sábado, 17 de fevereiro de 2018

Principal objetivo da intervenção no Rio foi lançar a candidatura de Temer

Ao apontar a inconstitucionalidade do ato presidencial que decretou a intervenção na área de segurança pública do Rio de Janeiro, o jurista Jorge Béja está inteiramente com a razão. Na realidade, a União (governo federal) não tem poderes para intervir em órgão estadual sem destituir o governador. Mas o texto constitucional dá uma suposta margem à dubiedade, existe um clamor público pela intervenção e o Planalto resolveu aproveitar a oportunidade para colocar na rua a campanha de Temer pela reeleição. Porém, na forma da lei, “non ecziste” esta possibilidade de o presidente da República intervir em uma Secretaria estadual, como diria o Padre Óscar Quevedo.

Além disso, o governo federal também não pode intervir em municípios, porque a competência é do respectivo governo estadual (art. 35 da Constituição).

Já tivemos um exemplo dessa impossibilidade em 2005, quando o então presidente Lula da Silva baixou um decreto declarando “estado de calamidade pública” na rede do Sistema Único de Saúde (SUS) do Rio de Janeiro e “determinando intervenção federal” em seis dos mais importantes hospitais da cidade.

O prefeito era Cesar Maia, que impetrou mandado de segurança, e o Supremo considerou inconstitucional, por unanimidade, a intervenção do governo federal em dois hospitais municipais do Rio de Janeiro, o Souza Aguiar e o Miguel Couto. “Na verdade, há uma intervenção federal disfarçada, não somente inconstitucional, mas inconstitucionalíssima“, afirmou o então ministro Carlos Velloso. “Esse caso revela de forma escancarada o momento vivido, de perda de parâmetros“, emendou o ministro Marco Aurélio de Mello. “O governo não pode, mas interveio à margem da carta da República [Constituição]“, continuou Mello, que ainda é ministro e agora vai julgar a intervenção na era Temer.

Embora a intervenção seja claramente inconstitucional, há possibilidade de o Supremo até aceitá-la, devido ao clamor público contra a violência. Mas não há dúvida de que isso não vai adiantar nada, os comandantes militares estão obedecendo a ordem de Temer a contragosto, nenhum dos três apoia que o combate à criminalidade seja da responsabilidade das Forças Armadas.

Na verdade, em Brasília todos sabem que a intervenção foi decretada apenas para lançar sorrateiramente a candidatura de Temer á reeleição. Pela primeira, desde sua posse em maio de 2016, ele apareceu em cadeia nacional na TV e até exibiu a mais recente cirurgia plástica. Ele já fez várias – nariz, implante de cabelos, esticamento, peeling, além da correção da miopia. Agora, colocou silicone nas maças do rosto, mas o cirurgião calculou mal a dosagem e Temer ficou com dois buracos nas bochechas, bastante notados nesta primeira aparição na cadeia (da TV, por enquanto).

Temos que falar sobre segurança, mas nossos políticos falam pouco e falam mal

A segurança pública deve ser um dos principais temas da corrida presidencial deste ano. Mas o debate deveria ser pautado em fatos e evidências, não em discursos simplistas. Membros da “bancada da bala” do Congresso — muitos dos quais provavelmente concorrerão à reeleição — vêm propondo projetos de lei que só piorariam a já deteriorada situação.

Por exemplo, defendem endurecer as punições, para diminuir a criminalidade. Porém, aumentar o tempo que as pessoas passam nas já superlotadas cadeias do Brasil representaria um presente às facções criminosas. Essas transformaram as prisões em verdadeiros campos de recrutamento: oferecem aos que ingressam no sistema uma segurança que as autoridades prisionais não garantem, e exigem, em troca, que os presos continuem fazendo parte da facção ao serem liberados.

Os mesmos políticos defendem que julgar e punir jovens de 16 e 17 anos como adultos melhorará a segurança. Não oferecem, porém, nenhuma evidência que sustente essa afirmação. Enquanto isso, estudos nos EUA mostram que adolescentes que são processados no sistema criminal para adultos têm mais chances de reincidir nos crimes depois de soltos em comparação com aqueles adolescentes que respondem no sistema de justiça juvenil.

