terça-feira, 4 de abril de 2017


A Justiça pode ser cega, nós, não!

Se por aqui as leis servissem igualmente para os que podem muito e os que nada podem só haveria um desfecho possível para o julgamento das contas de campanha da chapa Dilma-Temer: o reconhecimento de que ocorreu, sim, abuso de poder econômico, emprego de dinheiro sujo e falsificação dos números oferecidos ao exame da Justiça.

A chapa então seria cassada. O presidente Michel Temer perderia o cargo. A ex-presidente Dilma Rousseff, os direitos políticos preservados pelo Senado ao arrepio da lei. O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, sucederia Temer temporariamente. E o Congresso elegeria um novo presidente da República para governar até a posse do próximo.

Por absurda, nem se cogitaria a tese de separar as contas de Temer das contas de Dilma. São inseparáveis, segundo farta jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. De resto, o fato de ter sido eleito junto com Dilma não valeria apenas para beneficiar Temer, que a sucedeu. Valeria também para prejudicá-lo. E estaríamos conversados. Vida que segue.

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Mas, não. Isso provocaria “uma grande confusão”, advertiu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A economia, que ainda mal se recuperou do desastroso governo de Dilma, voltaria de vez para o buraco – como se já tivesse saído dele! Um presidente tampão eleito por um Congresso de malfeitores não teria condições de fazer as reformas. Seria o caos outra vez.

Está tudo pronto para que Deus nos livre de tanto mal. Ou melhor: para que os juízes togados afastem de nós esse cálice. O julgamento marcado para começar hoje deverá ser suspenso hoje, ou amanhã, ou no máximo na quinta-feira. Talvez mal comece. Poderá esbarrar na discussão de preliminares. Ou no pedido de vista feito por um dos juízes.

Dar-se-á um jeito, sosseguem. O estrito cumprimento da lei pode esperar ou ficar para da próxima vez. Não se pode cobrar de juízes que fechem os olhos às circunstâncias do país, à gravidade do momento e ao status dos réus. Devagar com o andor porque o santo é de barro. A democracia, entre nós, ainda é uma planta tenra... E blablablá.

A democracia entre nós é recente, mas já resistiu a duros solavancos e se fortaleceu com eles. O que pode enfraquecê-la é a tolerância com crimes que estão mais do que comprovados. O abuso de poder econômico numa eleição e o emprego de recursos sujos, omitidos da Justiça constituem um crime de lesa democracia. Foi o que aconteceu na eleição de 2014.

O vice-procurador Geral Eleitoral, Nicolao Dino, que atuou na ação de cassação da chapa Dilma-Temer, afirmou em seu parecer final que a campanha vitoriosa em 2014 recebeu ao menos R$ 112 milhões em recursos irregulares. “Todo esse formidável volume de dinheiro (...) comprometeu a legitimidade e a normalidade do pleito”, observou.

Foram R$ 45 milhões de caixa 2; R$ 17 milhões de "caixa 3"; e R$ 50 milhões de propina, dinheiro saído da Odebrecht. Parte do dinheiro comprou o apoio de quatro partidos à candidatura de Dilma. Parte pagou despesas de campanha dela. E R$ 50 milhões quitaram a edição de uma Medida Provisória que ajudou a Odebrecht a pagar menos impostos.

Estamos convidados a desconhecer tudo isso, e mais o que nos reservará o voto do relator do processo a ser lido hoje – ou a ficar para ser lido sabe-se lá quando. A Justiça pode ser cega ou enxergar mal. Não temos essa obrigação.

Nada vem do nada

Hoje vou falar de filósofos – não fujam. Eles são Lucrécio, Spinoza e José de Oliveira, o José 318. José 318 era morador da Tijuca, perto da praça Saenz Pena.

Ninguém o conhece hoje, mas eu o carrego na memória dos dias extasiados de minha juventude. José 318 (seu número de matrícula) era meu colega de colégio no final dos anos 50 e, sem dúvida, foi o cara mais inteligente que conheci na vida. Isso. Nunca vi cara tão genial aos 17 anos. Conversávamos muito de noite, sob as estrelas, na amurada da Urca, em frente à baía.

Uma vez, apontei para o universo e, filosófico, arrisquei minha perplexidade: “Afinal, o que é isso tudo?”

– Não “é” nada – respondeu José, com suave discordância.

– Como “nada?” – estranhei.

– A pergunta está errada por achar que o universo “é” alguma coisa. O problema é a nossa linguagem limitada, como se o universo fosse “algo” fora dele mesmo. Não dá para usar o verbo “haver ou ser”.

– Como assim? – numa pergunta típica de mau diálogo.

– Tudo e nada são a mesma coisa. São impensáveis. A ideia de “nada” e de “tudo” é uma ideia de viventes. Como você vai morrer, o seu cérebro se programa para imaginar que “há” uma coisa e “não há” outra. De que há o “cheio” e o “vazio”, de que há o vivo e o morto. Ideia de viventes.

