terça-feira, 10 de abril de 2018

Bicicleta do STF

STF fazendo gol de bike

Apelo (talvez inútil) à razão

O domingo foi um dia de muita dor para quem acreditou no filho de dona Lindu e na sua capacidade de encarnar os sonhos de toda uma geração. Um dia de luto, portanto, a cobrar respeito pelos que sofrem.

Que as ideias briguem, ensinou o deputado Ulysses Guimarães, o líder da oposição ao regime militar de 64, presidente do MDB e, depois, da Câmara e da Constituinte de 88. Os que as defendem não precisam brigar.

A economista Maria da Conceição Tavares também ensinou a mesma coisa depois da redemocratização do país. Cito de memória: “De que adianta conversarmos nós com nós? Adianta conversarmos nós com eles”.

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Só há dois meios de se promover mudanças: pela ruptura ou pelo diálogo. Poucas vezes na história da Humanidade, a ruptura deu lugar a um estágio mais avançado do processo civilizatório.

Deu, por exemplo, com a Revolução Francesa de 1789 e seus ideais de legalidade, fraternidade e liberdade que ganharam parte do mundo. Ou com a Revolução Americana de 1776 que pariu os Estados Unidos.

A ruptura fracassou na Rússia de 1917. Ali houve um golpe ao qual chamaram de revolução. E dele emergiu um Estado Autoritário que ruiu em menos de 100 anos. Fracassou também em Cuba de 1959.

A prisão de Lula significa por estas bandas a derrota da esquerda, mas não significa uma vitória da direita. Os dois lados foram postos em xeque pela falência dos seus métodos de conquista e de manutenção do poder.

O que poderá advir está por ser construído. E não se construirá algo melhor à base da imposição ou da indiferença.

 Ricardo Noblat

Paisagem brasileira

• Boa Noite! <span class="emoji emoji1f3e1"></span><span class="emoji emoji1f304"></span><span class="emoji emoji1f51d"></span><span class="emoji emoji1f343"></span><span class="emoji emoji1f340"></span><span class="emoji emoji1f33e"></span> <span class="emoji emoji1f447"></span><span class="emoji emoji1f447"></span> - - <span class="emoji emoji1f449"></span>Ative as Notificações de Publicação! Assim ...

A incapacidade de ser verdadeiro

Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois dragões-da-independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas. A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que caíra no pátio da escola um pedaço de lua, todo cheio de buraquinhos, feito queijo, e ele provou e tinha gosto de queijo. Desta vez Paulo não só ficou sem sobremesa como foi proibido de jogar futebol durante quinze dias. Quando o menino voltou falando que todas as borboletas da Terra passaram pela chácara de Siá Elpídia  e queriam formar um tapete voador para transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo ao médico. Após o exame, o Dr. Epaminondas abanou a cabeça:


- Não há nada a fazer, Dona Coló. Este menino é mesmo um caso de poesia.
Carlos Drummond de Andrade

Nasceu o Brasil novo

O parto foi doloroso e cheio de complicações mas aqui estamos. É o fim do nosso longo e penoso exílio no século 17.

O ato fundador de toda república, desde a primeira da era moderna, é declarar o rei “under god” e “under the law” como fez Edward Coke, juiz supremo da Inglaterra a James I dos Stuart em 1605. São mais de 400 anos de atraso e temos tido avanços e recuos exasperantes no ensaio dessa decisão, mas é esse o jeito de andar da História. Esta última foi uma briga ostensivamente comprada pelo passado e vencida pelo futuro em batalhas sucessivas de que toda a Nação participou malgrado os sacrifícios exigidos. Trata-se de uma inequívoca escolha. O marco, agora, está solidamente plantado pela mão da maioria.

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Resolvida a questão da definição do regime o país pode, finalmente, olhar só para a frente. A obra monumental do PT foi a montagem do sistema de exploração colonialista do estado para sustentar um projeto de poder. A reconstituição da moral nacional que essa construção exigiu engata já a segunda marcha, marcado que está o caminho aberto pelo desbravador de Curitiba. A operação física da desocupação do estado num país reduzido à miséria e empurrado para além do limiar da conflagração ainda exigirá, é verdade, um esforço tremendo. Mas se dermos aos demais arranjos do passado que, por todo lado, impõem-se ainda ao país pela força do costume ou pela força da intimidação para bloquear o caminho das reformas, o mesmo remédio da lei feita soberana e igual para todos com que cortamos a cabeça mais alta da hidra, o resto acontece naturalmente.

