quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017
Do muro à caverna
Quase três décadas depois da queda do Muro de Berlim, a promessa de um mundo sem barreiras está em coma. As medidas do novo Governo norte-americano que restringiram barbaramente a entrada de viajantes e refugiados, ao lado do projeto de construir uma muralha na fronteira com o México, são o exemplo mais cru e chocante da manipulação da ilusão de que, num mundo interligado pela tecnologia, os transportes e o dinheiro, é possível alcançar proteção absoluta contra as consequências da guerra, da violência, da pobreza e de crises econômicas.
No momento em que assistimos ao maior fluxo de deslocamento forçado desde a Segunda Guerra Mundial, a ordem executiva da Casa Branca, que vem sendo contestada judicialmente, suspendeu por 120 dias a admissão de refugiados – para os sírios, a suspensão é por prazo indefinido – e por 90 dias a entrada de qualquer indivíduo de sete países: Síria, Iraque, Iêmen, Líbia, Somália, Sudão e Irã. Não escapou a ninguém que nenhum cidadão dos Estados vetados tenha sido responsável por ataques terroristas em solo americano, nem o de que vários desses países tenham sido ou sejam alvo de operações militares de Washington e seus aliados; operações que, autorizadas ou não pelo Conselho de Segurança da ONU, muitas vezes agravaram o calvário das populações.
Como uma organização médico-humanitária que atua de maneira independente e imparcial em contextos de conflito, desastres e epidemias, Médicos Sem Fronteiras (MSF) testemunha diariamente esse calvário. Atende feridos das guerras no Iêmen e na Síria, presta cuidados a migrantes e refugiados mantidos em condições degradantes em carceragens na Líbia, assiste refugiados da Somália que vivem há anos em acampamentos no Quênia. MSF sabe na prática que apenas um pequeno número dos que deixam tudo para trás tentando salvar a vida alcança os países ricos. Das 65 milhões de pessoas em deslocamento forçado, quase dois terços são deslocados internos: continuam em seus países. São mulheres e crianças como os fugitivos do conflito com o Boko Haram alvejados por um bombardeio da Força Aérea nigeriana – um erro, alegaram as autoridades – na cidade de Rann, em meados de janeiro. Mesmo os que logram cruzar fronteiras ficam sobretudo em países vizinhos. O caso sírio é notório: dos quase 5 milhões de refugiados, a enorme maioria vive na Turquia, no Líbano ou na Jordânia.
As medidas do Governo norte-americano também chocaram pela ausência de qualquer aceno, retórico que fosse, ao direito de asilo ou aos direitos humanos. Infelizmente, porém, não se pode dizer que sejam uma exceção. A tendência de se erguer muros para deter pessoas que correm da morte ou buscam uma vida melhor vem se agravando desde 2015, quando a Europa passou a viver o que se convencionou chamar de “crise dos refugiados” (como se a crise mais grave não estivesse em outros lados). A resistência de boa parte dos Estados europeus a receber quem fugia da Síria e de outras áreas de conflito culminou no acordo entre a União Europeia (UE) e a Turquia, que recebeu ajuda financeira para bloquear a rota do mar Egeu. O acordo estancou o fluxo nessa rota, mas ele cresceu no Mediterrâneo Central, a partir da Líbia – que agora, mesmo em estado de colapso da ordem pública, receberá mais ajuda europeia para deter a saída de pessoas em direção à Itália. Enquanto isso, muitos países da UE atrasam o cumprimento do compromisso de realocar refugiados e solicitantes de asilo que ficaram estancados na Grécia e nos Bálcãs, impedidos de chegar à Hungria e daí à Alemanha e aos países nórdicos. Um inverno rigoroso revelou em janeiro as condições deprimentes de quase 70 mil pessoas condenadas ao limbo.
Nem a América Latina, que se orgulha de prezar o direito de asilo e que ampliou consideravelmente a própria noção de refugiado na Declaração de Cartagena, de 1984, tem se mantido fiel ao espírito e à letra das proteções devidas a refugiados e migrantes. No México, o Plano Fronteira Sul, implantado em 2014 com o apoio americano e o objetivo declarado de combater o tráfico de pessoas de países centro-americanos, multiplicou o número de deportações e obrigou os migrantes a tentar a travessia por caminhos mais perigosos. No final de janeiro, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) expressou preocupação com a operação realizada em dezembro em Roraima pela Polícia Federal brasileira para deportar cerca de 450 venezuelanos (a deportação foi interrompida pela Justiça). “A Comissão lembra os Estados da região que a detenção migratória deve ser uma medida excepcional, de último recurso e sempre pelo menor tempo possível, uma vez realizada uma avaliação individualizada de cada caso e sob consideração de medidas alternativas”, advertiu a CIDH.
MSF vem insistindo há meses em que é necessário oferecer alternativas legais e seguras para as pessoas que cruzam fronteiras porque fogem da morte ou simplesmente procuram uma vida melhor. Um exemplo nesse sentido é a política de vistos humanitários para imigrantes haitianos adotada pelo Brasil a partir de 2012, que ajudou a reduzir o número dos que entravam sem documentos no país, muitas vezes trazidos por redes de contrabando de gente. Está na hora de lutar por nossa humanidade comum, ou voltaremos todos para as cavernas, e só acreditaremos nas sombras criadas por exploradores do medo.
Susana de Deus (diretora-geral) e Claudia Antunes,de Médicos Sem Fronteiras Brasil
No momento em que assistimos ao maior fluxo de deslocamento forçado desde a Segunda Guerra Mundial, a ordem executiva da Casa Branca, que vem sendo contestada judicialmente, suspendeu por 120 dias a admissão de refugiados – para os sírios, a suspensão é por prazo indefinido – e por 90 dias a entrada de qualquer indivíduo de sete países: Síria, Iraque, Iêmen, Líbia, Somália, Sudão e Irã. Não escapou a ninguém que nenhum cidadão dos Estados vetados tenha sido responsável por ataques terroristas em solo americano, nem o de que vários desses países tenham sido ou sejam alvo de operações militares de Washington e seus aliados; operações que, autorizadas ou não pelo Conselho de Segurança da ONU, muitas vezes agravaram o calvário das populações.
