhoso, em alguns locais há verdadeiras calçadas-escada. E muitas sem a escada propriamente dita. Há uma espécie de cume e cada um com seus problemas na hora da mobilidade urbana.
Toco nesse tópico, não por falta de assunto, fato tão caro ao gênero crônica. Mas pela recente eleição dos chefes das municipalidades em nosso país.
Não seria o caso de, já no princípio das gestões, repensar um pouco as calçadas?
Sim, eu sei que elas são uma obrigação do dono da propriedade. Mas onde está o padrão proposto pelo Faria Lima? Ou o concurso inédito para criar um novo paradigma? A calçada é o primeiro passo para uma cidade civilizada. Por ela, os bebês flanam em seus carrinhos ao sol, os cães levam seus donos para passear, os food-trucks vendem o seu peixe, os floristas temperam a aspereza do concreto. E, nas madrugadas, o pecado monta suas barracas, posto que a vida não é feita só de virtudes.
A calçada é o oposto do Whatsapp. É nela que os cidadãos se socializam da maneira mais saudável que existe: na base do tête-à-tête. Os SMS, os e-mails são transmitidos ali em ‘real time’ e ainda não inventaram uma forma tão rápida e expressiva de se passar uma emoção. Claro que a violência resvala pelas calçadas. Mas onde não há selvageria? Até na Antártida, onde não existem nem ruas, está presente a brutalidade humana.
Contudo, num ambiente onde nota-se esmero e urbanidade a crueza tende a diminuir. Basta comparar os índices de violência do Capão Redondo aos do Quartier Latin. Obviamente há dezenas de outros fatores econômico-sociais que levam a realidades tão díspares, mas a calçada é um deles.
Carlos Castelo
Corta para o Anno Domini de 2016.
Estou bordejando pelo bairro da Vila Madalena, indo do barbeiro a um restaurante durante meu horário de almoço. De um ponto a outro, segundo o GPS do meu celular, não dá 300 metros. Vou enumerando mentalmente os diferentes tipos de passeio público (se é que algum pode ser chamado assim): calçada de cerâmica, de pedrisco, de cimento, de tijolinho, de grama, estilo deck de madeira. 9 entre 10 estão fora de padrão ou com enormes valas.
Como a Vila Madalena é um bairro quase montanhoso, em alguns locais há verdadeiras calçadas-escada. E muitas sem a escada propriamente dita. Há uma espécie de cume e cada um com seus problemas na hora da mobilidade urbana.
Toco nesse tópico, não por falta de assunto, fato tão caro ao gênero crônica. Mas pela recente eleição dos chefes das municipalidades em nosso país.
Não seria o caso de, já no princípio das gestões, repensar um pouco as calçadas?
Sim, eu sei que elas são uma obrigação do dono da propriedade. Mas onde está o padrão proposto pelo Faria Lima? Ou o concurso inédito para criar um novo paradigma? A calçada é o primeiro passo para uma cidade civilizada. Por ela, os bebês flanam em seus carrinhos ao sol, os cães levam seus donos para passear, os food-trucks vendem o seu peixe, os floristas temperam a aspereza do concreto. E, nas madrugadas, o pecado monta suas barracas, posto que a vida não é feita só de virtudes.
A calçada é o oposto do Whatsapp. É nela que os cidadãos se socializam da maneira mais saudável que existe: na base do tête-à-tête. Os SMS, os e-mails são transmitidos ali em ‘real time’ e ainda não inventaram uma forma tão rápida e expressiva de se passar uma emoção. Claro que a violência resvala pelas calçadas. Mas onde não há selvageria? Até na Antártida, onde não existem nem ruas, está presente a brutalidade humana.
Contudo, num ambiente onde nota-se esmero e urbanidade a crueza tende a diminuir. Basta comparar os índices de violência do Capão Redondo aos do Quartier Latin. Obviamente há dezenas de outros fatores econômico-sociais que levam a realidades tão díspares, mas a calçada é um deles.
Carlos Castelo
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