quarta-feira, 30 de junho de 2021

Pensamento do Dia

 


Um país de repetições?

Numa vida longa, recordações se misturam a fantasias, miragens e pesadelos. Acabam-se os projetos... Talvez nisso resida a irritante ambiguidade dos idosos, pois envelhecer é descobrir que abotoar uma camisa é mais complicado do que explicar uma época, um livro ou um regime político.

O pouco conscientizado preconceito cósmico contra os velhos tem raiz na consciência da fragilidade física, combinada a uma enorme e orgulhosa resignação diante do fim da vida – uma dimensão que inexoravelmente todos os idosos são forçados a vivenciar.

Como um filme meio terminado, a vida longa desbota pessoas e circunstâncias, mas permite enxergar, com nitidez de lupa, repetições, reprises, retornos – os ossos dos mortos. O verdadeiro caráter de culturas, sociedades e pessoas. Nela, se enxergam melhor o falso, a ignorância e a hipocrisia – esses companheiros do ser e estar humanos.

Como é que fui gostar daquele poeta afogado no seu sentimentalismo barato? Como é que eu fui simpático àquela ideologia política ultrarreducionista? Onde eu estava com a cabeça quando fui enganado e, pior que isso, enganei a mim mesmo escondendo minhas intenções, desejos e invejas? Como eu não saquei que a mentira não tem desculpa e que não se deve mentir para ninguém e, sobretudo, para “desconhecidos” – aqueles para os quais o mentir vira um enganar malandro?


A culpa é minha ou, como tantos outros, sou apenas mais uma vítima de um enredamento sociopolítico da pior qualidade?

Os velhos são condenados à repetição.

Eu vivi os cinquenta anos em cinco de JK, o suicídio de Vargas, a renúncia de Jânio, a resistência dos coronéis a Jango, o parlamentarismo de ocasião, o golpe e a ditadura militar e uma alvissareira abertura democrática. Achei que o governo petista (que, como dizia Lula, não podia errar) ia efetivamente mudar, como indubitavelmente fez o de FHC com o Plano Real (gerador da tal herança maldita...).

Meus enredos retornam, meus temores são antigos. Minha esperança de ver o mundo público brasileiro livre de formalismos legais obviamente contraditórios e cheios de múltiplas hipocrisias, hoje expostas digitalmente, é diariamente arrasada.

Será que é o meu isolamento niteroiense que me faz ver fantasmas na “política”? Esta pobre idealização nacional do poder exclusivamente como vantagem pessoal e força; como capacidade de desordenar, fingir e corromper? Será o “mandonismo”, traço que (como dizia a socióloga Maria Isaura Pereira de Queiroz, uma pensadora do Brasil onde não cabem mulheres) estaria hoje mais agudo do que nunca, confirmando a nossa repetitiva vocação aristocrática e monárquica que sempre volta?

Estou farto de ver os mesmos filmes. Liberais abrem portas para protoestalinistas, xerifes viram bandidos e pilantras viram heróis. No resfolego do poder à brasileira, todos inovam, repetindo velhos chavões.

Thomas Mann dizia que a repetição abole a história. Repetir é abolir a diferença entre o ser e o ter sido. As repetições estão impressas nas compulsões e dependências. Elas reiteram e revelam velhos e mesquinhos modos de ser, ter e estar.

No Brasil, a racionalidade burocrática transforma-se em papeladas ritualísticas. Max Weber falava da burocracia como uma jaula de ferro, na qual todos estavam enclausurados, mas no Brasil, ela é uma gaiola de ouro da qual escapam, por meio de malabarismos jurídicos, criminosos agasalhados pela “política”. A nossa resistência à universalidade e ao anonimato da lei é imoral.

A reação criminosa do governo à pandemia é um exemplo perverso do peso das nossas hierarquias. Nela, “superpessoas”, conforme digo no meu velho ensaio sobre o “você sabe com quem está falando?”, repetem os privilégios de família e compadrio. O mandonismo nega a vacina universal em favor da simpatia interesseira ou ocasional. Morre meio milhão por vezo da danação do supremo mandatário do País.

Ser fiel a valores democráticos é um sinal de inferioridade – de “babaquice” –, conforme ouço até hoje. O resultado do privilégio de estar “por cima das normas”; de correspondê-las às suas conveniências é a marca do autoritarismo nas sociedades de republicanismo formal. Repúblicas que se recusam a discutir honestamente o protagonismo dos resíduos de fidalguia e da escravidão em confronto com a imensa tarefa imposta pelo igualitarismo.

