quinta-feira, 30 de abril de 2020
Governo descobriu que milhões de brasileiros são pobres
Um dos efeitos colaterais da disseminação do coronavírus é a falta de palavras e o aparecimento de novas palavras para designar e expressar as situações repentinas e inesperadas de uma sociedade enferma.
Sociólogos, antropólogos e linguistas estão munidos do aparato científico para fazer verdadeira arqueologia de cada palavra e nela identificar não só sua origem em tradições e circunstâncias remotas, mas também sua origem em carências atuais.
Quando o vazio se instala, em decorrência de rupturas sociais, como as guerras, as epidemias, os desastres naturais, a falência da ordem social e política, palavras se tornam obsoletas porque, por meio delas, já não há o que dizer.
Então, palavras são modificadas e novas são inventadas. As situações sociais se traduzem em consciência social e na linguagem pela qual essa consciência se torna comunicável porque legado da experiência humana. Por meio dela a experiência se torna memória.
As palavras carregam informações sobre a história de sua formação e nela a consciência social profunda da sociedade, na sutileza dos significados que a palavra contém. “Genro” é uma palavra simples que todos conhecem. É palavra que designa o homem que gera filhos para o sogro, um pai emprestado. Porque o pai de uma mulher está interditado para procriação com a filha pelo tabu do incesto.
A sociedade patriarcal narra sua história e expõe as regras sociais de sua persistência e de sua estrutura por meio de uma palavra como essa. A eficácia do seu sentido está no fato simples de que o incesto é socialmente abominado.
Muitos linchamentos, no Brasil, são praticados por grupos de vizinhos e parentes que compartilham a consciência de que o incesto é uma aberração.
É significativo que, em algumas das nossas línguas indígenas, a palavra “avô” seja a mesma palavra para “tio”. No Brasil, especialmente em São Paulo, em que mesmo a elite tinha claras origens indígenas, foi comum o casamento avuncular, do tio com a sobrinha, forma significativa de contornar a interdição do incesto. Palavras não são rótulos.
Diferentes das palavras herdadas das sociedades tradicionais, que eram palavras de afirmação e confirmação de um modo social de ser, as palavras que têm surgido, no Brasil pós-moderno, são palavras para designar o não ter e o não ser: sem-terra, sem-teto, excluídos. São do vocabulário das vítimas do banimento das possibilidades de integração plena no mutilado capitalismo da sociedade brasileira. Expressões de sua consciência de não pertencimento.
Alienado, e supondo não haver palavra brasileira para denominar o meio de pagamento da ajuda aos desvalidos da pandemia, o governo deu-lhe um nome estrangeiro, “voucher”. Todo brasileiro conhece a palavra “vale”, também os que carecem do dinheiro que representa, sem ter que recorrer à frescura da palavra desconhecida.
Mas a palavra que constitui uma verdadeira revelação de que, para o poder, não somos o país que somos, é a palavra “desbancarizados”. Isto é, gente que não tem conta bancária e, portanto, à margem do sistema financeiro que domina a economia e em nome do qual esse governo manda.
A palavra invadiu o noticiário recente quando o governo descobriu que dezenas de milhões de brasileiros são pobres, mas não sabia onde estavam nem como encontrá-los. Por isso, tem dificuldade para fazer chegar-lhes às mãos o dinheiro de que carecem para sobreviver na economia anormal que aflige a sociedade provisória da pandemia.
Não é palavra de agora, pois já a ouvira no ano passado. Mas é uma palavra desta crise. Para dizer o que deve ser dito e expressar uma das fragilidades da relação entre o Estado e o povo. A palavra é necessária para dar sentido às peculiaridades dessa exclusão e assegurar a precária terapêutica social da economia do momento.
“Desbancarizado” é, pois, quem está confinado na multidão residual do nosso subcapitalismo, aquele que não tem lugar no sistema econômico anômalo que nos enquadrou e domina. O que sugere que os maiores inimigos do capitalismo, aqui, são os próprios capitalistas da linhagem neoliberal, que dele expurga um número imenso de pessoas.
Estas novas palavras de uma sociedade que foi minada pelas desigualdades e pelas iniquidades de um modo irracional de acumulação da riqueza, são palavras do modo de vida provisório dos sem alternativa, que já não expressam a própria consciência da vítima. Expressam a consciência dos que representam os fatores de sua vitimação.
São palavras derivadas do vocabulário da dominação econômica excludente, de um neoliberalismo econômico que rotula as vítimas com designações que pressupõem que os pobres são pobres porque não tem um nome na lógica do que os empobreceu.José de Souza Martins
Sociólogos, antropólogos e linguistas estão munidos do aparato científico para fazer verdadeira arqueologia de cada palavra e nela identificar não só sua origem em tradições e circunstâncias remotas, mas também sua origem em carências atuais.
Quando o vazio se instala, em decorrência de rupturas sociais, como as guerras, as epidemias, os desastres naturais, a falência da ordem social e política, palavras se tornam obsoletas porque, por meio delas, já não há o que dizer.
Então, palavras são modificadas e novas são inventadas. As situações sociais se traduzem em consciência social e na linguagem pela qual essa consciência se torna comunicável porque legado da experiência humana. Por meio dela a experiência se torna memória.
As palavras carregam informações sobre a história de sua formação e nela a consciência social profunda da sociedade, na sutileza dos significados que a palavra contém. “Genro” é uma palavra simples que todos conhecem. É palavra que designa o homem que gera filhos para o sogro, um pai emprestado. Porque o pai de uma mulher está interditado para procriação com a filha pelo tabu do incesto.
