quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Aviso

Toda a política do governo é cercar-se de garantias para se manter no poder
Adão Myszak

O janeiro negro do Planalto


Se alguém planejasse, não armaria tantas trapalhadas para que tantas coisas dessem errado em tão pouco tempo.
A eleição do deputado Eduardo Cunha para a presidência da Câmara foi apenas um detalhe na trajetória de um governo que parece ter feito uma opção preferencial pela trapalhada. Vale a pena atrasar o relógio.

A doutora Dilma ainda estava de férias e, em seu nome, saiu do Planalto a bala perdida que acertou a testa do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. Levou-o a um recuo público desnecessário, apenas humilhante, por causa de um comentário genérico sobre o salário-mínimo. Pouco depois, veio outra bala perdida, desta vez na direção do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, por ter dito que os critérios do seguro-desemprego estavam ultrapassados, coisa já anunciada pelo seu antecessor. Isso num governo que pretende carregar a bandeira de uma “pátria educadora", e cortou verbas do Ministério da Educação. Deu-se um apagão no sistema elétrico e o ministro de Minas e Energia prontamente informou que foi um acidente. A área técnica do governo desmentiu-o no ato.

Nenhuma dessas coisas precisava ter acontecido. “Pátria educadora" é conversa fiada. O Planalto não precisa atirar nos seus próprios ministros. O doutor das Minas e Energia não precisava dizer o que disse. Finalmente, se Eduardo Cunha tinha uma “ascendência irreversível" na Casa, a doutora deveria ter percebido que iria para frigideira com o petista Arlindo Chinaglia. Quem seria preferível para presidir a Casa: um petista, ou qualquer um? Conseguiu-se o milagre de dar conteúdo oposicionista ao doutor Cunha. Se a desarticulação política do Planalto e do PT tornavam a derrota inevitável, o ronco de poder emitido pelo comissariado nas últimas semanas foi apenas uma opção preferencial pela trapalhada. Um miado de leão, rugido de gato.

Essas foram iniciativas equivalentes à do sujeito que resolve atravessar a rua para escorregar na casca de banana da outra calçada. Verdadeira mágica, porque do outro lado da rua havia só a banana de Cunha. Na calçada em que anda o Planalto há cachos. O ano de 2014 fechou com o maior déficit das últimas décadas, desmentindo 12 meses de sucessivas lorotas. A Petrobras teve seu crédito rebaixado e suas ações valem menos que dois cocos em Ipanema. Isso e mais a certeza de que a Operação Lava-Jato vai desentranhar as contas do PT. (A regulamentação da Lei Anticorrupção está engavetada há um ano.)

O governo resolveu inflar seus desastres porque, na batalha da comunicação, egocentrismo e megalomania abafam a rotina. Mesmo assim, nem tudo são espinhos. Esse mesmo governo mandou passear o lobby das concessionárias de energia que pretendia espetar na Viúva uma conta de R$ 2,5 bilhões. Mandou passear também os clubes de futebol com suas dívidas de pelo menos R$ 1,5 bilhão. Muito justamente reduziu o crédito estudantil para jovens com desempenho pouco acima do medíocre no Enem. Contrariou os barões das escolas privadas, mas conteve a privatização de seus recursos. Essa batalha ainda não terminou, como ainda não entrou em cena a das operadoras de saúde, começada nos dias das festas de fim de ano.

Resta à doutora Dilma um consolo. Na oposição, a única novidade é que Aécio Neves deixou a barba crescer.

Leia mais o artigo de Elio Gaspari

A lagarta


O governo costuma ser um reflexo de quem o lidera.
Dilma não ama as pessoas e não é amada por elas. É simples assim.
Ricardo Noblat

Fichinha de R$ 88 bilhões


Até levar no blá-blá-blá, cheio de negativas, de evasivas, Graça Foster empurrava com a barriga. Mas foi só assustar o país, embasbacado com o rombo promovido na maior empresa do país responsável por boa parte da economia, com um possível estouro no caixa de R$ 88 bilhões, sua cabeça tinha mesmo que rolar.

