sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Carnaval para o Brasil


Aproveitamos a folia momesca para um banho de descarrego das mazelas brasileiras
Voltamos logo depois

O país do Carnaval e das novelas

Dizem que no Brasil o ano só começa depois do carnaval. Não é verdade, pelo menos em 2018. Há várias novelas em andamento e o carnaval será uma simples pausa na sua trajetória.

A nomeação da deputada Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho é uma delas. O governo cometeu um erro na escolha. À medida que os fatos vão ampliando a dimensão desse erro, Temer insiste em manter sua decisão, apesar do imenso desgaste.

O que fazer diante de pessoas que percebem o erro, mas insistem em levá-lo até o fim? Talvez desejar que Deus as proteja delas mesmas.


A outra novela é a tentativa de Lula de escapar das consequências de uma condenação em segunda instância. É uma expectativa que envolve o Supremo Tribunal, a quem se pede, no fundo, a negação do fundamento que inspirou as investigações da Operação Lava Jato: a lei vale para todos. Não há condições de mudá-la sem que isso represente uma imensa fratura na já combalida credibilidade da instituição.

A terceira é mais delicada, porque envolve a Justiça e a sociedade, que a apoiou no curso das investigações e das sentenças. Auxílios-moradia, salários turbinados, juízes combatendo uma necessária reforma da Previdência Social – tudo isso vai criando uma distância que ainda pode ser reparada pelo bom senso.

A Justiça tardou a compreender que o movimento de combate à corrupção com apoio da sociedade certamente traria uma visão mais severa sobre o uso do dinheiro público. O fato de oportunistas tentarem invalidar a luta contra a corrupção porque os juízes recebem salário-moradia em cidades onde têm residência é inconsistente e não está aí o maior problema.

É possível dizer que a Justiça parcialmente triunfou sobre o gigantesco esquema de corrupção. Mas é um tipo de luta que imediatamente leva a um novo patamar: o da coerência.

A reforma é também um confronto com as corporações. A dos juízes está em posição especial para constatar como o País foi saqueado e como a máquina do Estado é inflacionada com cargos em comissão e inúmeros penduricalhos.

Estamos na lona. Mas esperando que as instituições confiáveis, como a Justiça e as próprias Forcas Armadas, se aproximem do esforço nacional de ajustar o País à sua realidade financeira.

Não é só a luta contra a corrupção nem o princípio de que a lei vale para todos que estão em jogo. Há toda uma luta silenciosa no País contra a ideia de que todos querem vantagens públicas, mesmo os que aplicam a lei.

Desejo um final feliz para essa novela, uma vez que dela depende, em parte, o futuro de uma reconstrução baseada na aliança de amplos setores da sociedade com as instituições confiáveis.

Um dos meus argumentos contra a luta armada é que ela precisa criar um exército de salvação nacional para triunfar. Depois, quem nos salvará dos salvadores? Claro que vivemos uma situação diversa, mas é importante que a Justiça, após um trabalho nacionalmente aprovado, reconheça que ela mesma precisa se ajustar aos tempos que ajudou a moldar.

Tudo isso ainda nos espera depois do carnaval, abrindo alas para o enredo maior de 2018: eleições. Delas é possível esperar a escolha de gente que nos possa ajudar a sair do buraco não só da economia, mas também do desencanto geral com os rumos do País.

A reforma da Previdência foi conduzida por um governo impopular. Mas ela não é necessariamente impopular se reduz privilégios, cobra dos devedores e garante um futuro menos instável. Não precisa vir numa situação já de emergência, como na Grécia, trazendo insegurança e sofrimento. Ou como no Rio, para não ir mais longe.

Minha expectativa é de que isso se resolva bem na campanha. Os candidatos sabem que a reforma é necessária. Ou a defendem ou serão obrigados a fazê-la depois, nesse caso com baixa legitimidade, porque mentiram na campanha.

É uma ilusão da esquerda negar uma reforma necessária. Um dos fatores que a levam à resistência é o fato de estar muito enraizada nas corporações. Nesse caso pesa também o cálculo eleitoral. Até que ponto perder parcialmente o apoio dos funcionários públicos seria recompensado em votos pelos contribuintes?

Não só a esquerda vive esse dilema, mas o sistema político-partidário no seu conjunto. Ele não tem fôlego para realizar uma tarefa decisiva. Tornou-se um obstáculo às chances de reconstrução econômica. Entre outras, essa é uma das fortes razões para esperar mudanças a partir das escolhas de 2018.

Se o carnaval dá uma pausa para as novelas políticas, ele é implacável com a tragédia da violência urbana. Tudo continua. No Rio, três grandes vias, Linha Vermelha, Linha Amarela e Avenida Brasil, foram interditadas por tiroteios entre polícia e bandidos. Um menino e um homem morreram. Balas perdidas, governo perdido.

