terça-feira, 22 de março de 2016


Por onde anda a brasilidade?

A língua portuguesa, com a sua extraordinária riqueza, permite que determinadas frases possam ter vários significados e servir simultaneamente para a defesa ou para o combate à certas situações. Assim é com o “não vai ter golpe”, bordão utilizado por alguns, aqui e alhures.

É preciso ter claro que os golpes não são fruto apenas do uso da força por militares ou milícias, como aconteceu historicamente na América Latina e na África.

Os golpes surgem também da propaganda enganosa, da utilização do poder econômico de um governo, ou do poder político, para gerar medidas de incentivos e desonerações que dão a falsa impressão de ações de inclusão, mas que geram desajustes fiscais e levam os países à retração financeira, à inflação desmedida, ao desequilíbrio e, consequentemente, à retirada dos avanços que pareciam permanentes, mas somente sobreviveram ao período eleitoral.


Ele também decorre do descumprimento dos princípios éticos que devem nortear as nações democráticas. Governos que usaram tais artifícios, em toda a história, acabaram por se enredar na teia de mentiras, perderam a sua capacidade e se autodestruíram.

Logo surgem as desculpas, quase sempre um conto de fadas, de uma crise internacional inexistente, para tentar explicar porque a esperança de mais educação, saúde, saneamento e habitação dissolveu-se, perdida nos meandros de um rio caudaloso de erros. Tudo desemboca no desabamento dos índices da economia.

Não existem propostas de recuperação, simplesmente porque não há como efetivá-las, já que faltam pessoas qualificadas, ou planos adequados, e também capacidade de aglutinar as correntes políticas diferentes, protagonistas das democracias, em torno de um projeto de nação.

O resultado é evidente e o desemprego logo se agiganta, o setor produtivo deixa de responder e a sociedade assiste estarrecida o caminhar sem rumo numa grande floresta, sem uma bússola.

A situação se agrava ainda mais quando alguns, acusados e suspeitos, procuram as mais diversas formas de blindagem da justiça, parte sempre presente nas sociedades democráticas.

Outro refrão que vem sendo usado, na nossa e noutras terras, é “somos nós contra eles” que, aliás, é o mote de campanha de um dos candidatos ao governo dos Estados Unidos, e um legítimo porta-voz do atraso, da reação e do sectarismo. Mas a história é como a natureza: sempre busca restaurar o equilíbrio e, por isso, não vai perdoá-los.

O mundo mudou muito depois da queda do muro de Berlim. Autodenominar-se de esquerda ou direita soa como ensinar geografia num globo terrestre dos anos 50. Ou seria um esforço para voltar aos tempos da revolução francesa?

Tenho saudades do Brasil quando era possível encontrar muitas lideranças políticas de alto valor. Foram elas que lutaram contra a ditadura, que tiveram a coragem de vir às ruas defender as “diretas já”, e que jamais deixaram de honrar seus compromissos.

Quem não se lembra, ou não ouviu falar dos palanques onde, lado a lado, estavam o Ulysses, o Teotônio Vilela, Miguel Arraes, Brizola, Fernando Henrique, o velho Tancredo, Sobral Pinto, o Lula, o Marcos Freire, o Jarbas Vasconcelos, o Barbosa Lima Sobrinho, e tantos outros?

A brasilidade de cada um estava acima das respectivas ideologias. Infelizmente, homens desse calibre ficaram mais raros. Muitos, quase todos, faleceram. Alguns ainda nos alimentam com a sabedoria, o pensamento acadêmico e a defesa da sociedade democrática.

Outros acabaram seguindo caminhos diferentes na vida política e esqueceram ou deixaram para trás seus princípios e ideais. Por isso, devemos ter cuidado com aqueles, de qualquer geração, que são avessos à honra, pois eles irão comprometer o futuro do país.

Vergonha na cara

Acredito que os brasileiros tenham sofrido um impacto muito grande quando, em 28 de maio de 2007, um ministro japonês de Agricultura, Floresta e Pesca cometeu suicídio, enforcando-se em sua casa com uma corrente de guiar cachorro, por estar sob suspeita de corrupção. Seu nome era Tashikatsu Matsuoka, tinha 62 anos e era acusado de ter recebido US$ 107 mil de empresas do ramo de construção com interesses na área de sua pasta. À época do suicídio, praticado horas antes de seu depoimento perante um comitê parlamentar, Matsuoka contava com 41% de aprovação entre os japoneses.

O impacto que suponho tenham os brasileiros possivelmente sofrido não se restringe à violência do suicídio, mas ao seu motivo. Parece impossível que exista no mundo nação tão correta, bem organizada e apegada à honra e ao bom caráter como o Japão. É claro que estar sob suspeita de corrupção deve causar vergonha, depressão, arrependimento, no caso de os atos criminosos terem realmente ocorrido. Mas, no Brasil, o sujeito que subtrai dinheiro público, mesmo sendo condenado e preso, é fotografado e filmado externando as mais esdrúxulas reações: rindo, fazendo gestos obscenos, levantando o punho cerrado (insinuando ameaças do tipo “esperem o meu retorno”, ou “minha vingança não tardará”, ou “fiz e farei de novo”, ou “vão se danar, idiotas”). Isso eles fazem a caminho da carceragem ou da penitenciária!

Acima de tudo, é impactante um sujeito suspeito de corrupção e com pedido de prisão já formulado pelo Ministério Público ser convidado e aceitar assumir um ministério com o fim de escapar dos rigores da lei e da Justiça, e, mais especificamente, subtrair-se ao rigor judicante do excelente magistrado Sérgio Moro. E quem faz o convite é nada menos que a presidente da República, que tem o menor índice de aprovação da História recente do País.

