quarta-feira, 19 de junho de 2019

O pagador de promessas

O decreto legislativo aprovado pelo Senado que derrubou o decreto da farra das armas do presidente Jair Bolsonaro agora irá para a Câmara dos Deputados. Não há data à vista para que seja votado ali.

Os deputados vão querer impor suas digitais no decreto. Tramitam na Câmara projetos de lei sobre a compra e o porte de armas. O decreto original de Bolsonaro jamais será recomposto.

Para o presidente, tanto faz como tanto fez. Ele cumpriu a promessa feita aos seus eleitores. Se ela não se materializar, a culpa será do Congresso, unicamente dele.

Um governo sem articulação política que funcione, sem um partido coeso para chamar de seu e que se recusa a compartilhar o poder com o Congresso, é um governo destinado ao fracasso.

Mas isso também não importa muito para Bolsonaro. Saiu candidato a presidente só para ajudar a reeleger os filhos. Em seguida, pretendia ir desfrutar a vida na companhia da mulher e da filha.

No dia em que se elegeu, logo que sua casa na Barra da Tijuca começou a se esvaziar, pediu a um amigo que ficasse mais um tempo. E aí confessou seu espanto. E chorou copiosamente.

Governa sem um projeto para o país, sob a orientação dos filhos e do autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho. Compra ideias aqui e acolá. Por vezes, arrepende-se de umas, esquece outras.

Não é certo que se candidatará à reeleição. Se o fizer e perder, se reconciliará com o que pretendia antes. Com a vantagem de poder curtir a vida na condição de ex-presidente.

Terá feito um bom negócio.

Brasil sem resposta


Reconstruir o bem comum

Em tempos de interdependência, nos quais até mesmo antiglobalistas convictos se reúnem em redes globais, nada demais recorrer a uma anedota húngara, muito embora de uma Hungria ainda “vermelha”, já distante no tempo. Um grande filósofo, um dos poucos de firme adesão comunista que permaneceu relevante, conta ter ido certa vez até um burocrata partidário, intrigado que estava com bruscas e inexplicáveis mudanças de orientação. O cinzento funcionário assegurou a Lukács, o personagem desta breve história, que o partido incorrera em sucessivos desvios da “linha justa”, ora de “direita”, ora de “esquerda”, numa sequência velocíssima que nada explicava e deixava o filósofo ainda mais confuso do que antes.


É que “esquerda” e “direita”, naquele contexto, já não significavam muita coisa. O uso convencional só atestava que a linguagem – qualquer linguagem, inclusive a do marxismo supostamente científico – podia degenerar em jargão e quaisquer conceitos, inclusive alguns firmemente estabelecidos, podiam se transformar em casca vazia, ainda que brandidos em meio a muito som e a muita fúria. E isso com os efeitos nocivos que se podem adivinhar – afinal, costumamos nos odiar e matar por palavras banais e bandeiras sem sentido.

É bem provável que hoje, num mundo em que usuários das redes sociais se engalfinham e “politizam” rigorosamente tudo, ameaçando o tecido minimamente unitário que deve sustentar as sociedades, aquela degeneração de nomes e de linguagem esteja novamente dando seus frutos envenenados. Esquerda e direita voltam a se contrapor de modo desabrido, gritado e caótico, produzindo e reforçando o “colapso do centro” que se registra em muitos lugares e já não poupa nosso país.

Centro, aqui, não pretende valer por um termo médio inexpressivo, socialmente desabitado e politicamente irrelevante. No auge da social-democracia, as boas sociedades conseguiram encurtar distâncias e redistribuir renda: eram as sociedades ditas dos dois terços, uma vez que, grosso modo, só um terço delas estava mais ou menos fora dos benefícios do progresso, enquanto uma substancial maioria convergia nas faixas centrais. No Brasil, território por excelência da desigualdade, não poucos historiadores de esquerda chamaram a atenção para o persistente papel das camadas médias em transformações decisivas. E na primeira década deste século, quando se celebrou até com exagero o sucesso do petismo, a emergência de novas classes médias terá sido o aspecto mais destacado, como a certificar o êxito dos programas implementados.