Teremos de aprender democracia mas felizmente não será necessário inventá-la do zero. O caminho está consolidado. Havendo um mínimo de humildade e vontade de aprender é uma estrada batida que pode ser percorrida com razoável velocidade e baixíssimo risco de acidentes. Será mais pela vontade que pelo tempo de fato requerido que seremos capazes de consertar nossas leis defeituosas, de definir os limites de cada instância de governo, de ajustar a estrutura e o alcance de cada instância da justiça mais adequados a uma republica de extensão continental. Não ha aí nenhum segredo. Todos os caminhos já foram experimentados; todos os atalhos já foram percorridos e mostraram onde vão dar. Os erros em que insistimos não são consequência do desconhecimento de opções melhores nem de enganos bem intencionados. Persevera-se neles porque foram deliberadamente produzidos para criar os privilégios aos quais os privilegiados agora aferram-se desesperadamente.

A chave do sucesso será, não propriamente o reconhecimento da natureza da doença que não há brasileiro que não saiba exatamente qual é, mas a superação do tabu de pronunciar o nome dela em voz alta. Não é o enfrentamento do grande privilégio, é a socialização do pequeno feito moeda para comprar silêncios e poder que ainda nos amarra as pernas. As relações de parentesco que tornam pouco nítidas as fronteiras entre a classe média meritocrática regida pelas exigências da modernidade e a outra gestada na toca do “concursismo”. Nessas instâncias “vocais” da sociedade que dispõem das reservas mínimas de gordura que a iniciativa política requer, a mentira prevalece não mais porque convença quem quer que seja mas porque ainda interessa a muitos abrir-lhe alas. O Brasil não tem conseguido reformar-se não exatamente porque não saiba como fazê-lo mas porque essas duas classes médias que se interpenetram hesitam em propor-se a tanto. Disputam o controle do “sistema”, mais que o condenam.

Para reformar “o sistema” é preciso antes de mais nada denunciá-lo formalmente como irremediavelmente defeituoso e pactuar a suspensão do aparato de autopreservação montado em torno dele para barrar e reverter reformas. É preciso, em resumo, inverter o sentido do vetor primário das forças que atuam sobre o sistema. Entregá-lo de fato a quem detém a função constitucional de legitimá-lo.

A força da necessidade joga a favor do melhor desta vez. O Brasil da “retórica vazia”, assim como o da “narrativa” prevalecendo sobre o fato, está morto e sabe disso. Não cabe mais na conta. Esgotou-se no seu próprio paroxismo. A “guerra” prometida pelo PT já está nas ruas mas não sob o comando dele. O que resta de melhor no partido vai integrar-se à nova ordem e o resto, como em toda a parte, vai embeber-se oficialmente no crime. Tambem nós, já está claro, teremos de conviver com a nossa cêpa do “narco-socialismo” crônico.

A reforma sindical e a prisão na 2a instância serão lembradas no futuro como os marcos da virada do Brasil da conta negativa em direção ao Zero. O marco do ingresso na conta positiva será a reforma da previdência das corporações estatais que vem montada na igualdade perante a lei, ante-sala da meritocracia no serviço público. Esta última será a mãe de todas as batalhas que custará, como já tem custado, o peso exato dos sacrifícios de que a situação atual dispensa a privilegiatura. Mas vai ser imposta pela força irresistível da necessidade, o que vai nos transportar para o limiar do século 20.

Eventualmente saltaremos de lá para a tomada do poder pelos eleitores com a instituição do recall, do referendo, da iniciativa e das eleições de retenção de juízes num contexto de real representação da sociedade proporcionada pelo voto distrital puro, no qual os funcionários, os representantes eleitos e os servidores públicos passam a ser apenas isso, ou seja, brasileiros especiais por não terem, para além da escolha da sua função de representação, o mesmo direito dos aqui de fora a uma vontade e a uma existência próprias totalmente privadas e indevassáveis para que possam, mesmo montados nos poderes do estado, estar permanentemente sujeitos à avaliação e ao encurtamento de mandatos e proventos como todos os outros trabalhadores.

Democracia, enfim!

A partir daí, finalmente embarcados no 3º Milênio, tudo se tornará possível. Será a vez do Brasil candidatar-se a dono do mundo.