Como uma organização médico-humanitária que atua de maneira independente e imparcial em contextos de conflito, desastres e epidemias, Médicos Sem Fronteiras (MSF) testemunha diariamente esse calvário. Atende feridos das guerras no Iêmen e na Síria, presta cuidados a migrantes e refugiados mantidos em condições degradantes em carceragens na Líbia, assiste refugiados da Somália que vivem há anos em acampamentos no Quênia. MSF sabe na prática que apenas um pequeno número dos que deixam tudo para trás tentando salvar a vida alcança os países ricos. Das 65 milhões de pessoas em deslocamento forçado, quase dois terços são deslocados internos: continuam em seus países. São mulheres e crianças como os fugitivos do conflito com o Boko Haram alvejados por um bombardeio da Força Aérea nigeriana – um erro, alegaram as autoridades – na cidade de Rann, em meados de janeiro. Mesmo os que logram cruzar fronteiras ficam sobretudo em países vizinhos. O caso sírio é notório: dos quase 5 milhões de refugiados, a enorme maioria vive na Turquia, no Líbano ou na Jordânia.
As medidas do Governo norte-americano também chocaram pela ausência de qualquer aceno, retórico que fosse, ao direito de asilo ou aos direitos humanos. Infelizmente, porém, não se pode dizer que sejam uma exceção. A tendência de se erguer muros para deter pessoas que correm da morte ou buscam uma vida melhor vem se agravando desde 2015, quando a Europa passou a viver o que se convencionou chamar de “crise dos refugiados” (como se a crise mais grave não estivesse em outros lados). A resistência de boa parte dos Estados europeus a receber quem fugia da Síria e de outras áreas de conflito culminou no acordo entre a União Europeia (UE) e a Turquia, que recebeu ajuda financeira para bloquear a rota do mar Egeu. O acordo estancou o fluxo nessa rota, mas ele cresceu no Mediterrâneo Central, a partir da Líbia – que agora, mesmo em estado de colapso da ordem pública, receberá mais ajuda europeia para deter a saída de pessoas em direção à Itália. Enquanto isso, muitos países da UE atrasam o cumprimento do compromisso de realocar refugiados e solicitantes de asilo que ficaram estancados na Grécia e nos Bálcãs, impedidos de chegar à Hungria e daí à Alemanha e aos países nórdicos. Um inverno rigoroso revelou em janeiro as condições deprimentes de quase 70 mil pessoas condenadas ao limbo.
Nem a América Latina, que se orgulha de prezar o direito de asilo e que ampliou consideravelmente a própria noção de refugiado na Declaração de Cartagena, de 1984, tem se mantido fiel ao espírito e à letra das proteções devidas a refugiados e migrantes. No México, o Plano Fronteira Sul, implantado em 2014 com o apoio americano e o objetivo declarado de combater o tráfico de pessoas de países centro-americanos, multiplicou o número de deportações e obrigou os migrantes a tentar a travessia por caminhos mais perigosos. No final de janeiro, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) expressou preocupação com a operação realizada em dezembro em Roraima pela Polícia Federal brasileira para deportar cerca de 450 venezuelanos (a deportação foi interrompida pela Justiça). “A Comissão lembra os Estados da região que a detenção migratória deve ser uma medida excepcional, de último recurso e sempre pelo menor tempo possível, uma vez realizada uma avaliação individualizada de cada caso e sob consideração de medidas alternativas”, advertiu a CIDH.
MSF vem insistindo há meses em que é necessário oferecer alternativas legais e seguras para as pessoas que cruzam fronteiras porque fogem da morte ou simplesmente procuram uma vida melhor. Um exemplo nesse sentido é a política de vistos humanitários para imigrantes haitianos adotada pelo Brasil a partir de 2012, que ajudou a reduzir o número dos que entravam sem documentos no país, muitas vezes trazidos por redes de contrabando de gente. Está na hora de lutar por nossa humanidade comum, ou voltaremos todos para as cavernas, e só acreditaremos nas sombras criadas por exploradores do medo.
Susana de Deus (diretora-geral) e Claudia Antunes,de Médicos Sem Fronteiras Brasil
Às vésperas do Carnaval, Temer rasga a fantasia e comanda o bloco da corrupção
O governo Michel Temer é melhor do que a gestão de Dilma Rousseff, não há dúvida. Se a gerentona não tivesse sofrido impeachment, a situação estaria ainda muito pior, os próprios petistas admitem. Mas convém reconhecer que Temer também pode ser considerado um fracasso, embora tivesse amplas possibilidades de repetir o histórico desempenho de Itamar Franco, o melhor presidente desde Juscelino Kubitschek. No entanto, preferiu imitar a ex-amiga Dilma Rousseff e se cercou do que há de pior na política.
É claro que a culpa não é de Temer, que herdou a crise, mas ele já está completando oito meses no governo, tomou gosto pela poder e agora aproveita o Carnaval para sair do armário, arrancar a máscara da face e revelar por inteiro que sua principal fantasia é inviabilizar a Lava Jato.
Em sua mais recente entrevista, o atual ocupante do Planalto jactou-se de estar fazendo um excelente governo, porque o país estaria começando a se recuperar. Mas é tudo conversa fiada. Estamos em pleno caos e ainda descendo a ladeira, com desemprego em alta e crescente desindustrialização, 12 governos estaduais em situação falimentar, muitas prefeituras na mesma penúria, rebeliões em presídios, caos urbano, não há razões para otimismo.