Impossível considerar a priori tais classes como “reacionárias” ou inimigas da mudança. Em boa medida, elas constituem o terreno mais sólido para o exercício da política como consenso e convencimento, como paixão iluminada por bons argumentos e, assim, estranha à lógica do poder que não quer se justificar permanentemente nem se pôr à prova em eleições livres e regulares. A ruína deste fundamento, com o crescimento das disparidades nas últimas décadas, tem sido a ruína da política democrática, que aos olhos de muitos perdeu a capacidade de incorporar ativamente as maiorias sociais e, assim, assegurar a ideia de bem comum.

Nos seus momentos mais criativos, a esquerda soube interpelar este centro, credenciando-se para dirigir o conjunto da sociedade, tal como se começou a demonstrar há cerca de cem anos durante a crise das sociedades liberais, com a ascensão de sindicatos e partidos de classe e a afirmação de inéditos direitos econômicos e sociais. Ela foi sujeito ativo, na variedade de suas expressões, de experiências de reforma das sociedades de mercado, assimilando e enriquecendo as regras do jogo. As experiências revolucionárias, ao contrário, não redundaram em sociedades livres e foram, exceção feita a anacronismos, repudiadas cabalmente a partir de 1989. A esquerda reformista passou a ser parte ineliminável do patrimônio ocidental, se retirarmos do termo “ocidental” a conotação puramente geográfica, e só os parvos podem imaginar cancelá-la nas distintas realidades nacionais. Mas sem dúvida perde prestígio e capacidade de atração quando, por desgraça extrema, caudilhos como Chávez e Maduro rotulam sua aventura nefasta como “socialismo do século 21”.

Caso oposto é o da nova direita populista e nativista, que se diferencia dos conservadores clássicos e até dos neoliberais dos anos 1990. Seus êxitos eleitorais, inclusive no Brasil, se dissociam de qualquer verdadeira função dirigente, pois de modo assumido esta direita se reporta não ao “centro”, que despreza, mas à “maior minoria”, que pretende defender com radicalismo vizinho à subversão. Tem como traço básico, delineado a partir da matriz trumpista, um espírito antiliberal que a torna adversária da democracia representativa, do jogo de freios e contrapesos, da vida cívica plural, da imprensa independente. Assenta-se na mais falsa entre todas as notícias falsas, ao se apresentar como portadora de uma mensagem antissistêmica e revolucionária, quando, ao contrário, sua face real é a do próprio sistema despido de valores inestimáveis, como os direitos humanos, a tolerância e o repúdio a toda forma de discriminação.

Descontado o presente surto populista, em democracias consolidadas direita e esquerda constitucionais se assediam e travam batalhas duras; no entanto, além de saber que o par conceitual que encarnam só explica parte das contradições de sociedades complexas, não perdem de vista a densa realidade do “centro”. Este é o lugar em que, na melhor hipótese, se tecem equilíbrios cada vez mais avançados e se afirma a ideia de bem comum. Se nos entregarmos à fantasia dos choques frontais, em vez de tais equilíbrios teremos a mútua ruína das forças em luta, hipótese catastrófica a ser evitada segundo a visão do próprio fundador do socialismo moderno.

Lá embaixo ainda se está em 300 mil a. C.

Pense bem, lá embaixo, ainda é o ano 300 mil a. C. Enquanto desfilamos por aqui, ao som de cornetas, destruindo os países e as vidas uns dos outros, estão vivendo sob o mar a vinte quilômetros de profundidade, no frio e num tempo tão antigo como a cauda de um cometa
Ray Bradbury, "Os frutos dourados do Sol"

O ocaso da privacidade

Na semana passada, fiz uma viagem nostálgica à Suécia. Fui apenas a São Paulo, onde conversei com o embaixador que deixava o cargo e empresários da Câmara de Comércio Sueco-Brasileira.

Lembrei-me da Suécia que deixei e me descreveram a atual. Eles passaram bem todos esses anos, sobretudo depois da crise de 2008. Há novos problemas, como o crescimento do partido da direita e diante do crescimento da presença estrangeira. Já intuía esse problema; na verdade, o menciono no primeiro parágrafo de um livro sobre o exílio.

Ajustaram a Previdência, e podem se dar ao luxo de discutir uma lei que pune o dono que abandona o cachorro sozinho depois de mais de cinco horas.

Aqui, após o caso Neymar, surgiam a invasão do telefone de Sergio Moro e o ataque geral aos procuradores da Lava-Jato. Escrevi sobre consequências políticas e jurídicas no artigo de fim de semana.