Já é um pouco estranho que tanta gente pare para fazer o carnaval. Mas seria mais estranho ainda que o governo parasse sobretudo nesta emergência. Existem graves problemas de violência no Norte e no Nordeste, mas o caso do Rio tem algumas agravantes.

A situação é tão grave que os responsáveis por atenuar o problema o examinam de certa distância. O ministro da Defesa declarou que o sistema de segurança está falido e o governador Pezão disse que na Rocinha se mata policial como se mata galinha. São bons comentários para um programa de rádio, mas quem está na linha de frente, ao dizer isso, imediatamente tem de responder a perguntas como: e daí? E os tiroteios? Como é que vai ser? Significa que estamos sós e desarmados antes, durante e depois do carnaval?

A moderada esperança nas eleições não significa abstrair problemas que não podem esperar, não só porque envolvem vidas, mas porque podem criar um terreno fértil para soluções autoritárias.

Do presidencialismo e da coalizão

Na tentativa de compreender e explicar a crise, tem sido comum que nos últimos anos se evoque o presidencialismo de coalizão como origem dos males do país. O termo ganhou a pista e se expandiu; é utilizado sem cerimônia, de forma muitas vezes rasa e equivocada.

Mas, para sair do fosso em que o sistema político se encontra, será necessário, porém, fazer um bom diagnóstico da situação, compreender a forma concreta da organização politica no Brasil, sem confundir termos ou recorrer a clichês.

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Como conceito, o presidencialismo de coalizão nasce em 1988, quando o cientista político Sérgio Abranches, buscava compreender modo e discutir consequências da forma como o presidencialismo se organizara no passado e tendia a se organizar a partir da nova Constituição que em breve seria promulgada. ''Por falta de melhor nome'', diz Abranches, surgiu o termo.

Ao longo do tempo, a questão despertou um longo debate na academia, há uma vasta literatura e correntes contrárias debruçadas sobre o tema, em seu pesar ou em seu louvor. Para uma parte de politólogos, ele funcionou e ainda funciona satisfatoriamente — basta verificar os números; salvo exceções, os governos formam maiorias. Os erros derivam exclusivamente da incapacidade de seu manejo, por parte do governante.

Para outros, o presidencialismo de coalizão adquiriu vida própria e especificidades no Brasil, como uma espécie de jabuticaba. Ao longo do tempo, descambou para o vício.

Peculiaridades do caso brasileiro à parte, o fato é que a lógica é muito simples, repete-se em vários lugares do mundo. Em qualquer regime democrático, cujo poder é compartilhado por três esferas formalmente autônomas, haverá necessidade de algum tipo de arranjo entre os poderes Executivo e o Legislativo; o primeiro precisa contar com maioria no segundo de modo a que possa governar com o menor risco de abalos.

O fato é que muito raramente o governante será eleito com maioria assegurada no Parlamento. O normal é que mesmo antes da eleição, os partidos já se preocupem em buscar alianças e coligações que tendem a permanecer no governo, em caso de vitória. O básico é que se discuta essas aproximações com base em ideologias e programas de governo; no mínimo, com uma agenda política.

Nesse sentido, o presidencialismo de coalizão não é nem um bem nem um mal, em si. Maiorias são necessárias e sua busca é normal. Logo, trata-se apenas de um método que visa garantir a governabilidade. De modo que, assim, compreendido, não há porque demonizá-lo ou endeusá-lo. Tudo dependerá da dinâmica que será implementada em torno dessa coalizão.

É evidente tanto quanto normal que a coalizão se reproduza na formação do governo, que será composto a partir da proporcionalidade das bancadas partidárias ou por critérios regionais. E, assim, partidos que se dispõem a dar sustentação aos governos no Parlamento, também ocuparão espaços no gabinete do presidente, dirigindo ministérios e empresas estatais.

É aí onde mora o perigo e a coisa pega.

Ao longo do tempo, de modo gradual e consistente, questões ideológicas e programáticas foram abandonadas ou, no máximo, serviram de biombo para interesses localizados. Mesmo as agendas surgem mais como remendos do que como medidas preventivas, de olho no futuro. A negociação, praticamente, se resume a cargos, emendas e, sejamos francos, esquemas.

Tanto o presidencialismo quanto a coalizão revelam uma face cínica.

Não cabe idealizá-los, sistemas políticos são produtos concretos da realidade. Tolice pensar em transportar métodos de um sistema hipoteticamente perfeito para as condições brasileiras. Ainda assim, não é impossível reformá-los; corrigir e mudar sua feição. Instituições tendem ao aperfeiçoamento, aproveitando-se, inclusive, dos erros do processo.

O mais provável, porém, é que da próxima eleição não emerja um Legislativo substancialmente diferente do que aí está. As normas do sistema eleitoral não mudaram significativamente, o recrutamento e a oferta de candidatos são os mesmos. Dado o desalento com a política nessa quadra histórica do Brasil e do mundo, as condições para imposição do novo são precárias.

