sábado, 18 de março de 2017
'Farinha do mesmo saco'
A expressão popular lusitana refere-se a iguais que estão juntos como sendo vinho da mesma pipa. No Brasil, falamos em farinha do mesmo saco. Nos últimos dias, temos discutido políticos do mesmo caixa. Ou não?
Claro que sim. E claro que não. Também não são iguais os que os classificam de uma forma ou de outra. Não só pela autoridade de que se revestem ou por eventuais simpatias partidárias. O fato é que diferem uns dos outros. Igualmente são diversos entre si os jornalistas que reportam suas declarações — e não apenas pelos jornais para os quais escrevem ou por causa dos candidatos em que votam.
No entanto, é indispensável que o país neste momento debata essa questão. Dela não vão depender somente as decisões sobre fatos passados. Mas uma análise clara servirá para orientar medidas que ajudem a balizar uma reforma eleitoral que melhore o futuro. E a primeira coisa a fazer é discutir com clareza e transparência, lançando luz sobre o tema, de modo a que possamos entender o que se passa, sem deixar buracos de ratos nos desvãos mais escuros.
A esta altura, já deveríamos estar todos tão escolados que nem se precisaria repetir o óbvio. Mas os esquemas e mecanismos são propositadamente complexos, para embaralhar pistas. Então, insistir em alguns pontos básicos nunca é demais. Situações diferentes podem exigir punições diferentes.
1 — Ser mencionado por ouvir dizer, apontado por um delator, ou investigado não é a mesma coisa. E ser denunciado, acusado ou transformado em réu também é outra.
2 — Até recentemente, doação de empresa era perfeitamente legal até o limite de 2% de seu faturamento. Cada partido ou candidato podia pedir quanto quisesse e dentro desse limite. Desde que tudo fosse declarado, nenhum problema, por mais que se possa especular sobre os interesses de uns e outros na prática.
3 — Qualquer caixa 2 é ilegal, seja de grande empreiteira ou do botequim da esquina. É delito fiscal. Significa que um dinheiro não foi declarado e não pagou imposto. Tem punições previstas em lei, para quem o cometa. Mas em si ainda não é corrupção, embora possa se ramificar em vários crimes. Todos esses precisam ser expostos e castigados na forma da lei. O caixa 2 pavimenta o caminho para eles. Pode ocultar conflito de interesses e tráfico de influência. Pode ser forma de encobrir de um mandachuva a real preferência do doador, ou de ceder a achaque ou chantagem (ao que se sabe do Brasil profundo, práticas corriqueiras em prefeituras). Pode ser pagamento de propina por favores recebidos ou a receber — seja por meio de projetos de lei favoráveis, emendas a MPs e PECs, isenções fiscais, superfaturamentos, aditivos a contratos, e o mais que andamos descobrindo.
Nessas descobertas que horrorizam as pessoas de bem, vai se delineando o crime perfeito. Aparentemente, não surge como caixa 2, e até pode parecer inocente. A empresa (ou as empresas, em rodízio, conforme as regras que regem o cartel) recebe por uma obra ou serviço muito mais do que o necessário para executá-lo. Esse “a mais”, devidamente contabilizado no caixa 1 oficial, transforma-se em doação eleitoral legal e declarada. Ou seja, sai dos cofres públicos e vai para um partido ou candidato por mãos de uma empresa, mas no caminho é aprovado e legalizado pela Justiça Eleitoral que, sem desconfiar, atua como a lavanderia do dinheiro sujo.
Distinguir isso com clareza é essencial para não relevar práticas desse tipo. Juntar tudo no mesmo saco sem distinguir nuances atrapalha a democracia, porque engole a alteração de resultados eleitorais com base em mentiras, construídas em campanhas milionárias. E em mecanismos de cobertura midiática que vão além dos boatos, contranarrativas, fatos alternativos e outros exemplos de pós-verdade que assolam nosso tempo. Nesse sentido, um truque nivelador eficiente é o da falsa equivalência, que dá pesos iguais a coisas diferentes. Na campanha americana, para bater em Trump pelo conjunto da obra, espancou-se com igual força Hillary Clinton por seus e-mails. Os bem intencionados apoiadores de Bernie Sanders não admitiram trabalhar por ela. Trump acabou eleito.
Ainda agora, muitos dos que com razão caíram em cima da fala presidencial no Dia da Mulher, retrógrada e fora de moda, são os mesmos que ignoraram a piada ofensiva e asquerosa de Lula, dizendo que sua auxiliar de confiança Clara Ant achara que cinco policiais em sua casa eram um presente de Deus. Esta semana, um cronista chegou a citar o discurso de Temer sob a mesma pecha de selvageria e violência em que comentava o crime do goleiro Bruno.
A que serve essa veemência? É útil à democracia? Todo político é igual? A que salvador da pátria essa ira virulenta pode nos entregar?
Assim fica difícil. Mesmo se for tudo farinha do mesmo saco, o inteligente é distinguir farinha de trigo e farinha de joio. Desse modo, ganhamos eficiência para defender a democracia no imprescindível debate sobre reforma eleitoral. O que é outra conversa, que fica para outro artigo.
Claro que sim. E claro que não. Também não são iguais os que os classificam de uma forma ou de outra. Não só pela autoridade de que se revestem ou por eventuais simpatias partidárias. O fato é que diferem uns dos outros. Igualmente são diversos entre si os jornalistas que reportam suas declarações — e não apenas pelos jornais para os quais escrevem ou por causa dos candidatos em que votam.
No entanto, é indispensável que o país neste momento debata essa questão. Dela não vão depender somente as decisões sobre fatos passados. Mas uma análise clara servirá para orientar medidas que ajudem a balizar uma reforma eleitoral que melhore o futuro. E a primeira coisa a fazer é discutir com clareza e transparência, lançando luz sobre o tema, de modo a que possamos entender o que se passa, sem deixar buracos de ratos nos desvãos mais escuros.
1 — Ser mencionado por ouvir dizer, apontado por um delator, ou investigado não é a mesma coisa. E ser denunciado, acusado ou transformado em réu também é outra.
2 — Até recentemente, doação de empresa era perfeitamente legal até o limite de 2% de seu faturamento. Cada partido ou candidato podia pedir quanto quisesse e dentro desse limite. Desde que tudo fosse declarado, nenhum problema, por mais que se possa especular sobre os interesses de uns e outros na prática.
3 — Qualquer caixa 2 é ilegal, seja de grande empreiteira ou do botequim da esquina. É delito fiscal. Significa que um dinheiro não foi declarado e não pagou imposto. Tem punições previstas em lei, para quem o cometa. Mas em si ainda não é corrupção, embora possa se ramificar em vários crimes. Todos esses precisam ser expostos e castigados na forma da lei. O caixa 2 pavimenta o caminho para eles. Pode ocultar conflito de interesses e tráfico de influência. Pode ser forma de encobrir de um mandachuva a real preferência do doador, ou de ceder a achaque ou chantagem (ao que se sabe do Brasil profundo, práticas corriqueiras em prefeituras). Pode ser pagamento de propina por favores recebidos ou a receber — seja por meio de projetos de lei favoráveis, emendas a MPs e PECs, isenções fiscais, superfaturamentos, aditivos a contratos, e o mais que andamos descobrindo.
Nessas descobertas que horrorizam as pessoas de bem, vai se delineando o crime perfeito. Aparentemente, não surge como caixa 2, e até pode parecer inocente. A empresa (ou as empresas, em rodízio, conforme as regras que regem o cartel) recebe por uma obra ou serviço muito mais do que o necessário para executá-lo. Esse “a mais”, devidamente contabilizado no caixa 1 oficial, transforma-se em doação eleitoral legal e declarada. Ou seja, sai dos cofres públicos e vai para um partido ou candidato por mãos de uma empresa, mas no caminho é aprovado e legalizado pela Justiça Eleitoral que, sem desconfiar, atua como a lavanderia do dinheiro sujo.
Distinguir isso com clareza é essencial para não relevar práticas desse tipo. Juntar tudo no mesmo saco sem distinguir nuances atrapalha a democracia, porque engole a alteração de resultados eleitorais com base em mentiras, construídas em campanhas milionárias. E em mecanismos de cobertura midiática que vão além dos boatos, contranarrativas, fatos alternativos e outros exemplos de pós-verdade que assolam nosso tempo. Nesse sentido, um truque nivelador eficiente é o da falsa equivalência, que dá pesos iguais a coisas diferentes. Na campanha americana, para bater em Trump pelo conjunto da obra, espancou-se com igual força Hillary Clinton por seus e-mails. Os bem intencionados apoiadores de Bernie Sanders não admitiram trabalhar por ela. Trump acabou eleito.
Ainda agora, muitos dos que com razão caíram em cima da fala presidencial no Dia da Mulher, retrógrada e fora de moda, são os mesmos que ignoraram a piada ofensiva e asquerosa de Lula, dizendo que sua auxiliar de confiança Clara Ant achara que cinco policiais em sua casa eram um presente de Deus. Esta semana, um cronista chegou a citar o discurso de Temer sob a mesma pecha de selvageria e violência em que comentava o crime do goleiro Bruno.
