quinta-feira, 19 de abril de 2018

Desânimo com a política

A Lava Jato deve continuar, disseram nada menos que 84% dos entrevistados na última pesquisa do Datafolha. Mesmo entre os eleitores de Lula, ampla maioria de 77% apoia a operação de anti-corrupção. Como, por outro lado, 31% dos entrevistados votariam em Lula para presidente, é obrigatório concluir que muitos brasileiros apoiam, ao mesmo tempo, a Lava Jato e a candidatura de Lula.

O que isso quer dizer?

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Especulações: parte dos eleitores não sabe que ele foi apanhado justamente pela Lava Jato; ou sabe, mas entende que a operação, neste caso, está equivocada (o PT diz algo assim); ou sabe e entende que, sendo a corrupção generalizada, não faz mal que Lula esteja no rolo.

Antes de tentar decidir qual a especulação mais provável, convem consultar outros número expressivos.

Por exemplo: 57% dos entrevistados apoiam a prisão em segunda instância e 54% acham justa a prisão do ex-presidente. Dados muito parecidos, não é mesmo?

Indicam, pelo avesso, que entre os apoiadores da Lava Jato muitos não topam a condenação em segunda instância e, pois, consideram errada a decisão de mandar Lula para a cadeia.

Faz sentido.

Por outro lado, e há muitos lados nesta situação, nada menos que 51% dos entrevistados acham que a corrupção continuará a mesma depois da Lava Jato.

E apenas 37% acham que vai diminuir.

Como a corrupção e a situação política são apontadas como principais problemas brasileiros, encontra-se aqui evidente desânimo e falta de confiança nos governos, nas lideranças e nas instituições. Para a maioria, fica tudo na mesma porcaria. E se é assim, segue a especulação, por que penalizar quem foi apanhado pela Lava Jato?

Há outros sinais de falta de confiança. Os dados reais mostram que a economia brasileira deixou a recessão para trás, voltou a crescer no ano passado e acelerou na passagem de 2017 para 2018. Sim, trata-se de uma recuperação moderada, a criação de empregos vai devagar, mas é evidente que a situação melhorou. Inflação baixa (inclusive com queda nos preços de alimentos) preserva os salários reais. Há mais crédito concedido para pessoas e empresas e os juros, embora elevados, estão mais baixos que um ano atrás, por exemplo.

Como notou o FMI no seu último Panorama Global, o Brasil está entre os países que registram melhora mais intensa nos cenários para este e o próximo ano.

Voltemos ao Datafolha. O país, principalmente a economia, vai piorar, dizem 29% dos entrevistados. Vai melhorar para apenas 26%. E os demais acham que fica na mesma, que não é boa coisa.

Quando as perguntas tratam de pontos específicos - como inflação e juros - as pessoas, na maioria, tem uma visão negativa. Desaprovam mesmo políticas que estão obviamente funcionando, como a derrubada de juros básicos promovida pelo Banco Central.

Isso é pura falta de confiança tanto no governo quanto nas oposições. O governo Temer é uma contradição viva. A equipe econômica faz verdadeiros milagres. Já conseguiu pontos importantes - como o teto de gastos, a mudança na gestão das estatais, algumas concessões, a arrumação dos bancos públicos, controle de gastos e, claro, a queda dos juros - e ainda encaminha uma agenda no Congresso, como o cadastro positivo e a independência do Banco Central.

Do outro lado do governo, o político propriamente dito - e vamos dizer francamente - está todo mundo de algum modo enrolado na Lava Jato e ações paralelas, do presidente a ministros e assessores, soltos ou presos.

Na oposição, o PT, nem é preciso dizer, está destruído. E o PSDB conseguiu se danar tentando fazer de conta que não havia nada demais com Aécio, com Azeredo (ambos ex-presidentes do partido, já apanhados) e com outras lideranças das quais a Lava Jato se aproxima.

Deveriam adotar o padrão japonês e alemão. Apareceu uma denúncia? Uma dúvida razoável? Ou o alvo cai fora ou é tirado, vai cuidar de seu problema e segue a política.

Não sendo assim, fica a desconfiança geral.

O que atrapalha a própria recuperação econômica. O mundo vai bem, diz o FMI. Todos os principais países mostram bom ritmo de crescimento sincronizado, isso há dois anos e devendo continuar pelo menos até 2019. Logo, há mais comércio, mais negócios, mais investimentos.

