terça-feira, 5 de dezembro de 2023
Democracia, República e o povo
Em linhas gerais, República é definida como forma de governo fundada na igualdade formal das pessoas, em que os detentores do poder político o exercem em caráter eletivo, representativo (de regra), transitório e com responsabilidade.
A democracia é a prática que garante aos cidadãos o poder de participar das decisões políticas de seu país.
Com base na compilação de 15 anos de pesquisa acadêmica no campo de desenvolvimento econômico, economia institucional e história econômica, o livro dos economistas Daron Acemoglu e James Robinson intitulado “Por que as nações fracassam” buscou explicar o motivo do desenvolvimento econômico distinto dos países. Segundo os autores, a prosperidade das sociedades está ligada às instituições produzidas por elas, especialmente as instituições políticas, que têm capacidade de moldar as demais.
A tese usada afirma que existem dois tipos de instituições: inclusivas e extrativistas. As “instituições econômicas inclusivas são aquelas que possibilitam e estimulam a participação da grande massa da população em atividades econômicas que façam o melhor uso possível de seus talentos e habilidades”. As “instituições políticas extrativistas concentram poder nas mãos de uma pequena elite e impõem poucas restrições ao exercício do poder. As instituições econômicas são então, em geral, estruturadas por essa elite, de modo a extorquir recursos do restante da sociedade”.
O que isso tem a ver com o Brasil? Absolutamente tudo.
O país já passou por governos de esquerda, de centro e de direita e, quando falamos das pessoas pobres, historicamente excluídas, nada mudou significativamente. Seguimos com o mesmo nível de produtividade da década de 1980, com os mesmos costumes sociais e de mercado, seja do ponto de vista do empreendedor, seja do ponto de vista do trabalhador.
Por que isso acontece? É simples. Não importa seu viés ideológico, a sociedade continua sendo vítima da classe política, que se perpetua no poder, como se fosse no tempo das capitanias hereditárias.
Temos visto neste ano diversas ações em todos os Poderes da República para evitar qualquer perda de privilégios. A mais gritante de todas é a PEC 09/23, por meio da qual se pretende dar anistia a todos os partidos que não cumpriram regras para realizar eleições realmente justas, com igualdade de oportunidade a todos os candidatos.
A concepção atual do Estado de Direito exige que todos sejam tratados segundo um parâmetro comum das leis, aplicado a todas as pessoas e a todos os casos nele enquadrados, seja para obrigá-los juridicamente, seja para protegê-los diante de terceiros. As leis também precisam ser estáveis, sem exceções, porque a sociedade precisa de previsibilidade para seu funcionamento constante.
Muito se falou em democracia nos últimos anos, mas também tem faltado República no país. Para que essa situação mude, precisamos abrir mão de nossos interesses individuais nas pautas públicas, para que nasça uma centelha de esperança em cada um. Até lá, o povo seguirá apanhando de cima para baixo.
A democracia é a prática que garante aos cidadãos o poder de participar das decisões políticas de seu país.
Com base na compilação de 15 anos de pesquisa acadêmica no campo de desenvolvimento econômico, economia institucional e história econômica, o livro dos economistas Daron Acemoglu e James Robinson intitulado “Por que as nações fracassam” buscou explicar o motivo do desenvolvimento econômico distinto dos países. Segundo os autores, a prosperidade das sociedades está ligada às instituições produzidas por elas, especialmente as instituições políticas, que têm capacidade de moldar as demais.
A tese usada afirma que existem dois tipos de instituições: inclusivas e extrativistas. As “instituições econômicas inclusivas são aquelas que possibilitam e estimulam a participação da grande massa da população em atividades econômicas que façam o melhor uso possível de seus talentos e habilidades”. As “instituições políticas extrativistas concentram poder nas mãos de uma pequena elite e impõem poucas restrições ao exercício do poder. As instituições econômicas são então, em geral, estruturadas por essa elite, de modo a extorquir recursos do restante da sociedade”.
O que isso tem a ver com o Brasil? Absolutamente tudo.