A sociedade patriarcal narra sua história e expõe as regras sociais de sua persistência e de sua estrutura por meio de uma palavra como essa. A eficácia do seu sentido está no fato simples de que o incesto é socialmente abominado.
Muitos linchamentos, no Brasil, são praticados por grupos de vizinhos e parentes que compartilham a consciência de que o incesto é uma aberração.
É significativo que, em algumas das nossas línguas indígenas, a palavra “avô” seja a mesma palavra para “tio”. No Brasil, especialmente em São Paulo, em que mesmo a elite tinha claras origens indígenas, foi comum o casamento avuncular, do tio com a sobrinha, forma significativa de contornar a interdição do incesto. Palavras não são rótulos.
Diferentes das palavras herdadas das sociedades tradicionais, que eram palavras de afirmação e confirmação de um modo social de ser, as palavras que têm surgido, no Brasil pós-moderno, são palavras para designar o não ter e o não ser: sem-terra, sem-teto, excluídos. São do vocabulário das vítimas do banimento das possibilidades de integração plena no mutilado capitalismo da sociedade brasileira. Expressões de sua consciência de não pertencimento.
Alienado, e supondo não haver palavra brasileira para denominar o meio de pagamento da ajuda aos desvalidos da pandemia, o governo deu-lhe um nome estrangeiro, “voucher”. Todo brasileiro conhece a palavra “vale”, também os que carecem do dinheiro que representa, sem ter que recorrer à frescura da palavra desconhecida.
Mas a palavra que constitui uma verdadeira revelação de que, para o poder, não somos o país que somos, é a palavra “desbancarizados”. Isto é, gente que não tem conta bancária e, portanto, à margem do sistema financeiro que domina a economia e em nome do qual esse governo manda.
A palavra invadiu o noticiário recente quando o governo descobriu que dezenas de milhões de brasileiros são pobres, mas não sabia onde estavam nem como encontrá-los. Por isso, tem dificuldade para fazer chegar-lhes às mãos o dinheiro de que carecem para sobreviver na economia anormal que aflige a sociedade provisória da pandemia.
Não é palavra de agora, pois já a ouvira no ano passado. Mas é uma palavra desta crise. Para dizer o que deve ser dito e expressar uma das fragilidades da relação entre o Estado e o povo. A palavra é necessária para dar sentido às peculiaridades dessa exclusão e assegurar a precária terapêutica social da economia do momento.
“Desbancarizado” é, pois, quem está confinado na multidão residual do nosso subcapitalismo, aquele que não tem lugar no sistema econômico anômalo que nos enquadrou e domina. O que sugere que os maiores inimigos do capitalismo, aqui, são os próprios capitalistas da linhagem neoliberal, que dele expurga um número imenso de pessoas.
Estas novas palavras de uma sociedade que foi minada pelas desigualdades e pelas iniquidades de um modo irracional de acumulação da riqueza, são palavras do modo de vida provisório dos sem alternativa, que já não expressam a própria consciência da vítima. Expressam a consciência dos que representam os fatores de sua vitimação.
São palavras derivadas do vocabulário da dominação econômica excludente, de um neoliberalismo econômico que rotula as vítimas com designações que pressupõem que os pobres são pobres porque não tem um nome na lógica do que os empobreceu.José de Souza Martins
Direito é respeitar o outro
Tudo começa pelo direito do outro e por sua obrigação infinita a este respeito. O humano está acima das forças humanasChristiam Descamps
Está tudo sob controle, só não se sabe de quem ...
O Brasil registrou um novo recorde de mortes em 24 horas por conta do coronavírus – 474. E daí? O total de óbitos, 5.017, ultrapassou o da China que é de 4.637. E daí? Em breve, o total de casos ultrapassará o de casos na China. E daí? Daí que o Brasil está em 9º lugar no ranking de países com maior número de mortos. É possível que atinja a casa dos 10 mil antes no final de maio. E daí?
Daí o presidente Jair Bolsonaro diz que sente muito, mas que são “coisas da vida”. Todo mundo vai morrer um dia, inclusive ele. De resto, Bolsonaro tem Messias no nome, mas não faz milagres, como disse ontem à noite no cercadinho de entrada do Palácio da Alvorada, ultimamente pouco frequentado por seus devotos de estimação. Os jornalistas sempre estão lá.
Daí o presidente Jair Bolsonaro diz que sente muito, mas que são “coisas da vida”. Todo mundo vai morrer um dia, inclusive ele. De resto, Bolsonaro tem Messias no nome, mas não faz milagres, como disse ontem à noite no cercadinho de entrada do Palácio da Alvorada, ultimamente pouco frequentado por seus devotos de estimação. Os jornalistas sempre estão lá.
A pandemia avança no Brasil conforme o previsto por Bolsonaro em fevereiro. Ele ouviu de técnicos da Saúde que o número de casos do coronavírus só começaria a cair depois que cerca de 70% da população tivesse sido infectada. Viu na televisão a primeira-ministra da Alemanha, Ângela Merkel, dizer algo parecido. Então se convenceu de que não havia o que fazer, salvo deixar rolar.
Ouviu também dos técnicos que o isolamento social deveria ser incentivado para que o sistema de saúde não entrasse em colapso rapidamente. Se entrasse, seria o caos. E ouviu ainda que seria preciso comprar milhões de kits de testes, milhões de máscaras, milhares de macacões para as equipes médicas, e milhares de respiradores. Mas essa parte ele esqueceu ou não deu muita bola.