Ainda assim, esta seria uma boa pergunta aos candidatos à presidência da República: se forem eleitos, pretendem formar coalizões em quais bases, por quais princípios? Reproduzirão o modelo por inevitável ou estabelecerão, de verdade, um novo tipo de relação? A qualidade da coalizão depende muito da qualidade do presidente.

Carlos Melo 

Paisagem brasileira

Lago São Bernardo, em São Francisco de Paula na Serra Gaúcha.
Lago São Bernardo, São Francisco de Paula (RS)

Em meio a crise, cartórios arrecadam R$ 14 bilhões em 2017

Uma das tarefas do analista administrativo Luis Fujiura, 36 anos, é resolver as pendências da paróquia católica para a qual ele trabalha em cartórios de São Paulo. Ele visita diariamente registros nos bairros do Itaim Bibi (Zona Oeste) e Ipiranga (Zona Sul), além do 16º Tabelião de Notas, perto do cruzamento entre a rua Augusta e a Avenida Paulista, no Centro. A paróquia gasta cerca de R$ 1 mil por mês só com taxas dos cartórios, diz ele. "Acho que alguns desses serviços poderiam ser digitais. Além do custo, tem o tempo de deslocamento que é bem alto", diz.

Dados do Conselho Nacional de Justiça compilados pela reportagem da BBC Brasil indicam que os cartórios, ao contrário da maioria das atividades econômicas, não foram afetados de forma severa pela crise que atingiu o país de meados de 2014 até 2017: a arrecadação cresceu de forma contínua, passando de R$ 12,8 bilhões no primeiro ano da crise (valores da época) para R$ 14,3 bilhões no ano passado.

O aumento, porém, é menor que a inflação acumulada nos quatro anos (28,8%, pelo IPCA).

Em 2016, por exemplo, o valor arrecadado pelos cartórios (R$ 14,1 bilhões) ficou apenas um pouco abaixo do total arrecadado pelos pedágios de todas as rodovias privatizadas do país: R$ 17,9 bilhões. Este último dado é da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR).

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No Brasil, os cartórios são os responsáveis por organizar, manter registros e certificar a autenticidade de alguns tipos de documento, especialmente aqueles que dizem respeito à vida privada: certidões de nascimento, casamento e óbito; contratos de compra e venda de imóveis, veículos e vários outros.

A maioria destes serviços são pagos diretamente pela pessoa interessada (e alguns são gratuitos). Em São Paulo, por exemplo, a escritura de um imóvel pode custar de R$ 238 a R$ 43,9 mil, dependendo do valor do bem.

Romério Rodrigues, de 21 anos, trabalha numa corretora de imóveis e está acostumado com as taxas. "Eu precisava saber a matrícula de um imóvel, e me cobraram R$ 5,10 só para me dizer o número, para que eu pudesse anotar no meu celular. Se fosse para tirar uma cópia da matrícula, seria R$ 51,90. Sei que eles têm os custos deles e precisam cobrar, mas poderia ser mais barato", diz.

Segundo o especialista em direito digital Coriolano Almeida Camargo, já existem inovações técnicas que poderiam diminuir este custo. "É um absurdo que a sociedade tenha de sustentar este custo até hoje. Já temos tecnologia para que as próprias empresas façam (uma parte das atividades). Quando uma criança nasce em um hospital, por exemplo, basta que seja feito um registro biométrico, registrado na internet. Pronto, nasci", diz ele, que é coordenador de pós-graduação na Faculdade Damásio, em São Paulo.

Os cartórios, por sua vez, lembram que este valor não vai todo para os bolsos dos tabeliães (os titulares dos cartórios): grande parte fica com o próprio governo, com R$ 6 bilhões pagos em impostos em 2016. Em nota enviada à reportagem, a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg) afirma que até 80% da arrecadação bruta dos cartórios é "comprometida com repasses a órgãos públicos e despesas de funcionamento".

Segundo a Anoreg, o modelo adotado no Brasil tem como vantagem o fato de não criar qualquer custo para o Estado, além de supostamente garantir a prestação de serviços melhores do que aqueles que seriam oferecidos pelo governo diretamente. "Há inúmeros exemplos de prestação de serviços públicos nas áreas de saúde, educação, segurança, entre outros, nos quais os cidadãos precisam recorrer a serviços privados em razão da ineficiência da máquina pública", diz um trecho da nota enviada à BBC Brasil.

Em nota enviada à reportagem, o CNJ informa que a responsabilidade de definir o preço das taxas de cartórios é dos Tribunais de Justiça de cada Estado. Parte do que os cartórios arrecada também é repassado aos TJs estaduais.

No fim de janeiro, uma decisão do CNJ ampliou ainda mais o "mercado" dos cartórios: documentos que antes só eram emitidos por órgãos públicos, como RG e passaporte, poderão ser feitos pelos registradores. O serviço deve começar a funcionar ainda este ano.

Pagarão o débito?