O país já passou por governos de esquerda, de centro e de direita e, quando falamos das pessoas pobres, historicamente excluídas, nada mudou significativamente. Seguimos com o mesmo nível de produtividade da década de 1980, com os mesmos costumes sociais e de mercado, seja do ponto de vista do empreendedor, seja do ponto de vista do trabalhador.
Por que isso acontece? É simples. Não importa seu viés ideológico, a sociedade continua sendo vítima da classe política, que se perpetua no poder, como se fosse no tempo das capitanias hereditárias.
Temos visto neste ano diversas ações em todos os Poderes da República para evitar qualquer perda de privilégios. A mais gritante de todas é a PEC 09/23, por meio da qual se pretende dar anistia a todos os partidos que não cumpriram regras para realizar eleições realmente justas, com igualdade de oportunidade a todos os candidatos.
A concepção atual do Estado de Direito exige que todos sejam tratados segundo um parâmetro comum das leis, aplicado a todas as pessoas e a todos os casos nele enquadrados, seja para obrigá-los juridicamente, seja para protegê-los diante de terceiros. As leis também precisam ser estáveis, sem exceções, porque a sociedade precisa de previsibilidade para seu funcionamento constante.
Muito se falou em democracia nos últimos anos, mas também tem faltado República no país. Para que essa situação mude, precisamos abrir mão de nossos interesses individuais nas pautas públicas, para que nasça uma centelha de esperança em cada um. Até lá, o povo seguirá apanhando de cima para baixo.
Seis ideias para o G20 e a COP30
Faz anos, esta coluna levantou a ideia de que, se eleito em 2022, Lula seria o estadista capaz de oferecer alternativas às crises maiores do mundo: pobreza persistente, desigualdade abismal, aquecimento global, migração em massa, desemprego estrutural. Seu desempenho no primeiro ano do mandato reforçou esta vocação. Agora, na qualidade de Presidente do G20, em 2024, e anfitrião da COP 30, em 2025, terá chance de apresentar propostas concretas para esforço mundial diante destas crises.
1) Conselho da Terra e Órgãos para Governança Mundial –– As Nações Unidas têm o Conselho de Segurança para zelar pela paz entre países, embora sem muito sucesso, também tem a Conferência sobre Mudanças Climáticas, um fórum que se reúne uma vez por ano para definir intenções raramente realizadas. O mundo precisa de um Conselho da Terra que tenha presença permanente no diagnóstico e enfrentamento das crises maiores, com poder de intervir com força moral e governança internacional dando racionalidade planetária e de longo prazo para controlar os impactos ecológicos decorrentes da economia em cada país.
2) Bolsa Família Internacional –– Há quase 30 anos, o Brasil tem exemplo do impacto de transferência de renda na redução da penúria e da migração interna. Lula tem toda legitimidade para propor aos países do G20 a criação de um programa Bolsa Família Internacional que além de reduzir pobreza sirva para evitar a tragédia da migração em massa, não mais por impedir a imigração com mediterrâneos naturais, construídos ou armados, mas oferecendo os meios para as pessoas sobreviverem em seus países sem necessidade de emigrar.
3) Criação da Taxa Tobin –– Há 50 anos o economista James Tobin propôs uma taxação sobre os imensos movimentos financeiros internacionais. Com a taxação sobre investimentos brasileiros offshore, o Presidente Lula está mostrando que é capaz de usar seu poder político para taxar estes movimentos internacionais como forma de financiar as prioridades que ele próprio definiu para seu período como presidente do G20.
4) Centros para Estudo da Pobreza, da Desigualdade e do Desenvolvimento Sustentável –– Os governos gastam bilhões de dólares em pesquisas científicas para atender a ânsia humana de observar e entender o espaço sideral, mas os esforços para entender e combater a pobreza têm sido deixados a ONGs e academias, quase sempre sem recursos. O G20 precisa criar instrumentos para estudar a tragédia da pobreza, a vergonha da desigualdade e o desafio do desenvolvimento sustetável, com uma rede de observatórios e centros unindo universidades, governos e bancos nacionais e internacionais, inclusive o BNDES e o Banco dos BRICS.
