domingo, 2 de setembro de 2018

Eleições porcas há muito

As eleições vêm manchadas de muito tempo. Em 2014, foi o abuso do poder econômico, caixa 2 usado pelo PT, pelo MDB e PSDB. E agora temos 200 parlamentares que estão impunes, quando deveriam estar sendo punidos
Marina Silva

O fim do teatro do PT

Com a impugnação da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, o PT não terá outra saída a não ser substituir o quanto antes o ex-presidente pelo ex-prefeito Fernando Haddad, há tempos o “plano B” para a disputa.

Mesmo com a impugnação da candidatura de Lula, não se pode dizer que o PT foi derrotado. Do ponto de vista da estratégia política para manter o nome do ex-presidente e do partido nos meios de comunicação, nas redes sociais e como motivação para a militância, a legenda foi vitoriosa. Há dois anos o partido estava em ruínas. Perdera o poder, com o impeachment de Dilma Rousseff, vira alguns de seus dirigentes presos pela Operação Lava Jato, sob suspeita de envolvimento em corrupção na Petrobrás e em outras estatais, e ficara sem metade de suas prefeituras. Um desastre completo. Recuperar-se em 24 meses, conseguir ter um candidato à frente em todas as pesquisas, mesmo preso, como aconteceu com Lula, e gozar da perspectiva de fazer a substituição do candidato com possibilidade de manter-se competitivo, é uma vitória política.

Quanto a Lula, deve-se admitir que ele soube transformar sua prisão, uma prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, num instrumento político. Sua cela na Polícia Federal, em Curitiba, foi transformada no QG político do PT. A presidente do partido, senadora Gleisi Hoffmann, e Fernando Haddad foram nomeados seus advogados, embora não tenham participado da defesa jurídica dele. Com isso, puderam manter contato com o ex-presidente todos os dias. Durante todo o período da pré-campanha, do registro das candidaturas e do início da campanha, Lula esteve à frente de tudo. Os outros candidatos se tornaram meros coadjuvantes de um teatro político, em que tudo foi instrumentalizado pelo PT.

De tudo isso, há de se lamentar a lentidão do TSE em fazer aquilo que deveria ter feito antes, porque a demora criou uma insegurança jurídica sem tamanho quanto às eleições. Insegurança que obrigou os institutos de pesquisa a optarem por três tipos de perguntas quando se referiam ao candidato petista, uma com Lula, outra com Haddad e outra com Lula dizendo que Haddad seria o seu candidato.

Enquanto o TSE esperava a hora de tomar sua decisão, e a insegurança jurídica só aumentava, o PT se esbaldava. Chegou ao luxo de criar uma chapa triplex, com Lula à frente da chapa, Haddad de vice e a deputada gaúcha Manuela d’Ávila (PCdoB) de vice do vice. Um caso único na história recente das eleições brasileiras.

O que pôde fazer o PT fez. Agora, terá de parar com o teatro que todos sabiam que resultaria na impugnação da candidatura de Lula, pois enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Com o fim da candidatura do ex-presidente, o PT terá de parar de se esconder atrás do nome de Lula. Terá de mostrar Fernando Haddad, entrar na disputa para valer, o que não tinha feito até agora. Lula crescia na preferência do eleitor de forma automática, embora preso.

A partir de agora inicia-se uma nova fase do jogo político. Fernando Haddad terá de gastar sola de sapato, como se diz. E se apresentar como o candidato do ex-presidente. Não receberá 100% dos votos que poderiam ser destinados a Lula. Se conseguir um porcentual entre 60% e 70%, poderá se dar por satisfeito. Mas não deve se esquecer de que há outros candidatos de olho na vaga para o segundo turno. Sem Lula, Haddad é apenas mais um, embora competitivo.

Eles querem lhe enganar!

Em plena reta final da campanha, com a indecisão dos eleitores granjeando o tabuleiro político, não existem ainda propostas consistentes e factíveis para um futuro governo. Você, caro leitor, sabe realmente o que cada um dos candidatos à Presidência vai fazer se porventura vier a sentar na cadeira de comando do Planalto a partir de janeiro próximo? Provavelmente não. E não sabe porque eles não disseram efetivamente ou desviaram a sua atenção com promessas vagas e inexequíveis. Sim, é razoável supor que muitos deles querem lhe enganar e acenar com o paraíso para conquistar o seu voto e nada mais. Esse filme já foi visto. Na eleição passada, Dilma Rousseff e a tropa petista venderam um festival de ilusões: luz barata, gasolina com tarifa congelada, inflação sob controle, empregos e renda subindo. Todo mundo depois pagou o preço de aceitar ser ludibriado. Deu no que deu. Por isso, qualquer desatenção agora pode ser fatal. Há no ar um festival de baboseiras para atrair os incautos. Ainda mais com a entrada em vigor do horário eleitoral gratuito na TV e os programas maquiados, repletos de jingles de motivação e mentiras a granel. Convence quem tem mais lábia, tiradas fáceis e saídas mirabolantes. No campo da fantasia, cada um dos postulantes escolhe à revelia as bandeiras marqueteiras como a tresloucada ideia de limpar o nome de 60 milhões de devedores do SPC em um passe de mágica. Não vai acontecer. Você sabe que não. Custaria perto de R$ 100 bilhões e o Orçamento Federal não comporta tamanho desatino. Nem negociando em parcelas, descontando aqui e acolá, somando a benevolência das instituições financeiras envolvidas. Pode esquecer. Fake news tripudiada nas redes sociais com uma montanha de memes.