Não deve espantar que estes sistemas se caracterizem pela repetição! Pela intrusão de ‘aristocratismos’ nos seus ‘republicanismos’ e viceversa. O resultado é o populismo malandro e os absolutismos cujos governos têm uma linguagem para os seus seguidores (“Deus acima de tudo, a pátria acima de todos” e, é claro, “eu controlando tudo!”) e outra para o público externo. Aí está o centro do despotismo repetitivo de repúblicas mal-acabadas, conforme ensina Raymundo Faoro.

P.S.: Volto, se os planos não forem modificados, na primeira quarta-feira de agosto. Mais velho, mais grato, mais curtido e mais incerto.

O Brasil tá lascado

CPF cancelado. À parte a crueldade nela contida, a expressão é deboche impar. Coisa de cafajeste, linguagem de miliciano, despudoramente usada e repetida pelo presidente da república – assim mesmo com letras minúsculas. Maior função pública do país está apequenada desde que a faixa de PR foi vestida por um sujeito capaz de imitar, rindo, em público, a falta de ar dos acometidos de Covid.

Capaz de misturar, como piada, as mortes da pandemia com o fim de um assassino psicopata.

“Ele não morreu de covid, não?” Ironizou o PR sobre o bandido Lázaro Barbosa, cuja morte, antes, havia anunciado como “CPF cancelado”. Mixando um e outros, de novo, desprezou, desqualificou, desrespeitou mortes e mortos do covid.

O Brasil tá moralmente lascado.

Não merecemos nem uma palavra de lamento do PR em questão no dia em que o país registrou 500 mil mortos da pandemia. No sentir dele, apenas meio milhão de CPFs cancelados. Nenhum respeito pelos que se foram, pelos que ficaram órfãos, viúvos, pelos desolados.

Não importa se as duas palavrinhas foram usadas, ontem, para “celebrar” a morte de Lázaro, que feria, estuprava e matava sem dó e há 20 dias assombrava o entorno do DF, dando olé nas polícias que tentavam capturá-lo. Um Presidente não se manifesta com zombarias.

Nenhuma surpresa com a exibição do bandido morto, dito vivo, levado a hospital. Qualquer brasileiro conhece o modus operandi das polícias brasileiras São violentas. Com raras exceções. Se podem matar com um ou dois tiros, usam 100. Matar é mais fácil que prender. Reagindo ou não, Lazaro seria CPF cancelado com muitos tiros – 125 disparados, 38 “pegaram”, dizem as mídias.

Minha fraqueza desumana não lamenta a morte de Lázaro. Não consigo me condoer com destino de estupradores. Que as forças divinas me perdoem.

Mas a comemoração da morte provocou mal estar. Chocante. Mesmo em tempos de choques diários e assimilados como se nada demais fossem.

Lamento muito nosso destino de ter de passar pelos Bolsonaros no comando do país. Com toda a violência e maldade que estimulam, as cafajestices que praticam. A ameaça que representam.

Não foi com meu voto. Nem com o de outros milhares de brasileiros.

Infelizmente, votando ou não, somos todos vitimas da tragédia da eleição que, pretendendo, supondo ou querendo livrar-se dos políticos, pinçou entre eles o mais desqualificado possível. E trouxe à tona esse Brasil horroroso.

Retrocedemos. Em dois anos e meio, parece, voltamos 500 anos.

Corrupção serial killer


Corrupção que implique desvio de recursos públicos mata. Corrupção que implique desvio de recursos públicos da área da saúde mata muito mais
Ricardo Noblat

Bolsonaro é um agente letal que agrava a pandemia

Mais de meio milhão de pessoas morreram em decorrência da covid-19. O vírus está aí, fazendo o papel dele que é infectar. Enquanto isso a pessoa que foi eleita, não por mim, mas pela maioria dos votos válidos, nada faz para cessar esta catástrofe. Aliás, ele com sua agenda e postura negacionistas ajuda, e muito, na disseminação do vírus. Nesse contexto o presidente da República, Jair Bolsonaro, se torna um agente letal. Presidente? Ao pronunciar esta palavra me vem um sentimento de indignação e de revoltas profundos. Como alguém tão desqualificado para a função e tão desprovido de valores ligados à humanidade, pode chegar lá?


Bolsonaro tem uma relação íntima com a morte. Enquanto foi deputado federal nada propôs em prol da vida, da saúde pública e do bem estar da população. Ficou famoso – sim, grosseria pode trazer fama – pelo que não fez de útil, e pelo que fez de absurdo. Ele é lembrado pelas frases infames, pela canalhice com a deputada federal Maria do Rosário, pela apologia à tortura ao exaltar a figura de Brilhante Ustra, quando da votação do impeachment da Dilma Rousseff.