Ainda no ritmo nostálgico da conversa com os suecos, gostaria de avançar: o mundo mudou, ganhamos muito com a revolução digital mas, ao mesmo tempo, ficamos vulneráveis.

Se um hacker invade telefone de autoridades e de uma sofisticada operação policial, o que não pode fazer com pessoas que não se preocupam com segurança? As pessoas comuns que trocam mensagens familiares, dizem algumas bobagens — afinal, temos direito a uma cota de bobagem — não têm interesse público. A divulgação provocaria sorrisos ou compaixão pelas nossas dificuldades cotidianas. Mas suas intenções de consumo e outros hábitos já são monitorados com a ajuda da inteligência artificial.

A vulnerabilidade é assustadora, porque o hacker sequestra sua identidade virtual. Pode, por exemplo, escrever barbaridades como se fosse você. E num mundo de linchamento eletrônico, não há tempo para a defesa.

Não estamos verdadeiramente sós. Isso é uma perda em relação ao passado. E nos remete a outra vulnerabilidade: o que é verdadeiro ou não num tempo de fake news? A fronteira pode se apagar?

De um modo geral, existe uma tendência negativa que descarta a importância dessa questão e passa imediatamente a outra: não importa se a notícia é verdadeira ou não, e sim como aproveitá-la.

Moro e os procuradores admitem que foram hackeados. Se fossem pessoas comuns, poderiam dar de ombros. Foi um crime, não se responde à devassa da intimidade. Em outras palavras: não é da sua conta.

No entanto, com pessoas públicas, a dinâmica é diferente. É natural que elas determinem investigação rigorosa. E seria natural que houvesse no Brasil uma discussão sobre a vulnerabilidade cibernética do país.

Mas precisam também dar sua versão dos fatos. Colocar as frases soltas no contexto, descartar as fake news que surgiram na rede, enfim, realizar o debate que a invasão traz: a questão da imparcialidade.

Embora com regras diferentes, é um tema comum a juízes e jornalistas. The Intercept Brasil apresentou algumas frases que mostram a proximidade entre Moro e Dallagnol, juiz e procurador.

Juristas condenam isso. Embora aconteça muito no cotidiano do combate ao crime comum, por exemplo. Um juiz teme muito mais favorecer, pela inércia, a uma organização criminosa do que à promotoria.

Quando se trata de política, de novo, o tema ganha nova luz. The Intercept apresentou frases que realmente precisam ser discutidas. Mas a questão da imparcialidade é tão delicada que o próprio Moro e os promotores acusam o site de não os terem ouvido. Argumento contrário: eram muito poderosos e poderiam sufocar o caso.

Jornalistas resguardam o anonimato de sua fonte. The Intercept diz que a fonte foi protegida por algumas semanas. É um sinal de proximidade. Há uma diferença entre proteger a fonte e proteger apenas seu anonimato.

Nós nos movemos num mundo imperfeito, às vezes ressaltando nossas qualidades, às vezes diminuindo a do adversário. Isso ficaria claro se todos os telefones fossem invadidos.

Gilmar Mendes, por exemplo, achou um escândalo a relação de proximidade entre Moro e Dallagnol, procurador da Lava-Jato. Mas se esquece de que também foram vazadas conversas suas com Aécio e com o governador do Mato Grosso que estava para ser preso.

Viver, na era digital, é muito perigoso.

O BNDES mudou em anos recentes

Na segunda metade dos anos 1980, a ditadura havia acabado, o país perdia a década, mas o BNDES não alterara a política de dar empréstimos seriais para empresas paulistas, como Villares, Bardella. O economista Paulo Guedes colocou no banco o divertido apelido de “recreio dos bandeirantes”. A política de favorecer algumas empresas foi repetida nos governos Lula e Dilma, favorecendo Odebrecht e JBS, entre outras. Quem tentasse saber detalhes das operações ouvia que era “sigilo bancário”. Era o auge da caixa-preta. Ela começou a ser aberta, já no governo do PT, por imposição dos órgãos de controle, como TCU e MP. Para seguir a ordem de abrir a caixa-preta, o banco terá que anunciar o que já se sabe.