O Brasil de hoje se apresenta ao mundo como uma crônica do absurdo. O povo, inconformado com tanta desmoralização, sai às ruas várias vezes, em passeatas pela moralidade, pela Justiça, pelo fim da corrupção generalizada, pela paz social e pela recuperação da economia. Os governantes surpreendem-se com o gigantismo dos protestos, mas não se sentem em situação de pedir para sair. Parece que os brios acabaram, venceu a pouca-vergonha. Querem o poder pelo poder, nada de trabalhar pela Nação, pelo desenvolvimento e pela segurança do povo. Nada de espírito público, de respeito ao que pertence aos outros ou ao Estado, nada de responsabilidade, seriedade, caráter. A gestão pública foi pelos ares, estamos sob o império da “cara de pau”. O que se lê nas entrelinhas é: eu roubei, mas você também roubou; não venha tirar meu cargo senão eu vou tirar o seu; vamos ver quem pode mais e não me provoque, que eu mando matar você... Enfim, nada se faz pelo povo, qualquer coisa se faz para salvar a própria pele.

Os prefeitos Antônio da Costa Santos, o Toninho do PT de Campinas, e Celso Daniel, de Santo André, tiveram morte violenta, respectivamente, em 10/9/2001 e 18/1/2002. Várias testemunhas desses casos foram sendo assassinadas no decorrer dos processos judiciais. Os casos não foram esclarecidos, ou seja, ainda não se identificou a autoria, mas a motivação política dessas mortes salta aos olhos. Estamos enfrentando uma verdadeira desgraça moral.

O último homem público a mostrar preocupação com sua imagem, em terras brasileiras, foi Getúlio Vargas. Ele cometeu erros, mas pagou-os com a própria vida. Foi ditador, entregou Olga Benário, grávida, aos nazistas, mas Luiz Carlos Prestes, em lamentável conduta posterior, aceitou dialogar com ele. Getúlio era autoritário, mas ao menos prezava sua honra, tinha brios de homem público e não admitia ser deposto. Semelhante aos governantes de hoje, achava governar para o povo, era o “pai dos pobres”, porém seu governo derreteu antes de chegar ao fim. Seu maior mérito foi ter deixado o cargo quando ficou sem saída. Acabou com a própria vida, e isso não é pouco. Em atitude diametralmente oposta, os governantes atuais preferem acabar com a vida dos outros.

Quem se dispõe a ocupar cargo público deve saber que fará sacrifícios pessoais e terá de pensar no povo antes de cuidar de si. Terá de perceber a grandeza de sua missão e submeter-se às necessidades da Nação. Precisará compreender serem as benesses do cargo apenas facilitadoras dos encargos de quais deverá desincumbir-se. Terá de ser consciente da extrema responsabilidade de um(a) político(a) escolhido(a) pelo povo para gerir um país, um Estado, um município. Abraçar a verdadeira política é ser abnegado, altruísta e, acima de tudo, cioso de suas obrigações.

É por isso que o combate à corrupção deve ser amplo, geral e irrestrito, perdurando para sempre na nossa cultura. Nesse sentido, torna-se louvável a posição assumida pela Ordem dos Advogados do Brasil, em reunião de seu Conselho Federal pleno, apoiada pela Associação dos Advogados de São Paulo, que se pronunciaram de forma uníssona pela instauração do processo de impeachment da presidente, asseverando a observância do devido processo legal. Neste momento de crise, a nós cabe lutar pela decência.

Jânio renunciou, Collor renunciou, mas Dilma declarou que “não tem cara de quem vai renunciar”. Nem com 6 milhões de pessoas em passeata, protestando. Nem com a popularidade despencando a cada minuto. Nem com o País afundando economicamente. Nem com a carestia, a dengue, a zika, a inflação, o desgoverno, o desemprego, as pressões. Nem com a bancarrota da Petrobrás e com os escândalos da Lava Jato. Nem com nada. Pena não sermos o Japão.

Luiza Nagib Eluf

Quem vai ressuscitar o Brasil?

Aos olhos de um espectador imparcial, o Brasil parece hoje mais próximo de uma Sexta-Feira da Paixão do que de um Domingo da Ressurreição. Mais inclinado para o abismo do fracasso do que para um imediato resgate da confiança dos seus cidadãos.

O gigante sul-americano, até ontem um campeão das grandes esperanças planetárias, parece se afundar na resignação e no medo de um vazio democrático e institucional.

Tudo isso porque, em meio ao caos dos escândalos de corrupção e o suposto envolvimento dos maiores líderes políticos e empresariais, não se vislumbra quem poderia aglutinar uma nova esperança de superação da crise.

E, entretanto, grandes filósofos e pensadores, como Hegel, já haviam teorizado no passado que os saltos históricos para melhorar uma sociedade só ocorrem depois que um status desgastado ou envelhecido entra em crise. Cada nova síntese, melhor que a anterior, deve passar, segundo o filósofo alemão, pela prova de uma antítese ou superação do caos anterior.

Até os provérbios populares recordam que não existem pessimismos definitivos. “Deus escreve certo por linhas tortas”, diz um desses ditados.

Entramos na semana da Paixão e também da Ressurreição. O simbolismo cristão destas datas aponta para a superação da crucificação com a luminosidade da ressurreição.

O simbolismo de resgate espiritual e social da Páscoa costuma, nas sociedades modernas, ficar ofuscado pela festa profana.

Entretanto, numa sociedade como a brasileira, em que 80% mantêm a fé e a cultura cristãs (católica ou evangélica), continua latente o sentimento de que o impulso da vida e da ressurreição depois das dificuldades e provações é mais forte que o da morte e do fracasso.


Nos livros sagrados do cristianismo primitivo se recorda que o romano Pôncio Pilatos perguntou à multidão que exigia a crucificação do profeta inconformista, inimigo da corrupção e da hipocrisia política e religiosa de seu tempo, se não preferiam trocá-la pela do bandido Barrabás. A turba enfurecida optou por crucificar o inocente Jesus, deixando o ladrão livre.

Não serve de nada. A morte injusta (“Eu não encontro culpa alguma neste homem”) do inocente acabou sendo o fermento de uma mudança através dos séculos.