O que o Congresso deveria fazer é aprovar reformas abrangentes para reduzir o número de presos provisórios no Brasil, e garantir segurança tanto aos adolescentes no sistema socioeducativo quanto aos adultos no sistema prisional, e oferecer-lhes reais oportunidades de trabalho e educação para que possam mudar o rumo de suas vidas.

Há também uma inação desastrosa do Congresso e de outras autoridades em relação a outras áreas para as quais o Brasil precisa desesperadamente de reformas.

A impunidade nos casos de violência policial enfraquece sobremaneira a segurança pública, mas um projeto de lei que aperfeiçoaria as investigações de homicídios cometidos por policiais está parado em Brasília há anos. Que morador de comunidade se apresentaria como testemunha ou denunciaria à polícia crimes ou criminosos depois de ver policiais agredindo e executando pessoas ou recebendo propinas de criminosos?

Esses abusos também colocam sob risco de represália outros policiais, em serviço ou fora de serviço. Além disso, vários policiais militares no Rio de Janeiro me relataram que não denunciaram os crimes de seus colegas por medo de possíveis retaliações, e até de serem mortos.

Mesmo após mais de uma década da aprovação da lei “Maria da Penha” de 2006, para coibir a violência doméstica, a sua implementação ainda está incompleta. Delegacias da mulher não têm funcionários suficientes, geralmente fecham durante a noite e aos finais de semana, e permanecem concentradas nas grandes cidades. Nossas pesquisas apontam que milhares de denúncias de violência doméstica não são investigadas adequadamente e jamais chegam aos tribunais.

Embora grande parte do mundo veja agora as drogas como uma questão de saúde pública, o Brasil continua com a sua retrógrada política de “guerra às drogas”, que contribui para a superlotação das prisões, violência nas ruas e o fortalecimento das facções criminosas. O Brasil deveria descriminalizar o uso de drogas e considerar reformas ainda mais profundas.

Eleições presidenciais apresentam uma excelente oportunidade para o debate público dos problemas de um país. Os brasileiros não devem ser iludidos por propostas que vêm fracassando há décadas. 

Imagem do Dia

Ilhas Skellig (Irlanda)

Gastos com servidores crescem três vezes ais que a inflação

As medidas tomadas pelo governo para conter o crescimento dos gastos com servidores — os concursos estão sendo liberados a conta-gotas — têm dado poucos resultados. Sem uma reestruturação profunda nas carreiras do funcionalismo, as despesas com pessoal chegarão a níveis alarmantes, tornando ainda mais complicado o ajuste fiscal. Nos últimos seis anos, o aumento médio real da folha salarial, incluindo ativos e inativos, foi de 6,5% ao ano. Em 2017, especificamente, esses gastos cresceram três vezes mais do que a inflação oficial (2,95%).

Diante desses números, não resta dúvida de que, tirada a reforma da Previdência Social do radar (aprovada, ou não), o governo terá que se debruçar sobre o projeto que muda toda a estrutura do funcionalismo. Não é possível que servidores continuem entrando no serviço público ganhando de R$ 15 mil a R$ 20 mil por mês, salários próximos aos daqueles que estão à beira de se aposentarem. Com esses rendimentos iniciais, não há estímulo para que executem bem as suas funções. Ao longo do tempo, acabam se acomodando, pois falta um plano de carreiras que premie os melhores com promoções.

A reestruturação das carreiras do funcionalismo público foi alvo de intensos estudos pelo Ministério do Planejamento no ano passado. Depois de analisar toda a estrutura salarial de cada grupo — são mais de 200 —, o órgão produziu um projeto de lei que limpa o modelo atual e corrige as distorções. A proposta com as mudanças está na Casa Civil e prevê salários iniciais de até R$ 2,8 mil nos cargos de nível médio e de até R$ 5 mil nos de nível superior.

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Os servidores que entrarem no governo já nessas condições levarão pelo menos 20 anos para atingir os salários máximos da carreira, num sistema meritório, muito parecido com o que prevalece na iniciativa privada. A medida, se aprovada pelo Congresso, obrigará os funcionários federais a se capacitarem, a provarem que são bons e que merecem ter reajustes nos contracheques. Mais que isso, eles terão que dar retorno adequado à sociedade, sobretudo por meio da prestação de serviços. Hoje, mesmo custando caríssimo, o Estado dá um péssimo atendimento aos contribuintes.

