quarta-feira, 25 de junho de 2025

Pensamento do Dia

 


Trégua de Trump entre Israel e Irã não inclui fim da guerra em Gaza

Com proclamações de vitória de todos os envolvidos, inclusive do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a trégua entre Israel e Irã se manteve durante todo o dia de ontem, apesar das acusações mútuas de que, na segunda-feira, houve violações de parte a parte. O presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, e o comandante das Forças de Defesa de Israel (IDF), general Eyal Zamir, reconheceram publicamente o acordo imposto pela Casa Branca, depois de um alerta de Trump contra novos ataques de Israel contra o Irã, que ameaçava revidar com novos mísseis e drones. A trégua não incluiu, porém, as operações de Israel em Gaza, que massacram a população civil, ao combater o Hamas. Os palestinos estão órfãos.

Na guerra de versões, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, afirmou que Israel alcançou uma “vitória histórica” após 12 dias de conflito, mas que ainda precisa concluir sua campanha contra o “eixo do Irã” — derrotar o Hamas e garantir o retorno dos reféns em Gaza. Do lado do Irã, Pezeshkian também classificou o desfecho como uma “grande vitória” para Teerã. “O Irã retaliou oficialmente à nossa destruição de suas instalações nucleares com uma reação muito fraca, o que esperávamos e que combatemos com muita eficácia”, disse Trump, na rede Truth Social, após se reunir com o Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca.

A trégua é frágil. Há muitas dúvidas sobre a real situação do programa nuclear iraniano, principalmente o destino do estoque de urânio enriquecido. Ainda não estão estabelecidas as condições para uma paz duradoura. Segundo analistas norte-americanos, o fornecimento de eletricidade e parte do maquinário foram danificados, mas a estrutura física das instalações subterrâneas não foi completamente destruída. O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Peter Hegseth, porém, garante que o ataque ordenado por Trump “foi concluído com sucesso” — ou seja, o programa nuclear iraniano foi devastado.

A trégua será submetida a um teste de verdade quando o mistério sobre o estoque de urânio enriquecido do Irã tiver que ser esclarecido. Segundo o The New York Times, fontes da inteligência americana afirmam que parte desse material pode ter sido transferida para instalações secretas de enriquecimento, fora do alcance das bombas. O ataque dos EUA contra instalações do Irã, no sábado, atrasou o programa nuclear do país “em apenas alguns meses’, segundo o jornal. O pretexto para os ataques foi a suposta ameaça de produção de uma arma nuclear no prazo de apenas três meses.

Segundo a Agência de Inteligência de Defesa (DIA, na sigla em inglês), os ataques selaram as entradas de dois dos três locais atingidos — Fordow, Natanz e Isfahan —, mas não chegaram a colapsar suas estruturas subterrâneas. Israel trata o programa nuclear iraniano como uma ameaça existencial. Trump garante que o Irã “jamais reconstruirá suas capacidades nucleares”. Signatário do acordo de não-proliferação de armas nucleares, o Irã tem direito a desenvolver um programa nuclear com fins pacíficos, mas Israel não admite essa possibilidade, embora tenha armamento nuclear e não faça parte do acordo, como o Paquistão e a Coreia de Norte.

Israel anunciou que concordou com a proposta de cessar-fogo após “atingir os objetivos” de seus ataques ao Irã, ao infligir danos severos à liderança militar, entre os quais centenas de agentes Basij, a milícia iraniana, e matar outro cientista nuclear sênior. “Israel agradece ao presidente Trump e aos EUA por seu apoio à defesa e sua participação na eliminação da ameaça nuclear iraniana”, diz o comunicado.

Em grande inferioridade aérea, o Irã fez o que pode para obter o cessar fogo, inclusive avisar aos EUA, com antecedência, que lançaria misseis em retaliação aos ataques norte-americanos às usinas nucleares. O ministro de Relações Exteriores do Catar, Seyed Abbas Araghchi, negociou o acordo. O emirado abriga a principal base militar norte-americana no Oriente Médio, que foi bombardeada cenograficamente pelo Irã.

Trump considera o cessar-fogo uma grande vitória diplomática dos EUA — um deputado republicano até propôs o nome do presidente para o Prêmio Nobel da Paz. Entretanto, a geopolítica mundial já estava abalada pelas guerras da Ucrânia e de Gaza, e nunca mais será a mesma. Depois dos ataques dos EUA ao Irã, houve mudanças de paradigmas diplomáticos, a partir da ideia de Trump de que a paz somente será alcançada pela força, e de novas estratégias militares, em razão da guerra cibernética, aviação não tripulada e artilharia de alta precisão, combinada à guerra assimétrica e atuação dos serviços de inteligência para eliminar fisicamente cientistas e chefes militares.