A que serve essa veemência? É útil à democracia? Todo político é igual? A que salvador da pátria essa ira virulenta pode nos entregar?
Assim fica difícil. Mesmo se for tudo farinha do mesmo saco, o inteligente é distinguir farinha de trigo e farinha de joio. Desse modo, ganhamos eficiência para defender a democracia no imprescindível debate sobre reforma eleitoral. O que é outra conversa, que fica para outro artigo.
Elogio do comedimento
Por décadas e décadas, o Brasil cresceu economicamente mais pela incorporação de mão de obra que mediante ganhos expressivos de produtividade, e avançou na construção da democracia mais pela “força das coisas” que pela ação conjugada de verdadeiros democratas.
Essas duas constatações me têm levado a martelar dois argumentos que considero essenciais para o bom entendimento da presente crise e de nossas perspectivas num horizonte de dez a vinte anos.
Na economia, ninguém ignora que estamos atolados na “herança maldita” de Lula e Dilma, agravada por uma obtusidade ideológica crônica, só comparável à de nossos vizinhos de fala espanhola. A combinação desses dois fatores poderá levar-nos a uma síndrome destrutiva generalizada, como a que Frederico Fellini pintou com extraordinária beleza em seu filme Ensaio de Orquestra.
O irrealismo com que visualizamos nosso futuro como país chega a ser comovente. Os primeiros sinais de recuperação econômica já nos aliviam, e logo reativarão nosso penchant panglossiano. O controle da “base aliada” pelo presidente Temer nos faz pensar que a política está nos eixos.
Mas a realidade é bem outra. Com essa classe política, com essa estrutura institucional, com os delírios da Constituição de 1988 e com um setor empresarial politicamente agachado, dificilmente veremos um crescimento do PIB por habitante superior a uma taxa anual média de 3%.
A crise dos últimos três anos provocou uma contração de 9% no PIB per capita, reduzindo-o, em números redondos, de US$ 11 mil para US$ 10 mil anuais. Nesse ritmo, levaremos praticamente uma geração para atingir o nível atual da Grécia, e lá chegaremos com desigualdades de renda e condições sociais muito piores. Numa avaliação circunspecta, estamos, pois, falando de um país à beira da insustentabilidade como um ente nacional viável.
Não estou delineando uma tendência inexorável, algo que acontecerá necessariamente. Estou apenas expondo uma profecia racional, na esperança de que ela se transforme numa self-denying prophecy, alertando a sociedade para a necessidade de impedir que ela se concretize.
Como sugeri acima, a democracia brasileira é uma construção paulatina, um processo que remonta ao século 19, que ainda se depara com obstáculos portentosos. Deixando de lado, por óbvias, as questões sociais, o obstáculo mais importante parece-me ser o ideológico. Ideológico, filosófico ou que outro nome se lhe queira dar. Parcelas consideráveis de nossa sociedade se recusam a entender que estamos “condenados” à democracia; que a democracia, necessariamente representativa, tem como fundamento a filosofia política liberal; e que um dos componentes centrais do liberalismo político é o comedimento.
Comedimento? Que quer dizer isso?
Ora, estipulações constitucionais não se autoaplicam, requerem interpretação e avaliação com base em critérios de realismo e prudência. É o senso de proporção a que se referia o nunca assaz louvado Max Weber. Os Estados Unidos são uma democracia liberal, mas Donald Trump é um descomedido. Esse traço de caráter do presidente americano é a fonte principal de uma preocupação (ou premonição) que poucos imaginariam que pudesse surgir naquele país: um sentimento de temor a respeito da própria saúde das instituições democráticas. Na Venezuela, a democracia sucumbiu ao insano descomedimento de Hugo Chávez e de Nicolás Maduro. Nelson Mandela, ao contrário, realizou o que parecia impossível: justamente por ser um líder realista e comedido, evitou uma guerra civil anunciada e inaugurou uma ordem política relativamente viável na África do Sul. Esses exemplos poderiam ser facilmente multiplicados.
No Brasil, todos percebemos ou pelo menos intuímos que a crise para a qual fomos arrastados pelos governos Lula e Dilma é gravíssima, mas essa percepção não parece atenuar o descomedimento que grassa em certos setores. Na última quarta-feira, um dia útil, sindicalistas contrários à reforma da Previdência paralisaram praticamente as grandes cidades, impedindo que milhões de cidadãos se dirigissem a seus locais de trabalho. Não estou entrando no mérito da proposta em tramitação no Congresso, como eles também não entraram – se o objetivo fosse debatê-la, poderiam tê-lo feito num recinto qualquer de grande porte, num estádio, ou mesmo no sambódromo.
Mas o objetivo era obviamente outro. Era a chamada “ação direta” – quem leu Georges Sorel, Reflexões sobre a Violência, ou outros autores de tendência fascista sabe a que me refiro. Era usar a suposta manifestação como uma demonstração de força bruta. Um ato de violência. Quando tal limite é atingido, as autoridades competentes só podem responder recorrendo a uma força ainda maior, aceitando o risco de fazer muitas vítimas. Compreensivelmente não o fazem, e o resultado é a ordem democrática pisoteada e uma progressiva incrustação do descomedimento no tecido da sociedade.
Nas universidades, o descomedimento aparece travestido de marxismo. De norte a sul, centenas de professores dedicam-se com afinco a preparar a juventude para a “inevitável” revolução socialista. Intelectualmente desonestos, muitos deles sonegam aos alunos a análise das premissas filosóficas do marxismo em relação às demais ideologias; um exame histórico aprofundado do que de fato foram os experimentos socialistas, já amplamente estudados, nem pensar. O que importa é a emoção: o “anseio pela revolução total” a que Bernard Yack se referiu numa obra magistral em que usa essa expressão como título. E assim, recorrendo mais uma vez a Federico Fellini, la nave và.
Essas duas constatações me têm levado a martelar dois argumentos que considero essenciais para o bom entendimento da presente crise e de nossas perspectivas num horizonte de dez a vinte anos.
Na economia, ninguém ignora que estamos atolados na “herança maldita” de Lula e Dilma, agravada por uma obtusidade ideológica crônica, só comparável à de nossos vizinhos de fala espanhola. A combinação desses dois fatores poderá levar-nos a uma síndrome destrutiva generalizada, como a que Frederico Fellini pintou com extraordinária beleza em seu filme Ensaio de Orquestra.
O irrealismo com que visualizamos nosso futuro como país chega a ser comovente. Os primeiros sinais de recuperação econômica já nos aliviam, e logo reativarão nosso penchant panglossiano. O controle da “base aliada” pelo presidente Temer nos faz pensar que a política está nos eixos.
Mas a realidade é bem outra. Com essa classe política, com essa estrutura institucional, com os delírios da Constituição de 1988 e com um setor empresarial politicamente agachado, dificilmente veremos um crescimento do PIB por habitante superior a uma taxa anual média de 3%.
A crise dos últimos três anos provocou uma contração de 9% no PIB per capita, reduzindo-o, em números redondos, de US$ 11 mil para US$ 10 mil anuais. Nesse ritmo, levaremos praticamente uma geração para atingir o nível atual da Grécia, e lá chegaremos com desigualdades de renda e condições sociais muito piores. Numa avaliação circunspecta, estamos, pois, falando de um país à beira da insustentabilidade como um ente nacional viável.
Não estou delineando uma tendência inexorável, algo que acontecerá necessariamente. Estou apenas expondo uma profecia racional, na esperança de que ela se transforme numa self-denying prophecy, alertando a sociedade para a necessidade de impedir que ela se concretize.
Como sugeri acima, a democracia brasileira é uma construção paulatina, um processo que remonta ao século 19, que ainda se depara com obstáculos portentosos. Deixando de lado, por óbvias, as questões sociais, o obstáculo mais importante parece-me ser o ideológico. Ideológico, filosófico ou que outro nome se lhe queira dar. Parcelas consideráveis de nossa sociedade se recusam a entender que estamos “condenados” à democracia; que a democracia, necessariamente representativa, tem como fundamento a filosofia política liberal; e que um dos componentes centrais do liberalismo político é o comedimento.
Comedimento? Que quer dizer isso?
Ora, estipulações constitucionais não se autoaplicam, requerem interpretação e avaliação com base em critérios de realismo e prudência. É o senso de proporção a que se referia o nunca assaz louvado Max Weber. Os Estados Unidos são uma democracia liberal, mas Donald Trump é um descomedido. Esse traço de caráter do presidente americano é a fonte principal de uma preocupação (ou premonição) que poucos imaginariam que pudesse surgir naquele país: um sentimento de temor a respeito da própria saúde das instituições democráticas. Na Venezuela, a democracia sucumbiu ao insano descomedimento de Hugo Chávez e de Nicolás Maduro. Nelson Mandela, ao contrário, realizou o que parecia impossível: justamente por ser um líder realista e comedido, evitou uma guerra civil anunciada e inaugurou uma ordem política relativamente viável na África do Sul. Esses exemplos poderiam ser facilmente multiplicados.