Na avaliação de Arnaldo Lima, assessor especial do Planejamento, o projeto que reestrutura as carreiras do funcionalismo não deve provocar tanta polêmica. Ele acredita que há uma consciência de que os gastos com servidores não podem continuar crescendo, indefinidamente, acima da inflação. Com o teto dos gastos, mantido o atual ritmo de expansão da folha salarial, o governo terá que tirar recursos de áreas essenciais para custear a folha de pessoal. A situação é tão dramática que a União vem bancando uma série de despesas por meio da emissão de dívidas. Ou seja, o Tesouro Nacional já não arrecada o suficiente para cobrir despesas corriqueiras. Pior, corre o risco de incorrer em crime de responsabilidade fiscal.

Se a situação já é difícil na União, o quadro se torna dramático entre estados e municípios. Pelos cálculos do assessor do Planejamento, os gastos com salários têm aumentado, em média, 20% ao ano acima da inflação. Quer dizer: a cada quatro ou cinco anos, as despesas com o funcionalismo dobram de tamanho. Não há país que consiga sustentar tamanha fatura. Não por acaso, estados como o Rio de Janeiro, o Rio Grande do Sul e o Rio Grande do Norte estão quebrados, deixando os cidadãos ao deus-dará. A violência no carnaval carioca é o exemplo mais contundente do descalabro desses estados.

Lima ressalta que os servidores ativos e inativos da União consomem, por ano, 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB). Quando essa conta considera estados e municípios, mas só computa os que estão trabalhando, a fatura corresponde a 10,5% de todas as riquezas produzidas pelo país. Isso mesmo: de cada R$ 100 de tudo o que o Brasil produz por ano, R$ 10,50 vão para o pagamento de servidores da ativa. Essas despesas são superiores à verificada na média dos países ricos, de 10%, segundo levantamento da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Muitos dos problemas que estão sendo enfrentados pela União e por estados e municípios foram causados por governos perdulários e irresponsáveis, que deram reajustes salariais e incharam a máquina de servidores como se o dinheiro dos contribuintes fosse infinito. No caso da administração federal, há aumentos salariais contratados até 2019, o que fará com que a folha de pessoal continue subindo muito além da inflação. O reajuste previsto para este ano foi parar na Justiça e está sendo pago por meio de uma liminar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF).

“Os gastos da União com servidores sobem muito por conta dos reajustes concedidos nos últimos anos e por conta dos aumentos vegetativos, como os dados a pessoas que mudam de função”, explica Arnaldo Lima. Ele destaca que, no Executivo, o salário médio está hoje ligeiramente acima de R$ 10 mil por mês. No Judiciário e no Legislativo, as remunerações médias variam entre R$ 16 mil e R$ 17 mil. Isso, sem nenhum dos penduricalhos que incham os contracheques. Segundo o Banco Mundial, na média, os funcionários públicos no Brasil recebem 67% a mais do que os trabalhadores da iniciativa privada. É uma transferência de riqueza impressionante para um grupo pequeno de brasileiros.

Alegria? Será mesmo alegria? Tenho cá minhas dúvidas

Todos temos pequenas ou grandes alegrias em nosso dia a dia. O nascimento de um filho. Um diploma arduamente perseguido. Uma doença vencida. O regresso de um amigo muito querido. O sucesso profissional que tanto desejávamos…

São alegrias que alimentam nossas esperanças de um futuro sempre melhor.

Não são a essas alegrias individuais que eu me refiro e sim à alegria coletiva. Nessa, não acredito mais. Como aceitar o peixe que me querem vender de que essas milhares de pessoas pelo Brasil afora estão dançando e cantando porque estão alegres?
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Paraíso da Tuiutí, 2018
Vem cá, alegres com o quê? Com a situação econômica do país? Com o Governo Federal? Com nossos políticos? Com a Justiça mais lenta que uma tartaruga de Galápagos? Ou com o desmoronamento de construções malfeitas, mal planejadas, mal administradas, carentes de manutenção?

Aqui, a ciclovia Tim Maia foi novamente palco de um desmoronamento inacreditável! Inaugurada em janeiro de 2016, vão culpar o forte temporal que castigou ontem o Rio. Vão culpar Santa Barbara! Mas, vamos ser francos, vocês acham que essa ciclovia foi bem planejada, bem construída, serve como orgulho da engenharia nacional? Ou nos envergonha?