O cidadão brasileiro está cansado da ineficiência de todos nós, e cansado inclusive de nós do sistema Judiciário. Por mais que tentemos, e estamos tentando com certeza, temos um débito enorme
Cármen Lúcia, presidente do STF

Reunião de Fachin com advogados de Lua é mais do que suspeita - é suspeitíssima

Advoguei por 45 anos seguidos e foram mais de três mil ações indenizatórias que patrocinei, sempre em favor das vítimas de acidentes de trânsito, do mau atendimento hospitalar, dos familiares de detentos mortos nos presídios do Rio, de tragédias como o Bateau Mouche, o desabamento do Palace II de Sérgio Naya, a queda do Elevado Paulo de Frontin, a Chacina da Candelária, além de fazer defesa do Consumidor… Advocacia atuante, permanente e na maior parte das vezes gratuita, sem receber honorário. Missão cumprida.

Em toda a minha vida profissional, sempre respeitando a magistratura e pelos juízes sendo respeitado, nunca me reuni em gabinetes (ou fora deles) de juízes de primeira instância, ou mesmo com desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio, para debater pontos de processos em que eu era advogado e os magistrados atuavam e que estavam sob seus julgamentos. Com os magistrados, falava por petição. Sempre.

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 Como brasileiro, advogado militante que fui, como cidadão, me constrange saber o que esta notícia que a “Tribuna da Internet” publica, assinada pelo eminente advogado doutor José Carlos Werneck, que milita em Brasília, e ilustrada com foto do jornal Correio Brasiliense, que é sobre o encontro dos advogados de Lula (agora com a equipe reforçada pelo doutor Sepúlveda Pertence, ministro aposentado do STF e que da Corte foi presidente) com o ministro-relator Edson Fachin, em seu gabinete no prédio do Supremo.

Não ponho maldade no encontro. Longe disso. Todos, advogados e ministro, são probos, éticos, de grande cultura… Mas eu não consigo compreender, aceitar, concordar, admitir que tenha havido mesmo essa tal reunião. Que trataram? Falaram a respeito de quê? O que os advogados disseram ao ministro-relator e este aos advogados? Qual o motivo da reunião?

Segundo o noticiado, o encontro com o ministro Fachin foi para “detalhar pontos do Habeas Corpus protocolado no STF para impedir a prisão do petista após serem apreciados os recursos no TRF-4 de Porto Alegre…!!!”

O que é isso? Advogados de réu condenado se reunirem com ministro do STF para detalhar Habeas Corpus em favor de seu cliente (Lula) e que o ministro vai julgar depois? Mas o que é isso? Onde estamos?

Não. Com todo respeito, não encontro motivo e razão para que a reunião tenha ocorrido. Pega mal. Cheira mal. É mal vista. Perdão, mas é suspeitíssima.

Gente fora do mapa

Congresso agora dispõe de bancada presidiária

Com a prisão do deputado João Rodrigues, nesta quinta-feira, subiu para três o número de integrantes da bancada presidiária do Congresso. O novo preso junta-se aos detentos Paulo Maluf e Celso Jacob. Os três têm algo em comum além do status carcerário. Embora julgados e condenados pelo Supremo Tribunal Federal, eles continuam sendo deputados federais. Avalia-se que na Câmara que a cassação não é automática. Precisa passar por uma votação no plenário.

O Brasil, nesta sua fase cleptocrata, já assistiu a esse filme. Em agosto de 2013, os deputados votaram a cassação de um colega condenado a 13 anos de cadeia, Natan Donadon. E o mandato foi mantido. Terminada a sessão, o preso foi algemado, enfiado num camburão e voltou para o xadrez ostentando o título de deputado. O mandato dele só seria passado na lâmina depois de cinco meses, numa segunda votação.

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Até outro dia, o preso Celson Jacob dava expediente na Câmara, voltando para a cadeia à noite. A mamata acabou porque ele foi flagrado tentando entrar no presídio carregando queijos e biscoitos na cueca. O neopresidiário João Rodrigues já avisou que reivindicará o direito de continuar exercendo o mandato durante o dia.

Se o Brasil fosse um país lógico, congressista condenado à prisão seria cassado automaticamente. Mas num Congresso repleto de suspeitos, os parlamentares sempre retardarão ao máximo os enforcamentos. O instinto de sobrevivência os leva a se proteger da corda. Que se dane o interesse público.

O juiz está nu: consequências da superexposição do Judiciário

O Brasil “descobriu” o auxílio-moradia dos magistrados. Essa é a sensação que se tem ao acompanhar a cobertura política dos últimos dias. O estopim foi a matéria sobre o duplo auxílio-moradia recebido pelo juiz da 7a Vara Federal do Rio de Janeiro, Marcelo Bretas, e por sua esposa, que também é magistrada. Responsável pelas ações da Lava Jato no Rio, Bretas recebe o benefício desde 2015, amparado por uma decisão judicial que contraria a Resolução nº 199 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cujo teor proíbe o benefício em duplicidade para casais que morem na mesma residência.