Em Brasília não se fala em outra coisa. Depois de indicar para o Supremo um ministro que ousou mentir em entrevista coletiva, com tudo isso gravado em vídeo tape e transmitido nos telejornais, agora o presidente se prepara para nomear um ministro da Justiça que é contrário à Lava Jato.
Trata-se de Mariz de Oliveira, que é amigo pessoal e já deu entrevista como advogado de Temer. O criminalista foi um dos signatários do manifesto contra a Lava Jato, organizado pelo PT em janeiro de 2016. Além disso, posiciona-se contra a delação premiada. Chegou a defender um dos executivos da empreiteira Camargo Corrêa, mas largou o cliente quando ele decidiu fazer acordo de colaboração com a força-tarefa.
Pois é justamente esse assumido defensor de corruptos que o presidente Temer pretende nomear para o Ministério da Justiça, que comanda a Polícia Federal.
Trata-se de Mariz de Oliveira, que é amigo pessoal e já deu entrevista como advogado de Temer. O criminalista foi um dos signatários do manifesto contra a Lava Jato, organizado pelo PT em janeiro de 2016. Além disso, posiciona-se contra a delação premiada. Chegou a defender um dos executivos da empreiteira Camargo Corrêa, mas largou o cliente quando ele decidiu fazer acordo de colaboração com a força-tarefa.
Pois é justamente esse assumido defensor de corruptos que o presidente Temer pretende nomear para o Ministério da Justiça, que comanda a Polícia Federal.
Na entrevista publicada segunda-feira, dia 6, Temer alardeou ter “preocupação zero” com a Lava Jato. Mas é “menas verdade”, como diria Lula da Silva. Temer é citado em várias delações. Uma delas, feita pelo senador cassado Delcídio Amaral (PT-MS), revelou que o atual governante foi “padrinho” de dois ex-executivos da Petrobrás denunciados por corrupção e lavagem de dinheiro – Jorge Zelada e João Augusto Henriques.
Temer na verdade só tem “preocupação zero” com as ações para cassar seu mandato no Tribunal Superior Eleitoral, onde o ministro Gilmar Mendes mantém tudo sob controle. Embora admita ser amigo de Temer há mais de 30 anos, o presidente do TSE – em afronta à lei – não se declara suspeito para julgar o réu com quem se relaciona.
Temer na verdade só tem “preocupação zero” com as ações para cassar seu mandato no Tribunal Superior Eleitoral, onde o ministro Gilmar Mendes mantém tudo sob controle. Embora admita ser amigo de Temer há mais de 30 anos, o presidente do TSE – em afronta à lei – não se declara suspeito para julgar o réu com quem se relaciona.
A vida e os mortos
Destaco o conceito de “vida” porque ele nos conduz a um permanente diálogo entre a crença num Deus patriarcal, dotado de onipotência (pode tudo), onisciência (sabe tudo) e onipresença (está em todos os lugares) e os infortúnios que nos atingem neste mundo feito em sete dias para nosso uso e, hoje, abuso. Acidentes, mortes súbitas, Donald Trump e outros infortúnios promovem dúvida ou suspeita sobre essa figura que criou e, pelo menos uma vez, desmanchou este mundo. Ao lado disso, não se pode deixar de lado a liberdade, irmã do orgulho, que criou a primeira dissidência. A grande revolta, ainda em curso, liderada por lúcifer.
Vale apelar para Santo Agostinho, que tanto se preocupou com o problema do mal. Para ele, não há dúvida de que o bem engloba o mal, mas ele não gostaria de viver num mundo sem os dois. O que seria do certo sem o errado? E da mão direita sem a esquerda que a complementa?
Não me julguem, amados leitores, como um um ingrato. Tenho muitas dívidas, mas estou seguro de que Deus escreve certo por linhas tortas. É como vejo a morte, que tudo perdoa e faz valorizar ainda mais as nossas vidas falíveis e cheias de frustração. Como diz meu amigo Mario Batalha: a morte, que não deixa ninguém de fora, é a prova final de uma suprema igualdade. Não há imprensa hegemônica, nazista ou liberal que possa transformá-la numa interpretação.
Quem sabe se não foi por tudo isso que Deus levou para o outro mundo Ricardo Benzaquem de Araújo nesta quinta-feira e fez com que minha estimada amiga Lívia Barbosa virasse parteira de sua netinha dentro de um automóvel, num estacionamento em pleno Leblon. Nomearam essa criaturinha Cecilia — nome da mãe de sua parteira —, e assim refizeram sublime ponte que liga esse mundo com o outro.
Ricardo, o morto que me obriga a escrever essas linhas, era um andarilho de vielas e avenidas das chamadas Ciências Humanas. Essas novas teologias que lidam com o que surge como paradoxal e com os inesperados provocados por regras sociais tidas como óbvias e certas. Como sócio-historiador de primeira categoria, Ricardinho, como nós os chamávamos por causa de seu temperamento simples, doce e generoso, sabia tudo, mas fingia que você o ensinava alguma coisa. Foi meu aluno no Museu Nacional nos idos e terríveis anos 70, os quais, não obstante, foram tão decisivos para a fundação da moderna antropologia social brasileira. A essa atitude, cujo propósito era o de compreender mais do que julgar, Ricardo deu uma inestimável contribuição, apreciando a obra de Gilberto Freyre no livro “Guerra e paz”. Um ensaio que só uma alma com o seu equilíbrio de rabino poderia ter produzido. Ali ele revela o erro de reduzir Freyre a uma só gaveta e discute a presença dos desequilíbrios presentes no Brasil inventado pela obra deste que foi o maior conhecedor do Brasil.
Ricardo partiu na mesma semana da ex-primeira-dama Marisa Letícia da Silva e no vácuo causado pela morte por acidente do ministro do STF Teori Zavascki. Todos deixam uma onda de sofrimento e de empatia, que abrem espaço para as tréguas da civilidade e do coração, abafando ressentimentos e diferenças.