5) Internacionalização da Infância e Educação para a Sustentabilidade –– O mundo moderno já globalizou o comércio, a cultura, as estatísticas, o ensino superior, mas trata as crianças como se fossem assunto apenas nacionais, municipais ou até mesmo restrito a suas famílias. O presidente Lula tem sido porta-voz das crianças vítimas de guerras, deve ser o propositor do compromisso do G20 para programas internacionais visando proteger e dar futuro às crianças do mundo, independentemente da nacionalidade. Na COP deve lembrar que as grandes vítimas da crise ecológica serão as crianças ou serão elas que construirão um futuro sustentável. Para tanto, é precisa apoiar os programas já existentes de educação ambiental visando formar a mentalidade necessária para que os acordos internacionais saiam da inoperância.
6) Troca da Dívida Externa dos Países Pobres –– O Presidente Lula defendeu a necessidade de aliviar os países pobres da escravidão da dívida. Na presidência do G20 ele pode articular para fazer viável um plano de alívio desta dívida, comprometendo países beneficiados a usarem os recursos liberados em benefício de seus povos, especialmente na segurança alimentar, na educação e na saúde.
1) Conselho da Terra e Órgãos para Governança Mundial –– As Nações Unidas têm o Conselho de Segurança para zelar pela paz entre países, embora sem muito sucesso, também tem a Conferência sobre Mudanças Climáticas, um fórum que se reúne uma vez por ano para definir intenções raramente realizadas. O mundo precisa de um Conselho da Terra que tenha presença permanente no diagnóstico e enfrentamento das crises maiores, com poder de intervir com força moral e governança internacional dando racionalidade planetária e de longo prazo para controlar os impactos ecológicos decorrentes da economia em cada país.
2) Bolsa Família Internacional –– Há quase 30 anos, o Brasil tem exemplo do impacto de transferência de renda na redução da penúria e da migração interna. Lula tem toda legitimidade para propor aos países do G20 a criação de um programa Bolsa Família Internacional que além de reduzir pobreza sirva para evitar a tragédia da migração em massa, não mais por impedir a imigração com mediterrâneos naturais, construídos ou armados, mas oferecendo os meios para as pessoas sobreviverem em seus países sem necessidade de emigrar.
3) Criação da Taxa Tobin –– Há 50 anos o economista James Tobin propôs uma taxação sobre os imensos movimentos financeiros internacionais. Com a taxação sobre investimentos brasileiros offshore, o Presidente Lula está mostrando que é capaz de usar seu poder político para taxar estes movimentos internacionais como forma de financiar as prioridades que ele próprio definiu para seu período como presidente do G20.
4) Centros para Estudo da Pobreza, da Desigualdade e do Desenvolvimento Sustentável –– Os governos gastam bilhões de dólares em pesquisas científicas para atender a ânsia humana de observar e entender o espaço sideral, mas os esforços para entender e combater a pobreza têm sido deixados a ONGs e academias, quase sempre sem recursos. O G20 precisa criar instrumentos para estudar a tragédia da pobreza, a vergonha da desigualdade e o desafio do desenvolvimento sustetável, com uma rede de observatórios e centros unindo universidades, governos e bancos nacionais e internacionais, inclusive o BNDES e o Banco dos BRICS.
5) Internacionalização da Infância e Educação para a Sustentabilidade –– O mundo moderno já globalizou o comércio, a cultura, as estatísticas, o ensino superior, mas trata as crianças como se fossem assunto apenas nacionais, municipais ou até mesmo restrito a suas famílias. O presidente Lula tem sido porta-voz das crianças vítimas de guerras, deve ser o propositor do compromisso do G20 para programas internacionais visando proteger e dar futuro às crianças do mundo, independentemente da nacionalidade. Na COP deve lembrar que as grandes vítimas da crise ecológica serão as crianças ou serão elas que construirão um futuro sustentável. Para tanto, é precisa apoiar os programas já existentes de educação ambiental visando formar a mentalidade necessária para que os acordos internacionais saiam da inoperância.