Os cálculos batem: nosso universo pode ser um holograma:
Eu pasmava diante de seu raciocínio luminoso. José vivia sozinho pelos corredores do colégio. E eu o perseguia em busca de conversas, desde o dia em que, maravilhado e humilhado, ouvi-o falar sobre Popper, o filósofo da ciência. Eu nem sabia quem era, e ele me mostrou, com frases em inglês, que “the rule of thumb”, segundo Popper, era um modo tosco de se aferir alguma verdade. “Quem será esse cara?”, pensei.

Ele não falava com ninguém, e eu me sentia honrado por sua atenção.

Assim, começamos uma tímida amizade, em que eu refreava minha admiração para não sucumbir de inveja. O “318” não era apenas um solitário – ele via coisas transcendentais com um olho interior.

Eu perguntava, e ele respondia, e, para evitar o vexame, eu discutia a partir de coisas que ele próprio afirmara – velha técnica dialogal que ele aceitava, com doce tolerância.

Ele não tinha cara de gênio, mas era.

Uma vez, quebrou o braço e ficou uns dois dias no hospital. Lá, escreveu alguns versos e me mostrou rindo – eram poesias em prosa, meio “rimbaldianas”. Tremi de emoção: eram poemas de alto nível; lembro-me de um, em que uma princesa de sandálias de ouro andava sobre a neve, com um lobo negro. Ele ria de si mesmo, de seu delírio “metafísico”.

Em outra ocasião, entrou em cartaz um filme chamado “Planeta Proibido”. Fui ver com ele. O “Planeta Proibido” era desabitado a não ser por um robô e pela herança de um povo morto, os Krells, sumidos num buraco negro que continha todas as informações da história do planeta. Só não havia mais habitantes. Para onde teriam ido?

José 318 me falou: “Acho que esse planeta é a Terra daqui a mil anos. Um dia só haverá informações sem homens”. Estávamos em 1957, e nem se sonhava com internet.

Outra vez, ele me disse, de repente, como resolvendo um problema: “O ‘nada’ tem massa!”

– Que quer dizer isso? – balbuciei.

– Eu li numa revista de ciência que descobriram uma partícula chamada “neutrino”.

– Que porra é essa? – interrompi, ostentando desprezo por novidades científicas.

Estávamos na amurada da praia da Urca, sob as estrelas. Falei uma frase jocosa do Eça de Queiroz para impressioná-lo:

“As estrelas são a lepra luminosa na face de Deus”. Ele nem prestou atenção, olhando para o alto.

– O nada tem massa – repetiu –. Os neutrinos estão em todo o universo, têm massa e atravessam qualquer matéria. São invisíveis, mas ocupam todo o espaço. O invisível tem massa, e isso é sinal de que não há o “nada”. Nada não há. É impossível pensar o “nada”. Como pensar o tempo. O tempo é que nos pensa.

– E Deus? – fiz a pergunta essencial.

– Deus é a Substância. E nós, humanos, somos atributos dela. A Substância eterna e imutável simplesmente é. Não há Deus de um lado e as coisas do outro. Logo, Deus é a única coisa que existe.

Naqueles anos de colégio, ele foi para o curso científico, e eu, para ciências humanas. A partir daí, eu o via pouco. Andava com uns “nerds” de óculos de tartaruga ligados à matemática. Eles conversavam em voz baixa, e às vezes eu me infiltrava e fingia entender coisas sobre teoria quântica etc.

Um dia, José sumiu. Disseram que ele estava doente.

Fui visitá-lo na Tijuca, um apartamento pequeno em um primeiro andar. Ele estava de pijama listrado, numa cadeira de balanço em frente à janela. A mãe cuidava dele com os parcos remédios da época... Estava bem mais magro, com uma cor baça, um vago tom de cinza. Ficamos conversando, evitando qualquer assunto que lembrasse sua fraca condição. Ele percebia e embarcava na conversa evasiva – “aah... porque o Flamengo, porque isso, aquilo...”.

E a tarde ia caindo, e sua mãe trazia os remédios e chá. Ligou a TV em preto e branco de pés de palito, enquanto a noite enegrecia o céu de verão.

Falei da poesia da princesa, que eu tinha lido há anos. Riu: “Matemática é mais poética...” E o céu se enchia de estrelas.

– O Centauro! – ele falou.

– O quê?

– A constelação. Tudo é uma chuva eterna de átomos. Espinosa, Lucrécio e Shakespeare sabiam que “nada vem do nada”. Estamos envolvidos por um caldo de cultura infinito, onde parece que boiamos; apenas “parece”, pois somos também o caldo onde boiamos.

Lembro-me de que ele ainda falou que a Matéria quer sossego, quer voltar à inércia original, e nosso corpo também.

Na TV, a tosca novela soava baixinho, diante da mãe triste.

Soube depois que eles voltaram para o interior e que o 318 tinha morrido.

Lembrei-me de uma frase: “Ele partiu assim como um trem em direção às estrelas”.

Era uma frase do Antonin Artaud sobre o suicídio de Van Gogh.

Na época, eu nem sabia quem tinha sido Antonin Artaud, mas José tinha-me ensinado, ali, sob o céu cintilante, sentados na amurada em frente ao mar.

