sábado, 24 de agosto de 2019

Brasil tá fora do planeta

Essa história de Amazônia pertencer à humanidade é bobagem
Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente

Às armas, cidadãos!

Sempre que o caldo entorna para o lado do capitão Jair Bolsonaro, em seu socorro costuma sair o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, assessor especial do Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República onde dá expediente.

Foi assim, ontem, outra vez – desta, porque a Amazônia arde em chamas e a comunidade internacional culpa o governo brasileiro por cuidar mal dela, ou por simplesmente não ligar. O general mirou na França para atingir demais países europeus.

Emmanuel Macron, presidente francês, convocou uma reunião de emergência para este fim de semana do G7, grupo formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido. Em pauta, as queimadas e a destruição da Amazônia.

Voz militar mais influente dentro do governo Bolsonaro e também nas Forças Armadas, Villas Boas, um general sem comando, disparou no Twitter uma série de mensagens belicosas e preocupantes. A primeira foi a mais alarmante, escandalosa e bizarra:

“Com uma clareza dificilmente vista, estamos assistindo a mais um país europeu, dessa vez a França, por intermédio do seu presidente Macron, realizar ataques diretos à soberania brasileira, que inclui, objetivamente, ameaças de emprego do poder militar.”


Atribui-se ao general Charles De Gaulle, presidente da França depois da 2ª Guerra Mundial, um comentário sobre o Brasil que se tornaria famoso: “Não é um país sério”. Por linhas tortas, Villas Boas deu razão ao que De Gaulle jamais disse, embora possa ter pensado.

Macron não atacou a soberania brasileira. Quando nada porque a Amazônia não é coisa exclusivamente nossa. Ela se estende por mais oito países (Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guianas 1 e 2, e Suriname). Uma das Guianas é território francês.

A fala de Macron não incluiu nem objetivamente nem vagamente a ameaça “de emprego do poder militar”. Delírio de Villas Boas, fantasma cultivado pelos militares nativos sempre que a Amazônia está em discussão, maneira tosca de incitar os chamados valores nacionais.

Em outra mensagem do general também postada no Twitter só faltou o brado para que se pegue em armas: “A questão ultrapassa os limites do aceitável na dinâmica das relações internacionais. É hora do Brasil e dos brasileiros se posicionarem firmemente diante dessas ameaças, pois é o nosso futuro, como nação, que está em jogo.”

Ao celebrar em 1º de junho passado o Dia do Guerreiro da Selva, Villas Boas já havia expressado o sentimento dos seus ex-colegas de farda a respeito da Amazônia: “Que o mundo saiba que a Amazônia não tem preço e que cabe exclusivamente aos brasileiros definir os parâmetros pelos quais ela será protegida e desenvolvida pois é a floresta original mais preservada do mundo”.

Como signatário de tratados internacionais, o Brasil está obrigado a respeitar parâmetros pelos quais deverá proteger o meio ambiente. Quando não respeita, desperta a gritaria internacional. Foi assim em governos passados, os de Lula e de Dilma entre eles.

Está sendo assim com o de Bolsonaro, um governo que tem dado provas fartas de que não está nem aí para o que possa degradar o meio ambiente. Nunca o desmatamento da Amazônia foi tão devastador e cresceu tão velozmente como na era do capitão perverso.

Na ausência de um conflito armado desde fins do século XIX, bem que o Exército do general Vilas Boas poderia declarar guerra ao desmatamento ilegal e criminoso da Amazônia e de outras áreas do território nacional. Seria uma boa ocupação para suas tropas.

Paisagem brasileira

Edgar Walter Simmons

Panelaço deu a Bolsonaro aparência de 'Dilmo'

Sob os efeitos de uma crise ambiental que ele mesmo criou, Jair Bolsonaro exibiu seu cenho crispado numa rede nacional de tevê. Expôs uma fluorescente consciência ambiental. Tratou a floresta amazônica com insuspeitado apreço. Reprovou o desmatamento. Expôs um plano anti-queimadas. Tudo isso e mais um pedido de "serenidade". Ou seja, Bolsonaro estava completamente fora de si. Eis senão quando, de repente, ouviu-se o som das panelas. Antecedido por um ronco das ruas, o panelaço ateou na plateia uma sensação de déjà vu. O capitão ganhou uma incômoda aparência de "Dilmo".