Matar inocentes, por mais perigosos que possam parecer, acaba sendo mortal para qualquer poder tirânico.

Poderíamos nos perguntar como teria sido a história se naquela manhã os judeus tivessem aceitado substituir a pena de morte do profeta inocente pela do bandido Barrabás.

O Brasil vive um momento em que parece ter caído nas mãos dos demônios, que por tradição bíblica simbolizam a divisão, a mentira e o engano.

É um momento de difícil transição, onde as cartas de todos os baralhos parecem enlouquecidas. Quem não aceita fazer parte da torcida de uma ou outra facção prefere entender, sem deixar que as paixões transbordem. Preferem entender o que está vivendo este país, que não parece querer se entregar à resignação de seu fracasso, e sabem que o resgate da crise não virá de certos intelectuais incapazes de se desfazer do fascínio que os atraiu em todos os fascismos.

Nem virá dos políticos que se enrolam na defesa de sua própria pele, esquecendo-se de que existem para servir à sociedade com honradez e sagacidade.

Não virá dos que venderam sua alma ao demônio, como no clássico Fausto, de Goethe. E menos ainda daqueles sobre quem um gênio da literatura brasileira, Guimarães Rosa, superando a lenda de Goethe, escreveu que não só venderam sua alma ao diabo como também “emprestam ao diabo a alma dos outros” (Primeiras Estórias).

Para entender o que hoje ferve na crise brasileira seria preciso escutar, mais do que certos intelectuais que no fundo desprezam a sabedoria dos simples, a grande literatura, que sabe como ninguém que a realidade acaba superando a mais fértil fantasia.

Foi Rosa, faz mais de meio século, quem melhor entendeu a idiossincrasia do seu povo, quando escrevia que “é mais fácil obedecer do que entender”.

O bardo do Grande Sertão dizia que “para viver e escrever não basta uma sintaxe”. O que dizer quanto a pensar e realizar a política que hoje degrada e prostitui a linguagem?

Já então, o escritor retratava o Brasil com estas palavras: “É isto, o senhor sabe: tudo incerto, tudo certo”. E também: “Sertão é onde manda quem é forte com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado! E bala é um pedacinho de metal!”.

O personagem do político Zé Bebelo, inventado ou real, que quis ser melhor que os outros e acabou afundado no mesmo lodo, continua atual meio século depois. “Se o senhor não conheceu esse homem, deixou de certificar que qualidade de cabeça de gente a natureza dá, raro de vez em quando. Aquele queria saber tudo, dispor de tudo, poder tudo, tudo alterar. Não esbarrava quieto. Seguro já nasceu assim, zureta, arvoado, criatura de confusão. Trepava de ser o mais honesto de todos, ou o mais danado, no tremeluz, conforme as quantas. Soava no que falava, artes que falava, diferente na autoridade, mas com uma autoridade muito veloz”.

E também: “Sem menos, se entusiasmava com qual-me-quer, o que houvesse: choveu, louvava a chuva; trapo de minuto depois, prezava o sol. Gostava, com despropósito, de dar conselhos (...). – ‘Vim de vez!’ – disse, quando retornou de Goiás. O passado, para ele, era mesmo passado, não vogava. E, de si, parte de fraco não dava, nenhão, nunca”.

Não será possível, nem para os brasileiros nem para quem é de fora, entender, sem recorrer à sua grande riqueza literária, o que este país está vivendo, já que nele as esperanças de ontem parecem ter se nublado de repente.

Para saber o que foi, de melhor e de pior, de atraso e iniquidade, e também de força para dar um passo de ressurreição rumo à modernidade. Sobretudo por parte de uma sociedade que cresceu, que quer pensar mais do que brigar, e que hoje rejeita a ambiguidade da identidade de seus velhos políticos.

O Brasil quer mais, quer algo novo e diferente. Hoje a voz mais autorizada e moderna não é a dos intelectuais rançosos, ancorados nos clichês do passado e em seus conúbios com o poder de plantão, e sim de cidadãos que despertaram com os olhos voltados para o melhor da tradição, a fim de superá-la, e com os sonhos voltados para uma democracia mais madura e mais de todos. Todo o resto são os sonhos e as perigosas miragens de falsa grandeza do tragicômico Zé Bebelo de Guimarães Rosa.

Ponham barbas e batons de molho

Hoje quero pensar, com você, em duas questões relacionadas ao tema da corrupção da política no Brasil. Uma primeira, fruto de uma pergunta que ouço muitas vezes das pessoas, e uma outra, sobre a aposta do PT que Lulinha resolverá o problema do governo salvando todo o sistema político corrupto brasileiro, aniquilando a Lava Jato com a discreta aceitação de grande parte dos setores da oposição e do alto clero jurídico do país. Vamos por partes.

Vamos à primeira questão. Muitos se perguntam a razão da maioria esmagadora dos intelectuais, artistas e estudantes de humanas ser tão caninamente a favor do PT. Na semana passada, nesta coluna, me referi à seita da jararaca (o PT) como uma religião. Hoje, vamos olhar de outra forma esse fenômeno que é espantoso para muita gente, mas que, na realidade, pode até ser visto de forma filosófica.
Benett

Caros, prestem atenção: verdade seja dita, muita gente da academia é caninamente fiel ao PT, mesmo sendo evidente que ele participa profundamente do esquema de corrupção da política brasileira.

É claro que praticamente todos os partidos também o fazem, e isso é fundamental pra você entender a segunda questão que tratarei abaixo. Muitos jovens aderem de forma impensada e estimulada por professores que construíram e constroem suas vidas intelectuais e institucionais em cima da seita marxista e associadas.

Essa adesão significa poder nos departamentos, órgãos colegiados e instituições que financiam pesquisas. Entendeu? Grana e poder localizado dentro do espaço institucional acadêmico. O mesmo serve para os editais de cultura dos artistas que vivem do governo.