No Brasil, todos percebemos ou pelo menos intuímos que a crise para a qual fomos arrastados pelos governos Lula e Dilma é gravíssima, mas essa percepção não parece atenuar o descomedimento que grassa em certos setores. Na última quarta-feira, um dia útil, sindicalistas contrários à reforma da Previdência paralisaram praticamente as grandes cidades, impedindo que milhões de cidadãos se dirigissem a seus locais de trabalho. Não estou entrando no mérito da proposta em tramitação no Congresso, como eles também não entraram – se o objetivo fosse debatê-la, poderiam tê-lo feito num recinto qualquer de grande porte, num estádio, ou mesmo no sambódromo.
Mas o objetivo era obviamente outro. Era a chamada “ação direta” – quem leu Georges Sorel, Reflexões sobre a Violência, ou outros autores de tendência fascista sabe a que me refiro. Era usar a suposta manifestação como uma demonstração de força bruta. Um ato de violência. Quando tal limite é atingido, as autoridades competentes só podem responder recorrendo a uma força ainda maior, aceitando o risco de fazer muitas vítimas. Compreensivelmente não o fazem, e o resultado é a ordem democrática pisoteada e uma progressiva incrustação do descomedimento no tecido da sociedade.
Nas universidades, o descomedimento aparece travestido de marxismo. De norte a sul, centenas de professores dedicam-se com afinco a preparar a juventude para a “inevitável” revolução socialista. Intelectualmente desonestos, muitos deles sonegam aos alunos a análise das premissas filosóficas do marxismo em relação às demais ideologias; um exame histórico aprofundado do que de fato foram os experimentos socialistas, já amplamente estudados, nem pensar. O que importa é a emoção: o “anseio pela revolução total” a que Bernard Yack se referiu numa obra magistral em que usa essa expressão como título. E assim, recorrendo mais uma vez a Federico Fellini, la nave và.
A República refém
A Fundação Joaquim Nabuco realizou um seminário sobre o Segundo Centenário da Revolução de 1817 em Pernambuco. Durante os 75 dias, o Brasil foi uma República; cinco anos antes da Independência, quase 70 anos antes de adotarmos a República hoje sequestrada.
Sequestrada pelo corporativismo que divide a sociedade: cada grupo e classe social tentando abocanhar o máximo do produto da economia, sem um sentimento comum, sem respeito aos demais segmentos, sem um destino coletivo que empolgue o conjunto da sociedade, aprisionando o país ao seu presente, formando uma República sem coesão social e sem rumo histórico. Refém de associações de classe e sindicatos.
A República está sequestrada pela burocracia de sua máquina estatal e pelo emaranhado de leis que não permitem seu funcionamento eficiente. As decisões tomadas esbarram na vontade de burocratas do sistema administrativo ou dos inúmeros representantes do sistema legal.
Está sequestrada na baixa produtividade de sua economia, que condena a sociedade à pobreza, agravada pela má distribuição da renda que divide o país em dois países; amarrando a República, no peso da exclusão de mais de cem milhões de brasileiros.
Nossa República está sequestrada pela corrupção que contamina a política em todos os níveis; refém da violência urbana que pode ser caracterizada como uma guerra civil que provoca o peso de 600 mil prisioneiros. Também pela falência da lógica e da falta de diálogo nos debates políticos que não levam a entendimentos para realizar a causa comum dos brasileiros.
Há décadas o sistema bancário atende à voracidade por empréstimos tanto para financiar gastos e desperdícios do Estado quanto para financiar o consumismo, criando o trágico endividamento que sequestra nossa economia, cobrando o resgate por juros absurdos e altos superávits primários. O sistema previdenciário que, para atender a pressão de cada grupo, assumiu gastos que não lhe competia e ofereceu benefícios que não tinham como serem concedidos, agora amarra o futuro da República exigindo reformas que não têm o apoio da população, dividida entre os que desejam manter os direitos e privilégios atuais e aqueles que precisam de direitos no futuro. A República está sequestrada pela falência das finanças públicas e pela falta de investimento na infraestrutura, pelo Estado descomprometido com a causa pública, pela tragédia das “monstrópoles” em que foram transformadas nossas cidades.
Sequestrada, sobretudo, pelo indecente e insano quadro de uma população onde 13 milhões são analfabetos adultos, e 60% de jovens não terminam o Ensino Médio, deixando raríssimos brasileiros em condições de compor uma elite intelectual compatível com as exigências do “Século do Conhecimento”.
Duzentos anos depois da ousada aventura de um grupo de patriotas pernambucanos, quase todos fuzilados, enforcados e esquartejados, o Brasil tem uma República incompleta porque está sequestrada por seus erros e por cada uma das minirrepúblicas em que sua população se divide.
Sequestrada pelo corporativismo que divide a sociedade: cada grupo e classe social tentando abocanhar o máximo do produto da economia, sem um sentimento comum, sem respeito aos demais segmentos, sem um destino coletivo que empolgue o conjunto da sociedade, aprisionando o país ao seu presente, formando uma República sem coesão social e sem rumo histórico. Refém de associações de classe e sindicatos.
Está sequestrada na baixa produtividade de sua economia, que condena a sociedade à pobreza, agravada pela má distribuição da renda que divide o país em dois países; amarrando a República, no peso da exclusão de mais de cem milhões de brasileiros.
Nossa República está sequestrada pela corrupção que contamina a política em todos os níveis; refém da violência urbana que pode ser caracterizada como uma guerra civil que provoca o peso de 600 mil prisioneiros. Também pela falência da lógica e da falta de diálogo nos debates políticos que não levam a entendimentos para realizar a causa comum dos brasileiros.
Há décadas o sistema bancário atende à voracidade por empréstimos tanto para financiar gastos e desperdícios do Estado quanto para financiar o consumismo, criando o trágico endividamento que sequestra nossa economia, cobrando o resgate por juros absurdos e altos superávits primários. O sistema previdenciário que, para atender a pressão de cada grupo, assumiu gastos que não lhe competia e ofereceu benefícios que não tinham como serem concedidos, agora amarra o futuro da República exigindo reformas que não têm o apoio da população, dividida entre os que desejam manter os direitos e privilégios atuais e aqueles que precisam de direitos no futuro. A República está sequestrada pela falência das finanças públicas e pela falta de investimento na infraestrutura, pelo Estado descomprometido com a causa pública, pela tragédia das “monstrópoles” em que foram transformadas nossas cidades.
Sequestrada, sobretudo, pelo indecente e insano quadro de uma população onde 13 milhões são analfabetos adultos, e 60% de jovens não terminam o Ensino Médio, deixando raríssimos brasileiros em condições de compor uma elite intelectual compatível com as exigências do “Século do Conhecimento”.
Duzentos anos depois da ousada aventura de um grupo de patriotas pernambucanos, quase todos fuzilados, enforcados e esquartejados, o Brasil tem uma República incompleta porque está sequestrada por seus erros e por cada uma das minirrepúblicas em que sua população se divide.
A reforma política
O debate sobre a reforma política voltou ao centro das discussões no Congresso. Na Câmara, articula-se uma saída para o financiamento eleitoral, o voto em lista, mas cujo o verdadeiro objetivo é possibilitar aos deputados carbonizados pela Operação Lava-Jato disputar a eleição com alguma chance de sobrevivência; no Senado, cresce um movimento para acabar com o foro privilegiado, mas isso pode ampliar as possibilidades de prescrição das ações às quais respondem os políticos enrolados, que hoje têm uma única instância de julgamento.
Há uma espécie de salvemo-nos todos antes que ninguém se salve no Congresso. O desgaste dos políticos é tão grande que até mesmo os parlamentares que se consideram imaculados temem, sem trocadilho, uma derrota fragorosa nas urnas em 2018. A chamada lista do Janot, cujos nomes estão vazando gradativamente, pode resultar no maior expurgo político da história republicana, com a diferença de que ocorrerá em plena democracia, ao contrário do que ocorreu na Revolução de 1930 e com o golpe militar de 1964. Esse expurgo, aliás, já está em curso, por causa da Lei da Ficha Limpa, que alijou das disputas eleitorais milhares de políticos em todo o país.
O fim do sistema proporcional está na pauta. É uma fórmula adotada na Era Vargas. Seu ideólogo foi o político gaúcho Assis Brasil, que propôs o Código Eleitoral de 1932, no qual adotou-se o voto majoritário para senadores e governadores e o proporcional para vereadores, deputados estaduais e deputados federais. O sistema era “o mais singelo possível”, com objetivo de garantir representação para toda opinião com “extensão considerável” e “condições de perfeita estabilidade” para a maioria. Não se pode dizer que esses objetivos foram alcançados, seja por causa do golpe do Estado Novo, em 1937, seja em razão das sucessivas crises da Segunda República, que desaguaram no golpe militar de 1964. O direito das minorias nunca foi plenamente respeitado, haja vista a cassação do registro do Partido Comunista no governo Dutra.