Bolsonaro soou como anti-Bolsonaro. "A proteção da floresta é nosso dever", declarou a certa altura. "Estamos cientes disso e atuando para combater o desmatamento ilegal e quaisquer outras atividades criminosas que coloquem a nossa Amazônia em risco". Foi como se o presidente expusesse uma agenda secreta, pois desde que assumiu, há oito meses, conduzia o governo noutra direção. Desossou o Ibama, anestesiou a fiscalização ambiental e transformou em letra morta o artigo 111 do decreto 6.514, de 2008, que autoriza a destruição de máquinas e veículos de ladrões de madeira.

Noutro trecho, o capitão disse comandar "um governo de tolerância zero com a criminalidade". O brasileiro ficou autorizado a suspeitar que está sendo governado por um sósia de Bolsonaro. Um sujeito desqualificado, capaz de promover o ministro Sergio Moro da frigideira para o micro-ondas, desligar o Coaf da tomada e expor na frente das crianças sua tara por intervenções na Receita e na Polícia Federal. A intolerância com o crime será idêntica"na área ambiental", declarou Bolsonaro, distanciando-se do sósia, que acomodou Ricardo Salles, um sentenciado por improbidade, na poltrona de ministro do Meio Ambiente.


Para deter as queimadas, Bolsonaro disse ter oferecido "ajuda a todos os estados da Amazônia Legal". Envolve o emprego das Forças Armadas. Na véspera, o sósia chamava os governadores de cúmplices de ONGs piromaníacas. E lavava as mãos: "O Ministério da Justiça pode mandar 40 homens. Dá para entender? Quarenta homens para combater incêndio! Dá para entender? Não tem recurso. Chegou num caos".

O Bolsonaro da tevê referiu-se ao Brasil como "exemplo de sustentabilidade". Enalteceu o Código Florestal brasileiro como um "modelo para o mundo". Há apenas dois meses, o sósia do capitão editara uma medida provisória que conspirava contra um dos pilares do código. Extinguia o prazo para que os donos de terras realizassem o Cadastro Ambiental Rural. Algo muito parecido com uma anistia para desmatadores, pois o cadastramento permitiria a cobrança de multas de proprietários rurais em desacordo com as exigências ambientais do código. As panelas entraram em transe.

O anti-Bolsonaro pediu "serenidade" no trato de matérias ambientais. Endereçou uma indireta para o presidente francês Emmanoel Macron, que ilustrara um tuíte sobre o surto de queimadas na Amazônia com uma foto antiga, clicada por um fotógrafo que morreu em 2003: Loren McIntyre, da National Geographic. O sósia de Bolsonaro deve ter vestido a carapuça.

Além de atribuir crimes às ONGs sem provas, o sujeito que se faz passar pelo capitão no trono do Planalto compartilhara nas redes sociais um vídeo radioativo. Exibe a matança de golfinhos nas ilhas Faroe. O propósito do sósia era o de alfinetar a Noruega, que suspendera repasses financeiros para o Fundo Amazônia. O diabo é que as ilhas Faroe pertencem à Dinamarca, não aos noruegueses.

Em sua versão televisiva, Bolsonaro vendeu-se como um cultor do "diálogo". Nada a ver com o impostor do Planalto, que cria crises do nada. Revelou, de resto, que "outros países se solidarizaram com o Brasil", oferecendo "meios para combater as queimadas" e prontificando-se para atuar como advogado do Brasil na reunião do G7, neste final de semana. Referia-se aos Estados Unidos de Donald Trump. O sósia de Bolsonaro, após dar de ombros para a suspensão de doações milionárias da Alemanha e da Noruega, decerto responderia a Trump que "o Brasil não precisa" de esmolas.