É o trabalho do morto e da morte que obriga a um doloroso desfazer do corpo e, ao mesmo tempo, tentar preencher o seu lugar na rede social de que fazia parte. A dor é enorme, mas dela brota a ressurreição naquilo que nós, falantes de português, chamamos de saudade.
Eis o que dela diz um Joaquim Nabuco, mais antropólogo social do que político, numa palestra que proferiu no Vassar College, Estados Unidos, em 1909:
“Mas como traduzir um sentimento que em língua alguma, a não ser na nossa, se cristalizou numa única palavra? Consideramos e proclamamos esse vocábulo o mais lindo que existe em qualquer idioma, a pérola da linguagem humana. Ele exprime as lembranças tristes da vida, mas também suas esperanças imperecíveis. Os túmulos trazem-no gravado como inscrição: saudade. A mensagem dos amantes entre eles é saudade. Saudade é a mensagem dos ausentes à pátria e aos amigos. Saudade, como vedes, é a hera do coração, presa às suas ruínas e crescendo na própria solidão. Para traduzir-lhe o sentido, precisaríeis, em inglês, de quatro palavras: remembrance, love, grief e longing. Omitindo uma delas, não se traduziria o sentimento completo. No entanto, saudade não é senão uma nova forma, polida pelas lágrimas, da palavra soledade, solidão”.
Até o momento no qual aqueles que partiram sejam devida e humanamente esquecidos e, às vezes, lembrados como vai ocorrer com todos e tudo neste mundo, o qual, como dizia Thornton Wilder, só pode ser unido ao outro pela ponte do amor.
Vale apelar para Santo Agostinho, que tanto se preocupou com o problema do mal. Para ele, não há dúvida de que o bem engloba o mal, mas ele não gostaria de viver num mundo sem os dois. O que seria do certo sem o errado? E da mão direita sem a esquerda que a complementa?
Não me julguem, amados leitores, como um um ingrato. Tenho muitas dívidas, mas estou seguro de que Deus escreve certo por linhas tortas. É como vejo a morte, que tudo perdoa e faz valorizar ainda mais as nossas vidas falíveis e cheias de frustração. Como diz meu amigo Mario Batalha: a morte, que não deixa ninguém de fora, é a prova final de uma suprema igualdade. Não há imprensa hegemônica, nazista ou liberal que possa transformá-la numa interpretação.
Chiara Bautista |
Ricardo, o morto que me obriga a escrever essas linhas, era um andarilho de vielas e avenidas das chamadas Ciências Humanas. Essas novas teologias que lidam com o que surge como paradoxal e com os inesperados provocados por regras sociais tidas como óbvias e certas. Como sócio-historiador de primeira categoria, Ricardinho, como nós os chamávamos por causa de seu temperamento simples, doce e generoso, sabia tudo, mas fingia que você o ensinava alguma coisa. Foi meu aluno no Museu Nacional nos idos e terríveis anos 70, os quais, não obstante, foram tão decisivos para a fundação da moderna antropologia social brasileira. A essa atitude, cujo propósito era o de compreender mais do que julgar, Ricardo deu uma inestimável contribuição, apreciando a obra de Gilberto Freyre no livro “Guerra e paz”. Um ensaio que só uma alma com o seu equilíbrio de rabino poderia ter produzido. Ali ele revela o erro de reduzir Freyre a uma só gaveta e discute a presença dos desequilíbrios presentes no Brasil inventado pela obra deste que foi o maior conhecedor do Brasil.
Ricardo partiu na mesma semana da ex-primeira-dama Marisa Letícia da Silva e no vácuo causado pela morte por acidente do ministro do STF Teori Zavascki. Todos deixam uma onda de sofrimento e de empatia, que abrem espaço para as tréguas da civilidade e do coração, abafando ressentimentos e diferenças.
É o trabalho do morto e da morte que obriga a um doloroso desfazer do corpo e, ao mesmo tempo, tentar preencher o seu lugar na rede social de que fazia parte. A dor é enorme, mas dela brota a ressurreição naquilo que nós, falantes de português, chamamos de saudade.
Eis o que dela diz um Joaquim Nabuco, mais antropólogo social do que político, numa palestra que proferiu no Vassar College, Estados Unidos, em 1909:
“Mas como traduzir um sentimento que em língua alguma, a não ser na nossa, se cristalizou numa única palavra? Consideramos e proclamamos esse vocábulo o mais lindo que existe em qualquer idioma, a pérola da linguagem humana. Ele exprime as lembranças tristes da vida, mas também suas esperanças imperecíveis. Os túmulos trazem-no gravado como inscrição: saudade. A mensagem dos amantes entre eles é saudade. Saudade é a mensagem dos ausentes à pátria e aos amigos. Saudade, como vedes, é a hera do coração, presa às suas ruínas e crescendo na própria solidão. Para traduzir-lhe o sentido, precisaríeis, em inglês, de quatro palavras: remembrance, love, grief e longing. Omitindo uma delas, não se traduziria o sentimento completo. No entanto, saudade não é senão uma nova forma, polida pelas lágrimas, da palavra soledade, solidão”.
Até o momento no qual aqueles que partiram sejam devida e humanamente esquecidos e, às vezes, lembrados como vai ocorrer com todos e tudo neste mundo, o qual, como dizia Thornton Wilder, só pode ser unido ao outro pela ponte do amor.
A farsa como política
Um promotor ansioso por uma carreira política e que, para tanto, já se filiou não a uma mas a três agremiações partidárias, é ungido para um tribunal onde julgará o destino daqueles responsáveis por promovê-lo. Um investigado é escolhido para presidir a Comissão de Constituição e Justiça, e um senador, também sob investigação, defende o colega: “Não há demérito em ser investigado”. A lista segue. Tem até ministro nomeado só pelo foro privilegiado. Está óbvia a peça que entrou em cartaz.