Preferiu prestar mais atenção nas vozes que aconselhavam: “Jair, se a Economia for para o brejo, sua reeleição irá também. Por isso, salve a economia, que é o que você pode fazer”. Bolsonaro passou então a torpedear as medidas de isolamento social baixadas por governadores e prefeitos. Fez isso com afinco, sem ligar para a advertência de que assim estaria cavando sua fossa.
Não se demite ministro da Saúde às vésperas de um morticínio anunciado. E daí? Bolsonaro demitiu. Mandetta era o maior sucesso na programação de fim de tarde das emissoras de televisão. Bolsonaro queria que ele andasse na contramão de governadores e de prefeitos, e Mandetta não andou. Escolheu então um novo ministro obediente e quase mudo.
Aproveitou o momento para forçar a saída do governo de outro ministro, Sérgio Moro, que concorria com Mandetta em matéria de popularidade. A dos dois superava de longe a de Bolsonaro. Moro era o símbolo da luta que Bolsonaro prometera travar contra a corrupção. E daí? O presidente queria aparelhar a Polícia Federal para pô-la a serviço de sua família, e Moro se opunha.
Reeleição acima de tudo – só abaixo do impeachment que poderá abreviar o mandato de Bolsonaro. Portanto, quem é capaz de mandar o combate à corrupção para o lixo é capaz de mandar tudo mais que prometera. Nova Política? Sem entrega de cargos a partidos em troca de votos? E daí? Troque-se a Nova pela Velha política que Bolsonaro dizia abominar.
O dia seguinte
Ainda assim, é difícil descartar as considerações não só da oportunidade, mas sobretudo dos efeitos do impeachment. Se uma proposta nesse sentido avançasse no Congresso, consumiria inevitavelmente a atenção, o tempo e os esforços que devem ser dedicados ao único propósito coletivo que agora de fato importa: conter a enorme devastação humana, social e econômica produzida pelo coronavírus.
Ela poderá ter também outras consequências nefastas que não convém ignorar. No sistema presidencialista, os titulares do Executivo têm mandato fixo; a sua abreviação é quase sempre traumática. Com ou sem reeleição, o calendário preestabelecido é a regra de ouro que organiza a disputa pelo poder.
Políticos e partidos têm nas eleições periódicas e com data conhecida o seu horizonte de ação.
Eis por que, na origem do presidencialismo, o impeachment foi criado como recurso último e excepcional para frear a ambição dos mandatários; sua mera possibilidade deveria dispensar o seu efetivo emprego. O recurso frequente ao impeachment desestrutura o jogo do presidencialismo e cria perigosa instabilidade institucional, que tende a enfraquecer a confiança na democracia.
Em três décadas, a contar de 1989, dois presidentes foram impedidos no Brasil. Nos EUA, em mais de dois séculos, foram abertos processos contra quatro presidentes.. É insensato supor que um terceiro trauma do gênero, apenas quatro anos depois do anterior, mesmo para barrar um mandatário com ostensiva vocação autoritária, contribuirá para o fortalecimento das nossas instituições democráticas.
Por fim, não custa lembrar que, afastado, Bolsonaro será substituído pelo vice, general Hamilton Mourão, com o qual compartilha convicções reacionárias, entre elas uma visão antediluviana da questão ambiental e do respeito ao modo de vida de nossas populações indígenas; sensibilidade zero para a tragédia social brasileira e, muito provavelmente, a mesma concepção estreita da importância das liberdades civis.
Assim não fosse, não lhe teria ocorrido, ao deixar o Exército para se juntar a Bolsonaro, saudar o falecido major-torturador Brilhante Ustra. A sua ascensão ao poder transformaria o dia seguinte ao impeachment na continuação do atual pesadelo.Maria Hermínia Tavares
Bolsonaro é o culpado
Mas isso não os torna “culpados” pelas mortes, como atacou o presidente Bolsonaro. Culpa é diferente de responsabilidade. E esta, no caso de governadores e prefeitos, tem uma limitação importante: dinheiro.
A crise apanhou a maioria dos Estados com déficits em suas contas e dívidas elevadas. A paralisação de boa parte das atividades leva a uma queda de receita, de modo que a tempestade é perfeita: menos dinheiro diante da necessidade de gastar mais.
Aqui entra uma primeira responsabilidade enorme do governo federal. Só este pode, digamos, inventar dinheiro, tomando dívida e mesmo imprimindo reais. Junto com o Congresso, cabe ao governo federal decidir quanto dinheiro vai gerar, como será distribuído e para quais finalidades.
É nesta tarefa crucial que o presidente Bolsonaro, se fosse um dirigente minimamente adequado, deveria estar empenhado. Como, aliás, fez seu ídolo Trump. Agindo em combinação com o Congresso, inclusive com a Câmara controlada pela oposição, o presidente aprovou pacotes de trilhões de dólares para socorrer pessoas, empresas e administrações públicas estaduais.
Sim, o governo brasileiro tem feito parte desse serviço. Mas aos trancos e barrancos – basta observar as filas nas agências da caixa, as queixas de empresas que não têm acesso aos recursos prometidos, as filas no pedido de auxílio desemprego, os equipamentos que não chegam.
Neste momento, em que o mundo disputa desde máscaras até respiradores, o Itamaraty deveria estar negociando mundo afora para importar esse tipo de material. Em vez disso, o chanceler Ernesto Araújo decide combater o isolamento social com a bárbara comparação com os campos de concentração de Hitler. Como pode a ignorância e a insensibilidade chegarem a nível tão desprezível?