A descoberta de que há no governo um Bolsonaro clandestino, portador de uma agenda ambiental secreta, é uma novidade alvissareira. Agora, para exorcizar o fantasma "Dilmo", silenciar as panelas e devolver as ruas às suas casas, basta eliminar o sósia.

Modo de amar o mundo



O seu trabalho não é a pena que paga por ser homem, mas um modo de amar e de ajudar o mundo a ser melhor
Thiago de Melo

Desatino ambiental

Constrangido e perplexo, o País vem acompanhando as agressões gratuitas do governo a autoridades ambientais da Noruega, da Alemanha e da França, agravadas por declarações sarcásticas e desairosas do presidente sobre a chanceler Angela Merkel.

O acesso de irritação adveio de uma confrontação perfeitamente evitável. Tendo desdenhado a resistência dos governos da Noruega e da Alemanha a mudanças na gestão do Fundo Amazônia, bancado pelos dois países, o ministro do Meio Ambiente forçou uma situação que redundou na suspensão de aportes ao fundo.

Em vez de um recuo conciliador, o que se viu foi uma escalada de radicalização, exacerbada por deprimente interação da insensatez do ministro Ricardo Salles com o primitivismo do presidente. Em audiência na Câmara, em 7/8, o ministro tentou desqualificar a posição da Noruega com o argumento pueril de que, por caçar baleias e explorar petróleo no Ártico, o país também teria um passivo ambiental.

Poucos dias depois, o argumento apareceu na boca de Bolsonaro: “A Noruega não é aquela que mata baleia no Polo Norte? Explora petróleo também lá? Não tem nada a dar exemplo para nós. Pega a grana e ajude a Angela Merkel a reflorestar a Alemanha” (Valor, 16/8).


Quando Ricardo Salles foi nomeado ministro, não faltou quem o visse como indicado pelo agronegócio. Se, de fato, chegou a indicar o ministro, o setor tem boas razões para estar profundamente arrependido. Acumulam-se evidências de grande apreensão no agronegócio brasileiro com a rápida deterioração da sua imagem no exterior. A luz amarela já deu lugar à vermelha. Representantes importantes do setor vêm advertindo que o governo precisa entender que a agenda ambiental é parte crucial do negócio.

Ricardo Salles ainda não tem uma política ambiental a mostrar. Por enquanto, parece meramente obcecado com o desmantelamento, a qualquer custo, do “arcabouço ideológico” do aparato de condução da política ambiental, sem se importar com os efeitos colaterais que sua truculenta guerra santa vem impondo ao País.

O que há de errado com o ministro aflorou com clareza na sua participação no programa GloboNews Painel, de Renata Lo Prete, de 10/8. Quem não o viu deveria tentar ver. Os outros dois convidados eram Ricardo Galvão, ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e Marcelo Brito, presidente da Associação Brasileira de Agronegócio (Abag). Como bem mostrou o início do debate, o programa era uma excelente oportunidade para uma discussão de bom nível sobre a política ambiental.

Mas Ricardo Salles não estava ali para isso. E, afinal, não resistiu. Não teve melhor ideia do que se prestar a interpelar Ricardo Galvão sobre a forma supostamente desrespeitosa com que havia se referido ao presidente Bolsonaro, quando por ele duramente atacado. O que obrigou Galvão a ponderar que, no caso, quem havia sido desrespeitado era ele, e não o presidente. De fato, como amplamente divulgado em 19/7, Bolsonaro havia declarado que os dados do Inpe eram mentirosos e que seu diretor deveria estar a serviço de alguma ONG.

Ao virar a mesa dessa forma, Ricardo Salles pode até ter ganho pontos com Bolsonaro, por tão prestimosa subserviência. Mas mostrou a mão. Deixou claro que seu problema básico é uma incontrolável e belicosa propensão a radicalizar e conflagrar, que o leva a atuar como caixa de ressonância do discurso destrambelhado de Bolsonaro sobre a questão ambiental.