PT encolhe e aprisiona o futuro na cela de Lula

A prisão de Lula impôs ao PT o desafio de um recém-nascido: às voltas com um processo de encolhimento, o partido retornou às suas origens sindicais da década de 80. Teria de aprender a andar com suas próprias pernas. Mas como não consegue se mover sem Lula, a legenda aprisionou o seu futuro na mesma sala que serve de cela para o seu grande líder, em Curitiba. A única pessoa com poderes para conceder um habeas corpus ao PT é o próprio Lula. Mas ele não exibe a mais remota intenção de libertar a legenda.


No comício de São Bernardo, que antecedeu a rendição no sábado, Lula disse aos devotos que se aglomeraram na porta do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC: “Quando eu percebi que o povo desconfiava que só tinha valor no PT quem era deputado, sabe o que eu fiz? Eu deixei de ser deputado. Queria provar ao PT que eu ia continuar sendo a figura mais importante do PT sem ter mandato.”

Na sequência, como que decidido a demarcar seu terreno antes de ser recolhido pela Polícia Federal, Lula declarou: “Se alguém quiser ganhar de mim no PT, só tem um jeito: é trabalhar mais do que eu e gostar do povo mais do que eu, porque se não gostar, não vai ganhar”. Foi como se Lula farejasse o risco de crescimento da banda minoritária do PT que prega internamente a necessidade de construção de uma alternativa à hipotética candidatura presidencial de um líder preso e ficha-suja.

Ao anunciar à multidão que cumpriria o mandado de prisão de Sergio Moro, entregando-se à polícia, Lula radicalizou o discurso. Disse que o encarceramento não iria silenciá-lo, porque seus apoiadores fariam barulho no seu lugar: “Eles têm que saber que vocês são até mais inteligentes do que eu. E poderão queimar os pneus que vocês tanto queimam, fazer as passeatas que tanto vocês queiram, fazer ocupações no campo e na cidade…”

Esse palavreado ácido tem efeitos negativos no campo jurídico e na seara política. Juridicamente, o timbre de Lula reforça uma linha de confronto que o transformou num colecionador de derrotas nos tribunais. Politicamente, o veneno de Lula condena o PT a reviver uma realidade da época em que fazia campanhas com o objetivo de converter os convertidos. O problema é que a multiplicação do amor dos devotos petistas por Lula não trará de volta os votos da classe média. Uma gente conservadora que acreditou na Carta aos Brasileiros, o documento em que Lula renegou o receituário radical que o impedia de chegar à Presidência da República.

Gente fora do mapa

photos from claudia jaguaribe’s “between hills" (2012) of the have and have nots in rio de janeiro, as seen from the (no doubt intentionally claustrophoic) perspective of children in the favelas

Especialistas em Brasil

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Em Portugal, quem acompanha a triste realidade da vida política brasileira tem encontrado dificuldades para compreender as denúncias, processos e, finalmente, a prisão de Lula diante de determinadas opiniões divulgadas pela imprensa. Colabora para aumentar a perplexidade dessas pessoas a versão sustentada por muitos colunistas, a maioria militantes ou simpatizantes de partidos de esquerda, segundo a qual o ex-Presidente é inocente e politicamente perseguido pela direita e elites que não aceitam seu retorno à Chefia do Governo. São os especialistas no Brasil.

Enquanto isso, jornalistas portugueses correspondentes no Brasil vem transmitindo com isenção as informações sobre os processos que comprometem Luis Inácio da Silva. A maioria relata os acontecimentos com fidelidade. Algumas vezes, o que é compreensível, diante dos juridiquês de juízes e advogados, percebe-se falta de conhecimento para aprofundar determinadas questões jurídicas, como o alcance dos embargos declaratórios e a presunção de inocência, matéria sobre as quais mesmo alguns dos os maiores especialistas do Brasil divergem.

O jornal Público divulga hoje, sob o título “Lula da Silva: os tribunais o condenam, a história o absolverá”, inflamado artigo do sociólogo e Diretor do Centro de Estudos Sociais, Boaventura Sousa Santos, afirmando que “o Processo de Lula da Silva põe a nu de forma gritante que algo está podre no sistema judicial brasileiro. “Ele assegurou haver disjunção “entre o activismo judiciário contra Lula da Silva- célere, eficaz e implacável na acção (Sérgio Moro decretou a prisão de Lula escassos minuto após ser notificado da decisão de indeferimento do habeas corpus, do qual ainda era possível recorrer, e desde a denúncia à execução da pena decorreram menos de dois anos - e a lentidão da acção judicial contra Michel Temer e outros políticos da direita brasileira.”