Tivesse o Brasil arrumado suas contas públicas, estabilizado as finanças, afastado a corrupção, e o país poderia estar decolando.

Que mesmo nesse ambiente haja uma recuperação, é sinal da vitalidade da economia privada. O que significa que há esperanças. Já saímos de piores.

Mas as eleições são mesmo um grande teste de passagem.

Gente fora do mapa

Rene Burri.  ‘Coconut plantation, Kerala’  India
Kerala (Índia), Rene Burri

A radicalização política é a grande adversária do regime democrático

Não há dúvida de que vivemos tempos perigosos. A radicalização política, se prevalecer nas eleições de outubro próximo, só servirá para enfraquecer nosso incipiente regime democrático, que exige reformas urgentes e profundas. A político-eleitoral é essencial ao surgimento de novas lideranças. Sem ela, o país continuará sem saída. 

Tanto os governos do PSDB (dois mandatos de FHC) quanto os do PT (dois de Lula e um e meio de Dilma) perderam oportunidades históricas. Reformistas em seus programas, além de defensores intransigentes da democracia e (no início) da ética na política, na prática desperdiçaram todas as chances de imprimir novo rumo ao país. Em nome da sobrevivência, os três buscaram alianças fisiológicas, obviamente descomprometidas com os reais interesses do povo. À parte os acertos de um e de outro, continuaram com o mesmo modelo de governo. Isso só poderia desaguar no mensalão e, depois, na Lava Jato.

Ao contrário do que afirmou o juiz Sergio Moro, em Harvard, na última segunda-feira, durante painel sobre crimes do colarinho-branco, nossas instituições democráticas vivem hoje crise realmente grave. Ainda incipientes, mas conquistadas a duras penas há três décadas, vivem momento desafiador. Se não soubermos preservá-las, ruirão diante dos duros testes que virão por aí. Como sempre, as ameaças partem tanto dos radicais da direita quanto da esquerda, ambos os grupos dominados pela intransigência, pela intolerância e, pior ainda, pelo ódio.

Algumas vozes se levantam timidamente contra isso. Elas, todavia, não estão dando conta de enfrentar esse clima hostil que se manifesta em qualquer roda de conversa, por mais tolerante que seja.

O jornalista Nelson Motta tem sido uma dessas vozes. Com bom humor, o clima de intolerância e ódio que tomou conta da política foi outra vez abordado por ele, na semana passada, em sua coluna “Tolerância é quase amor”, no jornal “O Globo”. Referiu-se a um caso que, com certeza, é “mais que uma lição de tolerância e respeito pelo outro”. Trata-se do que ocorreu na campanha presidencial norte-americana de 1982, entre o democrata James Carville, marqueteiro do candidato Bill Clinton, e Mary Matalin, chefe da campanha do republicano George Bush. Os dois adversários, que antes se odiavam, se apaixonaram e estão casados há 25 anos; hoje, são pais de duas filhas. Diz Motta: “Conto essa história de amor e tolerância na esperança de que inspire os amigos que vejo brigando e se defendendo por políticos que não valem um abraço”.

Em depoimento recente a dois amigos (Miguel Darcy de Oliveira e Sérgio Fausto), transformado em livro, o ex-presidente Fernando Henrique chama a atenção para o risco que corre o país: “Estamos diante de uma encruzilhada: ou bem seremos capazes de reinventar o rumo da política, ou cedo ou tarde a indignação popular explodirá nas ruas, sabe-se lá contra quem e a favor de quê. Ou, o que é pior, o reacionarismo imporá ordem ao que lhe parecerá o caos”.

Em 2019, o país será o resultado de nossas escolhas. Não tenho receita nem fórmula mágica, mas apenas a certeza de que não podemos eleger quem represente o aprofundamento desse racha odiento que divide a sociedade brasileira. O populismo que boa parte das esquerdas defende ou o retorno ao autoritarismo, fardado ou não, que deseja a direita radical, qualquer deles só nos levará ao caos. E é disso, leitor, que deveremos tratar nas eleições que se aproximam.