Não é de espantar, entretanto. Se o chefe dele sai com um “E daí?” quanto lhe perguntam sobre as 5 mil mortes…
Eis o ponto. Enquanto governadores e prefeitos tentam cumprir suas responsabilidades – uns vão bem, outros, mal – o presidente se dedica a sabotar os esforços dos outros. Como não consegue nem um argumento para desclassificar o isolamento – nem o novo ministro da Saúde, perdidaço, topa isso – Bolsonaro trata de atacar os que considera seus inimigos, mesmo que isso prejudique o combate à epidemia.
Há aí uma contradição que bloqueia o processo. O isolamento faz sentido se as pessoas puderem ficar em casa. Muitas podem porque têm dinheiro, conseguem manter seus empregos, trabalham de casa. Outras não podem – e estas precisam de socorro para ficar em casa. Esse socorro é a renda mínima (os 600 reais), o aumento do seguro desemprego, o adiamento de obrigações financeiras.
O mesmo vale para empresas. Algumas aguentam paradas. Outras precisam de socorro, na forma de financiamentos ou mesmo aportes de capital.
Este socorro, para pessoas e empresas, cabe essencialmente ao governo federal. Membros desse governo sabem disso e tentam. Mas como a coisa pode fluir se o presidente não aceita o conjunto dessa política, nem se empenha para implementá-la? E, ao contrário, se empenha em desmoralizar essas ações.
Além disso, o governo federal tem o SUS, que deveria coordenar todo o programa sanitário. Coisa que o ex-ministro Mandetta estava tentando.
Ignorância e autoritarismo formam uma combinação explosiva.
Vamos falar francamente: o presidente e seus filhos já cometeram erros demais. Só não cometeram mais porque foram contidos ou pelo STF ou pelo Congresso. Mas as barbaridades que já praticaram são suficientes para que sejam apanhados nos diversos inquéritos em andamento no Supremo e, logo, logo, no Congresso.
O presidente é, pois, irresponsável. Como não se trata “apenas” de um mau administrador, torna-se também culpado. Sim, as mortes estão no “colo” dele.
Os homens do presidente
Um gabinete do ódio foi instalado no governo para dar vazão ao maior de todos os sentimentos de um presidente movido pelo desejo permanente de retaliação. Ele se disse perseguido e sempre odiou todos aqueles que identificava como inimigos ou que imaginava um dia poderem se transformar em inimigos. Por isso, destilou sua ira contra políticos de oposição, aliados que não mostravam firmeza, ex-aliados, juízes, desembargadores, ministros da Suprema Corte, jornalistas ou qualquer outro tipo de gente que não pensasse como ele ou que se interpusesse entre ele e seu projeto político.
O gabinete usou todos os instrumentos que conseguiu dispor para construir constrangimentos aos inimigos do chefe. Espionou, divulgou notícias falsas, impediu acesso a documentos oficiais, criou barreiras entre o presidente e a imprensa, proibiu veículos de informação de entrar na sede do governo, mentiu para o Congresso, privilegiou amigos. Suas ligações com criminosos profissionais, milicianos que trabalhavam por dinheiro, sempre foram conhecidas. Recursos do fundo partidário eram usados para pagar por serviços prestados por esses indivíduos, de resto tão inescrupulosos quanto os membros do gabinete do ódio e o próprio presidente da República.
Os assessores do presidente foram presos por instrumentalizar o bando que invadiu o escritório no Watergate, por mentir sobre o episódio, e por sonegar informações. O dinheiro do fundo partidário para a eleição usado na operação agravou o caso. Nixon, que tentou obstruir a Justiça e também mentiu, só não foi condenado e preso porque, antes de se afastar, negociou com o vice-presidente Gerald Ford um perdão pelos crimes que cometeu. Ford cumpriu a promessa, e o trambiqueiro nunca foi chamado para prestar contas.
O gabinete usou todos os instrumentos que conseguiu dispor para construir constrangimentos aos inimigos do chefe. Espionou, divulgou notícias falsas, impediu acesso a documentos oficiais, criou barreiras entre o presidente e a imprensa, proibiu veículos de informação de entrar na sede do governo, mentiu para o Congresso, privilegiou amigos. Suas ligações com criminosos profissionais, milicianos que trabalhavam por dinheiro, sempre foram conhecidas. Recursos do fundo partidário eram usados para pagar por serviços prestados por esses indivíduos, de resto tão inescrupulosos quanto os membros do gabinete do ódio e o próprio presidente da República.
Acossado pelo Congresso que ameaçava instalar um processo de impeachment, o presidente demitiu sumariamente o chefe das investigações sobre crimes cometidos por pessoas do seu círculo mais próximo, inclusive os assessores que dentro do governo davam substância à ira presidencial. A demissão foi o último passo de sua corrida vertiginosa em direção ao abismo. Sabe-se que ele também cometeu crimes de responsabilidade e que não conseguiria escapar do julgamento do Congresso. O presidente deveria renunciar, ou então seria impedido pela vontade da maioria absoluta de deputados e senadores.
Embora se pareça muito com a história em curso de Jair Bolsonaro, esta conta a saga do presidente Richard Nixon no escândalo da invasão da sede do Partido Democrata no edifício Watergate, em 1972. Nixon, que foi um trambiqueiro mas não era bobo, resolveu renunciar ao cargo dois anos depois para não sofrer o impeachment. Foram condenadas e presas 49 pessoas, inclusive membros do gabinete do ódio, como H. R. Haldeman, secretário-geral da Casa Branca, John Mitchell, ministro da Justiça, e os assessores John Ehrlichman e John Dean III. Os cinco bandidos que arrombaram o escritório do partido adversário também foram presos. Dois eram ex-agentes da CIA e do FBI e os outros três eram anticastristas de Miami.