Não explicou, e penso não haver interesse nisso, que Lula foi julgado por juízes de primeira instância, Sérgio Moro, e da segunda Instância, porque não possui foro privilegiado. Enquanto protegido por esse esse manto e sem autorização dos seus aliados na Camara dos Deputados, que já negaram duas vezes solicitação nesse sentido da Procuradoria Geral da República, Temer só pode ser processado quando deixar a Presidência das República. Nem se deu ao trabalho de esclarecer ser esta a mesma situação dos parlamentares e ministros, pelos quais a Justiça espera pacientemente. E que, sem foro privilegiado, a partir de janeiro, poderão ter mesmo destino de Lula.

Na mesma linha foi o normalmente ponderado Rui Tavares, do partido Livre, para quem é difícil” entender que haja gente tão obcecada com Lula que não tenha tempo para reconhecer que a forma como Sérgio Moro investiga, sentencia e vem para as redes sociais lançar foguetes é tudo menos típico de um juiz sério num estado de direito. “Lá pelo meio indagou: “Alguém imagina que os inimigos de Lula se vão deixar derrotar por um candidato do PT? “

O jornalismo português é basicamente opinativo. Personalidades da vida nacional e política, entre numerosos parlamentares, da Assembleia da República e do Parlamento Europeu, são comentaristas de plantão e com cadeira cativa nos estúdios de televisão. Dessa forma, é possível compreender como as pessoas ficam confusas diante de tanta opinião partidária. E ainda há a colaboração não premiada do Ministro Gilmar Mendes, que já virou figura carimbada em Lisboa, onde causa alvoroço com declarações que até ofendem seu pares no Supremo Tribunal Federal.

Mudança do mais e do menos

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Vejo uma grande contradição entre as palavras e os fatos. Vejo uma sociedade dividida entre as boas intenções, favorável à diversidade e à igualdade, e uma série de estratos muito antigos, mas plenamente vigentes: a hierarquia social, a luta de classes, a condição das mulheres
Leila Slimani, escritora marroquina

Heinrich, o anão de jardim instagrammer de Berlim

Passeios nos Alpes, férias em Portugal e na Itália, churrasco no jardim, visita a exposições de arte, fantasiado para o Halloween, construindo a casa, arrumando a árvore de Natal, fazendo bonecos de neve em seu quintal, recebendo a visita do Flash, dando entrevistas e apoiando a Marcha das Mulheres: essas são algumas das fotografias postados por Heinrich, o instagrammer mais criativo de Berlim.

Com fotos banais de sua rotina, Heinrich conseguiu o que muitos almejam: fama e fãs. No futuro, pode chegar a se tornar um influencer digital. Cenas do cotidiano de meros mortais não costumam chamar a atenção nas redes sociais, o que contou a favor do instagrammer berlinense foi o fato de ele ser um anão de jardim. Mas ele não é apenas um anão de jardim, Heinrich aparentemente não pertence a ninguém – ele "vive" num canteiro público de uma rua no bairro berlinense de Prenzlauer Berg.

Neste pequeno espaço embaixo de uma árvore, Heinrich construiu sua casa. A pequena construção de madeira possui móveis e decoração no seu anterior. Um gato e um cachorro de plástico fazem companhia ao anão de jardim, que costuma decorar seu terreno para datas importantes como o Natal.

Alguns pedestres passam batido por Heinrich. Muitos devem estar acostumados com sua presença. Sua primeira foto no canteiro da rua Heinrich-Roller é datada de maio de 2016. Outros na pressa não percebem a curiosidade. Há aqueles que costumam ir até o local apenas para conhecer o anão de jardim berlinense do Instagram.

O mais intrigante na história do Henrich é quem é a mente criativa por trás da ideia, que, apesar de não ser muito original (o filme O fabuloso destino de Amélie Poulain já tratou desta temática), não deixa de ser curiosa.

Até agora, o idealizador ou idealizadora conseguiu manter sua identidade em segredo. Esse mistério torna o anão de jardim e suas aventuras pela internet ainda mais interessantes.

Clarissa Neher

Imagem do Dia

A ilha Turnip Rock ( ou Rocha do Nabo) em Michigan- EUA.
 Turnip Rock em Michigan (EUA)

Sábado

Um dia disseram que a história sempre esse repete. Primeiro com tragédia. Depois como farsa. Quem pensou não conhecia o Brasil. Aqui a história não precisa de mais tragédia. Ela não se repete. E tem sempre jeitão de farsa.