Na sequência, o juiz Sérgio Moro, proprietário de um imóvel em Curitiba, também apareceu em matérias e memes sobre o assunto. Moro recebe o benefício, no valor de R$ 4.377, ainda que tenha apartamento próprio em Curitiba. Em declaração à imprensa, afirmou que o benefício serve de compensação pela falta de reajustes para os juízes. A declaração de Moro leva a uma discussão sobre o teto constitucional (já que o auxílio não é considerado renda, ficando inclusive isento de imposto) e sobre como é possível, dentro da lei, criar fórmulas de burlar os próprios ditames legais. Uma questão importante surge a reboque: o que é legal é sempre justo?

O auxílio só foi estendido a todos os magistrados e membros do Ministério Público do país por conta de uma liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux. Desde que foi tomada, em setembro de 2014, a decisão gerou um gasto estrondoso para os cofres públicos. Dentre as beneficiadas com a interpretação, está a própria filha do ministro, Marianna Fux, que é desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e possui dois imóveis na capital. Eis que outra questão se coloca: o Judiciário está isento de interesses ao julgar?


Com o assunto em pauta, não faltam exemplos de como o benefício parece ser talhado para simbolizar as discrepâncias sociais brasileiras e como o Sistema de Justiça não está apartado delas. Magistrados, promotores de Justiça e defensores públicos, com paridade de vencimentos, têm hoje uma remuneração que gira em torno de 30 mil reais. A soma, acrescida do auxílio, representa cerca de 34 vezes o valor do salário mínimo, nos casos em que outros penduricalhos não entram na conta. Essa discussão sobre direitos e privilégios dos que compõem o Sistema de Justiça parece que vai ser levada a cabo. Sobram temas para puxar o cordão, como as férias de 60 dias e os demais auxílios – de ajuda de custo para vestuário à compra de livros. Tais benefícios e seu contraste com a realidade brasileira merecem ser vistos com um foco próprio, mas ensejam outra discussão num plano médio: as consequências da superexposição do Judiciário e seu comportamento como ator político.

Até o início dos anos 2000, era comum se dizer que o Judiciário era um “ilustre desconhecido”. Nem de longe essa expressão pode ser usada hoje. O Judiciário está na agenda midiática e pública, é fato. Esse é um processo que vem sendo construído há alguns anos. Durante o julgamento do mérito e dos recursos da Ação Penal 470, o “mensalão”, em 2012 e 2013, termos técnicos antes inimagináveis à linguagem jornalística, tais como embargos infringentes, estiveram em quase todas as chamadas e manchetes de jornais. Em dezembro de 2016, foi organizada uma manifestação na Avenida Paulista em apoio à Lava Jato. Lá estavam bonecos infláveis e camisetas com fotos dos membros da operação em caricaturas de super-heróis. Na mesma manifestação, diversas pessoas carregavam cartazes com os nomes dos ministros do Supremo. As pessoas sabiam, inclusive, como tais ministros votaram em determinados assuntos. Concordavam e discordavam. Não seria uma inverdade dizer que hoje a escalação do Supremo tem “jogadores” mais conhecidos que muitos nomes da seleção brasileira – e que, como os atletas, já sofrem cobranças e hostilidades públicas por seus “dribles”.

É curioso observarmos que, poucos dias antes do auxílio-moradia tomar conta dos jornais e das redes sociais, a outra pauta que reinava absoluta era a da condenação do ex-presidente Lula no Tribunal Regional Federal da 4a Região(TRF4), no processo relativo à operação Lava Jato. O julgamento-espetáculo teve torcida organizada nas ruas, contou com bloqueio aéreo, terrestre e naval ao redor do Tribunal e foi transmitido ao vivo. Lá estava uma Justiça que disputava a opinião pública em contraponto com o réu. Isso diz muito sobre o que vemos agora.

As pautas sobre o julgamento de Lula e o auxílio-moradia podem parecer díspares, mas acabam por trazer à tona a necessidade de uma análise detalhada sobre a “isenção” do processo. O trâmite legal dos procedimentos garante sua lisura? Como? Por quê? O que vale para um vale para todos? Essas são perguntas fundamentais, feitas por uma sociedade que começa a entender o comportamento do Sistema de Justiça. Se escapa à maioria expressões próprias do Judiciário, tais como “prescrição” ou “pedido de vistas”, permanece a indagação sobre os motivos em relação aos quais algum tema ou pessoa é ou não julgado e em que período de tempo isso acontece. Os questionamentos sobre os benefícios classistas podem aparecer agora num primeiro plano, mas estão imbricados numa questão latente sobre o funcionamento da Justiça – que tem tudo para explodir em breve.

O nível de exposição das instituições judiciais chegou em um ponto de saturação que impressiona. Se, de alguma forma, isso alçou juízes e promotores a celebridades, por outro lado, abriu espaço para revelar distorções e arbitrariedades que antes só eram percebidas por quem acompanhava o meio jurídico de perto. São dois eixos de um mesmo movimento e, ao que parece, algo começa a mudar.