Os assessores do presidente foram presos por instrumentalizar o bando que invadiu o escritório no Watergate, por mentir sobre o episódio, e por sonegar informações. O dinheiro do fundo partidário para a eleição usado na operação agravou o caso. Nixon, que tentou obstruir a Justiça e também mentiu, só não foi condenado e preso porque, antes de se afastar, negociou com o vice-presidente Gerald Ford um perdão pelos crimes que cometeu. Ford cumpriu a promessa, e o trambiqueiro nunca foi chamado para prestar contas.
Em Watergate, Nixon mandou demitir Archibald Cox, promotor especial designado para investigar o escândalo. No Brasil, Bolsonaro mandou demitir Maurício Valeixo da PF. Nixon só obteve sucesso quando o terceiro da hierarquia da Procuradoria-Geral aceitou encaminhar a encomenda, depois que se demitiram o titular do cargo e seu substituto imediato. No Brasil, o presidente teve que fazer ele mesmo o serviço sujo, uma vez que o ministro Sergio Moro se negou a afastar Valeixo e se demitiu.
Bolsonaro também tem um gabinete do ódio no Palácio, da mesma forma ataca parlamentares, juízes e jornalistas. Mantém laços sólidos com milicianos, chegando a empregar alguns e a homenagear outros. Na campanha, recursos do fundo eleitoral foram usados para financiar a máquina de propaganda de Bolsonaro baseada na distribuição de fake news. São muitas as semelhanças, mas, apesar delas, é claro que Nixon e Bolsonaro não são iguais em tudo. Como Bolsonaro, Nixon também desprezava a democracia, mas pelo menos fingia o contrário.
'Golden shower' presidencial
Quando o presidente diz “e daí” pra mais de 5 mil mortos, sendo 474 nas últimas 24 h, ao som de risadas de deboche de seus apoiadores, ou é um atestado por notória evidência de insanidade, ou é uma prova candente de falta de caráter e qualquer vestígio de sensibilidadeMarina Silva, ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente
Reação dos políticos é vital para superar pandemia
A luta contra o coronavírus, a vida em meio à pandemia e a sobrevivência a essa ameaça são uma corrida de longa distância. Isso é algo que desafiará por muito tempo tanto as sociedades como os políticos – nacional e internacionalmente. E o meio político busca conselhos de especialistas. Mas até onde isso vai?
O aplauso ostensivo das varandas e das janelas já foi há muito tempo. Destinava-se às equipes sanitárias, médicos, enfermeiros, por seu trabalho, cujo perigo ninguém pode e poderá prever. Somente na Itália, mais de 150 agentes de saúde morreram. Houve aplausos e gritos pelos heróis. Mas heróis não são suficientes, pelo menos para uma sociedade midiática. Ela procura estrelas que se pode construir, mas também derrubar. Os virologistas se tornaram as estrelas desse primeiro estágio da crise do coronavírus.
A Alemanha pode se dar por satisfeita com o que tem a oferecer em termos de cientistas e também de jornalismo científico. Assim, foram divulgadas dicas que, em sua simplicidade, que todos podem implementar: lavar as mãos, evitar multidões, manter distância física mesmo na vida privada. Portanto, houve participação na pesquisa acadêmica através da ação.
Consequentemente, também houve ganho de conhecimento em tempo real, com – e isso que pertence à ciência – tentativa e erro, com hipóteses, com sua refutação, com declarações concorrentes.
Dessa forma que a questão sobre o uso de máscaras, por exemplo, foi virada ao contrário desde março. E há muitas perguntas que os especialistas ainda não sabem responder e pedem, por elas, paciência. Independentemente disso, há muito que eles são estrelas – classificados em rankings por recepção da comunidade científica e presença na mídia. E também tendencialmente pelo fator carismático. E quem for o primeiro a desenvolver uma vacina – em Berlim ou Bonn, Oxford, Paris ou Wuhan – passará de estrela a messias na mídia.
Os políticos também são responsáveis pelo fato de os pesquisadores terem entrado nesse papel. Claro: para impor o impensável e até a restrição dos direitos civis básicos em muitas áreas, o meio político, o governo federal procurou o apoio e aconselhamento de virologistas e depois também de representantes de outras áreas científicas. Mas a ação, a questão das decisões concretas, depende do setor político – e apenas dele. Os especialistas podem fornecer expertise, a mídia pode transmitir informações, ponderar e expor opiniões. Mas a classe política é que tem que agir. É para isso que os políticos são eleitos e para isso recebem um cargo temporário.
Em um mundo cada vez mais confuso, o conhecimento especializado é importante e se torna cada vez mais importante. Existe uma variedade a perder de vista de tais grêmios. Há 20 anos, o então chanceler alemão Gerhard Schröder criou o Conselho Nacional de Ética, devido às grandes questões da biomedicina, que mais tarde se tornou o Conselho Alemão de Ética. Logo após a posse, a chanceler Angela Merkel valorizou a pouco notada Academia Nacional de Ciências, a Leopoldina. Estes são apenas dois exemplos das últimas décadas.
Certamente, que as responsabilidades do setor político incluem incertezas, decisões abertas, agir a partir do que se sabe no momento, como costuma ser dito nessas semanas. Isso não está tão longe da possibilidade de erro que integra a prática científica. Faz parte de um dos muitos momentos impressionantes do ministro da Saúde da Alemanha, Jens Spahn, o modo aberto com que ele falou no Bundestag, em 22 de abril, sobre o possível erro de algumas decisões, pelas quais talvez seja preciso pedir desculpas posteriormente. Mostrou grandeza. Ele falou de si mesmo – não dos cientistas.