O país tropical é onde a farsa prospera. Acostumados que estamos com a fraude, permanecemos incapazes de dedicar a ela o tratamento devido. A gente fica mesmo mesmerizado com a encenação com cheiro de farsa, jeito de farsa e voz de farsa. Talvez porque seja farsa mesmo.

Precisamos ainda subir muitos degraus civilizatório para entender as noções básicas de cidadania e estado de direito. Ou pelo menos uns poucos que nos permita entender que a prisão após a condenação é não somente esperada, mas natural. Seria assim em lugares que fazem sentido.

Não no país tropical. Talvez embriagados pelo suco da jabuticaba discutimos a concessão de privilégios usando como argumento a igualdade perante a lei. A gente faz muito se auto dispensou de fazer sentido. Por isso somos o paraíso dos juristas. Gente que, por acreditar em nada, diz qualquer coisa.


Com um pouco mais de noção de cidadania, não perderíamos 2 dias dando importância a eventos de outra maneira corriqueiros. E que, francamente, não fazem ou farão a menor diferença. Não escrevemos história. Preferimos dedicar nosso talento literário as notas de rodapé. Com quase certeza, vai ser lá que estarão eventos recentes. Se tanto.

Enquanto o tempo e a atenção do distinto público eram devidamente desperdiçados em todas as formas de mídia, a vida seguia. Fora daquele quarteirão onde se concentravam as lentes, tudo correu normalmente.

Talvez por isso, a farsa tenha se autoconsumido tão rapidamente. Notaram que os bondes permaneciam em cima dos trilhos. E que o tempo passava. E que não há nada como o tempo para passar.

E perceberam que já era sábado. O dia do presente. E nada mudava. O povo não veio. E vida seguiu. Indiferente a farsa já cansativa. Impossível fugir a essa dura realidade. Todos os bares estavam repletos de homens vazios. Todos os namorados de mãos entrelaçadas. Todos os maridos funcionando regularmente. Todas as mulheres atentas. Porque era sábado.

E ali, já com a audiência cansada da farsa, ao vivo dava para ver os tatos abandonando o navio. E, afinal, virar a chave. E dedicar o episódio ao rodapé da história. De onde nunca deveria ter saído.

Elton Simões

Voto de Rosa Weber pode produzir mais efeitos que a prisão de Lula

O evento de efeitos mais duradouros destes dias tumultuados pode não ter sido a prisão do ex-presidente Lula, mas sim o voto da ministra Rosa Weber no julgamento de 4 de abril, no Supremo. O teor da manifestação da juíza foi coerente com seu modo de portar-se. Não dá entrevistas nem antecipa opiniões, não patrocina lobbies nem se mete em assuntos que conotem conflito de interesse. Não desafia a jurisprudência.

Uma corte suprema não deveria ser fator de insegurança, com mudanças bruscas de rumo. Os mapas que norteiam os juízos não se alteram só porque a maioria passou a pensar diversamente.

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É preciso algo mais para mudar a jurisprudência, como vários anos de acúmulo de precedentes no sentido contrário ou um choque da realidade fática, para alterar a jurisprudência do STF. Eis os pressupostos do voto da ministra Weber.

Reflexos dos insultos subterrâneos à magistrada, plenos de machismo, vieram à tona tão logo a direção de seu voto ficou clara. Tal lógica condenaria o Judiciário ao imobilismo eterno, argumentam seus críticos mais civilizados.

Decerto ela fez opção entre dois valores jurídicos —a necessidade de evoluir e a de assegurar previsibilidade à expectativa dos agentes sociais. Preza mais o segundo, o que não significa anulação nem estrangulamento do primeiro.

O cumprimento de pena após a segunda instância tende a tornar-se regra sujeita a conjunto não desprezível de exceções. Prisões mal fundamentadas, alta probabilidade de sucesso nos recursos e falhas processuais graves têm justificado conceder liberdade ou relaxar o regime de detenção.

Se as instâncias inferiores se lambuzarem de punitivismo, os casos de revisão vão crescer ao longo dos próximos anos e isso poderá justificar mudança na jurisprudência. Esse é o voto da ministra Rosa, que não é Luxemburgo, mas cujo conservadorismo é quase revolucionário no Brasil.