As ideias de Assis Brasil datam de 1893, quando saiu a primeira edição de Democracia representativa — do voto e do modo de votar, de sua autoria, mas a obra só fez sucesso quando foi reeditada em 1931, com a derrocada da República Velha. Trata-se, portanto, de uma herança do positivismo, que inspirou a proclamação da República e ainda é a matriz principal do pensamento político brasileiro. O Estado brasileiro, que vive mais uma crise de financiamento, reproduz o ideário positivista até na bandeira nacional. Vem daí a ideia de que a estrutura administrativa dos estados e dos municípios devem ser rigorosamente iguais, não importa o tamanho da população, as características de sua economia e a localização geográfica. Ou seja todo município tem que ter um prefeito eleito pelo voto direto, uma câmara municipal com vereadores remunerados, uma comarca etc. É o “federalismo verticalizado”.
A discussão da reforma política chega a cavalo por causa da Operação Lava-Jato. A credibilidade do Congresso foi à lona, mas somente o parlamento tem legitimidade para fazer a reforma. Mas o que for decidido agora será apenas uma tentativa desesperada de salvar a própria pele. O grande debate sobre a reforma política ocorrerá nas eleições de 2018, nas quais certamente estarão em disputa dois projetos: manter a atual estrutura do Estado brasileiro ou reinventá-lo. Esse debate, porém, está sufocado pela necessidade de medidas emergenciais para enfrentar a crise fiscal, entre as quais, as reformas da Previdência e trabalhista, e pela ameaça de colapso do sistema partidário por causa da Lava-Jato.
Entretanto, no Brasil, tudo é mitigado. O direito à propriedade privada foi introduzido na Constituição de 1824, outorgada por D. Pedro I, como salvaguarda para os senhores de escravos. Pilar jurídico do capitalismo, apareceu aqui como âncora do regime escravocrata, que durou até 1888. É mais ou menos o que pode acontecer com o fim do foro privilegiado para ministros, senadores e deputados enrolados na Lava-Jato, cujos julgamentos ficariam para as calendas, e o voto em lista pré-ordenada, garantindo precedência para os atuais ocupantes da Câmara, no melhor estilo lampedusiano.
Publicada em 1959, a obra póstuma de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, O Leopardo, tem como pano de fundo o Resorgimento Italiano, a unificação da Itália, que vai de 1860 a 1946, quando ocorre a abolição dos privilégios da nobreza e o surgimento da República. O país era dividido em cidades-estados, que brigavam pelo poder entre si e eram disputadas por potências estrangeiras, até a entrada em cena do nosso conhecido Giuseppe Garibaldi, um dos líderes da Revolução Farroupilha, que voltou para a Sicília para defender os ideais da Revolução Francesa.
O Leopardo conta a história de Dom Fabrizio, um nobre que começa a perceber as mudanças na sociedade e a notar a futilidade de sua vida, cujo sobrinho Tancredi incita o tio cético e conservador a abandonar sua lealdade aos Borbons e apoiar os Saboia: “A não ser que nos salvemos, dando-nos as mãos agora, eles nos submeterão à República. Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude”.
Luiz Carlos Azedo
Há uma espécie de salvemo-nos todos antes que ninguém se salve no Congresso. O desgaste dos políticos é tão grande que até mesmo os parlamentares que se consideram imaculados temem, sem trocadilho, uma derrota fragorosa nas urnas em 2018. A chamada lista do Janot, cujos nomes estão vazando gradativamente, pode resultar no maior expurgo político da história republicana, com a diferença de que ocorrerá em plena democracia, ao contrário do que ocorreu na Revolução de 1930 e com o golpe militar de 1964. Esse expurgo, aliás, já está em curso, por causa da Lei da Ficha Limpa, que alijou das disputas eleitorais milhares de políticos em todo o país.
O fim do sistema proporcional está na pauta. É uma fórmula adotada na Era Vargas. Seu ideólogo foi o político gaúcho Assis Brasil, que propôs o Código Eleitoral de 1932, no qual adotou-se o voto majoritário para senadores e governadores e o proporcional para vereadores, deputados estaduais e deputados federais. O sistema era “o mais singelo possível”, com objetivo de garantir representação para toda opinião com “extensão considerável” e “condições de perfeita estabilidade” para a maioria. Não se pode dizer que esses objetivos foram alcançados, seja por causa do golpe do Estado Novo, em 1937, seja em razão das sucessivas crises da Segunda República, que desaguaram no golpe militar de 1964. O direito das minorias nunca foi plenamente respeitado, haja vista a cassação do registro do Partido Comunista no governo Dutra.
As ideias de Assis Brasil datam de 1893, quando saiu a primeira edição de Democracia representativa — do voto e do modo de votar, de sua autoria, mas a obra só fez sucesso quando foi reeditada em 1931, com a derrocada da República Velha. Trata-se, portanto, de uma herança do positivismo, que inspirou a proclamação da República e ainda é a matriz principal do pensamento político brasileiro. O Estado brasileiro, que vive mais uma crise de financiamento, reproduz o ideário positivista até na bandeira nacional. Vem daí a ideia de que a estrutura administrativa dos estados e dos municípios devem ser rigorosamente iguais, não importa o tamanho da população, as características de sua economia e a localização geográfica. Ou seja todo município tem que ter um prefeito eleito pelo voto direto, uma câmara municipal com vereadores remunerados, uma comarca etc. É o “federalismo verticalizado”.
A discussão da reforma política chega a cavalo por causa da Operação Lava-Jato. A credibilidade do Congresso foi à lona, mas somente o parlamento tem legitimidade para fazer a reforma. Mas o que for decidido agora será apenas uma tentativa desesperada de salvar a própria pele. O grande debate sobre a reforma política ocorrerá nas eleições de 2018, nas quais certamente estarão em disputa dois projetos: manter a atual estrutura do Estado brasileiro ou reinventá-lo. Esse debate, porém, está sufocado pela necessidade de medidas emergenciais para enfrentar a crise fiscal, entre as quais, as reformas da Previdência e trabalhista, e pela ameaça de colapso do sistema partidário por causa da Lava-Jato.
Entretanto, no Brasil, tudo é mitigado. O direito à propriedade privada foi introduzido na Constituição de 1824, outorgada por D. Pedro I, como salvaguarda para os senhores de escravos. Pilar jurídico do capitalismo, apareceu aqui como âncora do regime escravocrata, que durou até 1888. É mais ou menos o que pode acontecer com o fim do foro privilegiado para ministros, senadores e deputados enrolados na Lava-Jato, cujos julgamentos ficariam para as calendas, e o voto em lista pré-ordenada, garantindo precedência para os atuais ocupantes da Câmara, no melhor estilo lampedusiano.
Publicada em 1959, a obra póstuma de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, O Leopardo, tem como pano de fundo o Resorgimento Italiano, a unificação da Itália, que vai de 1860 a 1946, quando ocorre a abolição dos privilégios da nobreza e o surgimento da República. O país era dividido em cidades-estados, que brigavam pelo poder entre si e eram disputadas por potências estrangeiras, até a entrada em cena do nosso conhecido Giuseppe Garibaldi, um dos líderes da Revolução Farroupilha, que voltou para a Sicília para defender os ideais da Revolução Francesa.
O Leopardo conta a história de Dom Fabrizio, um nobre que começa a perceber as mudanças na sociedade e a notar a futilidade de sua vida, cujo sobrinho Tancredi incita o tio cético e conservador a abandonar sua lealdade aos Borbons e apoiar os Saboia: “A não ser que nos salvemos, dando-nos as mãos agora, eles nos submeterão à República. Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude”.
Luiz Carlos Azedo
A divisão do boi
I O partido combinou Com o fiscal impoluto: - Dê carne podre pro povo, Que eu quero o dinheiro bruto; Pode fazer vistas grossas, Autorizando o produto!
II Fizeram uma reunião, Começou um foi-não-foi, O líder do centro-oeste Levantou-se e disse: - Oi, Já é hora, companheiros, De dividir esse boi!
III - O filé pro presidente, Alcatra pro secretário, Um pouco de rebotalho Pode dar para o mesário, O chifre é do eleitor Pra deixar de ser otário!
IV Rosbife pro deputado, Cupim pro vereador, Uma picanha gordurosa Reserve pro senador E deixe o rabo pro povo Pra servir de abanador!
V Separaram o coxão mole Para o líder do partido; Para o cabo eleitoral Deram um lagarto partido, E quem balança a bandeira Ganhou miúdo mexido.
VI Foram dividir o frango Para a turma do fiscal: Deram o couro do pescoço À filha de Juvenal E a ponta do sobrecu Pro povo comer sem sal.
VII Mandaram os pés de galinha Para a turma do panfleto, Teve um churrasco de asa Lá pras bandas do coreto, Onde o povo se esbaldou Balançando o esqueleto.