É por isso que as aparições e a competição entre os virologistas na luta contra a pandemia permanecem apenas um aspecto marginal. São importantes, mas não cruciais. Isso é coisa que o meio político pode e deve tranquilamente dizer mais claramente em tempos de uma sociedade fundamentalmente abalada. As ações dos políticos, do Bundestag e dos parlamentos permanecem decisivas. No início de um período legislativo, os presidentes do Bundestag costumam lembrar da alta responsabilidade de todos os legisladores. Eles agora também carregam uma responsabilidade. Agora até mais do que nunca.
O aplauso ostensivo das varandas e das janelas já foi há muito tempo. Destinava-se às equipes sanitárias, médicos, enfermeiros, por seu trabalho, cujo perigo ninguém pode e poderá prever. Somente na Itália, mais de 150 agentes de saúde morreram. Houve aplausos e gritos pelos heróis. Mas heróis não são suficientes, pelo menos para uma sociedade midiática. Ela procura estrelas que se pode construir, mas também derrubar. Os virologistas se tornaram as estrelas desse primeiro estágio da crise do coronavírus.
A Alemanha pode se dar por satisfeita com o que tem a oferecer em termos de cientistas e também de jornalismo científico. Assim, foram divulgadas dicas que, em sua simplicidade, que todos podem implementar: lavar as mãos, evitar multidões, manter distância física mesmo na vida privada. Portanto, houve participação na pesquisa acadêmica através da ação.
Consequentemente, também houve ganho de conhecimento em tempo real, com – e isso que pertence à ciência – tentativa e erro, com hipóteses, com sua refutação, com declarações concorrentes.
Dessa forma que a questão sobre o uso de máscaras, por exemplo, foi virada ao contrário desde março. E há muitas perguntas que os especialistas ainda não sabem responder e pedem, por elas, paciência. Independentemente disso, há muito que eles são estrelas – classificados em rankings por recepção da comunidade científica e presença na mídia. E também tendencialmente pelo fator carismático. E quem for o primeiro a desenvolver uma vacina – em Berlim ou Bonn, Oxford, Paris ou Wuhan – passará de estrela a messias na mídia.
Os políticos também são responsáveis pelo fato de os pesquisadores terem entrado nesse papel. Claro: para impor o impensável e até a restrição dos direitos civis básicos em muitas áreas, o meio político, o governo federal procurou o apoio e aconselhamento de virologistas e depois também de representantes de outras áreas científicas. Mas a ação, a questão das decisões concretas, depende do setor político – e apenas dele. Os especialistas podem fornecer expertise, a mídia pode transmitir informações, ponderar e expor opiniões. Mas a classe política é que tem que agir. É para isso que os políticos são eleitos e para isso recebem um cargo temporário.
Em um mundo cada vez mais confuso, o conhecimento especializado é importante e se torna cada vez mais importante. Existe uma variedade a perder de vista de tais grêmios. Há 20 anos, o então chanceler alemão Gerhard Schröder criou o Conselho Nacional de Ética, devido às grandes questões da biomedicina, que mais tarde se tornou o Conselho Alemão de Ética. Logo após a posse, a chanceler Angela Merkel valorizou a pouco notada Academia Nacional de Ciências, a Leopoldina. Estes são apenas dois exemplos das últimas décadas.
Certamente, que as responsabilidades do setor político incluem incertezas, decisões abertas, agir a partir do que se sabe no momento, como costuma ser dito nessas semanas. Isso não está tão longe da possibilidade de erro que integra a prática científica. Faz parte de um dos muitos momentos impressionantes do ministro da Saúde da Alemanha, Jens Spahn, o modo aberto com que ele falou no Bundestag, em 22 de abril, sobre o possível erro de algumas decisões, pelas quais talvez seja preciso pedir desculpas posteriormente. Mostrou grandeza. Ele falou de si mesmo – não dos cientistas.
É por isso que as aparições e a competição entre os virologistas na luta contra a pandemia permanecem apenas um aspecto marginal. São importantes, mas não cruciais. Isso é coisa que o meio político pode e deve tranquilamente dizer mais claramente em tempos de uma sociedade fundamentalmente abalada. As ações dos políticos, do Bundestag e dos parlamentos permanecem decisivas. No início de um período legislativo, os presidentes do Bundestag costumam lembrar da alta responsabilidade de todos os legisladores. Eles agora também carregam uma responsabilidade. Agora até mais do que nunca.
‘Estas palavras podem salvar vossas vidas’
resolvi escrever esta mensagem por verificar que aí se demora na tomada de consciência acerca do que a covid-19 está provocando no mundo, desde logo, na Europa.
Pela vossa segurança e segurança dos vossos familiares e concidadãos, não tomem por exagerados os alertas que escutam vindos de fora. Preferível que cumpram as regras de protecção achando que talvez seja demasiado, a não terem cumprido e descobrirem que contribuíram para a dor ou morte de alguém.
a covid-19 não tem a taxa de mortalidade superior a outros vírus comuns, a questão é que ela vence os outros por ser infinitamente mais contagiosa, sobrevivendo mais tempo em superfícies e necessitando de um contacto ínfimo com a boca, os olhos ou o nariz para criar infecção.
O novo coronavírus não vai impactar na saúde de cerca de 80% dos infectados, no entanto, nos restantes casos, ele pode levar à morte, com taxas elevadas de óbitos em pessoas de saúde vulnerável, como são os mais velhos e os já enfermos.