O mundo está mudando para melhor ou para pior?

Falam dois especialistas que há muito tempo estudam o novo paradigma enfrentado pela sociedade. O primeiro: “Seria presunçoso tentar descrever com precisão a próxima era no mundo digital. Mas é razoável concluir que a internet que conhecemos há quase três décadas está em mutação, e que a próxima vai mudar o mundo mais do que sua irmã mais velha”. Estas são as palavras com as quais o acadêmico canadense Vincent Mosco, autor de obras de referência como To the Cloud, vai começar seu próximo livro.

Mais contundente é o consultor em transformação digital e inovação, o hispano-alemão Alex Preukschat. “A tecnologia blockchain, em combinação com outras tecnologias, como a internet das coisas, a inteligência artificial, o big data, os drones ou a biotecnologia, vai refazer o mundo tal como o conhecemos, muito mais rápido do que tem sido nos últimos anos, como parte da quarta revolução industrial.”

Em conclusão: Não apenas estamos em meio a uma reestruturação brutal, como também é a mais rápida da história. A questão que se coloca nesta situação é: esta mudança vai ser para melhor ou para pior?


Como acontecia no romance de Umberto Eco, estamos diante de apocalípticos e integrados, especialistas que preveem um universo distópico, mescla de 1984 e Matrix,governado pelo desemprego em massa, que parecem ser maioria. E outros que preveem uma sociedade mais transparente e descentralizada, na qual a informação flui e onde os robôs farão o trabalho tedioso em nosso lugar.

O historiador israelense Yuval Noah Harari, nascido em 1976, faz parte do primeiro grupo. Não acredita que acabaremos como em Matrix, mas argumenta em livros como Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã que,enquanto a profusão de tecnologia tem conseguido que a humanidade melhore em coisas como a fome e as doenças, as ideias fundamentais das democracias liberais correm perigo de se tornar obsoletas em um mundo de ciborgues e inteligência artificial. Nada de descentralização em sua opinião: as grandes corporações conhecerão os indivíduos nos mínimos detalhes, e algumas pessoas monopolizarão o poder econômico e político, os algoritmos e a tecnologia, para criar classes biológicas.

A eliminação de postos de trabalho é outro mantra dos apocalípticos. Carl Benedikt Frey, pesquisador da Universidade de Oxford, realizou há pouco mais de um ano um estudo que viralizou rapidamente, no qual argumentava que 47% dos postos de trabalho correm risco de desaparecer. Na mesma linha anunciada por nada menos do que o Fórum Econômico Mundial. No ano passado, um relatório apresentado em Davos afirmava que a digitalização da indústria resultará no desaparecimento de 7,1 milhões de empregos e na criação de outros 2,1 milhões em 2020. Um pouco de matemática: serão cinco milhões de empregos líquidos a menos.

O ferrenho integrado Manish Sharma, diretor de operações da Accenture Operations, tem uma visão diferente. Em sua opinião, “as pessoas fazem trabalhos chatos porque esses são os empregos que lhe são oferecidos”, afirma. “A automação dos processos proporcionará uma vida melhor para as pessoas”.

O economista José Moisés Martín Carretero, autor de España 2030: Gobernar el Futuro, compartilha a visão de Sharma: “O progresso tecnológico tem deslocado trabalhadores, mas criado muito mais empregos”, afirma. “No curto prazo, pode haver reduções, mas, no longo prazo, a criação de empregos é inquestionável”.

O dinamarquês Erik Brynjolfsson e o norte-americano Andrew McAffee, cofundadores do departamento de Economia Digital do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), lançaram em 2011 o livro Race Against the Machine(Corrida Contra a Máquina, MIT, 2011). A obra explica como atividades que, até recentemente, eram reservadas para os seres humanos já são território para as máquinas. E a mudança é vista como algo positivo. “A economia mundial está na cúspide de um período de crescimento espetacular, impulsionada por máquinas inteligentes que aproveitarão ao máximo os avanços no processamento por computadores, pela inteligência artificial, pela comunicação em rede e pela digitalização de quase tudo.”

Isso, claro, sempre que estejamos de acordo de que ter um trabalho é sinônimo de ser feliz.

Corrupta e injusta

O governo Temer acaba de enveredar por equivocado caminho que repetidamente anunciou ter intenção de evitar: aumentou encargos sobre salários para reduzir o déficit fiscal.

No momento em que o desemprego em massa atinge 13,5 milhões de brasileiros, o governo lança sobre empresas e trabalhadores as mais terríveis armas de destruição em massa das oportunidades de emprego.

Aumentar encargos em meio a brutal recessão, tendo permitido aumento de salários, pensões e benefícios sob pressão do funcionalismo público, revela um governo sem a coragem de fazer o necessário.


Corrupção brasileira (Foto: Arquivo Google)

Esta foi a maldição lançada por Dilma Rousseff sobre o governo atual, revelada em entrevista ao jornal “Valor”: “Temer é um cara frágil. Fraco. Medroso. É um cara que não enfrenta nada”. Avançariam como sempre pela linha de menor resistência, de um lado, recuando pelo temor de enfrentar interesses corporativos organizados, de outro.