Assim os algoritmos perpetuam a desigualdade social

Cathy O’Neil é uma matemática de cabelo azul que dedica todos os seus esforços a abrir os olhos das pessoas sobre os algoritmos que dominam o mundo. Desde os que indicam ao banco se você é apto ou não a receber uma hipoteca, até os que decidem quem merece uma vaga de trabalho. Um sistema que pode perpetuar as desigualdades existentes no mundo se não começarmos a ser críticos, defende a cientista. “Estamos dando poder a mecanismos sem nos perguntar se realmente funcionam, isso é uma falha como sociedade”, explica de Nova York ao outro lado do telefone.


O’Neil, em seu livro Armas de Destruição Matemática, mostra alguns exemplos para colocar essa teoria em termos reais. Viaja em algumas de suas páginas a Reading, uma pequena cidade da Pensilvânia (Estados Unidos) que em 2011 tinha um nível de pobreza superior a 41%, o mais alto de todo o país. Com um efetivo reduzido pela crise, o chefe de polícia investiu em um programa de predição de crimes chamado PredPol que funciona com big data. O aplicativo divide a cidade em quadrantes e determina em qual deles é mais possível que se cometa um crime baseando-se no registro histórico da polícia. No leque de dados estão desde crimes mais leves como perturbação da ordem pública (beber na rua, por exemplo), até homicídios.

Quanto maior for o número de agentes enviados aos pontos indicados pelo programa, mais prisões ocorrem e assim se entra em um círculo vicioso que enche as prisões de gente, em sua maioria, acusada de crimes menos graves. A maioria dos detidos é de negros e hispânicos. “O mapa da delinquência gerado desse modo traça na realidade um rastro de pobreza”, diz a autora. “Continuamos prendendo negros por coisas pelas quais não prendemos brancos, mas agora já não o dizemos abertamente e disfarçamos de ciência porque o fazemos com o PredPol. Continuamos com o ciclo, porque continuamos prendendo gente de um bairro e os dados nos dizem que precisamos voltar a esse bairro, dessa forma a injustiça policial continua”, afirma na entrevista.

Continuamos prendendo negros por coisas pelas quais não prendemos brancos, mas agora já não o dizemos abertamente e disfarçamos de ciência
Vários estudos já indicaram que estamos cedendo o controle a mecanismos automáticos que perpetuam a discriminação. Do algoritmo do Google que identificou um negro como um gorila em uma foto, até a máquina que relaciona estar na cozinha com uma mulher, ou o algoritmo do Facebook que mostrava anúncios de casas à venda somente a usuários brancos. “Os engenheiros pensam em termos de otimização dos recursos, o que é preciso é diversidade nas equipes que escrevem os algoritmos para que incluam pessoas que pensem nas violações dos direitos humanos e na forma como esses códigos irão afetar a sociedade: sociólogos, advogados, psicólogos...”, afirma.

A matemática afirma que já é tarde para se preocupar pelo fato de que nossos dados estejam disponíveis, que agora é preciso perguntar às empresas e gigantes tecnológicos o que estão fazendo com eles. “Não nos damos conta na maioria das vezes que nos analisam, especialmente na Internet. Quando somos conscientes de que recebemos uma pontuação de acordo com nossos dados, a primeira coisa que precisamos fazer é pedir explicações, que nos mostrem o processo pelo qual fomos qualificados, se é algo importante como uma hipoteca e um trabalho, até mesmo utilizando mecanismos legais. As vezes em que não percebemos, são os Governos europeus e o dos Estados Unidos que precisam estabelecer normas que indiquem que a cada vez que recebemos essa pontuação precisamos saber”, diz O’Neil.

O’Neil apagou sua conta do Facebook há um ano (e a do Twitter também não está disponível há algumas semanas), logo depois das eleições vencidas por Donald Trump e que agora estão sendo investigadas pelo uso dos dados de milhões de usuários do Facebook. O escândalo levou seu criador, Mark Zuckerberg, a dar explicações no Senado dos Estados Unidos. “É preciso obrigar empresas como o Facebook a explicar o que estão conseguindo com produtos, em vez de assumir que estão fazendo o melhor. Já temos a suspeita de que o Facebook ajudou a divulgar notícias falsas, a influenciar o resultado de votações, a fazer com que as pessoas acreditassem em teorias da conspiração. Por que não temos as provas reais, por que não as mostram?”, pergunta a especialista.