VIII Nisso chegou Tony Ramos Com a cara de fadiga, Com o riso meio forçado De quem limpou com urtiga, Quando alguém gritou: - É ele E tá com dor de barriga!
IX Na festa Roberto Carlos, Depois de comer filé, Começou a passar mal (“Jesus, Maria e José!”), Foi tão grande a agonia Que ele esqueceu o pé.
X No fim Júnior da Friboi Fez uma grande saudação: - Minha carne é de primeira, O futuro da nação; Quem estiver com caganeira Corra pro Bar do Pirão, Que urna não é penico, É só xeleléu de rico Quem gosta de eleição!
II Fizeram uma reunião, Começou um foi-não-foi, O líder do centro-oeste Levantou-se e disse: - Oi, Já é hora, companheiros, De dividir esse boi!
III - O filé pro presidente, Alcatra pro secretário, Um pouco de rebotalho Pode dar para o mesário, O chifre é do eleitor Pra deixar de ser otário!
V Separaram o coxão mole Para o líder do partido; Para o cabo eleitoral Deram um lagarto partido, E quem balança a bandeira Ganhou miúdo mexido.
VI Foram dividir o frango Para a turma do fiscal: Deram o couro do pescoço À filha de Juvenal E a ponta do sobrecu Pro povo comer sem sal.
VII Mandaram os pés de galinha Para a turma do panfleto, Teve um churrasco de asa Lá pras bandas do coreto, Onde o povo se esbaldou Balançando o esqueleto.
VIII Nisso chegou Tony Ramos Com a cara de fadiga, Com o riso meio forçado De quem limpou com urtiga, Quando alguém gritou: - É ele E tá com dor de barriga!
IX Na festa Roberto Carlos, Depois de comer filé, Começou a passar mal (“Jesus, Maria e José!”), Foi tão grande a agonia Que ele esqueceu o pé.
X No fim Júnior da Friboi Fez uma grande saudação: - Minha carne é de primeira, O futuro da nação; Quem estiver com caganeira Corra pro Bar do Pirão, Que urna não é penico, É só xeleléu de rico Quem gosta de eleição!
Lava Jato: opu o Brasil avança ou vira ratocracia
Em três anos de Lava Jato o Brasil experimentou sensações antagônicas. Depois de assistir a coisas inéditas, o país presencia um surto de mesmice. O que há de inédito no escândalo é que, pela primeira vez desde a chegada das Caravelas, o braço punitivo do Estado investigou e prendeu pessoas que, historicamente, se comportavam como se estivessem acima das leis. Esse ineditismo é agora ameaçado pelo que há de mais tradicional na política brasileira: o patrimonialismo se uniu ao oportunismo para restaurar a “normalidade”.
No Brasil, o combate à corrupção convive com uma ‘síndrome do quase’. O país quase conseguiu restaurar a moralidade quando escorraçou Fernando Collor do Planalto. Mas faltou punir as empreiteiras que engordaram o caixa do tesoureiro PC Farias. Os anões quase foram banidos do Orçamento da União. Mas as empreiteiras que compravam emendas orcamentárias foram novamente poupadas. A nação quase virou outra quando o Supremo Tribunal Federal condenou a turma do mensalão. Mas cuidou-se da máfia sem atentar para o capo.
Há uma forme de limpeza no ar. Mas a elite política, nivelada em perversão pela Odebrecht, providencia um dique de contenção. Os procuradores da força-tarefa de Curitiba tremem. Basta uma noite no Congresso e toda uma investigação pode cair por terra, disse um deles. De fato, quem olha para o Congresso põe em dúvida a Teoria da Evolução. A política brasileira parou de evoluir. E considera a hipótese de involuir. No futuro, quando os historiadores puderam falar sobre a Lava Jato sem precisar assistir a TV Câmara de madrugada, a mair operação anticorrupção da história será apresentada como um marco civilizatório ou como um fenômeno que consolidou o Brasil como uma ratocracia.
Há uma forme de limpeza no ar. Mas a elite política, nivelada em perversão pela Odebrecht, providencia um dique de contenção. Os procuradores da força-tarefa de Curitiba tremem. Basta uma noite no Congresso e toda uma investigação pode cair por terra, disse um deles. De fato, quem olha para o Congresso põe em dúvida a Teoria da Evolução. A política brasileira parou de evoluir. E considera a hipótese de involuir. No futuro, quando os historiadores puderam falar sobre a Lava Jato sem precisar assistir a TV Câmara de madrugada, a mair operação anticorrupção da história será apresentada como um marco civilizatório ou como um fenômeno que consolidou o Brasil como uma ratocracia.
Odebrecht: 'Escola de corrupção da Bahia para o mundo'
“Ninguém vê, ninguém fala nem impugna,/ e é que quem o dinheiro nos arranca,/ Nos arranca as mãos, a língua, os olhos.// Esta mãe universal,/ Esta célebre Bahia/ que a seus peitos toma e cria,/ os que enjeita Portugal”...
(Versos do soneto “Senhora Dona Bahia”, de Gregório de Matos Guerra, o poeta lírico, religioso e satírico do Sec. XVII em Salvador, apelidado de Boca do Inferno)
Desculpem o mau jeito, mas é inevitável a recordação de Gregório de Matos, nestes dias infernais de março de 2017. Mais ainda, na sexta-feira, 17, em que a Operação Lava Jato completa três anos de vida e atravessa situação crucial em seu desempenho e para sua indispensável continuidade. No meio do furdunço político causado pela lista de Janot, com os frutos da delação premiada dos donos do grupo Odebrecht (e de alguns dos principais ex-executivos do "polvo insaciável") .
Conteúdo que o Procurador Geral da República mandou despejar - irônica e simbolicamente conduzidos em carrinhos de mão - na sala com estrutura da caixa - forte do Supremo Tribunal Federal, sob as vistas e vigilância da ministra presidente da Corte, Cármen Lúcia. Símbolos referenciais para todos os lados e para todos os gostos, já se vê. E a sátira do século XVII, ferina, bem humorada e atual, para nos ajudar a entender o lugar onde aportou a “máquina mercante”, agora governado pelo petista Rui Costa ( apontado no noticiário das últimas horas como um dos mandatários regionais citados na lista de Janot), e o País sob o comando de Michel Temer e seu PMDB, nos dias que correm.
Também ajuda, por exemplo, na compreensão do significado nu e cru, de alguns trechos do depoimento de Emílio Odebrecht – presidente do Conselho de Administração do mais poderoso grupo de engenharia do Brasil e da América Latina, com tentáculos espalhados pelo mundo, nos últimos 15 anos – ao juiz federal Sérgio Moro, condutor da Operação Lava Jato. Destaque especial para a confissão de que o Caixa 2 é uma das mais antigas, preservadas e ampliadas tradições históricas da Odebrecht: “Sempre existiu desde minha época, da época do meu pai e também de Marcelo”, contou o empreiteiro ao magistrado, na última segunda-feira. Marcelo é filho de Em&ia cute;lio, ex-presidente do conglomerado de negócios, no campo da engenharia e da petroquímica (e de muitos outros), até ser preso em uma das 38 fases da Lava Jato e levado para uma cadeia em Curitiba, (onde ainda permanece) condenado como um dos cabeças do Petrolão, o maior escândalo de corrupção da história do Brasil.
Emílio é filho do falecido Norberto, descendente de outro Emílio, o patriarca da família alemã que aportou em terras de Pernambuco. Norberto, nascido em Recife em 1920, com 5 anos de idade mudou-se com a família para a capital baiana, onde transformou-se na principal viga e responsável pela construção do vasto e poderoso império de negócios que se conhece, mas não dá para contar tudo neste espaço.
Jovem recém formado, pela Escola de Jornalismo da UFBa, conheci mais de perto o “velho Norberto” ao chegar na redação do jornal A Tarde, ainda no prédio histórico da Praça Castro Alves. Era, sem dúvida, um tipo humano singular e impressionante, dos mais reverenciados de Salvador, já naquele começo dos anos 70, do país sob ditadura. Vestido quase sempre em traje de linho branco, impecavelmente bem talhado e sem vincos, Dr. Norberto (como era tratado no jornal) , apesar da procedência germânica, sempre pareceu aos olhos do cético e desconfiado repórter, um daqueles lordes ingleses, dos filmes americanos rodados na Índia, sob dominação colonial. Guardava um pouco, também, semelhança com retratos de tipos afro-brasileiros, que ainda se vê aqui e ali, em Salvador, até hoje, mas que marcaram época, principalmente, nas p&a acute;ginas dos romances e outros escritos de Jorge Amado.
O depoimento de Emílio, ao juiz Sérgio Moro, porém, ajuda agora o jornalista, rodado em largas décadas de profissão, a entender melhor e mais claramente a relação de Norberto Odebrecht e o relevo deste personagem da Bahia em seu tempo. A unanimidade reverencial que cercava por todos os lados a sua figura e as suas ações, como verificaria depois já no Jornal do Brasil: políticos, empresários, dirigentes de históricas entidades das classes produtoras, imprensa, donos do poder em diferentes períodos de tempo, regimes e governos. Conservadores, progressistas, comunistas, direitistas , pessedistas, udenistas, gente da Arena e do MDB. Ou simplesmente "dinheiristas”, como sintetizava meu saudoso pai, ao referir- se a alguns tipos, em seus relatos.