Muitos alunos são tragados, em seu impulso de querer mudar o mundo (muitas vezes, em detrimento de arrumar o próprio quarto), por essa máquina de corrupção interna ao mundo intelectual institucional. De um ponto de vista da carreira, essa adesão pode, inclusive, garantir concursos e parcerias interessantes.

Mas existe uma causa mais metafísica ou mais sofisticada para gente inteligente apoiar caninamente e violentamente o PT e associados, em sua saga pela corrupção ideologicamente justificada.

Eis a causa: para a moçada inteligente, o horror à corrupção é coisa do humanismo burguês (coxinha, numa linguagem mais atual).

Para esses inteligentes, se a corrupção, o crime, a mentira, a violência, forem em nome da causa, tá valendo. É isso que grande parte das pessoas não entende quando se choca com o fato que a universidade, a arte e a cultura, em grande parte, apoia caninamente corruptos com metafísica, como a tropa de choque do PT e associados.

Marx (1818-1883), Bakunin (1814-1876) e Nechayev (1847-1882), para ficar apenas em três grandes estrelas desse mundo, pensavam exatamente assim. Portanto, caros, para os inteligentes, a corrupção tem metafísica: essa metafísica é a justificativa de que ela é parte das ferramentas necessárias para a luta. Você, burguês, coxinha, na sua ingenuidade, pensa que, sendo eles cultos, pensariam de forma simplista como você?

Agora vamos à segunda questão de hoje. Por que Lula foi indicado para o ministério? Não, não estou me referindo à forte indicação de que isso foi um truque para tirá-lo das mãos do algoz Moro. Refiro-me à sua missão superior de salvar o sistema corrupto inteiro que a Lava Jato pode vir a engolfar em seu processo pós-PT. E aí, caros irmãos, a coisa pega.

O PT, caso confirme seu superministro, aposta no medo do alto clero jurídico e da oposição como apoio ao aniquilamento institucional e burocrático da Lava Jato.

É um papinho aqui, uma leizinha ali, um parecerzinho acolá, e pronto: a Lava Jato vira pizza, como as Mãos Limpas viraram na Itália graças a Berlusconi (e Moro sabe muito bem dessa história). Nosso Berlusconi é o Lula. Não é o Moro que é o Berlusconi (como muitos desavisados pensam), é o Lula. O Moro tá mais pra Batman do que pra Berlusconi.

Portanto, ponham suas barbas e batons de molho. Lulinha paz e amor da manifestação da última sexta veio pra salvar a corrupção de todos.

O ministro jararaca

“Eu sou o único cara que pode incendiar esse país... Tá pensando o quê? Eu estou aqui em frente ao espelho e posso falar tudo que quiser... Ninguém me ouve. Olho-me no espelho e vejo que eu sou o povo. Sou um fenômeno de fé. Quanto mais me denunciaram, mais eu cresci. Eu desmoralizei escândalos, vulgarizei alianças, subverti tudo, inclusive a subversão. Agora eu voltei como uma jararaca. Aaah. A jararaca virou ministro... Vou morder esse Sérgio Moro na bunda. Meus inimigos odeiam o homem maravilhoso que eu sou. Por isso querem me prender. Inveja. Não há vivalma no país tão inebriante como eu. Eu me amo.

“Por inveja, o Supremo Tribunal Federal também está querendo me esmagar a cabeça. Estão todos acovardados sem me defender, porque são uns neoliberais de merda – covardes... E mais: e os babacas dos presidentes da Câmara e do Senado? Estão fodidos. Se derrubarem a Dilma, caem juntos.

Jararaca

“Agora eu chamei um novo ministro para a Justiça, o Eugênio Aragão. Ele é meio maluco, frequenta o Santo Daime, bebe ‘huascar’ e já começou a ‘trabalhar’; já ameaçou o diretor da PF e vai nos ajudar a atacar a República de Curitiba... Ainda bem que surgiu um macho para me defender, porque a ministra Rosa Weber nem deu bola – mal-amada... Até a minha assessora, Clara Ant, está com raiva, porque eu falei que ela era uma baranga... E a ingratidão daquele Janot, que eu mandei a Dilma nomear?

“Mas o povo foi para as ruas, a CUT, o MST organizaram tudo. Os coxinhas ficam com medo daquela onda vermelha... Eles têm de me respeitar... Como pode um delegado, um promotor do MPF me desrespeitar? Eu não sou um cidadão comum, como eu disse uma vez para puxar o saco do Sarney. Eu sou especial. Fui falar com o Lewandowski, que tanto nos ajudou no mensalão, e também fui traído. Ele se recusou a agir contra a República; mas, que república? Ele traiu a mim...
“Eu vou secar essa Lava Jato. Eles têm de ter medo de mim... Esse Moro está subvertendo as regras políticas de 400 anos. Sempre fomos assim, é até uma tradição... E a Receita Federal que não me respeita? Tem de ficar bisbilhotando minhas contas? Já dei um esporro no Nelson Barbosa, que fica copiando aquele babaca do Levy, querendo fazer cortes no Orçamento... Que cortes? A militância não quer. Tem de cortar porra nenhuma. Tem é que aumentar os gastos públicos ainda mais para eu recuperar minha imagem. E tem mais: vou meter a mão naquele tal de ‘fundo soberano’, nas reservas internacionais do Brasil, no peito e na raça, para distribuir presentinhos de consumo para os idiotas que me amam.

“E a porra do sítio em Atibaia? A ideia foi boa, botar tudo no nome dos sócios do Fabinho... Mas veio essa PF, que o Aragão, graças a Deus, vai arrasar, e fodeu tudo...

“E aquele triplex que comprei, atualmente em nome da OAS. Êta gente boa! Eu achei pequeno como um daqueles barracos do Minha Casa, Minha Vida, e eles reformaram tudo. A direita diz que aquelas fotos no apartamento – eu, a Marisa e o Léo Pinheiro – provam que eu sou o dono. Eu direi a eles que não prova nada, porque estávamos decidindo cor de paredes, sancas, lustres etc. É isso aí, bicho. A OAS tem agora um novo departamento: ‘OAS Decorações’. Ha ha ha...