6) Troca da Dívida Externa dos Países Pobres –– O Presidente Lula defendeu a necessidade de aliviar os países pobres da escravidão da dívida. Na presidência do G20 ele pode articular para fazer viável um plano de alívio desta dívida, comprometendo países beneficiados a usarem os recursos liberados em benefício de seus povos, especialmente na segurança alimentar, na educação e na saúde.
Adeus aos quintais e à memória urbana
Para Thiago de Mello
Em Recife e Manaus — metrópoles do Norte e Nordeste — o quintal das casas está sendo substituído por um piso de cimento ou lajotas. Em Boa Viagem, bairro recifense, uma muralha de edifícios projeta uma extensa área de sombra na praia, de modo que os banhistas têm que se contentar com estreitas línguas de sol. No país tropical, luz e sombra projetam-se em lugares trocados.
Ainda mais grave é o caso de Manaus, onde o apagamento da memória urbana parece irreversível. Na década de 1970, um coronel do Exército, nomeado prefeito, mandou derrubar mangueiras centenárias que sombreavam ruas e calçadas. Como se isso não bastasse, esse prefeito, talvez possuído pelo espírito demolidor do barão Haussmann, destruiu praças da cidade para abrir avenidas.
O mais irônico, tristemente irônico, é que a imensa maioria dos prefeitos e vereadores da era democrática não pensa na relação da natureza com a cidade. Hoje, em certas horas do dia, é quase impossível caminhar em Manaus. Não há árvores, e as calçadas são estreitas e esburacadas. Até mesmo os feios oitizeiros, que Mario de Andrade detestava, têm seus dias contados.
Em 1927, quando o autor de Macunaíma passou por Belém, hospedou-se no Grande Hotel, em cuja varanda chupitou, extasiado, um sorvete de bacuri. Esse imponente edifício neoclássico da capital paraense — uma joia arquitetônica do Brasil — também foi demolido durante o governo militar. Um prédio feio de doer os olhos substituiu o Grande Hotel no coração de Belém, essa bela cidade evocada em poemas de Manuel Bandeira e Max Martins.
Quase toda a arquitetura histórica das nossas cidades foi devastada. O centro de São Luiz, pobre e abandonado, é uma promessa de ruínas. Vários casarões e edifícios de Santos, erguidos durante o fausto da economia cafeeira, foram demolidos. Até a belíssima paisagem em relevo do Rio está sendo barrada por edifícios altíssimos. Na cidade de São Paulo, pouca coisa restou da história urbana. E em vários bairros paulistanos de classe média há inúmeros edifícios e calçadas sem uma única árvore.
O desprezo à natureza e à memória das nossas cidades se acentuou a partir da década de 1960, quando a industrialização e o adensamento urbano adquiriram um ritmo acelerado e caótico. Essa urbanização selvagem destruiu edifícios históricos de quase todas as cidades brasileiras. Penso que isso alterou para sempre nossa relação com a natureza e com a própria história das cidades.
Paradoxalmente, proliferam bairros pobres e favelas com nomes de Jardim, como se essa palavra atenuasse a feiura da paisagem e a vergonhosa arquitetura dos conjuntos de habitação popular.
Poucos monumentos e áreas históricos sobreviveram à voracidade dos construtores de caixotes verticais com fachadas de vidro fumê: uma arquitetura de fisionomia funérea, tão medonha que é melhor olhar para as nuvens, ou fechar os olhos e sonhar com Buenos Aires.
Talvez alguns políticos e donos de empreiteiras sintam ódio ao nosso passado: ódio inconsciente, mesmo assim verdadeiro; ou talvez não sintam nada, e toda essa barbárie seja apenas uma mistura de ganância, ignorância e desfaçatez.
Outro dia uma amiga me contou que havia sonhado com o futuro das nossas metrópoles e florestas.
“Foi um pesadelo”, ela disse. “As cidades e florestas inexistiam ou eram invisíveis. A visão do futuro era um monstro bicéfalo: eclipse solar e deserto.”
Milton Hatoum, "Um solitário à espreita"
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