segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

As críticas de Francisco servem também para políticos?




Os poderosos não deveriam poder nos roubar o direito de ser felizes
O papa Francisco surpreendeu crentes e ateus quando, ao olhar nos olhos das altas hierarquias cardinalícias do Vaticano reunidas para o Natal, diagnosticou-lhes, entre outras enfermidades, a de “Alzheimer espiritual”, por terem-se esquecido de Deus; a da “esquizofrenia assistencial”, por viverem uma “vida dupla”, e a do terrorismo das intrigas”, algo que foi tão abundante nas sombras dos palácios em que tantos papas já foram assassinados.

Estava Francisco, peça-chave da distensão de Cuba, talvez o fato político mais importante do ano que acaba, referindo-se também aos grandes da política? De Roma, os fiéis ao papa, que não teme nem hesita em dizer o que pensa, garantem que sim. De fato, relembram, ele já fazia isso na Argentina quando era cardeal.

O papa “vindo de muito longe para Roma”, como ele destacou ao se tornar o primeiro papa da periferia do mundo, sempre sustentou que o homem é um “animal político” e que a Igreja não pode se desinteressar dessa dimensão, já que são seus líderes os responsáveis pela felicidade ou infelicidade dos cidadãos. O mais duro do histórico discurso de Francisco aos homens da Cúria Romana talvez não tenha sido a lista das 15 doenças que diagnosticou nos cardeais, bispos e monsenhores, mas o remédio que lhes prescreveu contra a doença de acreditarem-se donos da Igreja, poderosos e imortais.

Propôs a eles visitar os cemitérios onde estão enterrados personagens famosos da História, aqueles que um dia também se acreditaram donos do mundo, os caudilhos hipnotizadores das massas, os eternos poderosos, os insubstituíveis, que, como Hitler no filme de Charlie Chaplin, se divertia jogando futebol com um globo terrestre.

É muito possível que, naquela manhã, Francisco também tivesse em mente todos os grandes magnatas da política mundial. E que também os estivesse aconselhando visitar um cemitério com túmulos de nomes famosos de reis, ditadores e presidentes de nações e Estados que um dia também se acreditaram donos do mundo.

Se os hierarcas da Igreja sofrem, segundo o papa, de Alzheimer espiritual, ao esquecerem-se de Deus, os políticos sofrem também de “Alzheimer democrático e de representatividade”, assim como de esquizofrenia, ao esquecerem-se daquilo e daqueles pelos quais foram escolhidos, como comentou, lendo o discurso papal, o médico José Augusto Messias, membro da Academia Nacional de Medicina do Brasil, que se surpreendeu ao ver o papa usar o léxico da medicina para se dirigir aos altos prelados da Cúria.

Assim como os cardeais exercem, segundo Francisco, o terrorismo das maledicências, também a política hoje se afoga muitas vezes nas máfias de intrigas e corrupções, agindo mais às sombras, às costas dos cidadãos, do que à luz do sol. Pois é preciso até atropelar leis e constituições para se eternizar no poder, fato mais do que frequente hoje na América Latina.

Leia mais o artigo de Juan Arias

#VemPraRua e muito mais


Para 2015, Dilma anunciou ministros que personificam o atraso. Alguns de arrepiar, como Eduardo Braga (PMDB-AM), que de energia deve saber trocar lâmpadas, se muito

Com vícios que corroem quase todas as suas virtudes, a política encerra mais um ano sob o domínio de práticas menores, repugnantes, de dar vergonha. O vale tudo - até fazer o diabo - para se eternizar no poder, disseminado pelo PT, gangrenou a política na última dúzia de anos. E o que Dilma Rousseff antecipou para 2015 não é nada animador.

Métodos condenáveis de fazer política não foram inventados pelo PT nem por Dilma. Mas é inegável como o ambiente degringolou nos últimos anos.

A começar pela qualidade da representação, feita e mantida para separar os interesses dos eleitos da intenção dos eleitores. Algo que sequer precisa da tão propalada e nunca viabilizada reforma política para existir. Bastaria eliminar a enganação, punir severamente a mentira. Impedir embustes como o da propaganda eleitoral de Dilma que fazia sumir comida dos pratos e letras dos livros no caso de vitória do adversário.

A campanha ajudou. Mas tudo já havia apodrecido.

Interesses partidários e pessoais pairam milhares de quilômetros acima dos da coletividade. Compadrio, corrupção, roubalheira, bolsos abarrotados de dinheiro sujo viraram regra e não exceção. Tomou-se o Estado de assalto.

No plano institucional, as relações entre o Planalto e o Congresso Nacional tornaram-se exclusivamente negociais, com dinheiro correndo solto, legal ou ilegalmente, com o requinte de, por decreto presidencial, se oficializar o toma-lá-dá-cá.

Ideologia virou sucata, cuja serventia se limita a alimentar os xingamentos nas redes sociais, incentivados pela falsa divisão do “nós x eles”, ora travestida de “ricos x pobres”, que o ex Lula inventou e continua a usar, ainda que com menor apelo.