A classe política, acuada que foi pelas investigações da Lava Jato e pela pressão das ruas, está, passo a passo, retomando o controle do espetáculo, cuja cena havia sido roubada pelo Judiciário e pelo Ministério Público. Foi apenas um intervalo, e ele parece estar acabando. A campainha já soou mais de uma vez, os protagonistas estão mostrando aos coadjuvantes o seu lugar.
No meio da temporada, houve ator que precisasse fugir do oficial de Justiça, ignorar sentenças ou fazer de conta que não entendeu o que o juiz mandou. Mas, quase sempre, acrobacias jurídicas distraíram os espectadores pelo tempo necessário até que instância superior restabelecesse a ordem no camarim.
Foi necessário realizar a morte cênica de alguns personagens menos quistos pela opinião pública, é verdade. Não foi doloroso para o elenco, porém. Eram pouco simpáticos ao resto da trupe. Ovacionados, deixaram-se levar pelos aplausos da plateia. Emergentes, pensavam ter aprendido todos os truques da profissão. Desdenharam os colegas de palco, afetando superioridade. Na primeira vaia, perderam seus papéis.
Contando ter satisfeito o público irrequieto, os veteranos começaram a reescrever o roteiro. Da coxia, onde costumam atuar, alguns viraram foco dos holofotes. Desacostumados à luz, que sempre lhes parece em excesso, às vezes tropeçam em cena. Quando esquecem as falas, improvisam um monólogo no qual trocam próclises por ênclises e mesóclises, na esperança de a forma pernóstica superar as lacunas de conteúdo. Tem funcionado.
Entre perplexa e resignada, a audiência não sabe se ri ou se chora. Mais importante para os protagonistas, nem sequer se emociona. Melhor assim, pois se não aplaude, o público tampouco apupa. Apáticas, as panelas permanecem na cozinha, junto com os tomates e os ovos. E os velhos atores vão tomando conta da cena, nomeando um ministro aqui, um juiz acolá, todos da trupe.
Não é difícil antever aonde esse enredo vai dar. É uma peça que já foi encenada incontáveis vezes pelos mesmos artistas, e, antes deles, por seus pais, tios, avós e até bisavós.
O teatro cômico que protagonizam é burlesco e trivial. O que falta de trama, sobra em tramoia. Abundam situações ridículas – quase sempre involuntárias – que não levam a lugar algum, mas compram tempo para os atores seguirem ocupando a ribalta. Até que o espectador, entediado, ameace subir ao palco.
Aí os diretores promovem um figurante a estrela, da noite para o dia. Com auxílio da maquiagem, ele – às vezes, ela – faz qualquer papel, de playboy a lixeiro. Com sorriso plastificado, dente facetado, cabelo plantado e jeito vaselinado, o ex-figurante se torna a cara da companhia. Faz sucesso, mas dura pouco. Sempre há uma cara nova para encenar velhos papéis.
A classe política, acuada que foi pelas investigações da Lava Jato e pela pressão das ruas, está, passo a passo, retomando o controle do espetáculo, cuja cena havia sido roubada pelo Judiciário e pelo Ministério Público. Foi apenas um intervalo, e ele parece estar acabando. A campainha já soou mais de uma vez, os protagonistas estão mostrando aos coadjuvantes o seu lugar.
No meio da temporada, houve ator que precisasse fugir do oficial de Justiça, ignorar sentenças ou fazer de conta que não entendeu o que o juiz mandou. Mas, quase sempre, acrobacias jurídicas distraíram os espectadores pelo tempo necessário até que instância superior restabelecesse a ordem no camarim.
Foi necessário realizar a morte cênica de alguns personagens menos quistos pela opinião pública, é verdade. Não foi doloroso para o elenco, porém. Eram pouco simpáticos ao resto da trupe. Ovacionados, deixaram-se levar pelos aplausos da plateia. Emergentes, pensavam ter aprendido todos os truques da profissão. Desdenharam os colegas de palco, afetando superioridade. Na primeira vaia, perderam seus papéis.
Contando ter satisfeito o público irrequieto, os veteranos começaram a reescrever o roteiro. Da coxia, onde costumam atuar, alguns viraram foco dos holofotes. Desacostumados à luz, que sempre lhes parece em excesso, às vezes tropeçam em cena. Quando esquecem as falas, improvisam um monólogo no qual trocam próclises por ênclises e mesóclises, na esperança de a forma pernóstica superar as lacunas de conteúdo. Tem funcionado.
Entre perplexa e resignada, a audiência não sabe se ri ou se chora. Mais importante para os protagonistas, nem sequer se emociona. Melhor assim, pois se não aplaude, o público tampouco apupa. Apáticas, as panelas permanecem na cozinha, junto com os tomates e os ovos. E os velhos atores vão tomando conta da cena, nomeando um ministro aqui, um juiz acolá, todos da trupe.
Não é difícil antever aonde esse enredo vai dar. É uma peça que já foi encenada incontáveis vezes pelos mesmos artistas, e, antes deles, por seus pais, tios, avós e até bisavós.
O teatro cômico que protagonizam é burlesco e trivial. O que falta de trama, sobra em tramoia. Abundam situações ridículas – quase sempre involuntárias – que não levam a lugar algum, mas compram tempo para os atores seguirem ocupando a ribalta. Até que o espectador, entediado, ameace subir ao palco.
Aí os diretores promovem um figurante a estrela, da noite para o dia. Com auxílio da maquiagem, ele – às vezes, ela – faz qualquer papel, de playboy a lixeiro. Com sorriso plastificado, dente facetado, cabelo plantado e jeito vaselinado, o ex-figurante se torna a cara da companhia. Faz sucesso, mas dura pouco. Sempre há uma cara nova para encenar velhos papéis.