Presidenciáveis se acham no direito de reduzir o anseio geral do povo a mero instrumento de manobra para alcançar seus próprios objetivos. Depois rasgam os compromissos firmados e jamais adotados. Esses ficam para as calendas. Sejamos realistas: não há, por exemplo, como falar em juros e câmbio controlados (a proposta está lá nas peças programáticas de certos presidenciáveis) sem que isso provoque um desarranjo geral e irresponsável da economia. É uma lorota pensar em tributar lucros e dividendos sem comprometer, seriamente, a capacidade de investimentos e da geração de empregos das empresas.

Uma coisa segue ligada a outra como numa equação direta e transitiva. Se o lucro for comprometido, os projetos de expansão e a abertura de novas vagas seguirão pelo mesmo destino, qual seja: o da penalização inevitável, na ponta do processo, da camada da população de baixa renda. Diz o ditado: “não existe almoço grátis”, como também não ocorrem soluções simplistas e redentoras. Um pouco mais de atenção a essas armadilhas dos postulantes pode evitar dissabores mais adiante. O País já se mostra desiludido, desenganado em demasia, para ser levado por novas gambiarras. O mais valioso mecanismo, a arma certeira, contra o atual estado de anarquia política é o voto, que deve ser usado com critério. De maneira calculada e cirúrgica. Nada de votos de protesto ou em branco, ou nulo. Se você não escolhe, outros o farão por você. E, se escolher mal, sentirá mais à frente as consequências.

Imagem do Dia

Saksun (Ilhas Faroe)

Lula tornou-se candidato ao posto de assombração do próximo presidente

A sociedade brasileira está traumatizada e dividida. A sucessão presidencial seria um remédio para sarar os dois flagelos. Mas é improvável que algo seja remediado. São pequenas, muito pequenas, diminutas as chances de as urnas de 2018 produzirem a superação de traumas e a reunificação do país.

Na origem da turbulência política atual há três encrencas degenerativas:

1) A reeleição de Dilma, seguida de uma ruína —ética e econômica— que inoculou na vitória o veneno do estelionato eleitoral;

2) O impeachment de Dilma, cujas fraturas demoram a calcificar;

3) A ascensão de Temer e seu grupo, tão viciados em verba suja quanto os outros zumbis da dinheirolândia petista.


Há um quê de Lula no DNA da crise. É dele a autoria do mito da gerentona. Foi no governo dele que o PT converteu-se na máquina coletora de fundos que deu em mensalão e petrolão. Foi com o seu beneplácito que Temer tornou-se vice.

Para complicar, a Lava Jato fez de Lula um líder de pesquisas inelegível. E o TSE, ao aplicar o antisséptico da Lei da Ficha Limpa, guindou-o à condição de candidato imbatível ao posto de assombração do próximo presidente da República.

Elegendo-se um poste petista, Lula irá tutelá-lo. Vencendo outro candidato, Lula irá infernizar-lhe a gestão. Em qualquer hipótese, a cizânia nacional sobreviverá à abertura das urnas.

Fachin emitiu o voto mais ignóbil e subserviente da história da Justiça Eleitoral

Sonhar não é proibido. Durante meses e meses, a Tribuna da Internet divulgou a informação de que o julgamento do registro da candidatura de Lula da Silva seria decidido logo de cara, assim que o Tribunal Superior Eleitoral recebesse a defesa dos advogados do PT. Foi exatamente o que aconteceu, porque a defesa foi enviada no final da noite de quinta-feira e no dia seguinte a questão já entrava em julgamento. Agiu corretamente o TSE, não havia motivo para postergar a decisão, por se tratar de assunto público e notório.

Além disso, havia a preocupação com a possibilidade de reação popular, caso a tramitação do processo de impugnação fosse demorada demais e o nome de Lula acabasse figurando entre os candidatos a presidente, na urna eletrônica.