“Espelho meu, a verdade é que eu comandei o esquema todo. Eu ia deixar toda essa grande empreitada para me salvar na mão de incompetentes como o Mercadante? Eu me salvo! Porra, tive de bancar o bobo, dizendo que não sabia de nada... Só se eu fosse um débil mental, com tudo ali à vista no Planalto, na cara.

“Eu sou foda. Eu fiz tudo sozinho. Claro que com a ajuda dos operários, aqueles operários que acreditavam em mim enquanto eu conciliava com as multinacionais... A verdade é que eu nunca me interessei pelo bem do povo. Essa visão de um operário pensando no país é uma imagem romântica de pequenos-burgueses. Operário quer é subir na vida. Fui mestre nisso. Eu odiava o calor daqueles tetos de Eternit na fábrica, aquela cachaça morna na hora do almoço. Aquele torno que cortou meu mindinho foi minha primeira grande sorte (tem gente que até acha que eu mesmo cortei...). Virei líder sindical. Foi a sorte grande. Sem dedo, descobri a massa. Eu vi a facilidade de convencer o povão de fazer o que eu quisesse. Tudo tão simples; basta falar como eles, falar de futebol, fingir de vítima, injustiçado por ter origem humilde, dividir o mundo em ricos e pobres, mentir estatísticas numa boa, falar do futuro.

“Meu grande erro, espelho meu, foi não ter pegado o terceiro mandato. Botei aquela guerrilheira incompetente no poder, e ela também sabia de tudo. Imagina se aquela comuna não sabia da compra da refinaria de Pasadena pela qual pagamos 300 vezes mais que o preço original... Foi lindo! Mais de 3% só para o PT. Quanto deu? Três por cento de R$ 1,2 bilhão quanto é? Sei lá... E dane-se que os ‘Cerverós’ da vida meteram a mão na cumbuca... Nosso plano foi de usar a corrupção para ficar no poder, como todos sabem... ‘Fora do poder tudo é ilusão’, dizia, acho que foi Lênin, que aqueles imbecis citam muito... Só a corrupção move o país.

“Ai que saudades das mãos da rainha Elizabeth – eu beijei sua mão com um vago perfume de verbena. Ai que saudades dos tempos em que eu posava com outros presidentes, com o Obama me puxando o saco, dizendo que eu era ‘o cara’. Mas eu voltarei... E mesmo com tantos problemas, tenho compensações: como é bom ver intelectuais metidos a besta ainda me olhando com fervor, me achando o símbolo do futuro, como se eu tivesse uma foice e um martelo nas mãos. Como são burros esses cultos, esses intelectuais da USP/PUC reunidos para me defender... Eu confesso que não entendo como esses artistas e cancioneiros populares ignoram que eu não sou a salvação de merda nenhuma. Como é que eles conseguem se enganar tanto? Só penso em mim. Mas, graças a Deus, eles têm fé... Por isso, eu conto com esses idiotas. Suas teorias e crenças ideológicas conferem um pouco de ‘profundidade’ a mim... Claro que estou pouco cagando para suas teses, mas eles são úteis.

“Eles pensam que são a revolução. Mas eu é que sou a revolução. Eles não queriam arrasar o capitalismo?

“Pois eu consegui”.

Suelto

A seguir, algumas perguntas de possível interesse para os leitores. Nenhuma delas será respondida, nunca, mas perguntar a gente sempre pode:

• Quais e quantos juízes, em qualquer país democrático do mundo, já foram presos até hoje por “gravar” conversas de presidentes da República? Dilma Rousseff acaba de comunicar que no mundo civilizado esse tipo de juiz vai para a cadeia. Solicita-se, para o esclarecimento geral, uma lista de nomes de juízes presos por este delito – se possível, acompanhada de datas e dos países em que tais prisões foram feitas.

• O ex-presidente Lula disse, no comício de sexta-feira à noite em São Paulo, que os brasileiros que se manifestaram no dia 13 de março, e quem mais está contra o governo, fazem compras em Miami; como o dólar está caro, acabam comprando menos, e é por isso que ele, Dilma e o PT são tão criticados. Já “nós”, disse Lula, “compramos na 25 de Março”. Pergunta-se: “nós” quem? Lula poderia apontar, entre os objetos que tem no sítio de Atibaia, quantos foram comprados na Rua 25 de Março, no centro de São Paulo? Cozinha Kitchen’s, por exemplo: dá para comprar na 25?

• A linha de telefone celular contendo a conversa na qual Dilma diz a Lula que está enviando a ele o “termo de posse”, para usar “em caso de necessidade”, pertence a Dilma Rousseff? Pertence a Lula, que já informou que não tem nenhum aparelho celular? Pertence ao sistema de comunicações do Palácio do Planalto, a algum escritório do PT ou ao Instituto Lula? Pertence à sua empresa de palestras, a seus advogados, seus familiares, seus colegas de partido ou seus amigos?

• Qual artigo, parágrafo, alínea ou inciso de lei o juiz Sergio Moro desrespeitou nos dois anos inteiros de investigações da Operação Lava Jato? Por que durante esse tempo todo nenhum magistrado que está acima dele no sistema judiciário brasileiro considerou Moro culpado de alguma transgressão?

• O ex-presidente Lula afirmou que os mais altos tribunais da justiça nacional estão “totalmente acovardados” no presente momento. Dilma concorda com essa opinião?

• Em outra área de indagações, que poderia se estender ao infinito, o público pagador é informado que a ex-ministra Ideli Salvatti, amiga-símbolo dos governos de Lula e de Dilma, foi nomeada, por indicação da República Federativa do Brasil, para o cargo de “Assessora de Acessos a Direitos e Equidades” na Organização dos Estados Americanos, em Washington. O que faz, na sua jornada de trabalho, uma “assessora de acessos?” Pergunta-se ainda quais as qualificações técnicas de seu marido para exercer, também por indicação do governo do Brasil, o cargo de “Ajudante da Subsecretaria de Serviços Administrativos e de Conferências na Junta Interamericana de Defesa” da mesma OEA (seu salário é de 7400 dólares por mês).