Principal problema de Eduardo Cunha é amoralidade, não o aneurisma cerebral
A plateia já se vacinou contra as espertezas de Eduardo Cunha. Mas o personagem às vezes lança no ar um germe desconhecido, imune à prevenção. No seu primeiro depoimento ao juiz Sergio Moro, Cunha desafiou todas as imunidades com a história de que carrega no cérebro um aneurisma igual ao que matou a mulher de Lula, Marisa Letícia.
Nada no longo histórico de manobras de Eduardo Cunha vacinara o brasileiro contra isso: o rei da frieza recorrendo a um apelo emocional! Tudo muito inesperado. Estrela da Lava Jato, o ex-deputado comportou-se como um criminoso de anedota —do tipo que que, depois de matar pai e mãe, pede na audiência com o juiz piedade para um pobre órfão. Cunha usou o aneurisma para pedir a liberdade. Por ora, não colou.
Em 21 de dezembro do ano passado, Cunha já havia mencionado o aneurisma numa conversa com médicos da penitenciária onde está hospedado. Instados a encaminhar documentos que comprovassem a doença, familiares e advogados do preso deram de ombros. Nesta quarta-feira, convidado a realizar exames na cadeia, Cunha se recusou. Horas depois, seus defensores anexaram ao processo o papelório com o diagnóstico.
“Atesto que o senhor Eduardo Consentino da Cunha é portador de aneurisma intracraniano, localizado na artéria cerebral média esquerda, diagnosticado em julho de 2015, por angioressonância e angiotomografia”, anota, por exemplo, atestado emitido pelo médico Paulo Niemeyer Filho. “Na ocasião, recomendei ao paciente tratamento cirúrgico.”
Pois bem, supondo-se que haja sob a cabeleira rala de Eduardo Cunha uma artéria com dilatação inusual e permanente, cabe a pergunta: E daí? O que levou Eduardo a se transformar num Cunha de mostruário foi sua amoralidade congênita, não o aneurisma cerebral. O inchaço da artéria pode ser tratado ou até eliminado por meio de cirurgia. A ausência de moral é incurável. Contra ela, o melhor remédio é mesmo a cadeia.
A direção do Departamento Penitenciário do Estado do Paraná assegura que a hospedaria que abriga Cunha está equipada para prestar ao preso toda a assistência de que precisa. Assim, não resta senão tratar o personagem com o rigor e o respeito que qualquer outro preso merece.
Prestes a espetar em sua biografia a primeira sentença condenatória rubricada por Sergio Moro, Cunha parece ter perdido a oportunidade de uma delação. Talvez possa tentar uma redução de pena invocando a tese de que deve ao meio em que vive sua formação como corrupto.
Se teve tanto sucesso em fazer fortuna às margens do Estado sem ser molestado, foi porque teve o estímulo e a cumplicidade do sistema político que nos desgoverna. Seus advogados podem tentar convencer o doutor Moro de que o Brasil deve sentir remorso de tudo o que fez com seu cliente e se apiedar dele. O risco é o juiz concluir que, depois de tanta impunidade, o único tratamento adequado seria uma cana longeva.
Não vai curar a amoralidade do preso. Mas pelo menos pode atenuar a revolta que o brasileiro sente toda vez que a Receita Federal lhe arranca o coro, chamando-o de ''contribuinte''.
Nada no longo histórico de manobras de Eduardo Cunha vacinara o brasileiro contra isso: o rei da frieza recorrendo a um apelo emocional! Tudo muito inesperado. Estrela da Lava Jato, o ex-deputado comportou-se como um criminoso de anedota —do tipo que que, depois de matar pai e mãe, pede na audiência com o juiz piedade para um pobre órfão. Cunha usou o aneurisma para pedir a liberdade. Por ora, não colou.
Em 21 de dezembro do ano passado, Cunha já havia mencionado o aneurisma numa conversa com médicos da penitenciária onde está hospedado. Instados a encaminhar documentos que comprovassem a doença, familiares e advogados do preso deram de ombros. Nesta quarta-feira, convidado a realizar exames na cadeia, Cunha se recusou. Horas depois, seus defensores anexaram ao processo o papelório com o diagnóstico.
“Atesto que o senhor Eduardo Consentino da Cunha é portador de aneurisma intracraniano, localizado na artéria cerebral média esquerda, diagnosticado em julho de 2015, por angioressonância e angiotomografia”, anota, por exemplo, atestado emitido pelo médico Paulo Niemeyer Filho. “Na ocasião, recomendei ao paciente tratamento cirúrgico.”
Pois bem, supondo-se que haja sob a cabeleira rala de Eduardo Cunha uma artéria com dilatação inusual e permanente, cabe a pergunta: E daí? O que levou Eduardo a se transformar num Cunha de mostruário foi sua amoralidade congênita, não o aneurisma cerebral. O inchaço da artéria pode ser tratado ou até eliminado por meio de cirurgia. A ausência de moral é incurável. Contra ela, o melhor remédio é mesmo a cadeia.
A direção do Departamento Penitenciário do Estado do Paraná assegura que a hospedaria que abriga Cunha está equipada para prestar ao preso toda a assistência de que precisa. Assim, não resta senão tratar o personagem com o rigor e o respeito que qualquer outro preso merece.
Prestes a espetar em sua biografia a primeira sentença condenatória rubricada por Sergio Moro, Cunha parece ter perdido a oportunidade de uma delação. Talvez possa tentar uma redução de pena invocando a tese de que deve ao meio em que vive sua formação como corrupto.
Se teve tanto sucesso em fazer fortuna às margens do Estado sem ser molestado, foi porque teve o estímulo e a cumplicidade do sistema político que nos desgoverna. Seus advogados podem tentar convencer o doutor Moro de que o Brasil deve sentir remorso de tudo o que fez com seu cliente e se apiedar dele. O risco é o juiz concluir que, depois de tanta impunidade, o único tratamento adequado seria uma cana longeva.