Há um histórico que mostra como o Direito e, em especial, a magistratura são tomados por uma determinada classe social. José Murilo de Carvalho, em A construção da ordem e o teatro das sombras, fala da importância dos juízes para unificar a elite no Império. Quantos podiam mandar seus filhos para estudar Direito em Coimbra? A pergunta parece longínqua, mas hoje cabe questionar: quem tem condições de sustentar a máquina de cursinhos para se tornar um magistrado ou membro do Ministério Público? Dentre tantos fatores, o perfil de quem ocupa as carreiras jurídicas diz muito sobre como a Justiça é feita, sobre a ideia que se tem de privilégios e mesmo a quem se destina a lei.

Se as cobranças públicas espantam os que emularam uma Justiça heroica, um panorama rápido nos lembra que, até anos 2000, as pautas na mídia que giravam em torno da instituição diziam respeito à transparência e accountability. A CPI do Judiciário, em 1999, e a Reforma, em 2004, com suas discussões sobre o controle externo e a famosa “caixa-preta”, são eventos importantes a mostrar a pertinência de tais demandas.

A democratização do Sistema de Justiça foi e ainda é uma questão não resolvida. O que acontece agora é que, para o bem e para o mal, os holofotes não permitem mais uma acomodação silenciosa de interesses. Estar na agenda pública tem seu preço. Foi rápido o pulo de vilão a mocinho, mas há problemas profundos demais no Judiciário para que seja possível ficar muito tempo em cena sem que eles apareçam.

Grazielle Albuquerque

Pouca água para muita gente

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Promete discussões acaloradas – e certamente interessantes – o Fórum Mundial da Água, que começa no próximo dia 18 em Brasília e é organizado a cada três anos pelo Conselho Mundial da Água e pelo país anfitrião. Desse órgão mundial participam 400 instituições em 70 países, reunindo governos, universidades, sociedade civil, empresas e ONGs. Para esta próxima discussão já se preveem temas complexos e polêmicos como transposição de bacias, reúso da água na indústria e na agricultura, regras para divisão entre países, financiamento, legislação e muitos outros.

Este ano, por exemplo, um dos temas mais polêmicos será apresentado pelo Brasil, com a proposta, nascida no Conselho Nacional do Ministério Público e na Procuradoria-Geral do Ministério Público, de inscrever o acesso à água na legislação como direito humano – incluindo a proteção contra a poluição, as condições de consumo. E ainda não ficará inscrita a inclusão da água como direito humano (CNMP, dezembro 2017) – embora em muitos lugares a água defina as relações de poder em determinado território.

Também no fórum será discutida a Carta dos bispos do Velho Chico, em que os prelados dessa região, representando 11 das 16 dioceses – “diante do processo de morte em que esse rio se encontra e das consequências que isso representa para a população que dele depende” –, assumem de forma colegiada a defesa do Rio São Francisco, “de seus afluentes e do povo que habita sua bacia”. Nesse documento, denunciam o sumiço de “inúmeras nascentes e pequenos afluentes”; o aumento da água para irrigação, indústria, consumo humano e outros usos econômicos”; a destruição de matas ciliares; o aumento dos conflitos na disputa pela água; “empresas que sempre fazem prevalecer seus interesses e o Estado que acaba por ser o legitimador de um modelo predatório de desenvolvimento”.

O documento propõe, por isso, convocar a população para reforçar as iniciativas populares de recomposição florestal, recuperação de nascentes, revitalização de afluentes, reforçar a ética da responsabilidade ambiental e o modo sustentável de convivência com a Caatinga, o Cerrado e a Mata Atlântica, assim como defender políticas públicas para implementação do saneamento básico e apoio à agricultura familiar, entre vários outros objetivos. Por isso tudo, propõem “uma moratória para o Cerrado por dez anos, para a Caatinga e a Mata Atlântico, biomas que alimentam o Rio São Francisco e dele também se alimentam”.

A prioridade absoluta para a defesa dos recursos hídricos não é pauta prioritária só em discursos no Brasil. Na Índia e na África do Sul, autores que tratam do tema ressaltam que não se trata apenas dos temas habituais de mudanças extremas do clima, colheitas perdidas, vidas abortadas; trata-se também de gravíssimos problemas para a vida urbana, o desenvolvimento industrial e o enfrentamento da pobreza.

Mais de 80% da eletricidade na Índia vem de geradoras térmicas, queima de carvão, gás e combustível nuclear, 90% das usinas de energia térmica são resfriadas por água corrente e 40% dessa água já enfrenta situação muito preocupante. E os governos continuam prometendo que todas as casas terão eletricidade em 2019. O consumo de água deverá multiplicar-se por sete até 2030.