Mundo afora, os lobbies do protecionismo agrícola nos países importadores de commodities agropecuárias brasileiras festejam a cada dia os desatinos da área ambiental do governo. A imprensa alemã já clama por sanções às exportações do Brasil.

Sobram razões para que o agronegócio esteja alarmado. Há muito em jogo. É preciso pôr fim à insensatez, conter os danos e, tão logo quanto possível, tentar restaurar a imagem do País no exterior. A dúvida é se o agronegócio acredita que a penosa restauração que se faz necessária poderá ser feita com Ricardo Salles à frente do ministério do Meio Ambiente.

E se crianças cobrissem Bolsonaro com desenhos em defesa da Amazônia?

No dia 5 de setembro será comemorado o Dia Nacional da Amazônia. A data remonta a 1850, quando o imperador Dom Pedro II decretou a criação da província do Amazonas, hoje um Estado e dos mais emblemáticos do país. Neste ano, o aniversário se reveste de luto diante de uma série de circunstâncias que tornaram a sobrevivência desse santuário nacional, orgulho do mundo, um dia de tragédia.

O Brasil está de luto pela destruição da Amazônia que cresce a cada dia graças a “uma mistura de ignorância com interesses truculentos”, como acaba de denunciar neste jornal a ambientalista brasileira de fama internacional Marina Silva, que chegou a qualificar de “novo Holocausto”, de “tragédia das tragédias” a destruição que sofre a maior reserva ecológica do planeta.

E a ecologista, nascida na floresta amazônica, não ficou na retórica. Denunciou que o Governo Bolsonaro “está inaugurando um tempo de delinquência livre, em que se pode agredir a natureza e as comunidades sem receio de punição”. Denúncias que começam a chover sobre um Governo e um presidente que não apenas autoriza a destruição da Amazônia como também zomba grosseiramente da questão ambiental, como quando disse a um jornalista que a melhor maneira de defender a natureza é “comer pouco e defecar apenas a cada dois dias”.


Denúncias que já ressoam na imprensa mundial. A última acaba de ser feita pelo semanário L’Espresso, da Itália, que acusa o presidente Bolsonaro de “desmontar direitos, devastar o meio ambiente e perseguir os indígenas”. O presidente da França, Macron, quer chamar atenção para a questão e a ONU está disposta a intervir.

O gemido da floresta amazônica que se vê não só queimada, mas ridicularizada e desprezada pelo poder e que não é uma riqueza apenas do Brasil, mas pertence ao mundo, foi a causa da simpatia que está despertando internacionalmente a foto do desconhecido sargento do Corpo de Bombeiros Pedro Rivas Alves, dando de beber a um tatu perdido e sedento no meio da floresta ainda fumegante do último incêndio no estado do Mato Grosso. Um gesto que está sendo interpretado como uma metáfora da dor que está causando no mundo a destruição dolosa de uma floresta que mantém 20% da água potável do planeta e a maior diversidade de fauna e flora com 5,5 milhões de quilômetros quadrados e sete milhões de quilômetros de rios.

A imagem desse bombeiro agachado, que oferece água de seu cantil ao tatu perdido nos escombros do fogo, está emocionando crianças de várias partes do mundo que pedem para escrever-lhe e agradecer-lhe pelo gesto. São sempre as crianças que melhor sentem em seu pequeno coração a força de uma metáfora quando desperta nelas sentimentos de compaixão. A compaixão é vista não apenas como a dor do outro, mas como uma transferência com a qual nos identificamos com a dor alheia como se fosse nossa. As crianças estão fazendo delas a sede daquele pequeno tatu perdido e sedento no meio daquela floresta que era dele e hoje é em parte um cemitério que, na expressão do biólogo Izar Aximoff, “cheira a carne queimada de animais e oferece um silêncio da morte”.