Mãos sujas

O poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente. Muitas biografias desceram pelos ralos da História quando lideranças se perderam por excessos permitidos ao poder sem limites. As instituições de uma sociedade livre estabelecem limites ao exercício do poder exatamente para evitar tais excessos. As investigações da operação Lava-Jato são o registro dessa marcha histórica de aperfeiçoamento institucional da República. Contra o abuso de poder, as práticas políticas degeneradas e a corrupção sistêmica.

Por outro lado, o senador Delcídio do Amaral denuncia a articulação de uma operação Mãos Sujas, comandada pelo ex-presidente Lula, para interferir nos trabalhos da Polícia Federal, do Ministério Público e do Supremo Tribunal Federal. Com a indicação de Lula para ministro-chefe da Casa Civil, a operação Mãos Sujas sai da clandestinidade para virar programa de governo. Essa perturbadora agenda foi confirmada pelas desconcertantes conversas de Lula, ainda mais reveladoras do que os depoimentos do ex-líder do governo no Senado. “Tô assustado com a República de Curitiba... esses meninos da Polícia Federal e do Ministério Público têm que ter medo... delegado não pode desrespeitar político... tem que trucar o Janot e triturar... que porra é essa que a Receita Federal tá fazendo junto com a Polícia Federal? Fala com a Dilma o negócio da Rosa Weber... temos uma Suprema Corte totalmente acovardada... presidentes da Câmara e do Senado fodidos... o Aragão deveria cumprir um papel de homem.” O novo ministro da Justiça, pautado por Lula, anuncia estudar medidas judiciais contra Sérgio Moro e punir policiais federais por suspeita de vazamento de informações. “Cheirou vazamento de investigação por um agente nosso, a equipe será trocada, toda. Não preciso ter prova”, ameaça Eugênio Aragão.

Lula é um bom brasileiro e não quer incendiar o país. Exige com razão que a operação Lava-Jato não atinja apenas a ele e ao PT. Mas erra se exige cumplicidade em malfeitos e elabora uma agenda de obstrução da Justiça. É importante que ouça a voz do povo nas ruas antes de investir contra a Justiça. Foram muito mais de três milhões de manifestantes em verde e amarelo a favor de Sérgio Moro, e algo menos de 300 mil em vermelho a seu favor.

Polimento na Lava Jato


Pode parecer anedota de brasileiro com português, mas não é. A Lava Jato atravessou o Atlântico e aterrissou em Lisboa, onde policiais portugueses apelidaram de “ Polimento” a operação que resultou na prisão de um foragido do Juiz Sergio Moro. O juiz brasileiro lava e os policiais português dão lustro. Suspeito de pagar propinas aos ex-diretores já presos da Petrobrás, e de ser operador internacional do esquema de corrupção que alimentou políticos brasileiros,Raul Schmidt Felippe Junior fugiu do Brasil em Julho de 2015,para viver em Londres ,onde possuía uma galeria de arte.Em seguida,veio morar em Lisboa numa casa de 3 milhões de euros,onde foi apanhado.

Se já era assunto em qualquer roda de conversa onde entrava um brasileiro, depois das manchetes dos jornais de hoje, a corrupção que tomou de assalto o Brasil passou a animar conversas nas mesas dos cafés,bares,tascas e restaurantes. Os portugueses, sobretudo os que apreciam nosso país, não se conformam porque o governo da presidente Dilma e seus agregados ainda não foi mandado para casa. Por muito menos dos que os danos causados pela gestão petista,em Portugal o governo já teria caído.

Diferente do nosso sistema presidencialista, onde o Chefe de Governo só pode ser deposto através de um processo de impeachment aprovado pelo Congresso, em Portugal, se perder o apoio parlamentar, cai o Chefe do Governo, que é o Primeiro Ministro. O Presidente da República dissolve a Assembléia Legislativa e convoca novas eleições.Tão simples como isso.

Acostumados a votar em listas elaboradas pelos partidos e a um sistema de financiamento eleitoral transparente, sendo direta apenas a eleição para Presidente da República, portugueses que conhecem bem o Brasil atribuem a maioria dos nossos males aos nossos sistemas governativo e eleitoral. Portugal tem apenas sete partidos,sendo que dois deles disputaram o pleito em coligação e sua legislação eleitoral não permite,como até então no Brasil,que grandes empresas financiem candidatos para transformá-los em meros despachantes dos seus negócios.

Há muito a crise brasileira é também manchete nos principais órgãos de comunicação da Europa, sobretudo em Portugal por causa das suas ligações com o ex-colonizado. Até aqui, para Portugal o Brasil tem sido uma referência a imitar em vários aspectos. Agora não mais. Estamos sendo objeto de cobranças e severas críticas. No último final de semana o jornal Expresso, o principal do país,estampou na sua capa foto colorida do Congresso brasileiro,semi-oculto pela bandeira nacional,ladeada por policiais armados, com a seguinte chamada:”Escutas são Legais e Devem ser Públicas”.A foto-legenda ilustra entrevista concedida pelo Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil, César Bochenek,que elogia o juiz Sergio Moro.O semanário ainda ocupa página dupla com o assunto,onde enorme foto de Dilma Roussef abraçada a Lula, no dia da sua nomeação como ministro da Casa Civil, destaca-se com o seguinte título:”Ninguém fica bem na foto”.

Diariamente, comentaristas, articulistas e repórteres trazem o assunto para o dia a dia dos portugueses, que já conhecem os nomes dos principais personagens da nossa crise, que papel desempenham e como se comunicam entre si. Se alguns brasileiros gostam de inventar anedotas tendo portugueses como protagonistas pouco inteligentes,agora chegou nossa vez de sermos objeto de chacota.Um dos editoriais do mesmo jornal afirma que, embora sejamos a terra das novelas, nem o mais criativo “ guionista da Globo” teria conseguido criar o atual enredo político e jurídico do pais.Seria o caso de rir melhor porque por último e ainda não temos resposta para dar.