Aliás, durante muito tempo, os Crivellas e os Pezões da vida vão usar o temporal de ontem para justificar o estado lastimável em que está nossa cidade. E o povo, o que dirá o povo? Ah! essa resposta só teremos no próximo carnaval, quando as escolas, espertas que são, dirão o que pensa a população desta cidade que aplaude e vibra com o desfile das escolas dominadas por pessoas que exercem atividades que finge lastimar.

Há poucos dias ruiu em Brasília um trecho de um viaduto e o governador da cidade (você não leu errado, Brasília, nosso Distrito Federal, tem governador, senador e deputado), repetindo, o governador da capital disse que provavelmente o viaduto ruiu porque Brasília é uma cidade envelhecida! Recomendo a esse ilustre senhor que vá a Roma e pesquise porque até as ruínas históricas de lá ainda estão em pé…

Deu a louca no mundo, é o que parece. Aqui, foi esse Carnaval animadíssimo, algum ET lá de cima há de achar que somos uma ilha de felicidade, onde a alegria comanda o show da vida.

Nos EUA, país onde o direito de possuir armas de fogo é garantido pela Constituição, e onde massacres com muitos mortos está se tornando rotineiro, onde, nas palavras de um estudante, o sangue inunda as salas e os corredores de muitas escolas, o que faz o topetudo que em má hora os americanos elegeram como presidente? Fala de tudo, menos em lutar para acabar com esse direito que foi colocado naquele documento em 1787, outro mundo, outras pessoas, outra situação.

É pena. Esse nosso continente tão lindo endoidou…

Principal objetivo da intervenção no Rio foi lançar a candidatura de Temer

Ao apontar a inconstitucionalidade do ato presidencial que decretou a intervenção na área de segurança pública do Rio de Janeiro, o jurista Jorge Béja está inteiramente com a razão. Na realidade, a União (governo federal) não tem poderes para intervir em órgão estadual sem destituir o governador. Mas o texto constitucional dá uma suposta margem à dubiedade, existe um clamor público pela intervenção e o Planalto resolveu aproveitar a oportunidade para colocar na rua a campanha de Temer pela reeleição. Porém, na forma da lei, “non ecziste” esta possibilidade de o presidente da República intervir em uma Secretaria estadual, como diria o Padre Óscar Quevedo.

Além disso, o governo federal também não pode intervir em municípios, porque a competência é do respectivo governo estadual (art. 35 da Constituição).
Já tivemos um exemplo dessa impossibilidade em 2005, quando o então presidente Lula da Silva baixou um decreto declarando “estado de calamidade pública” na rede do Sistema Único de Saúde (SUS) do Rio de Janeiro e “determinando intervenção federal” em seis dos mais importantes hospitais da cidade.


O prefeito era Cesar Maia, que impetrou mandado de segurança, e o Supremo considerou inconstitucional, por unanimidade, a intervenção do governo federal em dois hospitais municipais do Rio de Janeiro, o Souza Aguiar e o Miguel Couto. “Na verdade, há uma intervenção federal disfarçada, não somente inconstitucional, mas inconstitucionalíssima“, afirmou o então ministro Carlos Velloso. “Esse caso revela de forma escancarada o momento vivido, de perda de parâmetros“, emendou o ministro Marco Aurélio de Mello. “O governo não pode, mas interveio à margem da carta da República [Constituição]“, continuou Mello, que ainda é ministro e agora vai julgar a intervenção na era Temer.

Embora a intervenção seja claramente inconstitucional, há possibilidade de o Supremo até aceitá-la, devido ao clamor público contra a violência. Mas não há dúvida de que isso não vai adiantar nada, os comandantes militares estão obedecendo a ordem de Temer a contragosto, nenhum dos três apoia que o combate à criminalidade seja da responsabilidade das Forças Armadas.

Na verdade, em Brasília todos sabem que a intervenção foi decretada apenas para lançar sorrateiramente a candidatura de Temer á reeleição. Pela primeira, desde sua posse em maio de 2016, ele apareceu em cadeia nacional na TV e até exibiu a mais recente cirurgia plástica. Ele já fez várias – nariz, implante de cabelos, esticamento, peeling, além da correção da miopia. Agora, colocou silicone nas maças do rosto, mas o cirurgião calculou mal a dosagem e Temer ficou com dois buracos nas bochechas, bastante notados nesta primeira aparição na cadeia (da TV, por enquanto).