Se a terceirização da mão de obra tinha apoio parlamentar porque atende aos interesses estatais e também aos de seus fornecedores, o aumento de encargos desempara milhões de trabalhadores que os parlamentares deveriam representar pelo voto popular.

O governo ensaia os mesmos passos hesitantes e injustos no ajuste fiscal da Previdência, quando fabrica extrema desigualdade entre idosos chapa-branca e os demais, em vez de se guiar pelo princípio de convergência das pensões e benefícios previdenciários, reduzindo abusivos privilégios no setor público.

Por que os servidores públicos com altos salários, planos de saúde e de aposentadoria generosos e com estabilidade no emprego devem ter aumentos garantidos se há um déficit fiscal a exigir a elevação de encargos trabalhistas no setor privado?

Por que o governo não reduz as isenções fiscais das entidades “pilantrópicas” que usam recursos públicos para subsidiar a saúde e a educação dos mais ricos, enquanto instituições de ensino e de saúde que atendem aos mais pobres pagam impostos e recolhem encargos sociais e trabalhistas?

Por que subsidia interesses corporativos de grupos privados que privilegia como seus interlocutores na condução das políticas públicas nos setores em que já desfrutam de enorme grau de concentração?

A Velha Política não se revela apenas corrupta, mas também injusta.

Gente fora do mapa

Children of Yemen:
Iêmen

Enxofre na Guanabara

Houve um tempo em que o Rio de Janeiro, mercê da marcha famosa de André Filho, era conhecido como “cidade maravilhosa”. Hoje outra canção de sucesso, de Gilberto Gil, também é profética ao decretar que a antiga capital do País “continua sendo”. No Rio, modas são criadas e adotadas e, depois, se transmitem ao resto do País. E foi assim que a capital do samba e da bossa nova virou também o exemplo mais descarado da corrupção desregrada que assola o País desde que a aliança entre PT, PMDB e partidos menos importantes tomou o poder na República insana.

Os métodos adotados pelo ex-governador Sérgio Cabral para cobrar e receber propinas de empreiteiros amigos que depois viraram desafetos, como Fernando Cavendish, da Delta, vieram acompanhados de histórias de amor, desamor, desejo, ciúmes e traição. Seu caso com uma parente do empresário tornou-se público depois da queda do helicóptero que a transportava para uma festa na Bahia, para a qual ele iria em outro. A descoberta e a insistência dele em não aceitar a imposição pela mulher, Adriana Ancelmo, do ex-marido para chefiar a Casa Civil resultaram numa separação do casal, que logo em seguida voltou a conviver como se nada tivesse acontecido. Esse vaivém de alianças também ocorreu na política, pois ele e seu amigão do peito Jorge Picciani, presidente da Assembleia Legislativa do Estado e cúmplice em várias falcatruas e tramoias, apoiaram o adversário tucano do PT na eleição presidencial de 2014.

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Aécio Neves e Aloysio Nunes Ferreira perderam a eleição para Dilma e Temer, mas a delação dos 77 da Odebrecht deixou claro que a dita oposição também sujou as mãos na porcaria da roubalheira geral brasileira. E nesta semana os netos de Tancredo Neves, o conciliador-mor do século 20 na política brasileira, tanto Aécio quanto a irmã Andrea, foram citados nas famigeradas delações premiadas dos 77 da Odebrecht. Na semana em que Aécio é capa de Veja, os jornais anunciam a marcha para a delação premiada do próprio Cabral. Para temor generalizado dos três poderes no Estado que ele governou e na Federação.

Por enquanto, o mundo já desabou sobre o Executivo, que ele chefiou, e o Legislativo. A Operação O Quinto do Ouro, da Polícia Federal, prendeu cinco, mantendo quatro presos em Bangu e o presidente em exercício usando tornozeleiras no lar amargo lar, dos sete conselheiros do Tribunal de Contas do Estado. Dos dois restantes, um – Jonas Lopes Filho – delatou os outros. E uma restou sendo a única representante sem explicações a dar à polícia e à Justiça. O TCE do Rio inaugurou uma nova dúvida nacional: e os outros TCEs do País? Como terão se comportado os conselheiros estaduais, municipais e o federal? O chefão do TCE, que não é órgão do Judiciário, mas assessor da Alerj, deputado estadual Jorge Picciani, presidente da Casa, foi também conduzido coercitivamente para se explicar na Polícia Federal. E na bagunça geral brasileira voltou do depoimento para discursar na tribuna de representante do povo.

As respostas estão sendo dadas nas reuniões do ex com os procuradores do Ministério Público Federal para negociar uma prisão mais leve, como, por exemplo, a da mulher, Adriana Ancelmo, agraciada com uma decisão leniente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em nome de sua condição maternal.

Anthony Garotinho, que recentemente protagonizou cenas de esperneio explícito ao ser preso acusado de fraude eleitoral, tem acompanhado de forma diligente as aventuras do político que o lançou em cena na política fluminense, em seu blog sempre muito bem informado.