A facilidade de transmissão deste vírus é tão grande que ele pode matar muito mais do que seria natural, simplesmente porque existem mais pessoas doentes do que qualquer sistema de saúde do mundo pode atender. Muitas pessoas, nos países onde se perdeu o controle, estão morrendo porque não há mais acesso à UTI. No terreno, igual ao que acontece em tempo de guerra, os médicos precisam optar pelos pacientes aos quais administram o tratamento e aqueles a quem não têm mais oportunidade de salvar.
Estima-se que na Itália e em Espanha (sobretudo na grande Madri), os óbitos já dizem respeito também às pessoas que chegam infectadas com 80 anos e são deixadas sem ventilador porque todos os equipamentos estão tomados por pessoas mais jovens que lutam por suas vidas. Há dias, falava-se que teriam de descer este critério para os 70 anos. É como muita gente precisar de um transplante de fígado ao mesmo tempo. Não vai ser possível transplantar toda a gente. As pessoas são simplesmente deixadas a morrer.
Não morre apenas quem chamamos de velho. Já morreram pessoas muito jovens, inúmeras com bem menos de 50 anos de idade. Não julguem nunca que podem oferecer o coronavírus aos outros e passar seguramente incólumes. Isso é um jogo de sorte e de profundo azar. Qualquer um pode morrer.
As regras para defesa perante esta pandemia passam por uma higiene muito complexa que vocês poderão aprender em páginas oficiais de boa informação. No entanto, a ÚNICA MEDIDA COMPLETAMENTE EFICAZ contra a pandemia de coronavírus, neste instante em que ainda não existe qualquer vacina, é o confinamento tendencialmente absoluto. É o apelo mais desesperado que nos fazem os médicos responsáveis: FIQUE EM CASA, pare todas as suas saídas que não sejam de pura sobrevivência, e NÃO SOCIALIZE de jeito nenhum.
O exemplo de vosso presidente é um desastre grotesco que em praticamente todos os regimes jurídicos configura crime de leviano contágio de doença potencialmente fatal.
Você demorará a entender quem está infectado. As crianças, inclusive, quase nem terão sintomas, no entanto, se estiverem infectadas, elas infectarão suas famílias e poderão com isso oferecer a morte dos mais velhos ou dos enfermos da família. É muito importante que vocês atentem nesta questão: perante o desafio, se vocês precisarem de deixar seus filhos menores com alguém, os AVÓS NÃO SÃO A SOLUÇÃO. Desta vez, vocês precisam separar completamente as crianças dos vulneráveis. Elas são o perigo mais invisível de entre todo este perigo invisível que nos ronda.
Comentei com amigos daí que sinto estar a escrever-vos do futuro, porque esta pandemia abateu-se sobre a Europa antes de ser clara no Brasil, e porque aqui tomamos as medidas que se julgam necessárias um pouco mais cedo. Vocês precisam mobilizar-se voluntariamente para esta preocupação. Infelizmente, o vosso presidente não só não é lúcido para alertar a população do Brasil, como age de modo irresponsável, não cumprindo as mais elementares regras para a segurança das outras pessoas. O exemplo de vosso presidente é um desastre grotesco que em praticamente todos os regimes jurídicos configura crime de leviano contágio de doença potencialmente fatal.
Assim, o Brasil são vocês mesmos, o povo extenso e diverso e de cultura brilhante que me apaixona. São vocês mesmos que, tomando consciência da urgência desta situação, podem escolher parar este vírus antes que os vossos hospitais não tenham nem um pouco de chão para pousar os infectados em estado grave.
Nesta quarta, 18 de março, na Itália, anunciaram que apenas em um dia morreram cerca de 500 pessoas. Num país com um dos melhores sistemas de saúde do mundo. Morreram pelo coronavírus, sim, mas morreram sobretudo porque o sistema colapsou. Vocês acreditam que o sistema de saúde brasileiro é melhor que o da Itália? Vocês vão esperar para descobrir o que acontece se agirem demasiado tarde? Já imaginaram quantas pessoas morrerão no gigante brasileiro se em Itália podem morrer 500 num só dia?
Se eu estiver “escrevendo do futuro”, percebam que não falo de mais de uns dias adiante. Estamos, talvez, 15 dias à frente. São os 15 dias que têm para salvar o vosso país de uma derrocada sanitária e econômica sem comparação com nada do que viram até agora.
Desejo-vos toda a sorte e toda a lucidez. Desejo-vos melhores políticos e sempre a grande arte que vos representa no mundo com esplendor. A paz e a sorte. Só com informação e cuidado pelos outros conseguiremos superar cada crise, cada ameaça.
Valter Hugo Mãe
(A carta aos brasileiros do escritor português não mereceu nenhum destaque na mídia como deveria apesar de mais de um mês escrita)
Bolsonaro renunciou
O presidente Jair Bolsonaro renunciou à Presidência quando, diante de cinco mil brasileiros mortos, perguntou “e daí?” Não exerce a Presidência quem demonstra tal desprezo pelo seu próprio povo. Já não cabe mais esperança de que ele entenda como é desempenhar as “magnas funções”, para as quais foi eleito. Há suficientes palavras e atos ofensivos ao longo desta pandemia demonstrando que Bolsonaro jamais assumirá o papel que tantos líderes na história do mundo exerceram quando seus povos viveram tragédias. A nossa se desdobra em vários campos, na saúde, na economia, na vida social e pessoal. Mas Bolsonaro vive em seu mundinho como se a realidade não fosse essa fratura exposta.