Paisagem brasileira

Rio de Janeiro com Corcovado ao fundo (1935), Lucílio de Albuquerque

Juízes, respeitem a cidadania!

A campanha contra a corrupção atinge décadas de existência, no mundo e no Brasil. Fenômeno social, político, econômico, suas causas e seus resultados têm muitos sentidos. Erro é o entender com análises que o cindem entre o bem e mal, o aceitável e o proibido. Oportunismos vários recortam a vida coletiva de maneira maniqueísta: o nosso lado nunca sofre erros; já o canto oposto... responde por tudo o que dissolve os laços éticos. Tais indignações sempre são seletivas. Pode nosso parceiro cometer as piores vilanias, ele encontrará desculpas em nossas almas. Mas as hostes inimigas, mesmo em caso de pecadilho, transformam-no no agente de Lúcifer.

Se escutamos fanáticos que agem segundo slogans, pouco podemos reclamar do seu primarismo. Seitas seguem líderes de modo apaixonado. Basta que sejam ouvidas falas contrárias às do agrupamento, logo os gestos se tornam agressivos. O pensamento exige diálogo entre diferentes (a mesmice impede saberes novos), mas o sectário nada capta sobre realidades complexas. Preocupa, no entanto, encontrar pessoas que deveriam dedicar-se à reflexão, mas aceitam esquemas binários. Elas racionalizam fatos, dão aos parceiros frases para justificar táticas hediondas.


Baseado em tal constatação, Jean-Paul Sartre distingue o filósofo do ideólogo. O primeiro busca o verdadeiro, o segundo dispensa a busca factual e lógica. O próprio Sartre agiu com as duas faces, a filosófica e a ideológica. A primeira, ao investigar a liberdade, os atos intencionais da consciência. A segunda, ao defender regimes como o da União Soviética. Mas ele se ergueu contra a invasão da Hungria em 1956. O mesmo indivíduo pode assumir certa atitude, depois outra. Imaginemos povos inteiros, cuja oscilação entre o pacífico e o truculento, o moral e o criminoso, conduz às guerras.

A campanha contra a corrupção exige cautelas. Na História temos casos de indivíduos que, ao guerrear o que julgavam corrupto, foram vencidos. O símbolo dos justiceiros encontra-se em Savonarola, “profeta desarmado”. Quando vencia, massas o seguiam, ébrias de certezas. Ai dos pecadores! Acabou na fogueira e a República seguiu costumes de antanho. A frase maquiavélica sobre o monge não é exata: suas armas estavam na mente dos que o idolatravam. Quando popular, o dominicano não precisava mover exércitos. A massa crente, ruidosa como o vendaval, servia-lhe como arma.

No Brasil, surgem inúmeros profetas, sobretudo no Judiciário, líderes da campanha em prol da pureza radical. Quase nenhum deles recorda a experiência do irado monge. Usam a receptividade do tema em estratos da população para atacar corruptos, reais ou supostos. Olvidam o fato notório: a fama aparece e some em pouco tempo. Uma sociedade abriga os mais contraditórios interesses e causas. Em determinado instante, certo tema ocupa as mentes e os corações. Quando surge outra ameaça, o interesse público a teme e amplia.

Todos os que estudaram a famosa Operação Mãos Limpas conhecem o seu instante de glória, quando muitos políticos foram presos, expulsos da vida oficial. Mas depois vieram as réplicas. Juízes e promotores perderam apoio, a Grande Causa foi obliterada pelo ramerrão político ou eleitoral. Partidos foram destroçados. Mas outros, tão corrompidos quanto, surgiram para controlar o Legislativo e o Executivo. E tutto rimane come sempre... Magistrados fundaram partidos que poucos votos tiveram. Hoje eles andam pelo mundo para explicar o seu fracasso. Poucos atores da Mani Pulite criticaram a si mesmos, pois, como é “evidente”, a culpa da hecatombe corrupta deveria ser atribuída aos outros, os ardilosos que agem nas sombras... Outra nota do fanatismo: ele é orgulhoso, deseja para si a perfeição plena. Os defeitos, ora, encontram-se nos terrenos alheios...

O Judiciário brasileiro procura se defender das críticas a ele enviadas pelos diversos setores políticos, sociais, ideológicos, econômicos. As reações contra magistrados a eles soam como crimes de lesa-majestade... divina. Tal atitude foi resumida pela ministra Cármen Lúcia ao inaugurar o atual ano de trabalho. “Não há civilização nacional enquanto o direito não assume a forma imperativa, traduzindo-se em lei. A lei é, pois, a divisória entre a moral e a barbárie”.