Para terminar, busco as palavras do professor Edson Pitta Lima, coordenador geral da Universidade Polifucs, especialista em Programação Global, formado pelo Instituto Latinoamericano de Planificação Economica y Social, mestre acatado da Faculdade de Economia da UFBA, conhecedor e crítico das empresas baianas e seus homens de negócios. Ele postou, esta semana, em seu espaço de informação e análise, nas redes sociais, um comentário que considero oportuno, contundente e essencial. “O depoimento de Emílio Odebrecht comprova o que já afirmei: a empresa era uma escola de corrupção desde a época do velho Norberto. Satisfazer o cliente significava, satisfazer o fiscal de obras, quem liberava o dinheiro, quem liberava e aprovava a medição, quem julgava a concorrência, etc. etc. Sempre foi membro de primeira hora do Ethos, entidade empresarial v oltada para a ética nos negócios. Quem acredita que Marcelo e Emílio estão falando toda a verdade? Quem acredita que para o futuro a empresa vai passar a ser honesta? Eu acho que a onça perde o pelo mas não perde as manchas”.
A conferir com o tempo e o que virá nos desdobramentos da lista de Janot. Parabéns à Lava Jato e aos que cuidam dela, pelos três anos de intensa e brava existência. Longa vida!
Apenas numa noite...
Odebrecht pagará R$ 30 milhões para encerrar ação por trabalho escravo
A Odebrecht pagará R$ 30 milhões para encerrar uma ação em que era acusada de submeter cerca de 400 trabalhadores a um esquema de tráfico de pessoas e condições análogas à escravidão em Angola.
A empresa e o Ministério Público do Trabalho (MPT) do Brasil fecharam na noite de quinta-feira um acordo em que a companhia se compromete a pagar a multa e cumprir as obrigações impostas em sua condenação na primeira instância, em 2015.
Segundo o Tribunal Regional do Trabalho em Campinas (SP), onde o entendimento foi firmado, trata-se do "maior acordo da história do país no que diz respeito ao combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas".
O processo se iniciou após a BBC Brasil publicar uma reportagem em que operários brasileiros diziam ter sofrido maus-tratos na construção da usina de açúcar Biocom, erguida pela Odebrecht em Malanje (Angola), entre 2011 e 2012.
Fotos e vídeos obtidos pela reportagem mostravam péssimas condições de higiene no alojamento e refeitório da obra. Segundo os operários, funcionários superiores retinham seus passaportes após o desembarque em Angola, e seguranças impediam que eles deixassem o alojamento.
Muitos relataram ter adoecido - alguns gravemente - por causa das condições.
Para a Biocom, porém, o acordo "não implica em qualquer reconhecimento de prática de trabalho escravo, nem de violação de direitos humanos ou de princípios que regem as relações de trabalho pela empresa".
A ação tinha como rés a Construtora Norberto Odebrecht e suas subsidiárias Odebrecht Serviços de Exportação e Odebrecht Agroindustiral. Segundo o MPT, as empresas concordaram em pagar 12 parcelas de R$ 2,5 milhões, que financiarão projetos e campanhas que beneficiem a sociedade.
O acordo foi firmado no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. A acusação contra a Odebrecht esteve a cargo do procurador Rafael de Araújo Gomes.
Em nota, o MPT diz ainda que a Odebrecht se comprometeu a deixar de submeter trabalhadores à condição análoga à de escravo, a não utilizar no exterior empregados brasileiros sem visto de trabalho e a não se valer de aliciadores para arregimentar mão de obra.
A violação de cada item resultará em multas que variam de R$ 50 mil a R$ 100 mil por trabalhador.
"Embora nenhuma instituição brasileira, ainda que formalmente convidadas, tenha comparecido às instalações da Biocom para fiscalizá-la, as condições de trabalho na empresa sempre foram fiscalizadas e atestadas positivamente por autoridades angolanas (equivalentes ao Ministério do Trabalho e Emprego)", afirma a Biocom em nota divulgada após a celebração do acordo.
A empresa diz cumprir "rigorosamente a legislação trabalhista vigente" e contar com cerca de 2.100 empregados, dos quais 1.940 angolanos. A companhia disse ainda esperar que "o valor atribuído no acordo celebrado reverta em benefício da sociedade brasileira".
Durante a ação, a empresa afirmou que nunca "existiu qualquer cerceamento de liberdade de qualquer trabalhador nas obras de Biocom", que as condições foram "adequadas às normas trabalhistas e de saúde e segurança vigentes em Angola e no Brasil" e que não tinha responsabilidade sobre a obra por ter participação minoritária na usina.
Más condições e doenças
Em nota divulgada após o acordo, o MPT afirma que "os operários envolvidos em montagens industriais trabalhavam em condições análogas às de escravo, particularmente no que se refere a instalações sanitárias, áreas de vivência, alimentação e água para beber".
O órgão diz que exames médicos de trabalhadores retornados de Angola mostraram que vários "apresentaram febre, dor de cabeça, dor abdominal, diarreia, náuseas, fezes com sangue, emagrecimento, e alguns apresentaram suspeita de febre tifoide".
As obras na usina pertenciam à Biocom, que tinha como sócios a Odebrecht, a estatal angolana Sonangol e a Damer, empresa de dois generais e do atual vice-presidente angolano, Manuel Vicente.
O MPT diz que provas produzidas durante a investigação revelaram que a Odebrecht Agroindustrial acabou assumindo a gestão da usina após o início das obras.
Embora as condições denunciadas na ação afetassem trabalhadores brasileiros e angolanos, a empresa jamais foi processada no país africano.
A empresa e o Ministério Público do Trabalho (MPT) do Brasil fecharam na noite de quinta-feira um acordo em que a companhia se compromete a pagar a multa e cumprir as obrigações impostas em sua condenação na primeira instância, em 2015.
Segundo o Tribunal Regional do Trabalho em Campinas (SP), onde o entendimento foi firmado, trata-se do "maior acordo da história do país no que diz respeito ao combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas".
O processo se iniciou após a BBC Brasil publicar uma reportagem em que operários brasileiros diziam ter sofrido maus-tratos na construção da usina de açúcar Biocom, erguida pela Odebrecht em Malanje (Angola), entre 2011 e 2012.
Fotos e vídeos obtidos pela reportagem mostravam péssimas condições de higiene no alojamento e refeitório da obra. Segundo os operários, funcionários superiores retinham seus passaportes após o desembarque em Angola, e seguranças impediam que eles deixassem o alojamento.
Muitos relataram ter adoecido - alguns gravemente - por causa das condições.
Para a Biocom, porém, o acordo "não implica em qualquer reconhecimento de prática de trabalho escravo, nem de violação de direitos humanos ou de princípios que regem as relações de trabalho pela empresa".
Obra em Angola tinha condições de trabalho análogas à escravidão |
Em setembro de 2015, em sentença da 2ª Vara do Trabalho de Araraquara (SP), a Odebrecht foi condenada a pagar R$ 50 milhões por dano moral coletivo - valor agora reduzido para R$ 30 milhões.
A ação tinha como rés a Construtora Norberto Odebrecht e suas subsidiárias Odebrecht Serviços de Exportação e Odebrecht Agroindustiral. Segundo o MPT, as empresas concordaram em pagar 12 parcelas de R$ 2,5 milhões, que financiarão projetos e campanhas que beneficiem a sociedade.
O acordo foi firmado no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. A acusação contra a Odebrecht esteve a cargo do procurador Rafael de Araújo Gomes.
Em nota, o MPT diz ainda que a Odebrecht se comprometeu a deixar de submeter trabalhadores à condição análoga à de escravo, a não utilizar no exterior empregados brasileiros sem visto de trabalho e a não se valer de aliciadores para arregimentar mão de obra.
A violação de cada item resultará em multas que variam de R$ 50 mil a R$ 100 mil por trabalhador.
"Embora nenhuma instituição brasileira, ainda que formalmente convidadas, tenha comparecido às instalações da Biocom para fiscalizá-la, as condições de trabalho na empresa sempre foram fiscalizadas e atestadas positivamente por autoridades angolanas (equivalentes ao Ministério do Trabalho e Emprego)", afirma a Biocom em nota divulgada após a celebração do acordo.
A empresa diz cumprir "rigorosamente a legislação trabalhista vigente" e contar com cerca de 2.100 empregados, dos quais 1.940 angolanos. A companhia disse ainda esperar que "o valor atribuído no acordo celebrado reverta em benefício da sociedade brasileira".
Durante a ação, a empresa afirmou que nunca "existiu qualquer cerceamento de liberdade de qualquer trabalhador nas obras de Biocom", que as condições foram "adequadas às normas trabalhistas e de saúde e segurança vigentes em Angola e no Brasil" e que não tinha responsabilidade sobre a obra por ter participação minoritária na usina.