A sensibilidade das crianças diante da dor e o amor no qual não distinguem entre pessoas e animais me fez pensar que nada seria melhor para comemorar o 5 de setembro, dia nacional da Amazônia, do que criar nas famílias e nas escolas um movimento infantil e juvenil de solidariedade com a floresta ameaçada. Em vez de sair para protestar na rua, as crianças poderiam escrever uma carta em defesa da Amazônia acompanhada de um desenho e enviá-la ao presidente Bolsonaro, que seria coberto por esses milhões de mensagens inocentes que lhe pedem que pare com essa tragédia natural.

Ninguém melhor do que os professores, que pelo que eu saiba são, em sua grande maioria, sensíveis à defesa do meio ambiente, para incutir nas crianças o amor pelas maravilhas da natureza e infundir-lhes o senso de responsabilidade que pesa sobre eles. Esses professores que são tantas vezes heróis silenciosos poderiam inspirar e recolher esses milhões de cartas, escritas pelas crianças no papel para que nelas permanecessem as marcas de suas mãos inocentes. Cartas e desenhos tão numerosos que seriam capazes de incutir medo e fazer refletir a consciência que hoje parece endurecida com o drama da Amazônia, do novo presidente brasileiro.

As crianças deste país devem estar conscientes de que se a Amazônia pertence a todos ela o é de um modo especial delas, que a herdarão e que, a partir de agora, devem sentir o dever de preservá-la para que amanhã possam desfrutar dela com seus filhos. São as crianças, inclusive mais do que os adultos, que têm mais direito de denunciar os abusos que estão sendo cometidos com a Amazônia que lhes ajuda a crescer e respirar.

Seria triste e vergonhoso ver, como em parte já está acontecendo, as crianças e adultos estrangeiros mais motivados com o crime que está sendo cometido com a Amazônia do que as crianças e adultos deste país. Sei que meu desejo de que Bolsonaro seja coberto por milhões de cartas das crianças brasileiras às quais poderiam se juntar as de outros países é apenas um sonho.

Juro, no entanto, que seria a notícia que eu mais gostaria de dar e comentar nos 20 anos que escrevo, com amor e dor, do Brasil e de suas incríveis riquezas naturais e espirituais. Riquezas que sempre foram invejadas por muitos outros povos do planeta e que hoje estão ameaçadas por um poder autoritário, insensível e violento que, mais do que na força do que cria vida, prefere acreditar nas armas que só sabem matar.
Juan Arias

Pensamento do Dia


Indignação e alarde não bastam para salvar a Amazônia

A Amazônia é o pulmão do planeta, produzindo um quinto do oxigênio global. Esse pulmão está pegando fogo em dimensões que há anos não se via. E o presidente do Brasil se encontra no foco da crítica internacional. Ele vem encorajando os cidadãos a se armarem e iniciarem queimadas com sua retórica agressiva e sua tática de atiçar teorias de conspiração, demitir cientistas conceituados cujas publicações não lhe convêm, e bloquear qualquer interferência em assuntos nacionais.

Sem dúvida, a crítica é justificada. Mas a retórica de Jair Bolsonaro é mesmo tão surpreendente? O que se podia esperar de um populista de direita como ele? Quanto mais exaltado o clima, quanto mais indignação, menos disposto ao diálogo estará esse governo. Isso não pode ser no interesse da comunidade internacional. O que ela pretende fazer, além de se indignar e partilhar tuites com a hashtag #PrayForTheAmazon?



No momento há grandes incêndios em diversos locais, mas há muito tempo a destruição da Amazônia avança implacavelmente, às vezes mais lenta, às vezes mais veloz, mas constante. E não se trata apenas de conquista de terras para a criação de gado e cultivo de soja.

Há anos aumenta novamente o número de garimpos ilegais; recentemente construíram-se gigantescas barragens justamente na região amazônica do Brasil. Até o ano 2023, serão mais de 20, projetos aprovados ainda durante o governo de esquerda de Luiz Inácio Lula da Silva, represas hidrelétricas de eficiência energética questionável, resultando em impactos maciços sobre o ecossistema.