Para alguns, uma nova ordem internacional se impõe, em termos econômicos, políticos e militares. As guerras na Ucrânia, em Gaza e a escalada militar entre Irã e Israel, com envolvimento dos EUA, mudaram os paradigmas de defesa contemporâneos. Refletem transformações tecnológicas, geopolíticas e doutrinárias, e reconfiguram a forma como os Estados pensam e conduzem a guerra no século XXI. O uso maciço de drones e de inteligência artificial, e o papel estratégico da cibernética, tornaram obsoletos conceitos de dissuasão clássicos, como guarnição de fronteiras e profundidade de território. Há guerras por procuração, urbanas, subterrâneas, de atrito e prolongadas.

Tudo isso precipita uma nova guerra fria, com o rearmamento acelerado da Europa contra velhos inimigos, como a Rússia, a Turquia e o Irã. Será inevitável a projeção de poder naval e aéreo da China, potência continental emergente, que estava quieta no seu canto.
Luiz Carlos Azedo

Judiciário está com parafuso solto

O paralelo pode parecer exagerado, mas o caso é o seguinte: em 1788, depois de ter perdido as colônias da América do Norte, George III, rei da Inglaterra, ficou maluco.

Um ano depois, deu-se uma revolução na França. Luís XVI foi deposto, preso e guilhotinado. Degolaram também sua mulher e barbarizaram a vida de seu filho, uma criança.

A Revolução aconteceu na França porque lá o andar de cima perdeu a cabeça na defesa de privilégios e honrarias absurdos, pouco se lixando para a defesa das instituições que lhes pareciam sólidas. A cegueira dos franceses foi tamanha que madame Du Barry, namorada do avô de Luís XVI, fugiu para Londres e vivia bem, até que decidiu voltar à França. Presa, foi para a lâmina.


Dois séculos e um oceano separam o Brasil do XXI da França do XVIII. Muitos são os males que afligem Pindorama, mas uma parte da magistratura e do Ministério Público foi para uma coreografia de penduricalhos y otras cositas más. Armou-se um sistema de autoavacalhação institucional.

Dentro de uma legalidade desenhada pela magistratura, o Código de Processo Civil diz que “assessorias jurídicas podem ser exercidas de modo verbal, sem necessidade de formalização por contrato de honorários”. Em 2016, dez dos 33 ministros do Superior Tribunal de Justiça tinham parentes advogando na Corte. Anos depois, esse número passou para cerca de 15. Vá lá, quem trabalha de graça é relógio. A questão acaba sendo a forma como se trabalha.

Graças aos penduricalhos, uma desembargadora de São Paulo recebeu R$ 678 mil líquidos em dezembro passado. São os supersalários, disseminados pelo país e pelas diversas instâncias. No ano passado, os penduricalhos custaram à Viúva R$ 6,7 bilhões. Os supersalários transbordaram para o Ministério Público. Todos legais, diria o conde de Artois, irmão de Luís XVI.

O ministro Gilmar Mendes, do STF, reclamou dos penduricalhos, dizendo que “estamos vivendo um quadro de verdadeira desordem”. Astuciosa desordem, pois sempre custa à Viúva, jamais a remunera. Astuciosa e potente, pois a repórter Rosane de Oliveira foi condenada a indenizar uma juíza que recebeu R$ 662 mil partindo de um vencimento de R$ 35 mil. Tudo legal. O malfeito da repórter foi ter dado cifras aos bois.

Os penduricalhos estabeleceram-se disfarçando-se como gratificações que poderiam ser cobradas retroativamente. Em abril tentou-se saber a quanto ia a conta. Nada feito. Novo pedido, nova negaça. Numa gracinha típica da espécie, o Ministério Público de São Paulo decidiu conceder um mimo que pode chegar a R$ 1 milhão, indenizando os promotores pelos serviços prestados há décadas, quando eram estagiários.

Magistrados e procuradores sonham com a planilha salarial de Polichinelo. Contratado por 30 liras mensais, ele queria receber uma lira por dia, sete por semana, 15 por quinzena e 30 ao fim do mês.