Política, súdita de interesses particulares

Desde o princípio, o calor, a luz, a vida para as maiores empresas, tinha vindo do Tesouro. Em todo tempo, as grandes figuras financeiras, industriais do país tinham crescido à sombra da influência e proteção que lhes dispensava o governo; esse sistema só podia dar em resultado a corrupção e a gangrena da riqueza pública e particular. Daí a expansão, cada vez maior, do orçamento da dívida; a crescente indiferença e relaxação, por fim o aparecimento dos impropriamente chamados ‘advogados administrativos’, reduzindo a política a súdita do interesse particular
Joaquim Nabuco, "Um estadista do Império"

'Tudo pode acontecer, até um sério conflito social'

Um dos mais conhecidos historiadores brasileiros, em especial pela publicação, em 1987, de "Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que Não Foi"(livro que fez uma análise crítica sobre o processo de Proclamação da República no Brasil), José Murilo de Carvalho oferece uma visão pessimista do atual momento político brasileiro.

Em entrevista à BBC Brasil, por e-mail, o também cientista político mostra preocupação com a crise política - mais precisamente com o acirramento de ânimos desde as eleições de 2014.


Frase do Dia

Só não se mostra surpreso. Afinal, assim como outros colegas de profissão, Carvalho cita o longo histórico de revoltas e conflitos que marcam o Brasil República. Porém, diferentemente de outros analistas, o integrante da Academia Brasileira de Letras diz que a crise atual não pode ser meramente comparada a momentos anteriores de turbulência na história brasileira. Incluindo a constantemente citada crise de 1954, que culminou com o suicídio do presidente Getúlio Vargas.

O historiador mineiro vê na crise atual o que chama de "um misto de tradição e novidade". Uma combinação que ele considera preocupante diante do processo de desgaste na imagem dos poderes Executivo e Legislativo.

Como o senhor vê a atual crise política brasileira sob uma perspectiva histórica?
 Nos 127 anos da República, houve dezenas de revoltas, guerras civis e vários golpes com o envolvimento dos militares. Desde 1930, de 14 presidentes (incluindo a atual), apenas oito foram eleitos diretamente. Destes, só cinco completaram os mandatos. Isso não é nada animador. E essa é mais uma das inúmeras crises de nossa claudicante República. O regime foi introdizido há 127 anos mas ainda não faz jus ao nome de república democrática. Pelo lado da inclusão política, até 1945 apenas 5% da população votavam. Pelo lado da inclusão social, o grande salto foi dado durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945) com a introdução da legialção trabalhista. Mesmo com os avanços do governo Lula, agora sendo revertidos, ainda somos um dos países mais desiguais do mundo. Os governos militares, por sua vez, não restringiram o grande aumento do eleitorado, mas impediram a formação de lideranças democráticas capazes de dar conta do grande aumento de participação, além de destruírem os valores republicanos da boa governança.

 Historiadores e analistas políticos com certa frequência comparam o atual momento à crise que resultou no suicídio do presidente Vargas, em 1954. O senhor vê paralelos?

Hoje, creio que nenhum historiador dirá que a história se repete, como tragédia ou como farsa. A crise atual é nova, um misto de tradição e novidade. Há elementos comuns entre a crise atual e a de Vargas: a acusação de corrupção e o conflito distributivo.

O “pai dos pobres” (Vargas, responsável pelas leis trabalhistas) era acusado por setores da classe média de exercer ou tolerar práticas corruptas (o “mar de lama”). A grande diferença era a presença ativa dos militares em 1954, que forçaram a saída de Vargas, e da Guerra Fria. Hoje, o conflito é civil e nacional. Civil porque não há ameaça de interferência militar. Nacional porque não estamos mais Guerra Fria com suas pressões políticas, inclusive de intervenção dos Estados Unidos. O fator externo hoje resume-se às oscilações da economia internacional.

O fugitivo, a rainha e os cidadãos

O fundador de uma dinastia partidária subira na vida política graças a seu carisma pessoal, que o levara ao trono. Em época nem tão remota, contou com a ajuda de um partido que ajudou a criar, da Igreja Católica, que o apoiava, e de um conjunto de intelectuais desgarrados com a queda das monarquias comunistas, ditas populares. Conseguiu ardilosamente vender a ideia – falsa, aliás – de que estaria mudando tudo o que estava aí, apesar de, num acesso de bom senso inicial, ter mantido todas as importantes reformas do antecessor. A ilusão vingou e foi compartilhada pela maioria dos súditos daquele reino.

Mas a farsa não resistiu por muito tempo. Imbuído da ideia messiânica de que estaria resgatando o país e, em particular, os pobres, terminou por criar uma corte – militantes e aproveitadores dos mais diferentes tipos, alguns riquíssimos. Não faltaram os “bobos da corte”, na verdade, um bando de espertos que passaram a contar com benefícios próprios, oriundos do exercício arbitrário do poder.

Passado um tempo, o rei e seu grupo partiram para a etapa seguinte, a apropriação privada dos bens públicos, com seus membros aparelhando o Estado, numa espécie de assalto ao Tesouro. É bem verdade que continuavam vendendo a ideia, e muitos acreditaram, de que estavam pondo o país na rota do “progresso social”, quando, de fato, estavam destruindo o Estado, suas empresas e as leis.

A rota que seguiam era a do dinheiro. Ávidos em busca dele, até esqueceram as leis do reino, que disciplinavam, entre outras coisas, a relação entre o público e o privado. Achavam que isso era coisa de “burguês”, termo usado para qualificar qualquer inimigo deles. Na visão deles, não havia mais adversários, mas tão somente inimigos a serem aniquilados. O ódio foi instalado.