O BNDES que o jovem Gustavo Montezano vai assumir tem muita história e ela não é simples. O banco já cometeu diversos erros, mas é impossível imaginar o que seria da economia do Brasil sem ele. Os bancos brasileiros não gostam de financiar projetos de longo prazo. Acham arriscado. E, se puderem, se associam a um banco público. Esta aí o BTG, no qual Montezano trabalhou, que não nos deixa mentir. Virou sócio da Caixa no banco que resultou da desastrada compra do Panamericano. Outro que pode contar isso é o Votorantim, que acabou sócio do Banco do Brasil.


Montezano verá que, no Brasil, esquerda e direita podem cometer os mesmos erros. A política dos campeões nacionais foi inventada pela direita militar e repetida pela esquerda petista. Se quiser transformá-lo no banco da privatização, não será novidade. Isso já houve na gestão do brilhante economista Eduardo Modiano, no governo Collor de Mello, e continuou nos governos social-democratas dos presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. O banco assume vários papéis, decididos pelo governo da ocasião.

Dos funcionários que encontrará, a maioria é jovem como ele. Quando assumiu a presidência, o economista Luciano Coutinho promoveu um grande PDV, pelo qual saíram do banco 800 funcionários. Mas ele contratou muito mais. A maioria entrou num banco que achava normal o que estava acontecendo. O Tesouro se endividou em R$ 500 bilhões para transferir para o BNDES e com isso financiar as empresas que liderariam o capitalismo brasileiro ou alguns grandes projetos que o governo queria fazer, custasse o que custasse aos contribuintes, como a Refinaria Abreu e Lima e a hidrelétrica de Belo Monte. Na indústria de proteína animal, o banco comprou debêntures emitidas pela JBS para que o grupo se expandisse internacionalmente. A operação Bullish investigou esses empréstimos e denunciou funcionários, Coutinho e o ex-ministro Guido Mantega. O juiz já excluiu os funcionários do processo.

Não há grandes descobertas a serem feitas nessa abertura dos dados que o presidente tanto quer. Já na época de Coutinho, depois de atritos com órgãos de controle, as informações começaram a ser divulgadas. Administrações como as de Maria Silvia e de Joaquim Levy também aumentaram a transparência. Na de Paulo Rabello de Castro foi feito o infeliz “Livro Verde”, que tentou abonar todos os erros do passado, como se fosse aceitável emprestar a juros fixos numa inflação galopante como foi feito no governo militar, ou dar crédito por razões ideológicas, como os que foram concedidos à Venezuela pelo PT. Mas Rabello de Castro estava fazendo política, era pré-candidato a presidente da República.

O BNDES já devolveu R$ 300 bilhões ao Tesouro nos últimos anos. Começou quando Joaquim Levy era ministro, ainda na presidência de Dilma Rousseff, e continuou na de Michel Temer. Portanto, se Montezano for despedalar, e quiser fazer disso um ato político, ficará estranho. O banco já despedala desde 2015.

No BNDES de hoje muita gente tem medo de tomar decisões que sejam questionadas depois. Esse temor aumentou depois da operação Bullish. Por isso a venda de ativos tem seguido o que diz o TCU e o MP. Para fazer mais rápido, é preciso que seja com os cuidados da boa governança. Não se inaugura um banco de 67 anos. É melhor entender o que já houve nesse longo passado. Na história recente, a caixa-preta vem sendo aberta e os empréstimos, devolvidos ao Tesouro. Importante continuar nessa trilha, mas não será inédito.
Míriam Leitão

Senadores inauguram resistência à 'decretocracia'

Reunido com os chefes dos outros dois Poderes, em 28 de maio, Jair Bolsonaro olhou para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e declarou: "Com a caneta, eu tenho muito mais poder do que você, apesar de você fazer as leis. Eu tenho o poder de fazer decretos". Na noite desta terça-feira (18), o Senado inaugurou a resistência à "decretocracia" idealizada por Bolsonaro. Por 47 votos a 28, os senadores aprovaram projeto de decreto legislativo que derruba decreto editado pelo presidente da República para flexibilizar a posse e ampliar o porte de armas no Brasil.