Segundo Garotinho, agora desafeto, comenta-se no Rio que esta não é a única delação premiada temida por juízes, parlamentares, pois fala-se muito em outro ex-assessor da intimidade do ex-governador, que, segundo consta, foi escolhido exatamente para o lugar que a sra. Ancelmo desejava para o ex-marido.

Garotinho, cujo blog publicou as célebres fotos da turma do Guanabara dançando o cancã num restaurante em Paris, deu um furo espetacular, ao revelar que “Cabral desconfiava já há algum tempo que a não inclusão do nome de Regis Fichtner em qualquer operação ou investigação cheirava a proteção. Ou seja, o homem que o acompanha desde os tempos de deputado estadual, foi seu suplente de senador e seu chefe da Casa Civil, estaria entregando informações do grupo do qual fazia parte em troca de não ser investigado. No início da semana passada Sérgio Cabral teve certeza disso, e quem lhe contou foi um dos enviados, que foi especialmente a Bangu para detalhar o acordo de proteção a Regis Fichtner. Segundo o aliado que virou desafeto, Cabral foi “tomado de ira” e, entre palavras e expressões de baixo calão, referiu-se a Regis Fichtner como “traíra”, prometendo ao tal interlocutor que vai delatar “todo o esquema dele e da família com a Justiça do Rio”.

Segundo Garotinho, há vários capítulos dedicados a juízes, mas a delação também envolve “sua relação com Jorge Picciani, Pezão, Eduardo Paes e outros nomes do PMDB”. Teria, segundo seu informante, sobrado até para o emissário petista que recebia parte das propinas de verbas federais enviadas para obras no Rio. “Aliás, isso está anotado em uma das cadernetas apreendidas pelo Ministério Público Federal”, jura o outro ex-governador.

E Garotinho não deixa por menos ao anotar que “a operação no Tribunal de Contas do Estado foi denominada O Quinto do Ouro. A delação de Cabral, se for homologada, está sendo chamada de O quinto dos infernos, porque vai encerrar a carreira de muita gente prematuramente, gente grande, poderosa, que segundo Cabral está num lago de enxofre”.

De qualquer maneira, a soma das delações de Sérgio Cabral e do infiel Fichtner vai produzir muita dor de cabeça às margens da Guanabara, que encantou Cole Porter antes de se tornar a baía da imundície que fez mal a iatistas disputando a Olimpíada de 2016. Ou bem longe delas a seus asseclas espalhados pelo resto do Brasil. Certamente, muita gente importante da República gostaria de pagar para não ver no pôquer da impunidade, cada vez mais desejado e distante, sua carta jogada na baía do diabo.

José Nêumanne

A Justiça em julgamento

 

A longa duração do sigilo judicial corrói a confiança na Justiça, porque só beneficia a minoria delinquente no poder. Como lembra o decano da Câmara, deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), governos temem muito mais a revelação de seus atos do que movimentos de tropas nas ruas
José Casado

Um país de São Tomés

Acreditar ou não acreditar que uma coisa exista é uma questão de grau. São Tomé era um moderado: vendo, acreditava. Radical era a operária imortalizada por Noel Rosa no samba Três apitos, que no inverno ia sem meias para o trabalho, não fazia fé com agasalho e nem no frio acreditava.

Pior, porém, são certos setores satelitizados pelo PT e pela CUT, que atribuem a atual catástrofe brasileira aos sete meses do governo Temer, e não aos 13 nefastos anos de Lula e Dilma Rousseff. Tais setores se recusam a enxergar a herança mais que maligna da passagem do PT pelo poder: três anos de recessão, o número de desempregados saltando para 13,5 milhões e uma contração de 9% no PIB por habitante, registrada pelo IBGE. Em vez de se debruçarem sobre esses dados, os referidos setores insistem em que o trem estava nos trilhos enquanto as rédeas da economia estavam nas mãos de Dilma e Guido Mantega, e só descarrilou por obra e graça dos “golpistas” e de Michel Temer, esquecidos, naturalmente, de que Temer só chegou ao Planalto porque foi o vice na chapa da sra. Rousseff. Exultaram, dias atrás, quando o Ibope informou que a impopularidade de Temer é alta e crescente. Entenderam os números da pesquisa como uma “demonstração” de seu esdrúxulo argumento e aproveitaram a ocasião para ulular estridentemente nas ruas e nas redes sociais contra as reformas que ora tramitam no Congresso.

A dimensão numérica da miopia acima descrita nada tem de surpreendente, dadas as condições da economia. O cidadão de baixa renda, geralmente pouco informado, descarrega sua indignação em qualquer autoridade que lhe pareça responsável pelos sofrimentos de sua família. Não apoia Temer porque é Temer quem exerce no momento a Presidência, como não apoiaria Lula, se fosse ele o ocupante da poltrona presidencial. Ou seja, as atitudes dessa categoria de cidadãos são imensamente importantes, uma vez que o processo democrático e as reformas precisam de apoio e também porque logo chegaremos às eleições de 2018, cruciais para o futuro do País. Imensamente importantes, mas perfeitamente compreensíveis.