Estavam assim as coisas quando o repórter Arthur Guimarães de Oliveira revelou que os penduricalhos do Ministério Público de São Paulo formaram um passivo de R$ 6 bilhões, ervanário equivalente a uma vez e meia o orçamento anual da instituição. Esse dinheiro não existe, mas as Excelências correrão atrás dele.

Parlamentares não vieram de Marte

Como qualquer ser humano normal, acho que o Congresso brasileiro é, em termos qualitativos, uma porcaria. E ainda acredito na profecia atribuída a Ulysses Guimarães, segundo a qual quem considera ruim a atual composição do Parlamento deve esperar pela próxima, porque ela será com certeza ainda pior.

Isso posto, é preciso reconhecer que nenhum de nossos senadores e deputados é um produto extraviado de Marte que caiu em Brasília. Todos eles foram eleitos pela população. No caso da Câmara, por um método de votação que, embora não sem problemas, pode ser descrito como um dos mais democráticos do mundo.


Com efeito, o sistema proporcional de listas abertas aqui adotado dá ao eleitor um poder de decisão raramente visto em outras paragens. Seu voto não apenas define o número de cadeiras que cada partido ocupará como também ordena as listas de candidatos das legendas, isto é, determina, no âmbito de cada sigla, quais serão os deputados eleitos e quais ficarão de fora.

"Melhor" é uma palavra ruim para usar nesse contexto, mas parece seguro afirmar que a Câmara representa a população brasileira com mais granularidade do que corpos eleitos em sistemas majoritários, como o Senado e a própria Presidência da República. É claro que, da granularidade à qualidade, a distância é enorme.

Volto, assim, a um tema no qual tenho insistido bastante neste espaço. A democracia é boa não porque favoreça a eleição de lideranças competentes e nem mesmo porque facilite a implementação de boas políticas públicas, mas mais simplesmente porque é um sistema que tende a reduzir a violência política, ao assegurar que quem perde eleição saia do poder de forma pacífica.

No caso específico do Legislativo, ao distribuir poder de veto a múltiplos atores, o sistema funciona como um filtro, impedindo governantes de executar propostas muito exuberantes. A contrapartida é que também fica difícil implementar medidas lógicas e necessárias, se elas contrariarem algum lobby poderoso.

É aí que nos encontramos.

Cantiga de Maio

Da prisão negra em que estavas

a porta abriu-se p’ra rua.
Já sem algemas escravas,
igual à cor que sonhavas,
vais vestida de estar nua.

Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.

Na rua passas cantando,
e o povo canta contigo.
Por onde tu vais passando
mais gente se vai juntando,
porque o povo é teu amigo.

Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.

Entre o povo que te aclama,
contente de poder ver-te,
há gente que por ti chama
para arrastar-te na lama
em que outros irão prender-te.

Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.

Muitos correndo apressados
querem ter-te só p’ra si;
e gritam tão de esganados
só por tachos cobiçados,
e não por amor de ti.

Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.

Na sombra dos seus salões
de mandar em companhias,
poderosos figurões
afiam já os facões
com que matar alegrias.

Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.

E além do mar oceano
o maligno grão poder
já se apresta p’ra teu dano,
todo violência e engano,
para deitar-te a perder.

Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.

Com desordens, falsidade,
economia desfeita;
com calculada maldade,
promessas de felicidade
e a miséria mais estreita.

Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.

Que muito povo se assuste,
julgando que és culpada,
eis o terrível embuste
por qualquer preço que custe
com que te armam a cilada.

Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.

Tens de saber que o inimigo
quer matar-te à falsa-fé.
Ah tem cuidado contigo;
quem te respeita é um amigo,
quem não respeita não é.

Liberdade, liberdade,
tem cuidado que te matam.
Jorge de Sena

IA militar dos EUA é preocupante

Na semana passada, a OpenAI assinou seu primeiro grande contrato com o governo americano. É um contrato de desenvolvimento de modelos avançados de inteligência artificial para o Departamento de Defesa com teto fixado em US$ 200 milhões. Na madrugada entre sábado e domingo, os Estados Unidos usaram a bomba mais potente de seu arsenal, excluindo as nucleares. Não foi uma, foram 14. Fizeram um ataque que George W. Bush, Barack Obama e Joe Biden poderiam ter feito, tiveram a possibilidade de fazer, as razões para fazer e que, no fim, não fizeram. Uma notícia parece não ter nada a ver com a outra. Mas tem.