O nobre Rui Barbosa que nos desculpe, mas é árduo identificar plenamente “lei” e “juízes”. Da Ágora que condenou Sócrates aos tribunais de exceção do século 20 (e do 21...), muitos e muitos juízes usaram a lei como instrumento de opressão e tirania. É recomendável a leitura do livro tremendo de Eric Voegelin, Hitler e os Alemães. No Brasil da era Vargas e do regime imposto em 1964, juízes em grande quantidade “aplicaram imperativamente as leis” de modo inclemente e desumano. Tais normas ofendiam o Direito, a liberdade, a dignidade dos governados. Cito um correto comentário ao discurso da magistrada: ela não mencionou, mas o Poder Judiciário, “com frequência crescente, descumpre as leis, criando-as à revelia do Congresso, instituição moldada para legislar. (...) As decisões da Justiça devem ser respeitadas. Mas é igualmente certo que, em primeiro lugar, quem deve respeitar a lei é o juiz. O fundamento para o respeito às decisões judiciais não é a autoridade do magistrado, como se sua voz tivesse um valor especial por si só. A decisão da Justiça tem seu fundamento na lei, votada pelo Legislativo e sancionada pelo Executivo” (O Estado de S. Paulo, A responsabilidade do Judiciário, 2/2/2018, A3).

As ordens do Supremo Tribunal Federal são atenuadas mesmo por instâncias inferiores do Judiciário. O caso da Súmula Vinculante de número 11 é claro. Enquanto tal situação permanecer, e o cidadão for humilhado pelo poder sem peias de juízes, sempre que ouvirmos suas falas com ataques à vida social brasileira, devemos proclamar: medice, cura te ipsum (médico, cura a ti próprio)!

Delírios sobre o nada

Se você é um empresário, executivo no desfrute de um emprego ─ sobretudo na área de “Relações Externas” e similares ─ ou tem algum tipo de situação profissional que o coloque na “classe A”, há uma boa probabilidade de já ter dito, ou ouvido dizer no seu círculo social: “É muito ruim que o Lula se transforme num mártir”. Admitindo-se a hipótese de que o ex-presidente possa, eventualmente, vir mesmo a adquirir essa grife de “mártir”, a questão que se coloca é a seguinte: “Muito bem ─ e o que você sugere que seja feito a respeito disso na prática?” Eis aí o ponto central. Se você está preocupado com a possibilidade de que a lei seja cumprida e Lula acabe indo para a cadeia ─ bem, você está com um problema. A dificuldade, no caso, é que não há nada a fazer. Se não houver uma virada de mesa grosseira nos nossos superiores e supremos tribunais de Justiça, algo equivalente aos procedimentos em uso hoje em dia nas altas cortes da Venezuela, a sentença que condenou o ex-presidente a doze anos de prisão terá de ser cumprida. Aí, se ele ficar com uma imagem de santo perseguido, oprimido e injustiçado perante a opinião pública, paciência ─ o Brasil terá de conviver com esse grave problema. A alternativa é rezar para que os nossos mais altos magistrados resolvam que a lei não se aplica no caso de Lula, em nome dos superiores interesses da pátria.


As aflições de uma parte da elite nacional (ou daquilo que costuma ser descrito assim) quanto ao futuro penal de Lula é uma notável comprovação do subdesenvolvimento brasileiro mais clássico. É o contrário do progresso. Sociedade bem sucedida, democrática e próspera cumpre a lei. Sociedade atrasada, injusta e desigual, como é o caso do Brasil, acha que a aplicação da lei precisa ser feita “com cuidado”, pois pode criar sérios problemas. As presentes desventuras do ex-presidente, no entendimento de muitas das mais ilustres cabeças do “Brasil civilizado”, liberal e frequentemente milionário, compõem um “quadro de risco”. Para desmontá-lo, vêm com a conversa obsoleta, medíocre e velhaca de que é preciso ter “criatividade” e buscar saídas de “engenharia política” para obter um “consenso” capaz de “pacificar” os ânimos e preparar o país para a “transição”. Pacificar o que, se não há guerra? Transição para onde? Nada disso se explica com um mínimo de lógica ou de inteligência. A única coisa que se entende, nisso tudo, é a obsessão de passar por cima da lei.