Más condições e doenças
Em nota divulgada após o acordo, o MPT afirma que "os operários envolvidos em montagens industriais trabalhavam em condições análogas às de escravo, particularmente no que se refere a instalações sanitárias, áreas de vivência, alimentação e água para beber".
O órgão diz que exames médicos de trabalhadores retornados de Angola mostraram que vários "apresentaram febre, dor de cabeça, dor abdominal, diarreia, náuseas, fezes com sangue, emagrecimento, e alguns apresentaram suspeita de febre tifoide".
As obras na usina pertenciam à Biocom, que tinha como sócios a Odebrecht, a estatal angolana Sonangol e a Damer, empresa de dois generais e do atual vice-presidente angolano, Manuel Vicente.
O MPT diz que provas produzidas durante a investigação revelaram que a Odebrecht Agroindustrial acabou assumindo a gestão da usina após o início das obras.
Embora as condições denunciadas na ação afetassem trabalhadores brasileiros e angolanos, a empresa jamais foi processada no país africano.
'Não existe corrupção do bem'
Ninguém quer um Estado policial. Queremos que seja preservado o devido processo legal e o direito de defesa. Mas queremos um Estado onde as pessoas sejam devidamente punidas. Um Estado que puna os empresários que fraudem licitações, os operadores do mercado financeiro que lucrem com insider trading, os gestores de fundos de pensão que desviem recursos. Não existe corrupção do bemLuís Roberto Barroso, ministro do STF
Fora da validade
O Brasil está se descobrindo cada dia mais podre para o mal do povo e infelicidade geral da nação. Não foi assim que o país se via desde os tempos da frase célebre de d. Pedro I, que desejava o bem geral.
Definitivamente, apodreceu o espírito nacional com o corpo governamental e empresarial contaminado pela corrupção. (E ainda falta levantar que crimes ocorrem na saúde, educação e por aí vai. Ou acham que aí não houve contaminação?)
Vive-se na incerteza da podridão sem que os responsáveis pelo que apelidamos de governo tenham a vergonha na cara de anunciar providências, que não meras notas ou comunicados de imprensa. Temer, que se assanhou com os leilões dos aeroportos, vindo logo a divulgar notinha de auto-elogio, deveria comprar essa e outras brigas para, no mínimo, não entrar para a História vergonhosamente como Temer, o Conciliador.
Presidir um país não é o mesmo que presidir o saco de gatos peemedebista ou a Câmara de escândalos, como vem fazendo desde a ascenção ao Planalto.
A ação da Polícia Federal nos grandes frigoríficos nacionais, os campões nacionais que tinham porteiras abertas no BNDES para apanhar carregamentos de dinheiro, escancara o apodrecimento geral de um país. Não só se comia e come carne estragada, no embalo dos milionários anúncios televisivos, mas ainda se promovia a esperteza de exportar salmonela para o exterior, segundo as denúncias.
Se até então o brasileiro vivia com o roubo e o rombo públicos da Lava Jato, agora descobre que nem seu corpo foi poupado da infecção corruptiva.
O crime contra a saúde nacional se soma ao prejuízo à economia com o escândalo internacionalizado. O maior exportador de carne do mundo pode ver suas contas baixarem no setor, porque os estrangeiros prezam a saúde dos seus cidadãos e vão querer a mais rigorosa fiscalização para importar o produto brasileiro.
Definitivamente, apodreceu o espírito nacional com o corpo governamental e empresarial contaminado pela corrupção. (E ainda falta levantar que crimes ocorrem na saúde, educação e por aí vai. Ou acham que aí não houve contaminação?)
Presidir um país não é o mesmo que presidir o saco de gatos peemedebista ou a Câmara de escândalos, como vem fazendo desde a ascenção ao Planalto.
A ação da Polícia Federal nos grandes frigoríficos nacionais, os campões nacionais que tinham porteiras abertas no BNDES para apanhar carregamentos de dinheiro, escancara o apodrecimento geral de um país. Não só se comia e come carne estragada, no embalo dos milionários anúncios televisivos, mas ainda se promovia a esperteza de exportar salmonela para o exterior, segundo as denúncias.
Se até então o brasileiro vivia com o roubo e o rombo públicos da Lava Jato, agora descobre que nem seu corpo foi poupado da infecção corruptiva.
O crime contra a saúde nacional se soma ao prejuízo à economia com o escândalo internacionalizado. O maior exportador de carne do mundo pode ver suas contas baixarem no setor, porque os estrangeiros prezam a saúde dos seus cidadãos e vão querer a mais rigorosa fiscalização para importar o produto brasileiro.
Luiz Gadelha
Aquelas mãos de mulher levando em silêncio a lista dos malditos de Janot
Eram cinco em ponto da tarde, a hora do poeta espanhol García Lorca. As caixas com os nomes dos malditos da lista de Janot chegaram ao prédio da Suprema Corte em dois carros escuros. Pelo subsolo, foram carregadas apenas por mãos femininas até o cofre blindado.
Por que o procurador-geral, Rodrigo Janot, escolheu somente braços femininos para transportar a preciosa, e para muitos maldita, caixa de Pandora com 320 pedidos de investigação por crimes de corrupção? Entre eles figuram, de acordo com os primeiros vazamentos, além de senadores, deputados e governadores, nada menos do que o presidente do Senado, o presidente da Câmara dos deputados e os dois últimos presidentes da República, Dilma Rousseff e Lula da Silva.
Vendo as imagens daquelas mulheres levando solenes, em silêncio, as caixas pelos corredores do Supremo, uma apresentadora da Globo News perguntou: “Por que só mulheres?” “Por que não escolheram braços masculinos para carregar aquele peso?” Não obteve resposta.
Não era difícil fazer aquela pergunta, assim com não é o fato de usar aquelas imagens como metáfora, que levam a outras perguntas: Será que Janot confiou mais na lealdade e na prudência feminina para transportar aquele material precioso e incendiário, capaz de tirar o sono da nata da classe política?
A mulher, sabemos, continua discriminada, também no campo da política, apesar de todos os movimentos feministas do mundo. Na Câmara, que tem mais de 500 deputados, apenas 40 são mulheres. E no Senado se contam nos dedos das mãos. Entre os governadores creio que há apenas uma mulher. E quando o presidente Temer formou seu primeiro Governo não havia nenhuma ministra.
Elas são igualmente corruptas que os homens? Algumas sim, a maioria não. E isso por que são mais puras do que eles? Não. Talvez porque a mulher veja a política como feminina e tenha repugnância a virilizá-la com a corrupção de bens que deveriam servir para aliviar a dor dos mais frágeis. E em relação ao social (não me crucifiquem) a mulher é mais sensível do que o homem.
Elas são capazes, melhor do que o homem, de ver o poder como serviço e não como privilégio. Têm mais pudor em roubar do que os homens. É só ir às prisões e ver a imensa desproporção entre presos e presas. E isso acontece em todo o mundo, embora elas sejam maioria do planeta.
Discute-se como regenerar a política. Certamente seria mais próxima da vida se nela convivessem mais mulheres, que melhor conhecem, por exemplo, o que é ser chefe de família entre os pobres. São elas que conhecem, melhor do que nós, a dor do mundo.
Também existem as mulheres sedentas de poder, ladras, cúmplices, incompetentes? Claro que sim. Algumas também estão na lista maldita. Nunca, no entanto, tantas, proporcionalmente, e com tão pouco pudor quanto os homens.
Talvez a delicada tarefa de confiar a lista de Janot a mãos femininas tenha sido uma homenagem por causa da discriminação que a mulher continua e continuará sofrendo por muito tempo na política.
Além disso, porque, quando chegam as eleições, terrível paradoxo, as mulheres preferem continuar votando “neles”.
Por que o procurador-geral, Rodrigo Janot, escolheu somente braços femininos para transportar a preciosa, e para muitos maldita, caixa de Pandora com 320 pedidos de investigação por crimes de corrupção? Entre eles figuram, de acordo com os primeiros vazamentos, além de senadores, deputados e governadores, nada menos do que o presidente do Senado, o presidente da Câmara dos deputados e os dois últimos presidentes da República, Dilma Rousseff e Lula da Silva.
Vendo as imagens daquelas mulheres levando solenes, em silêncio, as caixas pelos corredores do Supremo, uma apresentadora da Globo News perguntou: “Por que só mulheres?” “Por que não escolheram braços masculinos para carregar aquele peso?” Não obteve resposta.
Não era difícil fazer aquela pergunta, assim com não é o fato de usar aquelas imagens como metáfora, que levam a outras perguntas: Será que Janot confiou mais na lealdade e na prudência feminina para transportar aquele material precioso e incendiário, capaz de tirar o sono da nata da classe política?
A mulher, sabemos, continua discriminada, também no campo da política, apesar de todos os movimentos feministas do mundo. Na Câmara, que tem mais de 500 deputados, apenas 40 são mulheres. E no Senado se contam nos dedos das mãos. Entre os governadores creio que há apenas uma mulher. E quando o presidente Temer formou seu primeiro Governo não havia nenhuma ministra.