O risco na decisão de Donald Trump é muito simples: a inteligência americana e a israelense estarem erradas. A primeira não anteviu o 11 de Setembro e garantiu que o Iraque tinha armas de destruição em massa. Erros catastróficos. A segunda não viu o Hamas organizar o pior pogrom desde a Segunda Guerra. Erro catastrófico. São, sim, algumas das agências de inteligência mais capazes do planeta. Mas erram; e erram muito feio.

Não há qualquer dúvida de que o Irã havia enriquecido urânio a 60%. Isso foi medido por técnicos da Agência Internacional de Energia Atômica nos laboratórios bombardeados no fim de semana. Para produção de energia ou uso civil, não há nenhuma razão de enriquecer além de 20%. O Irã diz que enriqueceu nesse nível por acidente. Acredita quem quiser ser bobo. Para levar a 90%, com o equipamento que o Irã tinha em mãos, é coisa de duas a três semanas. É nesse nível que se produz armamento nuclear.

As agências de inteligência têm certeza de que sabem onde estava o urânio do Irã, onde estavam as centrífugas. Se estiverem erradas e houver um quarto laboratório secreto, com equipamento e urânio enriquecido o bastante, o risco de o regime dos aiatolás decidir que precisa dessas armas acabou de ir lá para cima. O governo daquela ditadura, neste momento, está acuado. Em seu ponto de maior fragilidade.

O problema da decisão de Trump é que ela é incoerente. Ele se elegeu falando no fim de guerras externas como a do Iraque. Não é que seja ideológico demais — é o contrário. Num governo que mistura o velho Partido Republicano neoconservador, com sede de intervenções externas, e a extrema direita nativista, que fala em América Primeiro, expulsão de imigrantes e fechamento de fronteiras comerciais, ele oscila. Trump não tem uma visão ideológica do mundo, no sentido de que vai de um lado ao outro, às vezes parece, dependendo de quem entrou no Salão Oval naquela tarde. É imprevisível, toma decisões sem método. Já sabíamos que era capaz de aumentar e diminuir tarifas comerciais aleatoriamente, pondo em risco a economia mundial. Agora sabemos que pode decidir em três dias fazer um ataque que mesmo o mais belicoso ex-presidente americano dos últimos 50 anos achou prudente evitar.

A decisão de ataque pode se provar correta, no fim. Mas foi sustentada por uma aposta temerária. Neste momento, Elon Musk deve estar lá na Califórnia arrancando os poucos cabelos que ainda tem de raiva por a OpenAI, empresa que fundou e com que rompeu, ter ganhado o primeiro contrato pesado de IA do governo americano. Mas esse contrato não foi para o Departamento de Educação, de Saúde ou mesmo de Estado. Foi para o Pentágono. Para as Forças Armadas. No release da empresa, está sublinhado que o objetivo é melhorar a burocracia interna e que os princípios da companhia não serão violados. Pode ser.

Não há regras claras para uso de IA na maioria dos setores. E, como muitos dos projetos militares são, por natureza, secretos, será preciso confiar apenas na palavra da OpenAI de que seus princípios foram respeitados. Mesmo dentro da empresa, poucos funcionários terão acesso às decisões. Em vários experimentos com jogos de guerra, em que IAs são convidadas a tomar decisões militares em certos cenários, foi detectado que seu viés tende a ser escalar conflitos.

Não é só isso. IAs como as que temos hoje são uma ferramenta formidável para controle populacional, previsão de comportamento humano futuro. Podem identificar detalhes a respeito de cada um de nós que nem sequer imaginamos. Esse é um governo que viola regras não escritas, ignora decisões judiciais e não parece muito preocupado com liberdades civis. E botará a melhor companhia de IA do planeta para desenvolver IA militar.

Quem não estiver preocupado é porque não entendeu alguma coisa.

Censura na guerra entre Irã e Israel

À medida que a guerra entre Israel e Irã entra em sua segunda semana , o acesso a informações sobre o conflito se tornou mais difícil.

Na semana passada, o Irã primeiro desacelerou e depois desligou a internet. O governo iraniano alegou que drones israelenses estavam operando por meio de conexões de internet via cartão SIM e que o desligamento da internet era necessário para limitar a capacidade de Israel de travar uma guerra cibernética.

Como resultado, sites, aplicativos móveis e serviços de mensagens instantâneas online estão inacessíveis no Irã. Isso significa que as notícias que os iranianos recebem sobre a guerra, o número de mortos, a destruição ou os ataques americanos do último fim de semana vêm exclusivamente do governo iraniano e de sua mídia estatal.