Ideias viraram produto escasso, quase em falta.

Leia mais o artigo de Mary Zaidan

Novidade em ministérios


A cor de cada um


Na República do Espicha-Encolhe cogitava-se de organizar partidos políticos por meio de cores.

Uns optaram pelo partido rosa, outros pelo azul, houve quem preferisse o amarelo, mas vermelho não podia ser. Também era permitido escolher o roxo, o preto com bolinhas e finalmente o branco.

- Esse é o melhor – proclamaram uns tantos. – Sendo resumo de todas as cores, é cor sem cor, e a gente fica mais à vontade.

Alguns hesitavam. Se houvesse o duas-cores, hem? Furta-cor também não seria mau. Idem, o arco-íris. Havia arrependidos de uma cor, que procuravam passar para outra. E os que negociavam: só adotariam uma cor se recebessem antes 100 metros de tecido da mesma cor, que não desbotasse nunca.

- Justamente o ideal é a cor que desbota – sentenciou aquele ali. – Quando o Governo vai chegando ao fim, a fazenda empalidece, e pode-se pintá-la da cor do sol nascente.

Este sábio foi eleito por unanimidade Presidente do Partido de Qualquer Cor.
Carlos Drummond de Andrade

Já vi esse filme. No fim, o bandido ganha


A campanha da presidente Dilma, ela mesma, Lula e boa parte do PT debocharam do que disse a candidata Marina Silva (PSB) sobre como montaria seu governo caso se elegesse.

Marina afirmou que simplesmente governaria com os melhores elementos de cada partido sem discriminar nenhum partido.

É uma boba, garantiram alguns. Uma sonhadora, acusaram outros. Governar com os melhores é impossível, apenas isso.

Ou Marina dominava uma receita que só ela conhecia ou então se pautaria pelo bom senso. E o bom senso lhe aconselhava a procurar gente decente, comprometida com a ética e talentosa para ocupar cargos do primeiro e do segundo escalão da República.

E se essa gente fosse incapaz de lhe garantir a maioria dos votos no Congresso? E se por causa disso o governo capengasse?

Marina confiava que não passaria sufoco porque, em primeiro lugar, governaria apenas por quatro anos. Descartara a reeleição.

O que a seu ver seria o bastante para apaziguar os ânimos no Congresso e refrear as ambições, por suposto.

Segundo porque governaria com transparência, prestando contas aos eleitores de todos os seus passos e discutindo com eles suas dificuldades.

Fernando Collor se elegeu presidente em 1989 sem maioria no Congresso. Quis cooptar o PSDB e não conseguiu.

Chamou de “único tiro” contra a inflação o plano econômico que garfou a poupança dos brasileiros.

Por mais estúpido que tenha sido o plano, o Congresso não se negou a aprová-lo. Caso desse certo, o Congresso ficaria bem na foto. Se desse errado, o presidente é que ficaria mal.

Não foi por falta de apoio do Congresso que Collor acabou deposto. Foi por falta de apoio popular.

O Congresso é sensível ao sentimento das ruas. E todo presidente, a princípio, se beneficia de um período de lua de mel com a opinião pública.

Até que o período se esgote, ele pode se comportar com um grau de liberdade que mais tarde se estreitará. A não ser que o sucesso bata à sua porta.

Ninguém mais do que Lula reuniu condições para governar sem ser obrigado a fazer concessões que por fim o apequenassem, e ao seu partido.

Foi o primeiro nordestino ex-pau de arara, ex-líder sindical, ex-preso político a subir a rampa do Palácio do Planalto.

Ocupou o principal gabinete do terceiro andar com crédito para gastar por muito tempo. Encrencou-se porque piscou primeiro.

Sob pressão para lotear o governo como seus antecessores haviam feito por hábito ou necessidade, Lula subestimou o apoio das ruas.

Preferiu apostar no apoio do Congresso. Logo ele, que no final dos anos 80 do século passado, enxergara ali pelo menos 300 picaretas.

Foi atrás dos picaretas. Beijou a cruz – e de quebra a mão de Jáder Barbalho. O mensalão quase o derrubou.

Dilma atravessou a metade do seu primeiro governo resistindo à ideia de ceder ao “pragmatismo político”.

Em conversa, certo dia, com um amigo, ouviu dele: “Tirando três ou quatro, só tem desonesto no Congresso”. Ela respondeu: “E eu não sei?”

Para se reeleger, cedeu ao apetite dos desonestos. Beijou a cruz. E de quebra a mão de Helder Barbalho, filho de Jáder, seu futuro ministro da Pesca.

Foi medíocre o primeiro ministério de Dilma O governo que resultou disso foi naturalmente medíocre.

Pois bem: ela está perto de cometer o prodígio de montar outro ministério igual ou talvez pior.

O que a diferenciava dos políticos a quem tanto desprezava é, hoje, o que a torna cada vez mais parecida com eles.

Ricardo Noblat