quinta-feira, 12 de julho de 2018

Gente fora do mapa

Steve McCurry


Quando crianças controlam sua própria cidade

Há tempos que a Finlândia tem fama de implementar métodos de ensino inovadores – e o programa Me&MyCity (eu e minha cidade) não é uma exceção. O projeto cria um ambiente para adolescentes que simula uma cidade em miniatura, onde alunos trabalham em uma profissão, são cidadãos e consumidores.

Em um grande salão localizado em um edifício industrial nos arredores da cidade portuária de Vaasa, parece estar acontecendo uma pequena feira. Ela foi dividida em estandes, cada um deles representando uma das empresas patrocinadoras do evento.


Em um estande patrocinado por uma rede de supermercados, uma menina arruma prateleiras enquanto outra inicia o computador e verifica o estoque. Em outro, que leva a logomarca de uma grande empresa local de engenharia, três alunos vestem capacetes e coletes refletivos para fazer a inspeção num local.

Já em outro local do evento, um grupo de estudantes trabalha para publicar um jornal. Hoje, 55 alunos da sexta série, de cerca de 12 anos, participam do projeto. Eles vêm de três escolas da região.

Hannah Sandberg trabalha para o programa Me&MyCity e está no local para ajudar as crianças. Ela diz que, por meio do projeto, os participantes estão aprendendo habilidades importantes para a vida.

"As crianças aprendem sobre a sociedade e como é ter um emprego", afirma Sandberg. "Elas recebem um salário, pagam impostos, têm tempo livre e obrigações laborais. Assim, aprendem como é ser um adulto."

Ela conta que o objetivo do programa é fazer com que eles aprendam como a sociedade funciona e que existem diferentes tipos de empresas e instituições oficiais, como a prefeitura. "Algumas das crianças aprendem como é trabalhar para a cidade", diz.

O programa Me&MyCity começou em 2009 e se expandiu para outras cidades em toda a Finlândia. Ele é executado em conjunto com universidades finlandesas e atrai grandes patrocinadores.

Em Vaasa, a principal cidade da região da Ostrobothnia, cerca de 4.500 estudantes participam anualmente do programa. Kukka-Maaria Kallio é a coordenadora regional do Me&MyCity na Ostrobothnia, localizada na parte central da Finlândia.

Ela diz que cerca de 250 mil estudantes em toda a Finlândia já participaram do programa. Alguns estudantes pesquisam previamente sobre as empresas que estarão representando e fazem contato com elas antes de participar dos eventos.

"Nós recebemos um e-mail da nossa parceira Wartsila dizendo que Elin, uma estudante que participará do Me&MyCity para trabalhar como presidente da empresa por um dia, perguntou sobre a filosofia da companhia e qual mensagem deveria compartilhar com seus colegas de sala", conta Kallio.

Tilde e Alexander têm 16 anos e participam do programa há alguns anos. Hoje, eles orientam os alunos e os ajudam a realizar as tarefas.

"O programa ajuda os alunos a se tornarem mais sociais", diz Alexander. "E também os ajuda a adquirir confiança, porque você não conhece todo mundo. Assim, você pode ter contato com novas pessoas, aumentando sua confiança."

Ele diz que, ao participar do programa pela primeira vez, trabalhou em um dos bancos. "Foi divertido, mas não era realmente a minha paixão", salienta. "Hoje, seria mais provável eu trabalhar na ABB [uma empresa de energia alternativa local]."

Tilde afirma também que sua experiência no programa mudou suas ambições em termos de trabalho. "Quando eu estava na sexta série, eu pensava em trabalhar nos Correios. Mas, hoje, eu acho que trabalharia na Wartsila, porque me interesso por engenharia."

Hannah Sandberg diz que é bom que alguns alunos descubram qual trabalho não querem fazer quando crescerem. Eles também aprendem que, mesmo em um trabalho que gostam, nem tudo é sempre maravilhoso.

"Às vezes, eles não gostam de todas as tarefas que têm que fazer, e eu posso dizer a eles que na vida real é assim também. Você não gosta de tudo que faz, mas esperamos que goste da maior parte", conta.

O programa Me&MyCity para os alunos da nona série também inclui orientação profissional. Os alunos participam de uma dramatização onde gerenciam empresas e competem entre si. A equipe vencedora é aquela que alcança o maior lucro operacional e a melhor reputação.

Kukka-Maaria Kallio explica que a conduta corporativa ética – responsabilidade para com a sociedade e meio ambiente – é uma parte importante do conceito geral do programa.

"Nós estamos cuidando do futuro. E todos estão preocupados com as crianças e sua participação na sociedade. Trata-se de tomar ações responsáveis visando o futuro e sociedade", conclui.