O que acontece nos países menos desenvolvidos? São mais vulneráveis? “Lamentavelmente não acho que têm a oportunidade de tomar o controle porque as empresas norte-americanas e chinesas estabelecerão suas regras mais rápido do que as próprias pessoas”. Os dados variam, mas a Africa 2.0 International Foundation dizia em uma conversa há um ano que no continente africano existem 800 milhões de terminais, quando há 50 anos só existiam 40.000 telefones. Esses dispositivos, com Internet ou sem, já são uma fonte inesgotável de dados às empresas.

A matemática se mostra otimista, porque pelo menos os algoritmos fazem parte do debate atual, e não se cansa de alertar sobre a confiança cega no big data: “Se você só usa dados do passado, está condenado a repeti-lo. É preciso se perguntar aonde você quer chegar, em vez de se limitar a analisar de onde você vem. Se estivéssemos orgulhosos de nosso sistema, poderíamos querer usar esses dados para manter tudo igual, mas não é o caso”.

Se deixarem, cela vira sucursal do Instituto Lula

De todos os flagelos brasileiros o mais imutável e constrangedor talvez seja a calamidade do sistema penitenciário. Mas a humanização das cadeias nunca foi propriamente uma prioridade dos congressistas. Ignora-se o tema porque a barbárie é popular. O Datafolha revelou em 2015 que 50% dos brasileiros concordam com a tese segundo a qual bandido bom é bandido morto. Ou seja: metade dos brasileiros acha bom quando os presidiários brigam, matando-se uns aos outros dentro das penitenciárias.

De repente, surgiu no Congresso a bancada da cadeia. Integram-na senadores e deputados companheiros. Curiosamente, ainda não acordaram para o cenário de século 19 que vigora nas cadeias do país. Estão preocupados com as condições carcerárias de Lula, recolhido à única cela em todo o território nacional onde se respira um aroma de século 21.


Nesta quarta-feira, ao negar pedido do Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel para inspecionar a “sala de Estado Maior” em que Lula cumpre a pena de 12 anos de cana, a juíza que cuida da execução penal em Curitiba, Carolina Moura Lebbos, manifestou uma estranheza: no intervalo de duas semanas, formularam-se três pedidos de inspeção na Superintendência da Polícia Fedeal de Curitiba, que hospeda o preso mais ilustre da Lava Jato.

“A repetida efetivação de tais diligências, além de despida de motivação, apresenta-se incompatível com o regular funcionamento da repartição pública e dificulta a rotina do estabelecimento de custódia. Acaba por prejudicar o adequado cumprimento da pena e a segurança da unidade e de seus arredores.”

Alheios à manifestação da doutora, dez deputados formaram na Câmara uma “comissão externa” para inspecionar o cárcere especial de Lula nesta quinta-feira. Na terça, com autorização da juíza, 11 integrantes da Comissao de Direitos Humanos do Senado passaram duas horas com o preso. Atestaram a fidalguia e a qualidade dos serviços da hospedaria federal. Mas avaliam que Lula merece mais regalias.

O senador Joao Capiberibe (PSB-AP) prepara um relatório. Nele, dirá que Lula precisa ser tratado como “um preso político”, pois as pesquisas informam que ele dispõe de “35% de preferência do eleitorado.” A Comissão de Direitos Humanos do Senado vai solicitar que Lula passe a receber outros visitantes além dos familiares.

Nas palavras de Capiberibe, “Lula tem 72 anos e é um homem muito interativo”. Hummmm. “Passava os dias conversando, discutindo, trabalhando, e hoje ele está muito isolado.” Heimmmm?!? “Esse isolamento é uma grande preocupação da comissão.” Ai, ai, ai…

Petistas e companheiros ainda não notaram. Mas Lula é um corrupto com sentença de segunda instância. Sua candidatura presidencial virou ficção. Sempre desrespeitoso com as autoridades judiciárias, ele recebe um tratamento respeitoso. Algo compatível com sua condição de ex-presidente. Mas não se pode permitir que confundam deferência com privilégio, coisa muito comum em qualquer casta.

É hora de levar o pé a porta da cadeia. Se as autoridades boberarem, o PT e seu séquito acabam transformando a cela especial de Curitiba numa sucursal do Instituto Lula em Curitiba. Ou coisa pior. O que não falta no país é presidiário precisando de atenção de congressista. Desnecessário lembrar que 40% da comunidade carcerária brasileira mofa atrás das grades sem sentença.