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Incompreensíveis – ou perversamente compreensíveis – são as atitudes de certos setores ditos “politizados”, que ora se destacam por aquele tipo de ignorância ossificada a que chamamos ideologia, ora por uma irrefreável tendência à omissão. Refiro-me, naturalmente, aos partidos e sindicatos de esquerda, aos chamados “movimentos sociais” e aos outrora ruidosos clérigos e intelectuais petistas. Suponho que muitos dos integrantes desses setores assistam a filmes de bangue-bangue. Se assistem, devem saber que a flecha comanche machuca muito quando penetra o corpo do soldado, e mais ainda quando é extraída, mas é imperativo extraí-la para que o soldado tenha alguma chance de sobrevivência. Da mesma forma, apregoar que a crise atual possa ser superada sem um ajuste fiscal doloroso é pura hipocrisia. Os desatinos do governo Dilma causaram estragos enormes no organismo econômico brasileiro, e não há receita indolor que os possa sanar.

Claro, a cegueira não explica todas as dificuldades que se antepõem à recuperação da economia e não é privilégio da oposição de esquerda. A radioatividade liberada pelo combate à corrupção atingiu várias das maiores empresas do País, contribuiu para a redução da atividade econômica e se alastrou sobre todo o sistema político. O PP e o PMDB, partidos situados no cerne da base do governo, foram atingidos em cheio. Contando com uma equipe econômica categorizada e propondo uma agenda de reformas relevante, o presidente Temer colecionou vitórias importantes no Congresso. Mas sua agenda reformista enfrenta dificuldades por todos os lados – que o diga o senador Renan Calheiros, que agora resolveu se dedicar ao esporte do “fogo amigo” contra Temer. Por todas essas razões e pela necessidade de aprimorar o projeto, a reforma da Previdência, por exemplo, não deve ser aprovada no primeiro semestre. A questão de fundo, no entanto, é o fato de sermos hoje um país de São Tomés. Sabemos que cedo ou tarde um frio intenso nos espera, mas não fazemos fé com agasalho. Como informa José Roberto Afonso, os gastos com o Regime Geral da Previdência Social (RGPS) consomem atualmente 41% do orçamento do governo central. Há 20 anos, em 1997, esse porcentual era de 35%. Se não fizermos agora uma reforma previdenciária adequada, somente essa rubrica de gasto consumirá 63% do Orçamento em 2027 e mais de 70% a partir de 2030.

Até aqui, limitei-me à conjuntura imediata, ou seja, ao imperativo de ajustar as contas públicas, condição sine qua non para a retomada dos investimentos e a atenuação do desemprego. E a um requisito complementar, que só Deus e os eleitores podem satisfazer: evitar a volta do populismo nas eleições presidenciais do próximo ano. Outro experimento como o do passado recente obviamente arrastará o Brasil para um brejo sem fim.

Mas nosso grande desafio como país ainda não está na agenda. Para confrontá-lo efetivamente, precisamos, primeiro, reverter o legado maligno da era Lula-Dilma. Refiro-me à superação do que se tem chamado de armadilha do baixo crescimento, ou da renda média. Com um PIB por habitante de US$ 10 mil e crescendo 3% ao ano, em média, levaremos uma geração inteira para atingir o nível atual da Grécia, um dos países mais pobres da Europa. Um cenário péssimo, evidentemente, ao qual podemos acrescentar alguns toques sinistros. Para tanto, basta conjecturarmos que essa Grécia que estamos tentando ser – que por enquanto é uma miragem – terá uma distribuição de renda muito pior que a da Grécia atual. Mas este, no momento, é um cenário que não estamos em condições de enxergar.

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Cascata de Hyaku Yonjo, em Ishikawa (Japão)

Vão terceirizar a vida?

A terceirização do contrato de trabalho – panaceia para uns, monstruosidade para outros – não é mera reforma da legislação laboral. Vai além: altera de tal forma a filosofia e a concepção do que seja o trabalho em si que pode virar resíduo medieval em plena modernidade do século 21. Lástima é que o debate se baseie em pequenos interesses de parte a parte, sem análise do significado profundo.

O trabalho é dignificante por ser inerente à vida. Todas as religiões, filosofias e doutrinas políticas têm como núcleo fundamental a natureza humana e, nela, trabalhar é o epicentro.

A terceirização irrestrita votada pela Câmara dos Deputados (e sancionada pelo presidente Temer quase nos mesmos termos) substitui a convivência pelo distanciamento. Desaparece a relação empresa-empregado. Não haverá trabalhadores nem empresários. O empregado não vai saber para quem trabalha e produz. A empresa não saberá a quem emprega ou a quem hierarquizar.

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Já não haverá diálogo, pois desconhecidos não se relacionam. Para ajuda mútua ou para reivindicar, um não conhecerá o outro, surgindo a desconfiança natural entre os que se ignoram ou se desconhecem.