O projeto será remetido para a Câmara. Ali, Rodrigo Maia comanda uma articulação para confirmar o resultado do Senado, impondo uma derrota à Bic de Bolsonaro. O capitão não se deu por vencido. Consumada a coronhada dos senadores, ele anotou nas redes sociais: "Esperamos que a Câmara não siga o Senado, mantendo a validade do nosso decreto, respeitando o referendo de 2005 e o legítimo direito à defesa". Não há, por ora, sinais favoráveis ao Planalto. Ao contrário, esboça-se na Câmara uma aliança dos partidos do centrão com a oposição para derrotar o capitão.

Ironicamente, muitos dos parlamentares que trabalham contra os decretos são favoráveis à flexibilização da posse a até do porte de armas. Discordam, entretanto, da forma adotada por Bolsonaro para cumprir sua promessa de campanha. Avaliam que o presidente não pode modificar uma lei —o Estatuto do Desarmamento— por meio de decreto. Deveria ter enviado ao Congresso um projeto de lei. Os próprios presidentes da Câmara e do Senado cogitam estimular a tramitação de propostas sobre o tema. Há projetos à disposição na Câmara.

Afora a movimentação do Legislativo, o Supremo Tribunal Federal também se debruça sobre o ímpeto armamentista de Bolsonaro. Há na Corte cinco recursos contestando a ampliação do porte de armas por decreto. O julgamento está marcado para quarta-feira da semana que vem. Se a Câmara não se apressar, pode ser superada pela Suprema Corte. É grande a chance de o Supremo tachar de inconstitucional o decreto do presidente.

Num gesto paradoxal, Bolsonaro criticou o Supremo dias atrás por equiparar a homofobia ao crime de racismo. Acusou os magistrados de "legislar", invadindo a seara do Congresso. Agora, está na bica de ser enquadrado por ter usurpado a atribuição dos parlamentares ao impor por decreto providências que não poderiam ser adotadas senão por meio de projetos de lei. Vai ficando entendido que, com seis meses de mandato, a Bic do capitão dispõe de muita tinta. Mas não pode tudo.
Josias de Souza 

Imagem do Dia

Sebastião Salgado é o agraciado deste ano com o Prêmio da Paz do Comércio
Livreiro Alemão, uma das premiações literárias mais prestigiadas da Alemanha

A Justiça cega

A Justiça é representada pela estátua de uma mulher, de olhos vendados, segurando em uma das mãos a balança e, na outra, a espada. A balança pesa o Direito que cabe às partes, enquanto a espada é um sinal de força para expressar que a decisão judicial tem que ser cumprida. A venda nos olhos é o símbolo da imparcialidade.

Diante da repercussão do episódio das trocas de mensagens entre procuradores e o então juiz Sergio Moro —que devem ser esclarecidas —, refleti sobre a real imparcialidade da Justiça.

Em abril deste ano, na argumentação para a criação da CPI das Cortes Superiores, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) cita fatos aparentemente gravíssimos. Dentre os 13 itens do requerimento destaco trechos dos quatro primeiros, embora os demais também sejam contundentes.

1. Recebimento por parte de ministros do Tribunal Superior do Trabalho —tais como João Batista Brito Pereira, Antonio José de Barros Levenhagen, Guilherme Augusto Caputo Barros e Márcio Eurico Vitral Amaro — de pagamentos por palestras proferidas aos advogados e escritórios de advocacia do Bradesco, aponta do por pesquisas do Judiciário como um dos maiores litigantes do país, sem que, sucessivamente, se declarassem impedidos de julgar processos e recursos impetrados pelo banco contra decisões nas instâncias inferiores da Justiça do Trabalho.

2. Entre 2011 e 2017, o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), que possui como sócio-fundador o ministro Gilmar Mendes, recebeu empréstimos do Bradesco que totalizam R$ 36,4 milhões. Neste período, o banco aceitou prorrogar cobranças, reduzir taxas e “renunciou” a aproximadamente R$ 2,2 milhões de juros. Os documentos bancários relativos às operações mostram oito contratos e alterações firmadas entre o IDP e o Bradesco, todas com a assinatura do ministro como avalista. Desde que o IDP pediu o primeiro empréstimo, em 2011, o ministro Gilmar Mendes já atuou em cerca de 120 decisões do Supremo Tribunal Federal envolvendo o Bradesco (dados do STF).