Não vai curar a amoralidade do preso. Mas pelo menos pode atenuar a revolta que o brasileiro sente toda vez que a Receita Federal lhe arranca o coro, chamando-o de ''contribuinte''.
Pegando no tranco
Até algumas décadas era comum certos carros só pegarem no tranco. Parecia normal, ninguém se escandalizava diante do vexame oferecido nas ruas. O tempo passou, os automóveis se sofisticaram e poucos ainda se lembram daqueles idos.
O governo Temer, no entanto, manteve o costume. Só pega no tranco. Para livrar-se de Alexandre de Moraes, o presidente necessitou da morte de Teori Zavascki, fazendo manobra que em xadrez se chama de “roque”, trocando o rei por uma torre.
Assim foi feito com o ministro da Justiça, que virou ministro do Supremo Tribunal Federal, abrindo vaga sabe-se lá para quem. Moreira Franco teve seu ministério rebatizado para refugiar-se no abrigo da proteção burocrática. Eliseu Padilha já subiu as escadas do cadafalso.
Enquanto isso, Michel Temer continua desmanchando direitos sociais e satisfazendo as elites em suas mínimas reivindicações. Cooptou a maioria parlamentar e aprova tudo que for do interesse do andar de cima, dando as costas para as reais necessidades populares.
Enquanto isso, até a operação Lava Jato vai perdendo combustível, com cada vez menos corruptos na cadeia, cumprindo pena em suas mansões.
O escândalo verificado no Espírito Santo ameaça estender-se por outros estados ao tempo em que o desemprego se multiplica e a população se exaspera. Breve esse calhambeque deixará de transitar, não havendo mecânico que dê jeito. De tranco em tranco, melhor voltar ao tempo das carroças.
O governo Temer, no entanto, manteve o costume. Só pega no tranco. Para livrar-se de Alexandre de Moraes, o presidente necessitou da morte de Teori Zavascki, fazendo manobra que em xadrez se chama de “roque”, trocando o rei por uma torre.
Enquanto isso, Michel Temer continua desmanchando direitos sociais e satisfazendo as elites em suas mínimas reivindicações. Cooptou a maioria parlamentar e aprova tudo que for do interesse do andar de cima, dando as costas para as reais necessidades populares.
Enquanto isso, até a operação Lava Jato vai perdendo combustível, com cada vez menos corruptos na cadeia, cumprindo pena em suas mansões.
O escândalo verificado no Espírito Santo ameaça estender-se por outros estados ao tempo em que o desemprego se multiplica e a população se exaspera. Breve esse calhambeque deixará de transitar, não havendo mecânico que dê jeito. De tranco em tranco, melhor voltar ao tempo das carroças.
Alegria, alegria
O relatório Situação Econômica Mundial e Perspectivas 2017, divulgado pela Organização das Nações Unidas(ONU), prevê um aumento pífio de 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, após dois anos de recessão profunda – crescimento negativo de 3,8% em 2015 e de 3,2% no ano passado. Já o Fundo Monetário Internacional(FMI) estima um número ainda menor: 0,2% de expansão da produção de riquezas, que é quase dizer estagnação da economia.
Estagnação da economia é sinônimo de desemprego. Conforme dados da Organização Internacional do Trabalho(OIT), o país deve chegar ao final de 2017 com uma taxa de desocupação de 12,4% do total da população com idade para trabalhar – ou seja, com 14 anos ou mais -, o que significa algo em torno de 13,4 milhões de pessoas. De cada três novos desempregados no mundo, um será brasileiro em 2017. O próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), entretanto, admite que esses dados não condizem com a realidade, pois deixam de computar todos aqueles que desistiram de procurar colocação.
Aumento do desemprego gera pobreza. Pesquisa do IBGE, divulgada no fim do ano passado, mostra que a quantidade de famílias com rendimento per capita mensal inferior a 25% do salário mínimo (algo em torno de 75 dólares) saltou de 8% do total da população em 2014 para 9,2% em 2015, o primeiro aumento desde 2009. Esse resultado só não foi pior por conta dos programas de transferência de renda, que, em 2016, sofreram uma série de restrições patrocinadas pelo presidente não eleito, Michel Temer, o que pode ter agravado ainda mais o quadro de pobreza extrema do país.
Pobreza extrema redunda em violência. O Atlas da Violência 2016, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública, aponta o Brasil em primeiro lugar no ranking mundial de homicídios, em números absolutos: quase 60 mil assassinatos, 29 a cada 100 mil habitantes, uma taxa considerada epidêmica pela ONU. A maioria das vítimas é formada por homens (90%), jovens entre 15 e 29 anos (54%) e negros (77%). Dados levantados pela instituição mexicana Segurança, Justiça e Paz, mostram que, entre as 50 cidades mais violentas do mundo, 21 são brasileiras – desde capitais como Fortaleza (CE) até cidades do interior, como Feira de Santana (BA) ou Campina Grande (PB).
Violência provoca prejuízos econômicos. Segundo o IPEA, o alto número de homicídios de jovens impede a geração de receitas equivalentes a 2,5% do PIB, que é quanto esses indivíduos estariam produzindo, consumindo e contribuindo com a arrecadação de tributos, caso alcançassem os 75 anos, expectativa de vida média nacional. Outro cálculo sugere que as perdas com gastos hospitalares, danos materiais e produtividade das vítimas de violência e de acidentes de trânsito (cerca de 45 mil mortes por ano, o que coloca o Brasil em quarto lugar no ranking mundial) são de 5% a 10% do PIB, algo como o total das riquezas produzidas por países como o Chile ou a Finlândia. Já o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) avalia em 3,14% do PIB os prejuízos provocados por gastos com segurança privada e perdas de vidas.