Falar em medidas para investigar os corruptos infiltrados na empresa, anunciar que o balanço trimestral irá sair, defender com unhas e dentes a empresa em troca da punição dos ladrões, até aí se mantinha na corda bamba.

Mas quando revelou a verdade, ou a quase verdade, porque a verdade verdadeira talvez nunca se saiba, não tinha mais como se sustentar e evitar que o tsunami de corrupção governamental batesse nas portas dos gabinetes superiores.

Impossível, nem mesmo aos mais imbecis, desconhecer que essa montanha de dinheiro não podia sumir no ralo, entrar literalmente pelo cano e ir para as profundezas da terra. Também é muito para abastecer apenas um grupinho dentro da empresa, ou no paralelo, mesmo que cada um tirasse milhões.

(Qualquer calculadora revela com precisão que, com a bagatela de R$ 80 milhões por cabeça, poderiam ser feitas “doações” pessoais para 1.100 bandidos, o que é praticamente a lotação de uma penitenciária. Donde se conclui, que ainda falta muita gente.)

Para onde foi tanto dinheiro da soma revelada por Graça Foster, que ainda não tem suas cifras confirmadas? É uma dinheirama sem medida. Afinal, o Bradesco, no último ano, teve um mísero lucro de R$ 15 bilhões, mas o aparelhamento da Petrobras conseguiu em 12 anos roubar da empresa, que pertence ao Estado, R$ 5,8 bilhões por ano, no barato. E ninguém viu, ninguém sabe.

Isso só de um caso investigado, não se imagina o que vai sair se começarem a passar a limpo outras estatais e obras governamentais. Que não se esqueça a revelação de Ricardo Pessoa, chefe do cartel da Petrobras, dono da UTC Engenharia e amigo de Lula: “Lava Jato está prestes a mostrar que o que foi apresentado sobre a área de Abastecimento da Petrobras é muito pequeno quando se junta Pasadena, SBM, Angola, esquema argentino, Transpetro, Petroquímica. Ah, e o contrato de meio ambiente da Petrobras Internacional? Se somarmos tudo, Abastecimento é fichinha.” Uma fichinha até agora calculada em R$ 88 bilhões.

Se a administração petista se revela um desastre, vê-se agora que o aparelhamento causou ainda maior dano: roubaram o país com a cara mais lavada do mundo, sob a fachada de democracia socialista, que ainda agora os cretinos aplaudem. Resta-nos a conta e um país destrambelhado.

A violência mais perigosa

Não podemos falar em democracia plena se não conseguimos afiançar educação de qualidade para todos; se não oferecemos um bom sistema de saúde para o conjunto da população; se não possuímos isonomia jurídica (só vão para a cadeia pretos, pobres e prostitutas); se a corrupção tornou-se parte essencial do brasileiro; se há um fosso intransponível separando as classes sociais; se não compreendemos a ideia de bem público como bem comum. E se não temos sequer o direito de ir e vir. A nossa democracia se limita – e temos nos contentado com isso – ao exercício da escolha periódica dos governantes.
Se derrubamos a ditadura militar, não alcançamos recuperar integralmente a liberdade um dia perdida. Temos independência para votar, para opinar, para comprar, mas não para ir e vir – o que certifica a qualidade de vida de um povo. O tráfico de drogas, o sistema carcerário falido, a sensação de impunidade, a corrupção na polícia e no Judiciário, a pressão da sociedade consumista, a injustiça social, o contrabando de armas, o péssimo exemplo das autoridades, a impotência da população, tudo nos empurra para o encastelamento em edifícios superprotegidos, em casas-fortaleza, em condomínios fechados, onde, acreditando viver em cidadelas inexpugnáveis, apenas nos enredamos em solidão e egoísmo, apenas nos afastamos mais e mais das soluções para uma destinação coletiva.
Luiz Ruffato