3. Atuação como julgador do ministro Dias Toffoli em processos em que uma das partes era sua credora, sem que se tenha declarado suspeito, em inobservância à Lei Orgânica da Magistratura e ao Código de Processo Civil de 2015. Em setembro de 2011, foi contratada pelo ministro Dias Toffoli operação de crédito junto ao Banco Mercantil do Brasil S/A, no valor histórico de R$ 931.196,51, garantida por imóvel de sua propriedade, por meio da qual se comprometeu a pagar parcela mensal correspondente a 47,20% dos subsídios de ministro do STF vigentes à época, aos juros de 1,35% ao mês. Em abril de 2013, a dívida foi repactuada, tendo sido o valor das parcelas reduzido em 17,72%, aos juros de 1% ao mês, situação incomum para a maioria dos mutuários do país.

4. Participação de ministros em julgamentos para os quais se encontrariam impedidos, como casos de decisões do ministro Gilmar Mendes, no Tribunal Superior Eleitoral, em causas em que uma das partes tem como advogado Guilherme Regueira Pitta, membro do Escritório de Advocacia Sergio Bermudes, do qual a mulher do ministro, Guiomar Feitosa Lima Mendes, é sócia.

Amanhã, Moro será sabatinado no Senado sobre as mensagens do Telegram. No dia25, o STF decidirá se o juiz foi ou não imparcial ao julgar Lula na denúncia do tríplex. É curioso observar que diversas autoridades contrárias à instalação da CPI, inclusive senadores e ministros do STF, estão, agora, escandalizadas com supostos diálogos, hackeados ilegalmente. Alguns chegam a defender a anulação de processos da Lava-Jato —com decisões já confirmadas em instâncias superiores —, operação que em cinco anos gerou 285 condenações, 600 réus, mais de três mil anos de penas e o ressarcimento de R$ 13 bilhões!

No Brasil, a imagem da Justiça mais conhecida é a de Alfredo Ceschiatti. A escultura, no Supremo Tribunal Federal, mostra uma mulher sentada, com a espada sobre as pernas, sem a balança e com os olhos vendados. Sinceramente, prefiro a imagem grega, em que a Justiça está ereta, com a espada, a balança e os olhos bem abertos.

Governo em modo de fritura

Nesse governo a exoneração é sempre precedida de um irresponsável e desnecessário processo de difamação. Por que tentar manipular a opinião pública? Para que o presidente e seus filhos pareçam mártires, enquanto todos os demais, traidores, comunistas ou infiltrados? Queimar injustamente os ministros de Estado escolhidos pelo próprio presidente não me parece o método mais inteligente e ético. Isso terá consequências
Gustavo Bebianno, ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência 

'Eu conversava com os promotores? Claro que sim!'

É risível, dando por barato, a tempestade que se quer fazer com a suposta conversa entre Promotor e Juiz acerca de processo submetido ao Juiz, tempestade esta provocada por um crime na origem, crime este que vem sendo agasalhado pela imprensa que deu ampla cobertura a um placebo de palavras trocadas entre Promotor e Juiz que caíram na arapuca de debater o diz-que-diz, o bla bla bla!

Francamente, Promotor é parte especial no processo, não é órgão acusador, tout court, tem a dupla face de ser o acusador e o custus legis, daí seu nome e sobrenome; Promotor DE JUSTIÇA. Pode requerer a condenação ou a absolvição de um réu.
Promotor é Órgão de Carreira, não surgiu empurrado pela janela, assim também como os Juízes de Primeiro Grau. Conversam sobre os processos – e é saudável que o façam como Órgãos Públicos que são. Têm interesse público – até que se prove o contrário.

E quando eu digo “Órgão”, refiro-me à teoria organicista segunda a qual, de forma bem simples, cada Órgão tem a sua convicção, com base na lei, e não pode ser forçado a rever sua posição acerca de questões jurídicas a ele deduzidas. Mas debatem suas teses.

Sob a minha Presidência, enquanto Magistrada, passaram os casos criminais mais famosos do Rio nas décadas de 80 e 90. Eu conversava com os Promotores? Claro que sim – e às vezes os recebia com alguma brincadeira, para dar leveza ao cotidiano tão duro de Tribunais Criminais.

Eu dizia: “Dr. Promotor, o Sr. veio colher algum despacho auricular sobre qual culpado?”. De outro modo, com alguns Advogados que vinham despachar comigo no Gabinete, sempre respeitosos, eu devolvia a mesma brincadeira: “Doutor, o Sr. veio tentar colher um despacho auricular sobre qual inocente?”.