Para esse ano, são apocalípticas as previsões para Cape Town, na África do Sul, uma das maiores cidades do mundo. Na Província de Western , a escassez quase total de energia obrigará a limitar a 87 litros por dia por pessoa o consumo de água bombeada. Mas poderá baixar para 25 litros. E os dramas do clima continuam a crescer assustadoramente, numa estiagem que já dura três anos (Folha de S.Paulo, 3/2)- a pior em um século. A cidade corre para pôr em funcionamento estações dessalinizadoras de água do mar.

Enquanto isso, a cidade de Paris anunciou que, seguindo o exemplo de Nova York e outras cidades norte-americanas, estuda a possibilidade de processar empresas de combustíveis fósseis, por causarem danos ao clima (350 org., 6/2). Também fazem parte do lobby no Grupo de Liderança Climática das Cidades para que Paris, Londres e outras cidades assumam o compromisso de retirar investimentos de empresas de combustíveis fósseis. Sydney e a Cidade do Cabo, além de Berlim, Oslo, Copenhague e Estocolmo já se comprometeram a proibir investimentos públicos em combustíveis fósseis. O Chile anunciou compromissos de eliminar a energia a carvão no país. No Brasil, na cidade de Peruíbe (SP), a pressão popular barrou a construção de uma megausina termoelétrica. Iniciada em 2012, a campanha para reduzir a licença a empresas consideradas mais responsáveis pela crise climática tem levado a baixar rapidamente esses empreendimentos. Em Nova York o prefeito Bill de Blasio anunciou que retirará seus fundos de pensão de US$ 191 bilhões de projetos ligados a combustíveis fósseis.

Pode parecer a muitas pessoas que as campanhas nessas áreas são descabidas. Mas basta lembrar que 1 bilhão de pessoas no mundo não têm acesso a água potável, segundo relatório do Conselho Mundial da Água (Instituto Humanitas Unisinos, 23/1/18): na Ásia são 554 milhões; na África Subsaariana, 319 milhões; na América do Sul, 50 milhões. O consumo de água por pessoa nos países ricos é de 425 litros por dia; nos países pobres, 10 litros. São necessárias de uma a três toneladas de água para produzir um quilo de cereal; até 15 toneladas para um quilo de carne; para produzir as refeições necessárias em um dia para uma pessoa são necessários entre 2 mil e 5 mil litros de água.

Com a população mundial em crescimento e com as questões climáticas se agravando, todos esses números continuarão crescendo rapidamente. É preciso ter pressa para enfrentar essas questões.

Imagem do Dia

Nicole Lafourcade 

A professora, o arquiteto e o poeta

Em muitos dias da minha infância manauara, atravessava a rua Dona Libânia e subia até a praça São Sebastião, um belíssimo espaço circular de desenho italiano, onde fica o Teatro Amazonas, o maior ícone arquitetônico da cidade. Na subida, via a placa da rua e me perguntava quem teria sido Dona Libânia, esse nome tão sonoro quanto misterioso.

Hoje, sei que a amazonense Dona Libânia foi a primeira professora de escola pública de Manaus. Foi também avó do arquiteto e urbanista Lucio Costa, reconhecido no mundo todo pelo projeto de Brasília.

Talvez muitos não saibam que o grande arquiteto também projetou as casas do poeta Thiago de Mello em Barreirinha. São os únicos projetos de Lucio na Amazônia. Em 2013, a prefeitura de Barreirinha ameaçou demolir uma delas, situada na margem do Paraná do Ramos. A ideia era destruir a casa para ampliar a orla e construir um outro porto na cidade. Esse ímpeto que destrói coisas belas e ergue coisas horrorosas é, entre outras coisas, uma mistura de ignorância com descaso pela memória material.

Um dos muitos exemplos da barbárie urbana no Amazonas foi a demolição do estádio Vivaldo Lima, um projeto premiado de Severiano Porto. A construção da Arena Amazônia para a desastrosa Copa do Mundo (2014) custou mais de 700 milhões de reais. Manaus, sem tradição de futebol, ostenta a gigantesca, imponente e inútil Arena, enquanto grande parte da população manauara vive em habitações precárias, sem acesso à infraestrutura e serviços públicos.


O mesmo destino teria o conjunto de casas projetadas por Lúcio Costa, não fosse a atuação da família de Thiago, de arquitetas e funcionários heroicos da Superintendência do Iphan do Amazonas, de jornalistas e de pessoas que defendem o patrimônio cultural do Amazonas e do Brasil. O relato do Instituto Thiago de Mello assinala que “das cinco casas projetadas por Lúcio Costa, apenas a ‘Casa de praia do rio Andirá’, a única que é de propriedade particular do poeta, está em bom estado de conservação. As outras casas de Barreirinha (foto) foram vendidas para o governo sob o acordo de que se preservaria o projeto original de Lúcio Costa e se daria uma finalidade cultural”.