Deutsche Welle

Chinelo velho

Sempre inúteis, estéreis e impotentes, quando não são positivamente nocivos ou perigosos, todos igualmente desonrados e aviltados por faltas comuns, e excessos imitados uns dos outros, os nosso partidos se tornam incapazes do menor bem, e perdem toda a autoridade e força moral
José Francisco Lisboa (1812 - 1863) ), "Crônica Política do Império"
 

Politização da Justiça

Mais ou menos na mesma época em que o PT estava sendo fundado no Brasil os militantes de vários grupos de esquerda na então Alemanha Ocidental inventaram um nome bonito para a tática de abandonar as ruas, as passeatas, os protestos e deixar de ser oposição extraparlamentar para ganhar votos e entrar no parlamento. Chamava-se “a marcha através das instituições”. No Brasil o PT preferiu tomar conta delas, aparelhando-as e transformando o que deveriam ser instâncias do Estado em braços servindo ao partido.


Ao lado do submarxismo primitivo que dominou boa parte do mundo acadêmico e da “produção de ideias” (incluindo jornalismo) esse controle de vastas esferas de órgãos públicos produz sustos como o do domingo, quando um desembargador resolveu cumprir uma missão político-partidária para libertar o chefe do partido que virou seita. Chegou há tempos ao STF, onde um ministro paralisa privatizações não só por se sentir contrariado em suas opiniões políticas, mas por acreditar que a Lava Jato é uma operação engendrada por serviços secretos de potências estrangeiras para roubar o pré-sal do Brasil.

Nem vale a pena examinar um absurdo desses (“debater um absurdo significa dar a ele um ar de legitimidade”, dizia Raymond Aron durante a Guerra Fria quando confrontado com quimeras inventadas por comunistas). Mas o absurdo do plantonista amigo que queria libertar Lula levanta duas questões de grande alcance: a) até onde permanece intacto e obedecendo à direção de partidos o aparelhamento do Estado brasileiro? b) em que medida o enfraquecimento, deterioração, solapamento, destruição das instituições – como o caso do Judiciário também, rachado pela política – é um fenômeno duradouro?

A “privatização” do Estado brasileiro, entendido como sua apropriação por entes privados (como o são partidos políticos) precede o PT, mas não é uma ocorrência uniforme. Algumas instâncias, sobretudo da área econômica, apresentam bolsões de eficiência e formas de conduta próximas ao que se chamaria de uma burocracia impessoal. Outras são aquilo que o Padre Vieira criticava em sermões já no século 17: cabides de emprego para inúteis – alguns mais, outros menos gananciosos. Sobre essa máquina diminui o controle ideológico que o PT exercia. Estamos indo de volta para uma situação na qual impera “apenas” o fisiologismo.

Quando figuras de peso como a presidente do STF ou o comandante do Exército afirmam – como fizeram recentemente – que as “instituições estão funcionando”, temos de considerar que eles não poderiam dizer outra coisa. Já pensaram Cármen Lúcia declarando “as instituições NÃO estão funcionando?” E aí, ministra, como é que fica? Ou o general Villas Boas afirmando “as instituições pararam de funcionar”. E o senhor, general, pensa em agir como? O fato é que a bizarra disputa entre togados no domingo é apenas o mais recente indicador de como progrediu, no Judiciário, a rachadura política.

Não é um fenômeno tão recente assim. Lembram-se de como o País parou, em janeiro de 2017, logo após o acidente que matou o então relator da Lava Jato, e todos esperavam o resultado de um sorteio? Se o sorteio indicasse um determinado ministro como relator da operação poderia-se esperar certa conduta frente à campanha anticorrupção. Em outras palavras, a conduta de órgãos de Estado dependia da sorte? O que aconteceu no domingo foi não só um truque aplicado por uma organização criminosa para livrar seu chefe, mas, pior que isso, o resultado da politização da Justiça.

Resumo de um domingo, como diz o juiz aposentado Wálter Maierovitch, da República de Bananas: o aparelhamento do Estado, apesar de maléfico, preocupa menos do que o esfrangalhamento das instituições.

'A Dama das Camélias'

Toninho Drummond, jornalista admirado de quem fui amigo, contou-me certa vez que em 1937 o Cine Glória, da sua Araxá, anunciou a apresentação do filme A Dama das Camélias, dividido em duas partes. Sucesso total, e antes da segunda sessão na mesma semana, a mulher mais cobiçada da cidade confessou, sedutora, ao jovem operador do cinema que seria a pessoa mais feliz do mundo se Marguerite, a heroína, não morresse no final. Seduzido, o operador foi à luta munido de uma tesoura: reeditou o drama para fazer a vontade da insinuante dama. Cortou as cenas finais, substituiu-as por outras e assim Greta Garbo termina aos beijos com Robert Taylor, transformando a tragédia em farsa. Terminada a segunda sessão choveram protestos de leitores da obra original de Alexandre Dumas. O prefeito Antônio Vilas Boas, nomeado depois ministro do STF, estimulou a ira do promotor Christiano Barsante a agir contra o manipulador apaixonado. Chamaram o projecionista. “Semana passada assisti a este mesmo filme em Uberaba. A atriz morre tuberculosa no final. E aqui não?”, interpelou ameaçador, como é costume entre promotores aliados de juízes. “Uai, doutor, fulminou o responsável pela projeção, “ela sarou, todo mundo sabe que o clima de Araxá é muito melhor do que o de Uberaba”.