Qual o problema? Quantas vezes eu disse ao Promotor que ele fosse buscar provas porque eu não aceitava pastinha de recortes de jornais! A conversa entre os atores de um julgamento flui, não ficam mudos quando se encontram. Agora, outra coisa é um Juiz ser suspeito porque inimigo capital ou amigo íntimo de um réu. Aí sim há uma suspeição inicial.

Me digam: Moro e os Procuradores eram conhecidos dos réus anteriormente? Há algum FATO a indicar o interesse de um ou dos outros na condenação dos envolvidos? Ou na absolvição deles? Então, a quem interessa o badernaço?

São muitas as teses que vêm sendo debatidas à partir do crime praticado: é nulo o processo por suspeita de parcialidade do órgão julgador? Ora, nulidade é a sanção que se impõe a um vício de um processo. Assim, primeiro ter-se-ia (jurista adora mesóclise) que provar a parcialidade do Juiz e a seguir que esta parcialidade ditou a sentença condenatória, em prejuízo do réu. E sabem por quê? Porque há um saudável princípio que estabelece que não há nulidade sem prejuízo – pas de nullité sans grief!

Chega. Participei da CPMI dos CORREIOS, já ali como Deputada Federal, e a roubalheira da cúpula foi estrondosa. Ali não há inocentes. São corruptos mesmo, assim reconhecidos em primeiro e segundo graus. Ou seja, definitivamente culpados de lesarem a Pátria Mãe gentil!

Que paguem suas penas de acordo com a lei e não atrapalhem mais ainda esta sofrida nação, com uma herança de mais de 13 milhões de desempregados e com cofres vazios. E não falo mais nisto. Ponto.

Apenas para complementar: que investiguem a autoria do crime de invasão das correspondências dos Órgãos Públicos e submetam s
eu autor – ou autores – ao devido processo penal de forma célere!

O drama do degelo da Groenlândia em uma só foto

Os cientistas concordam que, embora a imagem seja surpreendente, não é inesperada. Mas, ainda assim, a foto, tirada em 13 de junho por Steffen M. Olsen, deu a volta ao mundo. Nela aparecem vários cães puxando um trenó no fiorde de Inglefield Bredning, no noroeste da Groenlândia, e se vê como os animais estão caminhando sobre o gelo derretido. Embora o verão já esteja muito próximo, nesta região da Terra as temperaturas máximas em junho costumam ser de 3,2 graus Celsius, segundo o pesquisador espanhol Andrés Barbosa, diretor de campanhas no Ártico. Na semana passada, a estação meteorológica mais próxima do aeroporto de Qaanaaq, no noroeste da Groenlândia, registrou uma máxima de 17,3oC na quarta-feira, 12 de junho, e 15oC no dia seguinte.
Fiorde de Inglefield Bredning,Steffen Olsen
O cientista que fez a foto contou que os caçadores e pescadores locais se surpreenderam ao encontrar tanta água em cima do gelo, especialmente no princípio da temporada. Embora não seja um fato isolado, nunca tinham visto tanto gelo derretido antes de julho.

A foto viralizou. “Groenlândia” foi trending topic no Twitter, e até o presidente do Governo da Espanha, Pedro Sánchez, compartilhou-a com um texto que dizia: “Esta imagem da Groenlândia coloca perante nossos olhos a emergência que enfrentamos. Governos e sociedade devemos trabalhar unidos para frear as consequências da crise climática. Conseguir isso está em nossas mãos. Não podemos dar nem um passo atrás”.

Os sinais da mudança climática são cada vez mais evidentes. As temperaturas superiores à média em quase todo o oceano Ártico e Groenlândia durante o mês de maio fizeram o gelo derreter antes do habitual, resultando no menor bloco de gelo registrado em 40 anos, segundo os dados do Centro Nacional de Neve e Gelo dos EUA.

As temperaturas registradas na semana passada na Groenlândia e em grande parte do Ártico foram impulsionadas por um ar mais quente que subia do sul. “Este fato ocorre de vez em quando, mas há evidências de que está se tornando mais comum, embora seja uma área de pesquisa que evolui com muita rapidez. Além disso, à medida que a atmosfera se tornar mais calorosa haverá um maior derretimento”, afirma Ruth H. Mottram, cientista do Instituto Meteorológico Dinamarquês e colega de Steffen M. Olsen, o pesquisador que tirou a foto.