A lenda do martírio de Lula, e das espantosas consequências que isso teria sobre o Brasil e o resto do mundo, é uma dessas coisas construídas em cima do nada. Elas exercem uma atração irresistível sobre o público descrito nas primeiras linhas deste artigo ─ e, ao mesmo tempo, sobre os formadores de opinião, etc. Desde que o ex-presidente teve a sua condenação confirmada pelo Tribunal Federal Regional-4, em fins de janeiro, ficou mais do que comprovado que as grandes massas populares, que deveriam se levantar num movimento de revolta em apoio ao líder, estão pouco ligando para o seu destino. Tratava-se de fato sabido há longo tempo, pela absoluta falta de interesse do público em sair às ruas para defender a causa do PT, mas o debate político insistia em manter a ficção do “levante social”. Agora está mais do que demonstrado que isso não existe ─ e se isso não existe, de onde vem a história de que Lula pode virar um “mártir” se tiver de cumprir sua sentença? Não vem de lugar nenhum. É apenas uma invenção, como as teorias dos seus advogados sobre “falta de provas”, acertos entre magistrados para condenar o réu, desrespeito aos “procedimentos legais” e tantas outras bobagens. É, também, um singular retrato da porção “liberal” das classes ricas deste país. Têm, no seu íntimo, horror de Lula. São contra tudo o que ele diz ─ embora uma boa parte tenha se beneficiado do que ele fez. Não querem que Lula volte a ser presidente. Mas, ao mesmo tempo, querem que ele não seja incomodado em nada. Em matéria de almoço grátis, é o que há.

Com a devida vênia

Revendo velhas fotos de família, encontrei uma de meu avô Candido Motta Filho de toga, com seus colegas do Supremo Tribunal Federal dos anos 60: ministros Ary Franco, Adaucto Lucio Cardoso, Victor Nunes Leal, Nelson Hungria, Evandro Lins e Silva, Prado Kelly, Lafayette de Andrada, Luiz Galotti e Themistocles Cavalcanti, presididos por Orozimbo Era uma como Nonato. verdadeira sabe qualquer seleção estudante brasileira de de Direito. juristas, Ensinaram gerações de juízes e advogados com seus livros, suas aulas e suas sentenças, e se tornaram referência de sabedoria e integridade na vida brasileira. Seus votos são abundantemente citados até hoje. Nomeados por Getúlio Vargas, JK, Jango Goulart e Castelo Branco, alguns foram cassados pela ditadura como subversivos.

Com a devida vênia, seria cruel comparar a qualidade e a independência desse time com a atual formação. Não é saudosismo, é história.

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Como o Brasil não deixou de produzir grandes juristas e advogados, o que teria acontecido? Como e por que começou a decadência? Sim, de lá para cá muitos ministros, alguns notáveis, honraram o Supremo, mas não há como negar a queda vertiginosa de qualidade nos julgamentos e no comportamento do time atual, com honrosas exceções. José Dirceu defendia que as nomeações para o Supremo deveriam ser políticas, para servir aos interesses da “causa popular” e do partido, argumentando que nos Estados Unidos a escolha dos membros da Suprema Corte também era “política” — embora lá o equilíbrio buscado seja entre conservadores e liberais, sem nada a ver com a ideia chavista da Justiça a serviço da “revolução bolivariana".

A partir do governo Lula e da influência de Dirceu, se iniciaram nomeações claramente políticas, com o apoio do Senado. Sem questionar o “notório saber jurídico” exigido pela Constituição, ministros como Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski tinham profundas e públicas ligações com Lula, Dirceu, o partido e o governo. E a partir do mensalão, sob o som e a fúria de Joaquim Barbosa, o Supremo rachou, cresceu em politização e diminuiu em qualidade, serenidade e compostura.

Nelson Motta

Gershwin mostra seu ritmo

Se criar ministério resolvesse, não existiria crise

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Só há dois tipos de governantes: ou o sujeito é parte do problema ou é parte da solução. Michel Temer é parte da encrenca. Há um ano, ele lançou um redentor Plano Nacional de Segurança Pública. Deu em vexame. Agora, o presidente flerta com uma nova velha ideia de gênio. Diante do avanço do crime organizado, Temer cogita criar o Ministério da Segurança Pública. Ah, agora vai!