Nem Marx e Engels, no Manifesto de 1848, nem Leão XIII com a Rerum Novarum ou os demais papas que encararam o drama social do mundo (do renovador João XXIII até Francisco, hoje), nem os grandes economistas, historiadores ou sociólogos jamais pensaram que o trabalho recebesse tratamento de máquina ou de objeto de uso descartável. Nem que o trabalhador fosse tratado pela lei como robô. Menos, ainda, de lei em nome da “reativação econômica”.

Quem deve ser o sujeito do esforço de “reativação econômica”, se não as pessoas?

Na “terceirização irrestrita”, a cabeceira da mesa, o “podium”, fica com os “atravessadores”. Esses novos (e supérfluos) intermediários entre capital e trabalho serão os grandes barões do capital, por um lado, e do trabalho, por outro, sem terem capital nem trabalho ou tecnologia.

Neste século 21, que enviou uma sonda a Marte e no qual a eletrônica abre novos mundos, o Brasil será campo de provas de um bizarro feudalismo, dando novos nomes a velhas formas de exploração humana.

A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho advertiu que o novo texto “rebaixará os salários e as condições laborais de milhões, fará do trabalho precário uma regra e agravará o quadro em que se encontram hoje 12 milhões de terceirizados contra 35 milhões de contratados diretamente, podendo até inverter esses números”.

Em contrapartida, os defensores – com olhos postos nos salários a pagar – afirmam que a nova lei “trará segurança jurídica”. Mas e a “segurança jurídica” de quem trabalha?

É absurdo que a lei atice e alimente a luta de classes em forma tosca e primitiva. E que nessa “luta” haja um vencedor artificialmente predefinido por parlamentares e partidos que nada representam. Santo Tomás de Aquino já advertia (e o papa Francisco o repete) que “o justo não é determinado pela lei, mas pela identidade profunda do ser humano”.

Pode-se terceirizar o âmago da condição humana – amor, amizade ou afeto?

A terceirização do erotismo, por exemplo, é a prostituição – aluga ou empresta algo a alguém sem amar ou dar-se a ninguém. “Terceirizar” é neologismo aqui inventado há 30 anos, desconhecido em Portugal e lá introduzido pelas telenovelas da Globo. Até bem pouco, não constava do dicionário de Aurélio de Holanda Ferreira, guia acatado e fiel. Passou ao vernáculo com Antônio Houaiss, como “contratar serviços de terceiros por uma empresa para realizar certas tarefas”.

No caso atual, é alugar alguém a um terceiro, como se aluga uma máquina – um trator no campo ou um carro em cidade alheia. É algo transitório, sem vínculos além do uso. Descartável, não difere daquelas canetinhas esferográficas compradas por centavos e que esquecemos em qualquer lugar.

São Josemaría Escrivá, um santo do século 20, que testemunhou a moderna tecnologia, aponta o trabalho como “caminho e forma profunda de santificação pessoal”. Agora, ao contrário, desaparecendo o trabalhador, o “prestador de serviços” imitará aquelas meninas de aluguel que oferecem carícias por hora, em troca de moeda.

A reforma da lei deve servir ao ser humano ou o ser humano deve servir à reforma?

Há uma gigantesca tributação sobre o trabalho, engolida no circuito burocrático, num carnaval de papéis e funcionários, alguns regiamente pagos e inúteis ou de duvidosa utilidade. Para o empregador, equivale a uma remuneração a mais, como se um empregado recebesse quase que por dois – para cada R$ 1 mil pagos, a empresa despende outros R$ 900 em contribuições sociais de difuso destino, às vezes tragadas pela corrupção.

Surge, então, o absurdo: a mais cara máquina torna-se mais barata do que um empregado de ínfima remuneração… Corrigir essa anomalia daria a verdadeira “segurança jurídica” que se apregoa como suposto fruto da “terceirização”.

Em 1932, os irmãos Júlio Mesquita Filho e Francisco Mesquita fizeram deste jornal um dos arautos da Revolução Constitucionalista com que São Paulo buscou corrigir os desvios da Revolução de 30. Jamais pensaram ou tentaram, porém, reverter (ou evitar) as já esboçadas conquistas dos trabalhadores que desembocaram nas leis trabalhistas, hoje consolidadas como código do Trabalho. Os sindicatos operários eram incipientes, mas o empresariado industrial paulista já emergia pujante, rumo a ser o principal eixo da economia do País. Há 85 anos, este empresariado que, por formação e tradição, poderia ser conservador, atrasado e míope, entendeu o significado do trabalho…

Entenderam o axioma comum a todas as encíclicas: “Não há capital sem trabalho nem trabalho sem capital”.

E haja melado pra escorrer...


O dinheiro sujo que empresas como a Odebrecht transformam em doações eleitorais podem virar muitas coisas. Nos últimos 50 anos, graças à desfaçatez dos políticos e à inépcia da Justiça Eleitoral, passaram de exceção a hábito. Depois, disseminaram-se como parâmetro. Súbito, deram na Lava Jato. Temer pode chamar o descalabro do que quiser. Mas o melado continua escorrendo

Os morcegos e o voto

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A fábula do escritor francês Jean de La Fontaine deu-nos a lição sobre os morcegos voadores: – “Vejam as minhas asas. Eu sou um pássaro. Mas também sou um camundongo. Vivam os ratos”. O brilhante professor paranaense Hélio Duque lembra-se de La Fontaine para chamar a atenção da política brasileira. Os valores, convicções e princípios estão sendo substituídos pelo caixa dois, pelo Fundo Partidário e pelo Financiamento Público de Campanha. Como não há partidos doutrinários e decentes, o poder econômico capturou a representação política brasileira.