Bolsonaro fala e age como se fosse um zeloso pai dos policiais, e olhem que tem muito policial idiota que acredita nisso. Mas, ele também não está nem aí para estes profissionais. Quer mais que eles se danem, usa os corpos e as mentes dos incautos, como escadas na sua caminhada populista. Instiga os policiais para matarem, serem violentos e arbitrários. Não é por acaso que ele despreza o avanço das mortes por covid-19 e é o primeiro a tuitar “CPF Cancelado” nesta segunda, enaltecendo o extermínio do criminoso Lázaro Barbosa. Tudo isso como se fosse sinônimo de autoridade.

Bolsonaro abraça a morte ao apregoar que policiais saiam matando e sejam considerados heróis por isso. Quanto aos policiais que adoecem psiquicamente e aqueles que chegam ao suicídio? Quanto aos familiares dos policiais que sofrem? Bom, para Bolsonaro, são problemas deles. Coisa de maricas. Danem-se. E daí?

Bolsonaro tem um torturador como herói e exemplo de conduta. Ele fez inúmeras menções nesse sentido ao Major Ustra, ser das trevas. Exemplo do que é mais anti-humano e degradante. Bolsonaro se identifica com esse tipo de pessoa. Há uma afinidade de valores – torturar, degradar, humilhar, destruir. São verbos que ele conjuga, assim como Ustra, com maestria. A morte simbólica daqueles que foram e são submetidos a condição desumana, daqueles que foram e são reduzidos à condição de nada, de objeto descartável e a morte, proveniente da eliminação física, abraça Bolsonaro para chamar de parça, de amigo de fé e meu irmão camarada.

Para quem acredita que a morte é o fim de tudo, que ela representa a falência do organismo, Bolsonaro também demonstra que “está em relacionamento sério com a morte”, apaixonado, cego, ligadão. Esse senhor tem prazer na destruição. Vejam o que fez e faz com o meio ambiente, com as agências regulatórias e com as instituições de Estado. Basta ver o que ele fez com o Exército brasileiro, o que fez e está fazendo com as universidades públicas, o que fez com o Ministério Público Federal, com o COAF, com a Polícia Federal e com a Câmara dos Deputados. Todos assassinados, para servir ao seu propósito destrutivo, ele tem atração pela morte e pela destruição. “Morte, I love you!”, diz Bolsonaro, sonha Bolsonaro. Certa feita, ele disse para o Trump: “I love you!”. Realmente, Bolsonaro tem atração por todos aqueles que, de alguma forma, simbolizam a destruição e o absurdo.

Algo precisa ser feito para cessar essa aberração. Não dá mais para suportar, nem por um segundo, Bolsonaro na presidência, presidindo um enorme cortejo fúnebre de pessoas e do Brasil, como nação. Esse ser precisa ser sacado do poder. Urgente!

Há meios. Para tanto, o Procurador Geral da República e o presidente da Câmara dos Deputados devem assumir as suas responsabilidades para com a nação. Tanto Augusto Aras, como Arthur Lira são cúmplices nesse morticínio. Tudo para receber verbas, emendas e posição política? Basta, senhores. Nada vale mais do que vidas humanas. Partidos políticos, os mais variados, devem igualmente assumir suas responsabilidades para com a nação. O Congresso Nacional se tornou uma extensão do matadouro instalado na presidência da República. Verbas, emendas e cargos políticos valem mais? Não, senhores.

Senhores procuradores da República, se manifestem contra o seu chefe. Proponham ações e iniciativas para retirá-lo do poder. As associações de classe devem se manifestar publicamente pela saída do sr. Aras. Ele não é dono do Ministério Público. Ele não é procurador ou defensor mor de Bolsonaro. Ele tem que agir a favor da República. E isso, definitivamente, ele não faz.

Não quero que alguém execute Bolsonaro, não estou tramando e nem propondo que ele seja assassinado. Portanto, André Mendonça, Augusto Aras, Ministro da Justiça e demais autoridades afins, não percam seu tempo comigo. Façam isso cumprindo suas missões constitucionais, há mais gente que, de fato, merece ser alvo da atenção de vossas senhorias. Dou uma sugestão: comecem pelo presidente da República. Não sejam omissos, não sejam mesquinhos, não sejam desumanos. Honrem as funções que exercem.
Adilson Paes de Souza, tenente coronel aposentado da Polícia Militar de São Paulo, doutor em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano, e mestre em Direitos Humanos