O rei tornou-se milionário, embora quisesse ocultar para a massa dos seus súditos essa realidade. Fazia parte da ficção do seu poder. Sua fortuna, graças a diligentes funcionários públicos, juízes, promotores e policiais, que não compactuavam com o arbítrio, foi estimada em dezenas de milhões de reais. O império das leis tornou-se o império de dom Lula da Silva, o Onipotente.

Curioso que o rei se apresentava como metalúrgico, embora o tenha sido por curtíssimo período, pois logo se tornou sindicalista e líder partidário, sua verdadeira “profissão”. Manteve aquela imagem, porque lhe era útil para o exercício do poder. Veio a ser o mais ilustre membro da elite dominante.

Entretanto, o reino guardava um traço democrático, a realização de eleições periódicas para a renovação dos quadros dirigentes. Tratava-se de uma espécie de monarquia eleitoral. Ante tal situação e na impossibilidade, naquele momento, de alterar essa regra, embora tenha cogitado, optou por um esperto estratagema: uma sucessora que seria sua criatura.

Crédulos, os súditos aceitaram sua escolha e a ungiram. Nomearam-na dona Dilma, a Desconexa. A trama política consistia no retorno dele no futuro próximo. Acontece que sua criatura pôs os pés pelas mãos como se diz no popular. Gastou o que o reino não tinha, maquiou as contas públicas, pôs o país na recessão, destruiu empregos e empresas e produziu perigosa inflação. Um desastre total.

Nesse meio tempo a máscara começou a cair. Os cidadãos crédulos tornaram-se incrédulos no culto dominante. As manifestações se iniciaram. Aquele grupo de funcionários públicos dedicados passou a investigar e vasculhar as contas públicas.

Estarrecidos, descobriam que as contas públicas se haviam tornado privadas, apropriadas pelo rei, por sua corte partidária e por um grupo de empresários inescrupulosos. Juntos, todos participavam do festim dos bens públicos. Para os súditos, as migalhas!

Começaram, então, um impecável trabalho de resgate do império da lei. Sociedades livres não podem viver sob o arbítrio de poucos, de uma oligarquia vestida com as roupagens de “esquerda” com o intuito de esconder os seus crimes. O esforço produziu resultados.

O ex-rei, embora vendesse aos crédulos – cada vez menos numerosos – a sua santidade, começou a fugir da Justiça. Foi um alvoroço no palácio e na corte. Todos corriam para todos os lados, chocavam-se sem cessar, até que um “iluminado” – de poucas luzes – lançou uma ideia genial, própria de gênios desmiolados: por que não fazer do ex-rei o vizir, uma espécie de primeiro-ministro da rainha?

Esta teria inicialmente hesitado em aceitar tal proposta, uma vez que poderia tornar-se mera figurante de seu criador. De fato, seria o destino real da criatura. Logo, teve de fazer a “escolha” entre ser figurante e coisa nenhuma, porque se arriscava a perder todo o seu poder.

Acontece que a impunidade tinha acabado no reino. Ninguém estava mais fora do alcance da lei. Dom Lula da Silva, o Onipotente, não mais tinha a potência de antanho. Ficou desacorçoado. Em conversas privadas, primava por insultos e palavras de baixo calão. Coisa de bêbado em botequim. Tomou a decisão de fugir.

A questão era: para onde? Poderia ter escolhido países “amigos”, com os quais sempre desfrutou de uma relação privilegiada. No continente havia a monarquia comunista cubana ou o projeto terminal da oligarquia bolivariana venezuelana. Seria, porém, patético!

Optou, então, por fugir para dentro do palácio, como se esse fosse um lugar onde as leis não valeriam. A rainha concedeu-lhe uma espécie de salvo-conduto, o título de ministro, como se assim pudesse escapar dos juízes, promotores e policiais que estavam no seu encalço. Manobra pueril.

Os ministros da Corte Máxima, insultados por dom Lula, o Onipotente, reagiram com dignidade e proclamaram que o inaceitável havia sido atingido. As ruas se inflamaram. Os cidadãos disseram em alto e bom som: basta!

Sem medo, proclamaram: abaixo a monarquia esquerdista, viva a democracia!

'Polarização política é o maior perigo para o Brasil'




O maior perigo para o Brasil está na polarização política, afirmou o eurodeputado português Paulo Rangel, presidente da delegação para as relações com o Brasil do Parlamento Europeu, à DW em Bruxelas. Ele chamou de escandalosa a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a chefia da Casa Civil, ao mesmo tempo que afirmou ver o Judiciário fora do caminho da imparcialidade.

"Como é possível que um ex-presidente que está sob investigação possa ser nomeado para o governo para dar-lhe imunidade? Isso enfraquece a credibilidade do poder, cria uma atmosfera conspiratória. É uma situação muito preocupante", afirmou Rangel, que é do bloco conservador.

"Por um lado, o poder político tomou uma decisão escandalosa para os padrões do Estado de Direito; por outro lado, o Judiciário está exorbitado, fora do caminho da imparcialidade. É uma enorme regressão", disse Rangel.

"Essa nomeação de Lula une duas realidades políticas paralelas: o grande movimento de protesto contra Dilma – que começou logo após a eleição e que sempre teve a intenção de chegar ao impeachment – e os casos da Petrobras e da Lava Jato contra Lula. Nenhuma previsão é possível, a situação é caótica. Não sabemos o que vai acontecer", disse Rangel.

Para ele, uma certa fragilidade das instituições e os níveis de corrupção na política brasileira não são exatamente uma novidade e nunca impediram o Brasil de ser uma potência global. É na atual polarização política que ele vê um grande perigo para o país, para a região e para as suas relações internacionais.

Segundo Rangel, justamente no momento em que a mudança de governo na Argentina abre a possibilidade de um avanço no acordo da União Europeia com o Mercosul, um Brasil instável significa que a UE deve novamente esperar. "Enquanto não houver clareza, tenho certeza de que a União Europeia não vai dar um passo adiante", disse, ressalvando que fala em caráter pessoal e não em nome do Parlamento Europeu.