Hoje, o Brasil gasta R$ 2,4 mil por mês para manter um criminoso atrás das grades. E investe R$ 2,2 mil por ano para custear um estudante do ensino médio numa escola pública. Repetindo: o Estado gasta 13 vezes mais com os presos do que com os estudantes. E não funcionam direito nem as cadeias nem as escolas.

Ninguém respondeu ainda a uma pergunta simples: de onde virá o dinheiro para o reforço da segurança pública? Por ora, a única certeza sólida é a de que a nova pasta a ser criada absorverá a Polícia Federal —o que é um sinal de perigo. No mais, nada de novo sob o Sol. É assim desde os portugueses: rebatiza-se o Cabo das Tormentas de Cabo da Boa Esperança e imagina-se que tudo está resolvido.

O Ministério da Segurança poderia se chamar Gisele Bündchen. Michel Temer continuaria sendo parte do problema. E a crise do setor de segurança não deixaria de ser horrorosa.

Momento crucial

Este é um momento crucial na história do mundo. Com a explosão da tecnologia avançada e os novos paradigmas que ela permitiu, agora temos a capacidade de aumentar substancialmente a riqueza global de forma justa.
Hunger and Democracy 
Os meios estão à disposição para eliminar a pobreza, aumentar a expectativa de vida e criar um sistema de energia global barato e não poluente
Bernie Sanders

Brasil, um retrato 3x4 do subdesenvolvimento

Em 1987, hospedei um suíço que já tinha visitado Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Nunca mais o vi, mas lembro-me de suas palavras ao se despedir: “Estou encantado com seu país, mas fiquei assustado com a desigualdade social; em minha terra, ninguém recebe menos de US$1.000, enquanto poucos ganham acima de US$10 mil”. Os pesquisadores em ciências sociais sabem que justamente essa pequena variação entre o mínimo e o máximo na renda mensal decorre de qualificações equivalentes para o trabalho e do respeito pela produção do outro, consolidando um mercado que dinamiza a economia, ao garantir o acesso de todos aos itens indispensáveis à vida. O Estado austero e eficiente provê os serviços básicos do mundo moderno e presta assistência adequada às categorias fragilizadas.

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Nos últimos dias, com o propósito de desgastar magistrados que têm punido políticos poderosos, houve uma onda de denúncias sobre auxílios previstos em lei para o Judiciário. Conseguiram, entretanto, esconder as mordomias de outros setores para não escancarar a caixa de Pandora, porque grassam, neste país, inúmeros privilégios a muitos que chegam ao poder, sugando preciosos recursos do Estado. Isso amplia o fosso social entre as autoridades e os brasileiros que custeiam a máquina pública. Apesar de razoável avanço tecnológico das últimas décadas, milhões de cidadãos continuam desnutridos; depauperados pelo trabalho braçal, deslocamento diário e casebre desconfortável; analfabetos e manipulados por demagogos; submissos aos xerifes de políticos regionais; doentes sem assistência médica; expostos à violência física e emocional; vulneráveis a doações-suborno e, sobretudo, desesperançados quanto ao futuro dos filhos.

Não é possível que haja prosperidade em país com expressivo número desses indigentes, diante de uma perdulária casta que, usando a própria caneta, cria sempre mais benefícios à custa do erário. O Poder Judiciário tem ainda mais condição para se impor, quando há algum questionamento, mas, certamente, os magistrados incomodam-se com a fabulosa renda de seus antigos colegas de faculdade, que vêm cobrando fortunas para assumir a defesa de nababos pegos nas investigações da Lava Jato. Esses honorários têm sido absurdos, mesmo diante de inúmeros profissionais liberais, que são bem-remunerados, considerando-se o setor produtivo como um todo.

Nossas disparidades de renda são, portanto, fomentadas diuturnamente, desencadeando condições iníquas para parcela significativa da população. Devemos nos lembrar do Rio de Janeiro, que tem um território equivalente ao da Dinamarca; de Sergipe, que é maior que Israel; e de Minas Gerais, cuja área supera a da Espanha em 82 mil km². Há outras 25 unidades federativas, permitindo que o Brasil seja o quinto país do mundo em extensão e em população. Mesmo assim, seus índices socioeconômicos mostram que mais de 100 milhões de cidadãos vivem na miséria e sem futuro.