As autoridades iranianas também proibiram correspondentes de veículos de comunicação internacionais, como jornalistas da DW, de cobrir o conflito no local.

"Minha mãe me pediu para contar a ela o que estava acontecendo", disse um iraniano que mora na Alemanha à DW. Ele conseguiu ligar para a mãe em Teerã por alguns minutos durante o fim de semana. Ele pediu que seu nome não fosse publicado por medo de retaliações.

Embora seja possível obter notícias sobre o conflito em curso de dentro de Israel, as diretrizes de censura israelenses foram atualizadas na semana passada. No momento desta publicação, estavam em andamento discussões sobre um maior rigor das regras. Essas diretrizes são juridicamente vinculativas para jornalistas locais e correspondentes internacionais.

As novas regras afetam Tania Krämer, chefe do estúdio da DW em Jerusalém. "Até agora, qualquer filmagem de instalações ou tropas militares tinha que ser aprovada pela censura militar", disse ela de Jerusalém. "Além disso, os rostos dos soldados tinham que ser desfocados."

A partir desta semana, as regras foram atualizadas. "Agora parece que não temos permissão para mostrar os locais de impacto dos mísseis ao vivo", disse Krämer.

De acordo com o jornal israelense Haaretz , o ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben-Gvir, e o ministro das Comunicações, Shlomo Karhi, emitiram novas diretrizes para a polícia, permitindo que eles expulsem ou até mesmo prendam jornalistas se acreditarem que a mídia está documentando lugares ou localidades perto deles.

"Em Israel, todos os meios de comunicação são obrigados por lei a submeter qualquer artigo ou reportagem relacionada a questões de segurança à censura militar", disse Martin Roux, chefe do comitê de crise da Repórteres Sem Fronteiras, uma ONG internacional que defende a liberdade de imprensa, o pluralismo e a independência jornalística.

"No entanto, a mídia não está autorizada a revelar a intervenção da censura militar ao público", disse ele.

Ele acrescentou que, embora isso seja uma prática há muitos anos, a censura aumentou desde os ataques terroristas do Hamas contra Israel em 7 de outubro de 2023 .


"Em Israel, todos os meios de comunicação são obrigados por lei a submeter qualquer artigo ou reportagem relacionada a questões de segurança à censura militar", disse Martin Roux, da Repórteres Sem Fronteiras. 

De acordo com Haggai Matar, editor executivo do site independente israelense +972 Magazine, os censores militares de Israel proibiram a publicação de 1.635 artigos em 2024. "Este é o nível mais extremo de censura desde 2011", escreveu ele em um artigo recente no site.

Outros incidentes, como a proibição da rede de televisão Al Jazeera, limitaram cada vez mais o cenário midiático, que de outra forma seria diverso, de Israel. A Al Jazeera TV encerrou suas transmissões em Israel em maio de 2024, e seu estúdio em Ramallah foi fechado devido a uma "ameaça à segurança nacional", segundo o exército israelense.

Em fevereiro, todas as instituições israelenses financiadas pelo Estado foram forçadas a romper laços com o jornal Haaretz , depois que seu editor, Amos Schocken, criticou o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

No entanto, a população israelense, com conhecimento em tecnologia, pode acessar informações online. Além disso, todos os aplicativos e serviços de mensagens estão funcionando, incluindo alertas sobre a chegada de foguetes do Irã.

"A censura tem sido há muito tempo um pilar central da estratégia do regime islâmico para suprimir vozes dissidentes", disse Damon Golriz, analista estratégico do Instituto de Geopolítica de Haia.

Para Mahtab Gholizadeh, jornalista iraniano radicado em Berlim, o aumento da censura no Irã vai além de impedir a infiltração cibernética israelense ou esconder informações da população sobre os danos ou o crescente número de mortos.

"É o medo da agitação interna", disse ele. "A internet é um poderoso catalisador para a mobilização pública, e o regime sabe que, em tempos de crise, a conectividade digital pode servir de gatilho para a ação coletiva contra um regime autoritário."

Não deixemos Gaza de lado

Enquanto os holofotes internacionais se voltam para a nova guerra entre Israel e Irã, Gaza permanece devastada. Quase 56 mil palestinos já foram mortos, de acordo com o Ministério da Saúde controlado pelo grupo terrorista Hamas, e reféns israelenses seguem desaparecidos — e esquecidos pelo debate público. A crise humanitária persiste, mas seu risco de apagamento é real. Não podemos permitir que Gaza se torne um rodapé no noticiário internacional ou nos livros de história do futuro.

Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, investigado por corrupção e acusado de cometer crimes contra a humanidade em Gaza pelo Tribunal Penal Internacional, é hoje um dos principais vencedores políticos desse novo cenário. Sua popularidade, que vinha em queda livre, vem crescendo. O que era uma gestão cercada de críticas e protestos se transformou, de forma repentina, em uma liderança vista como estratégica e combativa. Segundo uma pesquisa relâmpago realizada pelo The Israel Democracy Institute com mais de 700 falantes de hebraico e árabe, 70% dos israelenses apoiam os ataques em curso, 10% dizem apoiar, mas consideram o momento inadequado, e apenas 13,5% são contrários.


Além disso, até mesmo opositores e críticos de Netanyahu no Knesset (o parlamento israelense) demonstraram apoio à ofensiva contra o Irã, como foi o caso de Yair Lapid, líder da oposição israelense.

No entanto, as cobranças continuam. Famílias dos reféns sequestrados no ataque terrorista em 7 de outubro seguem nas ruas, protestando e exigindo respostas. Netanyahu foi criticado por sua falta de progresso na libertação dos israelenses capturados, e sua recente declaração de que o retorno dos reféns “vai levar um pouco mais de tempo” pouco ajuda a conter a insatisfação.

E, no meio disso tudo, uma revelação alarmante: Netanyahu admitiu ter armado grupos islâmicos em Gaza que se dizem opositores ao Hamas, mas que têm histórico de envolvimento com o crime organizado e jihadistas. Um grupo, liderado por Yasser Abu Shabab, teria recebido fuzis Kalashnikov diretamente do governo israelense — armas inclusive apreendidas do Hamas. Há relatos de que esses grupos tenham saqueado ajuda humanitária. É uma desordem institucionalizada, promovida pelo próprio Estado.

A esse cenário já caótico soma-se agora a escalada entre Israel e Irã, após os ataques americanos à instalação nuclear de Fordow. O mundo observa com apreensão qual será a resposta do Irã. O regime dos aiatolás já deu sinais de que pode retaliar, direta ou indiretamente, usando aliados (apesar de enfraquecidos) como o Hezbollah no Líbano, os Houthis no Iêmen ou forças na Síria e no Iraque. A possibilidade de um conflito regional generalizado é real.

Nesse contexto, as grandes potências também se posicionam — mas com cautela. A China e a Rússia, que até agora têm adotado discursos críticos à ofensiva americana, podem ver na crise uma oportunidade para se consolidarem como polos de poder alternativos ou até mesmo mediadores. Ao mesmo tempo, qualquer movimento em falso pode ter efeitos devastadores em diversas frentes: segurança internacional, mercados de energia e estabilidade diplomática.

O uso de frentes de guerra como estratégia de distração política é bem conhecido nas Relações Internacionais. A chamada teoria do desvio externo (diversionary theory of war), desenvolvida por estudiosos como Jack Levy, explica como líderes em crise, especialmente em democracias em erosão, recorrem a conflitos externos para desviar a atenção da população e manter o poder. O cientista político John Mearsheimer, embora não seja o criador da teoria, também argumenta que Estados usam guerras de forma estratégica para fins de sobrevivência política. Netanyahu parece estar seguindo esse roteiro: pressionado por investigações, protestos e desgaste internacional por conta da crise humanitária e guerra prolongada em Gaza, encontrou no mais recente front contra o Irã um novo palco onde pode se apresentar como líder de uma nação sob ameaça.

E, no caso da destruição completa do arsenal nuclear iraniano seguida de um acordo, o atual primeiro-ministro será considerado um herói para muitos, assim como Donald Trump, que o apoiou na ofensiva com bombardeiros americanos na madrugada de sábado.

Mas Gaza não desapareceu. A tragédia que se desenrola há mais de um ano não pode ser varrida para debaixo do tapete geopolítico. Não pelos mortos, não pelos sobreviventes e não pelos reféns esquecidos. A responsabilidade de lembrar é também uma forma de resistir à normalização da violência e ao uso da guerra como ferramenta política. Porque Gaza também estará nos livros de história em alguns anos — e a forma como reagimos agora definirá como seremos lembrados.
Marina Pereira Guimarães