Elas são igualmente corruptas que os homens? Algumas sim, a maioria não. E isso por que são mais puras do que eles? Não. Talvez porque a mulher veja a política como feminina e tenha repugnância a virilizá-la com a corrupção de bens que deveriam servir para aliviar a dor dos mais frágeis. E em relação ao social (não me crucifiquem) a mulher é mais sensível do que o homem.
Elas são capazes, melhor do que o homem, de ver o poder como serviço e não como privilégio. Têm mais pudor em roubar do que os homens. É só ir às prisões e ver a imensa desproporção entre presos e presas. E isso acontece em todo o mundo, embora elas sejam maioria do planeta.
Discute-se como regenerar a política. Certamente seria mais próxima da vida se nela convivessem mais mulheres, que melhor conhecem, por exemplo, o que é ser chefe de família entre os pobres. São elas que conhecem, melhor do que nós, a dor do mundo.
Também existem as mulheres sedentas de poder, ladras, cúmplices, incompetentes? Claro que sim. Algumas também estão na lista maldita. Nunca, no entanto, tantas, proporcionalmente, e com tão pouco pudor quanto os homens.
Talvez a delicada tarefa de confiar a lista de Janot a mãos femininas tenha sido uma homenagem por causa da discriminação que a mulher continua e continuará sofrendo por muito tempo na política.
Além disso, porque, quando chegam as eleições, terrível paradoxo, as mulheres preferem continuar votando “neles”.
Num mato sem cachorro
Se há uma conclusão do jantar, que reuniu dois ministros dos TSE e STF, ministros de Temer, parlamentares e diplomatas, é que alguma coisa é preciso fazer, não para secar a Lava Jato, mas para atacar os males do sistema político sem implodir o Congresso, ferir o Executivo e resvalar no Judiciário.
Mas, ninguém sabe exatamente o quê fazer, nem como. Os políticos estão num mato sem cachorro e não sabem como sair para chegar a 2018
A explosão do presidente
Ao aterrissar no aeroporto Santos Dumont, o então avião presidencial, o BAC-One Eleven, raspou sua cauda na pista. Mesmo assim, taxiou normalmente, até a parada dos motores. O chefe da Segurança, coronel Vale, alertou os passageiros para que deixassem rapidamente a aeronave, que poderia explodir. Recomendou ao presidente Costa e Silva, que corresse. O velho general irritou-se e respondeu: “O presidente explode mas não corre!”
O episódio se conta a propósito de outro presidente que, às voltas com a explosão de seu governo, procura manter uma postura de normalidade. Apesar de seis de seus ministros estarem incluídos na lista do Janot, passíveis de condenação, Michel Temer recomendou a todos continuarem no exercício de suas funções, como se nada tivesse acontecido.
A gente fica pensando no que acontecerá caso Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil, puxando a fila de outros, venha a se transformar em réu do Lava Jato. Conseguirá o presidente preservar a dignidade de seu governo? Quando pipocarem evidências de malfeitos de parte de sua equipe, junto com as demissões, receberão a protocolar carta de elogios e agradecimentos pelos serviços prestados?
Não seria melhor dispensá-los antes, em silêncio, para evitar o vexame? Nada parece mais oportuno do que uma reforma do ministério, ampla, geral e irrestrita. Até hoje o governo, com raras exceções, tem sido um condomínio de facções partidárias ávidas de participar do poder e de suas benesses. Desafia-se que alguém, hoje, possa citar na ponta da língua, os nomes de todos os ministros e suas respectivas filiações. Muito menos suas realizações.
A oportunidade é ímpar para trocar todo mundo, abrindo espaços para a convocação de auxiliares sem compromisso com a corrupção. Fora daí, o risco é de Michel Temer explodir, junto com as instituições…
O episódio se conta a propósito de outro presidente que, às voltas com a explosão de seu governo, procura manter uma postura de normalidade. Apesar de seis de seus ministros estarem incluídos na lista do Janot, passíveis de condenação, Michel Temer recomendou a todos continuarem no exercício de suas funções, como se nada tivesse acontecido.
A gente fica pensando no que acontecerá caso Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil, puxando a fila de outros, venha a se transformar em réu do Lava Jato. Conseguirá o presidente preservar a dignidade de seu governo? Quando pipocarem evidências de malfeitos de parte de sua equipe, junto com as demissões, receberão a protocolar carta de elogios e agradecimentos pelos serviços prestados?
Não seria melhor dispensá-los antes, em silêncio, para evitar o vexame? Nada parece mais oportuno do que uma reforma do ministério, ampla, geral e irrestrita. Até hoje o governo, com raras exceções, tem sido um condomínio de facções partidárias ávidas de participar do poder e de suas benesses. Desafia-se que alguém, hoje, possa citar na ponta da língua, os nomes de todos os ministros e suas respectivas filiações. Muito menos suas realizações.
A oportunidade é ímpar para trocar todo mundo, abrindo espaços para a convocação de auxiliares sem compromisso com a corrupção. Fora daí, o risco é de Michel Temer explodir, junto com as instituições…
Como os canalhas fraudam a democracia
A tentativa de instituir o voto em lista fechada é a manobra mais descarada desde o início das operações da Lava Jato. Supera, em despudor, a missão do Bessil levando a Lula o ato que o homiziaria no ministério de Dilma. É mais desavergonhada do que a "anistia do caixa 2". A democracia dos canalhas alcança seu apogeu com algo tão indecente na motivação, tão contra a democracia na concepção e tão escancaradamente desonesto que estará coberto de razão o cidadão que registrar, na polícia, um boletim de ocorrência.
A ideia e a intenção estão em todos os noticiários desta sexta-feira 17 de março. Seus promotores, grandes figurões da política nacional, estão preocupados com os prejuízos eleitorais que lhes advêm do conhecimento de seus crimes e de suas inclusões nas listas de Janot. O que conceberam pode ser descrito como um gigantesco iceberg político sem nada submerso. Da ponta à base, o mastodonte está inteiramente visível nas páginas dos jornais. Nosso país nunca adotou o voto em lista fechada exatamente pelo motivo que, agora, a organização criminosa atuante na política brasileira passou a vê-lo com bons olhos: ele esconde os candidatos e o voto deixa de ser direto e pessoal.
Com efeito, nesse sistema:
1) cada partido elabora uma lista com os nomes em disputa;
2) no dia da eleição, o eleitor escolhe e vota na lista de sua preferência;
3) o percentual de votos dados a cada lista, em relação ao total de sufrágios da eleição, define quantas cadeiras cabem a cada partido;
4) são os partidos que estabelecem a ordem dos nomes nas respectivas listas;
5) é dentro dessa ordem que as cadeiras são preenchidas (se um partido tiver direito a dez cadeiras, por exemplo, os dez primeiros nomes de sua lista serão titulares).
Com medo da reação da sociedade ante os escândalos em que estão envolvidos, os piores elementos da vida pública brasileira, candidatos preferenciais a serem varridos das urnas em 2018, encontraram no voto em lista fechada um modo de se elegerem sem necessidade de encarar individualmente os eleitores. Pretendem, com essa manobra, retomar cadeiras e preservar o foro privilegiado escondidos na lista partidária, mais ou menos como se dá comprimido para cachorro, disfarçado dentro de um naco de carne. É assim, escondidos e sem votos pessoais, mascarados, que eles querem voltar aos negócios em 2018. Antes, desfiguravam a representação política comprando votos e abusando do poder econômico com dinheiro mal havido; agora, querem continuar abastardando a democracia com o voto em lista fechada.
Com efeito, nesse sistema:
1) cada partido elabora uma lista com os nomes em disputa;
2) no dia da eleição, o eleitor escolhe e vota na lista de sua preferência;
3) o percentual de votos dados a cada lista, em relação ao total de sufrágios da eleição, define quantas cadeiras cabem a cada partido;
4) são os partidos que estabelecem a ordem dos nomes nas respectivas listas;
5) é dentro dessa ordem que as cadeiras são preenchidas (se um partido tiver direito a dez cadeiras, por exemplo, os dez primeiros nomes de sua lista serão titulares).
Com medo da reação da sociedade ante os escândalos em que estão envolvidos, os piores elementos da vida pública brasileira, candidatos preferenciais a serem varridos das urnas em 2018, encontraram no voto em lista fechada um modo de se elegerem sem necessidade de encarar individualmente os eleitores. Pretendem, com essa manobra, retomar cadeiras e preservar o foro privilegiado escondidos na lista partidária, mais ou menos como se dá comprimido para cachorro, disfarçado dentro de um naco de carne. É assim, escondidos e sem votos pessoais, mascarados, que eles querem voltar aos negócios em 2018. Antes, desfiguravam a representação política comprando votos e abusando do poder econômico com dinheiro mal havido; agora, querem continuar abastardando a democracia com o voto em lista fechada.
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