Não precisamos mexer na fita, caçar vilões com impropérios, manipular sonhos, usar o humor para acostumar o País a cretinos. Não queremos um leão, tigre, águia ou abutre que domine por violência e medo. Precisamos de um cisne que atravesse as águas com grandeza e coragem, a majestade de saber que não fará mau uso do seu poder. Não precisamos de uma geração de vingadores, nem de inimigos arrogantes do mal. Precisamos de uma República tranquila onde o povo não tema seu governante e veja nele sinceridade, concórdia e compromisso.

O País segue joguete da marca de Caim. Não há conflito elevado entre concepções do Direito e sua relação com as questões morais. Há soberba de infelizes juízes que, devendo obséquios a culpados, levam a magistratura a contribuir para a radicalização política aceitando petições atravessadas por poderosos como se a toga fosse traje de bordel sem alvará.

Há um dilaceramento provocado pela política na alma do brasileiro que o fez deixar de acreditar na superioridade do trabalho e na simplicidade do dever. A população não está conseguindo acompanhar o ritmo da vida cada vez mais dura, ostensivamente miserável para o batalhador, suntuosamente privilegiada para o jogador. A riqueza sem lastro ou refinamento desmoraliza a vocação e o esforço para a produtividade. Todo dia quem trabalha é assediado por jogos obscuros promovidos pelo tumulto de personalidades malévolas que ocupam postos muito altos nas principais instituições. Autoridades incapazes de enfrentar a batida do tempo deixam desconsolada e confusa a juventude, que se agride, se mata, se droga, diante deste naufrágio que virou a vida normal entre nós.

A popularidade de um político preso por corrupção beira o obsceno. Manipula o filme da cadeia seguro de que fundou novo conceito do uso do Estado e da Justiça. Deu identidade política ao desprezo pelo plausível e ancorou a farsa no governo como se fosse indignação. Impôs a improvisação e o privilégio como política pública e viu todas as classes se adaptarem sem dificuldade. Criou outra pele para a Nação, sob o açoite do interesse pessoal.

Assim, sem fundamentar a reunificação nacional num plano altamente espiritual em que as instituições públicas renunciem a esse poder viciado que receberam quase como cúmplices, não será possível mudar o timbre de ódio, inveja e bajulação que prevalece. O privilégio é a causa da pane do nosso boletim civilizatório.

Para outubro a confusão ampliada por juízes impunes já apresenta 18 candidatos a presidente com destaque para um falacioso destrutivo, um experiente meio bravo, um eficiente gestor traído, uma solitária de bom espírito, um preso que amedronta o Supremo com seus segredos e usa esse medo para solidificar a versão de que o cálculo político da sua condenação é superior à sua desonestidade como encarcerado. A perda de élan da Justiça diante do réu tornou-se um caso pejorativo. Parem, o Brasil não tem mais força para revidar a esse carrasco sem dó que é a corrupção velada pela Justiça.

São 35 partidos em campanha, incapazes de dar consistência partidária às ideias dos candidatos. Nenhuma preocupação com a articulação parlamentar para produzir a maioria política que estabilize um governo no presidencialismo. Candidato sério não se pode considerar independente da desordem partidária. Quem não estrutura sua base de apoio desde já, para legitimá-la pela urna, terá de fechar negócios depois de eleito, na feira que é a elefantíase do sistema político.

A verdade é um patrimônio da tradição. E faz parte da verdade que onde há reeleição é fundamental a função presidencial no concerto do processo sucessório, ou como candidato, ou como maestro. Especialmente agora que a eleição, garantida pela serenidade do presidente, se tornou a única premissa para que a ordem constitucional continue sendo considerada.

O Supremo, como ouvidoria de luxo de privilegiados, ameaça a ordem democrática ao querer harmonizar moralismo com auto-interesse. Nada teme, “sobe aos céus e joga Deus por terra” para seguir na sua atmosfera de fogueteiro cuja função é agravar o desalinho do eixo gravitacional do governo.

De forma engenhosa, Temer construiu um modelo de equilíbrio entre uma agenda reformista na economia e uma postura conservadora na política, e se tornou o mais barato presidente do País em relação aos mecanismos tradicionais de obtenção de apoio parlamentar para fazer reformas. O que incomodou os que não querem mudança e partiram para manipular o andamento do filme sucessório, estimulados pelo fantasma regressivo que intimida maus juízes.

Paulo Delgado