Para sua construção, faixas de terra inteiras foram submersas, e os reservatórios se transformam em verdadeiras usinas de metano, devido à decomposição da abundante biomassa no clima tropical. E o metano é sabidamente muito mais nocivo ao clima do que o dióxido de carbono.

Em 2012, em Porto Velho, capital do estado de Rondônia e um núcleo do lobby ruralista brasileiro, eu pude presenciar os primeiros efeitos da recém-inaugurada barragem do rio Madeira. Carregando consigo muitos sedimentos dos Andes, o Madeira é um dos cursos d'água da Amazônia mais ricos em matéria orgânica.

Quando o rio foi represado, de início toda a cidade ficou inundada – e esse ainda era o menor dos males. Por estes dias, estava impossível aviões aterrissarem em Porto Velho, pois os pilotos não conseguiam ver nada, de tanta fumaça.

Há muito a destruição da Amazônia avança implacavelmente. Sanções não terão efeito, pelo contrário: congelar ou mesmo cortar verbas de projetos de proteção do clima ou da floresta – como anunciaram recentemente a Alemanha e a Noruega – é fazer o jogo do governo Bolsonaro e no interesse da indústria agropecuária. E enfraquece os numerosos cidadãos e projetos engajados com a defesa florestal: de seu governo, eles nada mais têm a esperar, já em 2018 recuaram fortemente as verbas públicas para proteção climática e ambiental.

A comunidade internacional tem que investir muito mais, se é para a Amazônia ser salva, no longo prazo: dinheiro para um fundo global, o pagamento de indenizações, e o comprometimento global de colocar de lado os interesses econômicos na região. O quadro adequado para tal seria a conferência da ONU de setembro, em Nova York, na qual a proteção do clima está no topo da agenda. Lá o mundo poderá mostrar se também sabe agir – ou se só sabe se indignar.

Conselho a milhões

Agora não é o momento de pensar naquilo que você não tem. Pense antes no que pode fazer com aquilo que tem
Ernest Hemingway

Eles venceram

Essa lei do Abuso de Autoridade é a revanche das elites. Para diminuir (ou evitar) os riscos de muita gente boa ir morar numa penitenciária. Reproduzindo o que aconteceu na Itália, com a Mani Pulite (Mãos Limpas). Lá, tudo começou no Caso Tangentopoli (algo como Cidade do Suborno). E findou com 3.292 presos – de ilustres parlamentares a ricos empresários. Já por aqui, com uma propina mixuruca nos Correios. E foram, até agora, só 211 presos. Sem sequer um deputado ou senador, é pena. Culpa do foro privilegiado. Não por acaso um dos autores desse projeto, senador Renan Calheiros, responde a 18 inquéritos no Supremo. E se comporta como se nada tivesse acontecido. Como era grande, o risco, seria mesmo natural a reação dos poderosos. Na Itália, como no Brasil, vale tudo. E muito bem orquestrado.


O pacote “anti-crime”, de Moro, dificilmente será aprovado. Em 15/07, o min. Toffoli proibiu o uso de dados do COAF para investigações de policiais. Em 14/08, nessa trilha, o min. Gilmar concedeu benefícios a membros do esquema de Sérgio Cabral, no Rio. Fosse pouco e, agora, temos dois tipos de brasileiros. Os fiscalizáveis por COAF e Receita Federal. Que somos nós. E os não. Do Supremo e do TCU A partir de decisões deles próprios. Protegendo seus Ministros, mulheres e agregados. Um escárnio.

Com essa lei de agora, fecha-se o cerco contra a LavaJato. Cristiano Zanin, advogado de Lula, já disse (JC desta quarta) que vai usar as gravações do IntercePT para pedir a absolvição do seu cliente. E o Supremo, anunciam os jornais, prepara a pá de cal na sessão marcada para próximo dia 27. Pelas mãos do min. Alexandre de Moraes. Com a criminalização apoética dos procuradores. E, por fim, Lula Livre.