O certo é que a transmissão direta pela TV transforma os julgamentos em verdadeiras chatices. Os advogados, procuradores e ministros fazem questão de exibir cultura jurídica e geral, os votos se prolongam demais, é duro de aguentar.

A defesa de Lula se baseou na tal “decisão liminar” de apenas dois integrantes do Comitê de Direitos Humanos da ONU, que indevidamente tentaram interferir em questões internas do Brasil, sob alegação de que Lula da Silva seria um preso político que estaria sofrendo perseguição institucional, tendo sido condenado sem direito a defesa ampla.

Além disso, Lula estaria com seus direitos políticos preservados e o Estado brasileiro impedindo que se candidatasse.

Os plantonistas do Comitê da ONU embarcaram nessa história furada que lhes foi transmitida pelos advogados do PT. E ao contrário do que dizia Orson Welles, é tudo mentira. Lula não é preso político, em momento algum teve cerceada sua defesa, e seus direitos políticos estão suspensos por oito anos devido à Lei da Ficha Limpa.

O mais grave e surpreendente foi o voto de Édson Fachin, o único a defender que o Brasil obedecesse à “ordem” dos plantonistas do Comitê. Ou seja, na prática, o ministro queria que importantíssimas decisões da Justiça brasileira, tomadas com base nas leis em vigor, fossem revogadas. Pretendia também que a “ordem” dos plantonistas do Comitê se sobrepujasse à Lei da Ficha Limpa e que Lula não somente se tornasse elegível, como também tivesse licença para fazer campanha e participar de debates, como se não estivesse cumprindo pena de 12 anos e um mês de prisão.

O pior de tudo é que Fachin sabia exatamente a indignidade que estava praticando, porque nem chegou a analisar e proferir voto sobre os outros quesitos do julgamento, relacionados à inelegibilidade de Lula, à candidatura “sub judice” e à realização de campanha eleitoral. Simplesmente omitiu esses quesitos, limitando-se à defender a tese de que o Brasil deveria se curvar à “medida cautelar” dos plantonistas da ONU.

Foi o voto mais abjeto, ignóbil e subserviente da história da Justiça Eleitoral, pior do que o voto de Gilmar Dantas, digo, Gilmar Mendes, ao absolver Dilma Rousseff e Michel Temer dos crimes eleitorais que efetivamente ficou provado que cometeram.

A crise mais grave da República

O Brasil vive a mais grave crise política desde 1889. A desesperança é geral. A dinâmica sociedade civil está começando a entender que a estrutura estatal — dos três Poderes, registre-se — é impermeável às mudanças exigidas para, finalmente, termos uma república digna desse nome. Ao longo de mais de um século o País já passou por momentos de muita tensão, como em 1930 e 1964. Porém, agora, a situação conjuntural é muito mais complexa. Nos dois momentos citados havia diversos caminhos que poderiam ser percorridos, dependendo, claro, de quem fosse o vencedor do embate político. A questão que fica, nesse momento, é que não há no horizonte nenhum rumo delimitado. Isso porque o sistema é absolutamente petrificado, impedindo qualquer possibilidade de mudança. Assim, como a transformação é impossibilitada de nascer — devido a solidez da estrutura estatal —, resta a permanência ou uma ruptura que, até o momento, não se avizinha. Nesse jogo pérfido quem perde é o País. Mas todos perdem? Não, alguns ganham, os que se locupletam com a coisa pública, os inimigos da República. Mas quem são? A elite dirigente — e elite no sentido mais amplo do conceito.


Enquanto não for resolvida a crise política, o Brasil permanecerá estagnado. Viverá, no máximo, de pequenos surtos de crescimento para depois retornar à recessão. É a política que determina a economia — e não o inverso. Sendo assim, é uma ilusão imaginar que a conjuntura mais tensa que vivemos no último século será enfrentada — e solucionada — pelas urnas a 7 de outubro. Falácia, pura falácia. Nada indica que o Congresso Nacional deve melhorar a forma de representação popular. Pelo contrário, a tendência é de que os velhos caciques estarão de volta ao Senado e à Câmara dos Deputados acompanhados da quadrilha oligárquica de seus estados. Ou seja, poderemos sentir saudade do atual Parlamento, por mais incrível que pareça.No campo do Executivo federal, independentemente de quem for eleito, a dissociação com o sentimento popular deve permanecer. O momento é preocupante mas os candidatos continuam desenvolvendo campanhas como se vivêssemos uma simples crise, algo que poderia ser resolvido sem grandes transtornos. Chegamos ao ponto de um presidiário se lançar candidato à Presidência da República e isso ser visto por operadores do Direito — regiamente pagos — como algo absolutamente natural.