Nada disso foi feito. Em 1992, o governo do Amazonas repassou as casas em comodato para a prefeitura de Barreirinha, que demoliu a Biblioteca “Moronguetá” para construir um pátio coberto, espécie de horrendo galpão. E isso sem necessidade, pois a área do terreno permitia outras construções. O leitor pode imaginar o tamanho dessa estupidez, que não é apenas local, pois esses atos irresponsáveis acontecem com frequência em todo o Brasil.

Tombado e restaurado, o conjunto arquitetônico pode ser transformado em centros comunitários destinados a indígenas e ribeirinhos, e também à população de Barreirinha, Parintins, Maués, e até de Santarém e outras cidades do Médio Amazonas. Seria ainda uma justíssima homenagem a Lucio Costa, a Thiago de Mello, à arquitetura e à poesia brasileira. Além desse forte gesto simbólico, esses centros comunitários seriam importantes para a educação de crianças e jovens numa região isolada, pobre, carente de atividades culturais.

Hoje, aos 91 anos de idade, o poeta amazonense espera, ansioso e angustiado, uma decisão do Iphan, que ainda não homologou o tombamento do conjunto arquitetônico projetado por Lucio Costa. Se o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural não analisar com urgência esse processo, a deterioração das casas será irreversível, e é provável que em pouco tempo sejam devoradas pela floresta, como diria uma personagem do romance A voragem, do colombiano José Eustasio Rivera. Mas, nesse caso, não se trata apenas da voracidade da natureza, mas também da insensibilidade e indiferença dos responsáveis pelo nosso patrimônio cultural.

“Os momentos do passado não são imóveis”, escreveu Marcel Proust. “Os momentos (e também as obras) do passado guardam na nossa memória os movimentos que os conduzem ao futuro: um futuro que se torna o passado, conduzindo nós mesmos até ele.”

Milton Hatoum

Poder virtual

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Democracia é a forma de governo em que o povo imagina estar no poder 
Carlos Drummond de Andrade

Estranhas palavras

Pertenço a outros tempos. Uso outro vocabulário. Não reivindico que meus tempos ou minhas palavras sejam melhores que os tempos e as palavras de hoje em dia. Até já me acostumei a conviver com minhas netas e ouvir delas frases que precisam ser explicadas a mim, ponto por ponto. Como também explico a elas o que significam certas expressões “estranhas” que uso. Registro apenas meus encontros com as netas porque moram nos Estados Unidos e lidam melhor com o inglês.

Acho que fui sempre uma lutadora contra os preconceitos: sou de um tempo em que, na Faculdade de Direito da UFMG, brigando para ter acesso a um elevador que subia e descia lotado, estendi os braços à frente de todos os homens e tive de responder a um colega provocador, que “sim, nós, mulheres, queremos direitos iguais... não deveres iguais!”: resposta polêmica de quem não só queria se ver respeitada, mas ainda queria ser bem tratada. Como chegamos a ser – como uma “concessão”, e não um direito, até muito tempo atrás.

Sou de um tempo em que, no PT, como candidata ao cargo de governador, em 1982, tive de me submeter a não dizer o que acreditava ser correto (direito ao aborto, direito de emancipação das mulheres e homossexuais, descriminalização do uso de drogas) –, tudo isso apenas para não ferir os escrúpulos de quem, militando pela Igreja Católica ou nos movimentos sociais e sindicais – extremamente atrasados em assuntos comportamentais –, ainda não permitia ao PT ter uma opção clara a respeito desses temas.

Agora, assim como os diferentes têm se manifestado contra os preconceitos que cercam suas vidas, preciso me manifestar contra certos usos estranhos de palavras que só agora são vistos.

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Começo pela que mais me engasga: a luta pelo empoderamento. A palavra não existe nos dicionários que possuo, o mais recente dos quais o “Houaiss” de 2009 (consultei também exemplares do “Aurélio” de edições anteriores). Recorro ao moderno “pai dos burros”, o Google. Nesse, é claro, encontro a palavra tal qual vem sendo usada hoje em dia pelo movimento feminista e por outros... Mas ainda estranho que essa palavra, que veio do marketing e que é derivada do inglês, no qual também comporta outros significados, tenha substituído o velho e claro conceito de emancipação. Este significava “tornar-se independente, libertar-se, se pôr fora de tutela”. O outro, no sentido usado por alguém bem atual, significaria “estar em espaços de poder e com poder”.

Não é isso que eu quero. Ter poder significa mandar, dominar, tirar a liberdade de outrem, e eu não quero isso para minha vida, nem para a vida daqueles que amo. Eu amo, respeito e reconheço o direito de todos. “Nada do que é humano me é estranho”, gostava de dizer um filósofo barbudo, repetindo o poeta romano.

E por conta disso não quero amar, nem respeitar, nem reconhecer o direito de quem quer mandar, dominar ou tirar algo de mim ou de outrem. Sou diferente agora mais do que nunca, porque sou mulher e sou de outros tempos – tempos de reivindicações mais sensatas.