Mas pelo que se viu ontem nas posses, toda verdade pode ser distorcida para agradar o presidente. O novo ministro da Justiça, André Luiz Mendonça, foi muito elogiado porque teria sido uma escolha técnica. Elogios talvez prematuros. Seu discurso foi político e com o uso de símbolos religiosos. Chamou o presidente de “profeta”. Como teólogo, deve conhecer a advertência bíblica sobre os falsos profetas. Está logo no primeiro Evangelho. O de Mateus. Os frutos desse profeta do ministro André Mendonça já são bem conhecidos.
Até que ponto é possível suportar o ultraje? Foram tantos nesses 16 meses, foram tantos antes das eleições, que o maior risco é o país aceitar uma Presidência exercida dessa forma deletéria como se fosse natural. Bolsonaro sempre ofendeu grupos sociais, fez disso a sua marca particular, um marketing da agressão. Ele gosta de ofender os sentimentos e ferir valores.
Dos povos originários do Brasil veio uma lição ontem. Os Waimiri-Atroari querem a publicação imediata do seu direito de resposta nos sites da Presidência pelas inúmeras vezes em que foram atingidos por palavras discriminatórias. Após um pedido do Ministério Público Federal, a Justiça Federal do Amazonas determinou à União e à Funai que assegurem ao povo publicação de uma carta nos sites do Planalto. Eles estão reagindo aos “constantes discursos desumanizantes” e de crítica ao seu modo de vida nas falas frequentes de Jair Bolsonaro. Certa vez, ele chegou a dizer que o “índio está evoluindo, cada vez mais é ser humano igual a nós”.
Durante a pandemia tudo tem ficado mais claro. Ele não quer exercer a Presidência. Ele quer gritar “quem manda aqui sou eu”, quando encontra os limites da lei. Ele gosta do mandonismo, não do exercício dos deveres da Presidência. Ele fala aos arrancos, porque não se dedica a entender as questões de Estado sobre as quais tem que decidir. Ele diz “e daí?” porque de fato não está nem aí. É isso que faz de Bolsonaro um presidente que renunciou às suas funções, apesar de formalmente continuar no posto.
Ontem foi um dia de derrota para o presidente Jair Bolsonaro, mas grande mesmo é a dor do país. No Brasil real contou-se de novo mais de 400 mortos num dia, e ainda ouvia-se o eco da voz de Bolsonaro escarnecendo —“lamento, mas e daí?” — quando se atravessou, na véspera, a marca de 5 mil mortos. No seu mundo, Bolsonaro ficou irritado porque não conseguiu nomear o amigo Alexandre Ramagem para a Polícia Federal. Na vida real, o país vive a aflição, o medo, a solidão, a falta de ar, a morte sem os rituais de despedidas, os enterros apressados, a longa espera nas filas por um direito, o risco cotidiano.
No seu mundo, Bolsonaro ficou bravo porque encontrou o limite do sistema de freios e contrapesos da democracia. O ministro Alexandre de Moraes mandou suspender a posse de Alexandre Ramagem numa peça em que deixou claro que não o fazia por qualquer idiossincrasia. Era um fato objetivo. Havia o risco de se ferir o princípio da impessoalidade e de haver desvio de função da Polícia Federal. Os indícios disso estavam na própria fala de Bolsonaro ao tentar desmentir seu ex-ministro da Justiça Sergio Moro. No final do dia, ele bateu na mesa e disse que recorrerá da decisão do ministro do STF. “Quem manda sou eu”, disse ele. E está à beira de criar um monstro jurídico. Não se pode recorrer da suspensão de um ato que ele mesmo revogou. Difícil a primeira tarefa do novo advogado-geral da União. Ele sabe que é impossível recorrer de uma causa sem objeto.
Mas pelo que se viu ontem nas posses, toda verdade pode ser distorcida para agradar o presidente. O novo ministro da Justiça, André Luiz Mendonça, foi muito elogiado porque teria sido uma escolha técnica. Elogios talvez prematuros. Seu discurso foi político e com o uso de símbolos religiosos. Chamou o presidente de “profeta”. Como teólogo, deve conhecer a advertência bíblica sobre os falsos profetas. Está logo no primeiro Evangelho. O de Mateus. Os frutos desse profeta do ministro André Mendonça já são bem conhecidos.
Até que ponto é possível suportar o ultraje? Foram tantos nesses 16 meses, foram tantos antes das eleições, que o maior risco é o país aceitar uma Presidência exercida dessa forma deletéria como se fosse natural. Bolsonaro sempre ofendeu grupos sociais, fez disso a sua marca particular, um marketing da agressão. Ele gosta de ofender os sentimentos e ferir valores.
Dos povos originários do Brasil veio uma lição ontem. Os Waimiri-Atroari querem a publicação imediata do seu direito de resposta nos sites da Presidência pelas inúmeras vezes em que foram atingidos por palavras discriminatórias. Após um pedido do Ministério Público Federal, a Justiça Federal do Amazonas determinou à União e à Funai que assegurem ao povo publicação de uma carta nos sites do Planalto. Eles estão reagindo aos “constantes discursos desumanizantes” e de crítica ao seu modo de vida nas falas frequentes de Jair Bolsonaro. Certa vez, ele chegou a dizer que o “índio está evoluindo, cada vez mais é ser humano igual a nós”.
Durante a pandemia tudo tem ficado mais claro. Ele não quer exercer a Presidência. Ele quer gritar “quem manda aqui sou eu”, quando encontra os limites da lei. Ele gosta do mandonismo, não do exercício dos deveres da Presidência. Ele fala aos arrancos, porque não se dedica a entender as questões de Estado sobre as quais tem que decidir. Ele diz “e daí?” porque de fato não está nem aí. É isso que faz de Bolsonaro um presidente que renunciou às suas funções, apesar de formalmente continuar no posto.
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