“Mas há sempre uma candeia/ Dentro da própria desgraça”, palavras de Manuel Alegre (na sua Trova do Vento que Passa). E a luz que vem dessa candeia não é amigável, para os planos de alguns ministros do Supremo. Por conta de duas regrinhas da nova lei. O Art. 25, que considera crime “proceder à obtenção de prova por meio manifestamente ilícito”. E o art. 41, segundo o qual é “crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática sem autorização judicial”. Como as gravações da IntercePT. Considerando essas regras, cabe perguntar, como vai se pronunciar o Supremo? Se a lei afirma que é crime, dirá que não é? Terá coragem de ir tão longe? Vai ser complicado.

O Congresso aprovou a lei, basicamente, para proteger seus membros. E tantos mais, próximos, que sujaram as mãos. Ocorre que calcularam mal. E a própria lei finda por atrapalhar os planos de melar o jogo. Ao menos dia 27. Uma ironia. Talvez porque, assim dizia Fernando Pessoa (no "Desassossego"), “a ironia é o primeiro indício de que a consciência se tornou consciente”. Em princípio perdemos nós, que desejamos um país mais limpo. E eles venceram, Mas...
José Paulo Cavalcanti Filho

Moro não se demite e deixará Bolsonaro arcar com as consequências

Em Brasília é voz corrente que o ministro da Justiça, Sergio Moro, deve aguentar em silêncio as constantes derrotas e as muito constrangedoras desautorizações públicas que, ultimamente, lhe vem sido impostas pelo presidente da República. E, por sua vez, Bolsonaro terá que assumir o talvez irreparável desgaste de demitir seu auxiliar mais importante, se realmente colocar Moro fora do governo e não poderá deixar de explicar os verdadeiros motivos da demissão.

O contencioso entre o presidente e seu ministro se resume a esses dois pontos: mudanças no Coaf e Interferências na Polícia Federal.


O ministro queria manter o Coaf na Justiça, mas, com o aval do presidente, foi derrotado na Câmara dos Deputados, que determinou a reintegração do conselho ao Ministério da Economia. Agora, tentou manter no comando do Coaf e o competentíssimo e inatacável auditor Roberto Leonel, chefe do Coaf, que fora indicado por ele, mas perdeu o cargo após pressões de Bolsonaro.

As interferências na Polícia Federal também incomodam o ministro da Justiça, Nesta quinta-feira, dia 22, mesmo após Bolsonaro falar sobre a possibilidade de trocar o delegado Maurício Valeixo, diretor-geral da Polícia Federal, Moro não mudou sua agenda. Compareceu a duas solenidade, participou de reuniões com seus auxiliares e teve encontros com parlamentares. Sempre mantendo a discrição, que lhe é peculiar, ele nada deixou transparecer.

Quanto ao pacote anticrime, o mais importante projeto do ministro, foi totalmente deformado na Câmara dos Deputados e não recebeu o apoio que seria esperado de Bolsonaro. O presidente, em seu habitual simplório linguajar, esta semana chegou a sugerir que Sergio Moro desse uma “segurada” no importante projeto, para não causar “turbulência” às reformas que ora tramitam no Congresso Nacional.

Recorde-se que em seu primeiro mês como presidente, Jair Bolsonaro editou um decreto para flexibilizar a posse e o porte de armas sem ouvir os técnicos do Ministério da Justiça. tendo Moro demonstrado um compreensivo constrangimento, afirmando que a medida não se enquadrava como política de Segurança Pública.

Quando o ministro fez a indicação de Ilona Szabó, renomada cientista política, como suplente para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, a militância bolsonarista nas redes sociais reagiu, e Moro viu-se compelido a recuar e desfez o convite após ter recebido um telefonema do presidente.

Nesta quinta-feira, após as declarações do presidente a respeito da possível remoção do delegado Maurício Valeixo, diretor-geral da Polícia Federal, o ministro não passou recibo. Deixou a reação a cargo da própria Polícia Federal e cumpriu sua agenda normalmente. Sabe-se que ele não pedirá demissão. Deixará que Bolsonaro o demita, caso o presidente se atreva a tanto.