O autor da popular imagem revelou no Twitter que se tratava de um “dia incomum” e que a imagem “para muitos é mais simbólica que científica”. Os pesquisadores concordam que o alarmante não é o aumento pontual das temperaturas, e sim a tendência de alta que observam há anos. “Por causa desse aumento 63% das geleiras da Groenlândia estão em retrocesso, e já houve uma perda de 30% do gelo marinho”, diz Barbosa.

Uma das consequências do derretimento prematuro é a alteração do equilíbrio entre temperatura e salinidade da água marinha, por causa da água doce despejada pelas geleiras, o que pode afetar as correntes marítimas. “Outros efeitos são o aumento do nível do mar e o aumento do degelo, ao reduzir a camada de gelo que reflete o sol e, portanto, produzir um aumento da radiação solar”, acrescenta Barbosa.

Além disso, Mottram explica que, embora o degelo marinho não contribua imediatamente para o aumento do nível do mar, em longo prazo isso ocorre. Seus modelos de simulações climáticas preveem que o gelo marinho se derreta, com consequências para as populações locais e os ecossistemas do Ártico. “Também é provável que no futuro haja uma quantidade cada vez maior de água que contribua para a elevação do nível do mar a partir da Groenlândia”, conclui.
Belén Juárez

Bolsonaro precisa ser reeducado em democracia

Foi grave quando o ex-presidente Lula, enquanto se travava a luta política em torno do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, ameaçou chamar o “exército de Stédile”, chefe supremo do Movimento dos Sem-Terra (MST). Mais do que uma bravata, tratava-se de um daqueles rompantes autoritários que revelam a verdadeira ideologia do político. E quanto às tropas de sem-terra, nada aconteceu.

Neste fim de semana, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, o presidente Bolsonaro atravessou várias fronteiras da sensatez ao investir contra pilares da democracia.

Ao dizer em uma solenidade militar que, mais do que o Congresso, ele quer o povo ao seu lado para executar seu programa, ultrapassou em gravidade o que dissera Lula, porque este já estava fora do Planalto.

E foi mais além, ao defender de maneira inconsequente seus decretos que liberam posse e porte de armas pela população. Uma população armada, no entender do presidente, evitará que governantes tomem o “poder de forma absoluta.” A receita da barbárie. No mínimo, de guerra civil.

O ex-capitão deputado federal com 28 anos de Câmara ressurgiu com suas teses radicais, só que agora envergando a faixa presidencial. Bolsonaro, precisa, portanto, de um curso intensivo de reeducação em democracia, a lhe ser ministrado pelas instituições republicanas.

As teses do presidente são as mesmas de qualquer político autoritário, desses que volta e meia aparecem na América Latina e que agora, na exportação do nacional-populismo, se espalham pela Europa, depois de conquistarem a Casa Branca em 2016.

Ele repete que o Brasil não pode virar uma Venezuela, mas defende fórmula de Hugo Chávez para instalar a ditadura que hoje, com Maduro na Presidência, destrói o país. Armar a população pobre com fuzis é o que fez Chávez, para proteger o “Socialismo do Século XXI”. Estas milícias paraestatais, na Venezuela de Maduro, barbarizam na repressão a manifestações pela volta da democracia. Infelizmente, milícias já existem no Brasil, formadas por PMs, geralmente da reserva, e outros agentes públicos, e podem ser mobilizadas por um candidato a ditador de ocasião.

A reeducação do presidente, na realidade, já começou, com a dificuldade de tramitação pelo Congresso de seus incabíveis decretos armamentistas, porque a assinatura presidencial não pode alterar lei aprovada pelo Congresso. No caso, o Estatuto do Desarmamento.

O instrumento pedagógico para Bolsonaro são os freios e contrapesos da Constituição, em vigor há 31 anos de estabilidade institucional.

A memória nacional não esquece os prejuízos decorrentes da falta de liberdade nos 21 anos de ditadura militar. Foi um período em que o país não se abriu ao mundo, não houve renovação geracional na política etc. Não será feito o caminho de volta.