Dados da justiça eleitoral registram que, em 2014, 370 deputados federais foram eleitos com doações milionárias de grandes grupos econômicos. Agora querem impor ao país a lista fechada para eleição de parlamentares. Se aprovada, será a perpetuação dos caciques e donos de legendas partidárias. Dará legalidade à fraude e será um atentado político contra a sociedade brasileira.
 A política aristotélica de servir ao bem comum foi banida no Brasil das disputas eleitorais. Serve hoje a interesses pessoais e grupais onde o bem comum não tem nenhum valor. Passou a ser negócio e transformou-se em atividade econômica de rápida ascensão social.

O voto virou mercadoria oferecida pela manipulação marqueteira e sustentada com muito dinheiro. Esta é uma realidade que pode se transformar para pior com o voto em lista, onde a ditadura dos donos de partido será absoluta. E terminará vitoriosa. Em vez de uma verdadeira reforma política, os autores da proposta imoral de institucionalizar a lista fechada querem também garantir o financiamento público de campanha.

Pretendem retirar da Constituição os dispositivos que regulam o atual sistema eleitoral. Na verdade o que desejam é fugir do encurralamento em que a elite política parlamentar foi colocada pelas investigações e apurações documentais obtidas pela operação Lava Jato, por investigações dos bravos Ministério Público Federal e Polícia Federal. Vejam que os autores da manobra estão citados nas delações da Odebrecht e fazem parte da lista do valoroso procurador Rodrigo Janot e denunciados no Supremo Tribunal Federal.
Com a lista fechada, os interesses pessoais e grupais garantiriam que, na elaboração dos nomes dos candidatos os detentores de mandatos ficariam nos mesmos lugares. Ante o fato de o voto ser dado ao partido e não ao candidato, a reeleição estaria assegurada.

As oligarquias que controlam os partidos passariam a ter o poder de decisão totalitário. A corrupção estaria anistiada e a lavagem de dinheiro jamais punida.

O que os “morcegos voadores” parlamentares desejam é construir bases oligárquicas que impeçam os brasileiros de se encontrarem com a soberania popular. Estaria assegurada a perpetuação de mandatos, garantindo a “prescrição jurídica” das punições aos delinquentes políticos no futuro.

 A pretensão é consolidar a República Oligárquica por essa vanguarda do atraso, ao garantir a perpetuação dos seus mandatos.

E mais: um financiamento público das campanhas políticas estaria assegurado, substituindo a fartura das doações empresariais que levou vários políticos ao envolvimento nas falcatruas do Caixa 2 e recebimento de propinas. Com o voto em lista os envolvidos nesse oceano de corrupção teriam as suas reeleições garantidas, apagando o passado delituoso.

A crítica que Millôr não fez

“Quem avisa amigo é. Se o governo continuar deixando que certos jornalistas falem em eleições; se o governo continuar deixando que determinados jornais façam restrições à sua política financeira; se o governo continuar deixando que alguns políticos teimem em manter suas candidaturas; se o governo continuar deixando que algumas pessoas pensem por sua própria cabeça (…), dentro em breve estaremos caindo numa democracia.”

A advertência foi feita por Millôr Fernandes no oitavo número do “Pif Paf”, em agosto de 1964. O governo não achou graça: fechou a revista.

Na segunda-feira passada (dia 27), o país completou cinco anos sem Millôr. Poucos brasileiros incomodaram o poder durante tanto tempo e com tanto humor, sob regimes militares ou civis.

Sua mira era precisa. Às vezes, bastava-lhe uma frase contra o presidente da vez. Sobre FHC: 
“Fernando Henrique Cardoso acha que essas são as três palavras mais bonitas do mundo”. Sobre Lula: “A ignorância lhe subiu à cabeça”. Sobre Collor: “Deu ao povo uma coroa de espinhos e ainda ficou com os 30 dinheiros”.

Millôr tinha predileção por políticos que se julgam escritores. Quando Sarney lançou “Brejal dos Guajas”, sentenciou: “Não é caso de crítica literária. É caso de impeachment”.

Ele desprezava a censura e não confiava em imprensa a favor. “Todo governante se compõe de 3% de Lincoln e 97% de Pinochet”, dizia. Seu lema: “Jornalismo é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”.

Na terça-feira (dia 28), o presidente Temer expôs ideias diferentes. Ele elogiou a “imprensa livre”, mas cobrou que os fatos sejam relatados “convenientemente”. Em fevereiro, o Planalto pediu censura judicial a uma reportagem que citava a primeira-dama.

Quando Millôr morreu, Temer ainda era apenas um “vice decorativo”. Azar nosso. Seria divertido ler sua crítica aos poemas do presidente.