Mas nada disso abala os habitantes de Pindorama, o país do carnaval, das mulheres bonitas (quinta maior taxa de feminicídio do mundo, segundo a ONU) e das praias belíssimas (segundo levantamento do jornal Folha de S. Paulo, três em cada dez são impróprias para o banho). Pesquisa do Barômetro Global de Otimismo, feita pelo Ibope Inteligência, em parceria com a Worldwide Independent Network of Market Research (WIN), mostra que 68% da população brasileira acredita que 2017 será melhor do que 2016, o que nos coloca como a quinta nação mais otimista do mundo, atrás apenas de Bangladesh, Gana, Costa do Marfim e Fiji. O estudo aponta ainda que 70% dos brasileiros afirmam que estão felizes, 18% dizem que não estão felizes e nem infelizes e 11% declaram que estão infelizes.
Estagnação da economia é sinônimo de desemprego. Conforme dados da Organização Internacional do Trabalho(OIT), o país deve chegar ao final de 2017 com uma taxa de desocupação de 12,4% do total da população com idade para trabalhar – ou seja, com 14 anos ou mais -, o que significa algo em torno de 13,4 milhões de pessoas. De cada três novos desempregados no mundo, um será brasileiro em 2017. O próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), entretanto, admite que esses dados não condizem com a realidade, pois deixam de computar todos aqueles que desistiram de procurar colocação.
Pobreza extrema redunda em violência. O Atlas da Violência 2016, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública, aponta o Brasil em primeiro lugar no ranking mundial de homicídios, em números absolutos: quase 60 mil assassinatos, 29 a cada 100 mil habitantes, uma taxa considerada epidêmica pela ONU. A maioria das vítimas é formada por homens (90%), jovens entre 15 e 29 anos (54%) e negros (77%). Dados levantados pela instituição mexicana Segurança, Justiça e Paz, mostram que, entre as 50 cidades mais violentas do mundo, 21 são brasileiras – desde capitais como Fortaleza (CE) até cidades do interior, como Feira de Santana (BA) ou Campina Grande (PB).
Violência provoca prejuízos econômicos. Segundo o IPEA, o alto número de homicídios de jovens impede a geração de receitas equivalentes a 2,5% do PIB, que é quanto esses indivíduos estariam produzindo, consumindo e contribuindo com a arrecadação de tributos, caso alcançassem os 75 anos, expectativa de vida média nacional. Outro cálculo sugere que as perdas com gastos hospitalares, danos materiais e produtividade das vítimas de violência e de acidentes de trânsito (cerca de 45 mil mortes por ano, o que coloca o Brasil em quarto lugar no ranking mundial) são de 5% a 10% do PIB, algo como o total das riquezas produzidas por países como o Chile ou a Finlândia. Já o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) avalia em 3,14% do PIB os prejuízos provocados por gastos com segurança privada e perdas de vidas.
Mas nada disso abala os habitantes de Pindorama, o país do carnaval, das mulheres bonitas (quinta maior taxa de feminicídio do mundo, segundo a ONU) e das praias belíssimas (segundo levantamento do jornal Folha de S. Paulo, três em cada dez são impróprias para o banho). Pesquisa do Barômetro Global de Otimismo, feita pelo Ibope Inteligência, em parceria com a Worldwide Independent Network of Market Research (WIN), mostra que 68% da população brasileira acredita que 2017 será melhor do que 2016, o que nos coloca como a quinta nação mais otimista do mundo, atrás apenas de Bangladesh, Gana, Costa do Marfim e Fiji. O estudo aponta ainda que 70% dos brasileiros afirmam que estão felizes, 18% dizem que não estão felizes e nem infelizes e 11% declaram que estão infelizes.
Deputado se aposenta depois de apenas dois anos de mandato
O deputado Manuel Rosa Neca (PR-RJ) chegou à Câmara como suplente, em janeiro de 2013. Cinco meses mais tarde, ingressou no plano de previdência dos congressistas. Completou apenas dois anos de mandato como deputado federal. Com o aproveitamento (averbação) de parte de mandatos anteriores de vereador e prefeito em Nilópoles (RJ), além de mais 26 anos de contribuição ao INSS, conseguiu a aposentadoria e recebe, hoje, R$ 8,6 mil. Esse é um dos exemplos das facilidades do Plano de Seguridade Social dos Congressistas (PSSC), que conta com regras bem mais brandas e flexíveis do que as previstas na reforma da Previdência a ser votada pelos deputados e senadores nos próximos meses.
Mas as regras do plano são ainda mais permissivas. Um deputado pode se aposentar a partir de apenas um ano de exercício do cargo, desde que faça averbações de outros mandatos ou contribuições ao INSS.
O ex-deputado Junji Abe (PSD-SP) exerceu o cargo por apenas quatro anos, entre 2011 e 2015. Em janeiro de 2015, teve aprovadas pela Câmara a averbação de mandatos de deputado estadual, vereador e prefeito de Mogi das Cruzes que somavam 20 anos de exercício desses cargos. O valor da averbação ficou em R$ 1,4 milhão. Em junho daquele ano, conseguiu ainda o aproveitamento de 12 anos de contribuições ao INSS. Fechou 24 anos de mandatos e assegurou uma aposentadoria de R$ R$ 23 mil.
Com três mandatos, entre 2003 e 2015, o deputado Carlos Souza buscou 24 anos de contribuições ao Governo do Amazonas, ao INSS e utilizou até mesmo o período de prestação de serviço militar ao Exército, de 1971 a 1972. Recebe R$ 10,6 mil como aposentado. O ex-deputado Ronaldo Zulke (PT-RS), que exerceu o mandato de 2011 a 2015, teve aprovada a averbação de 34 anos de contribuições e aposentou-se em fevereiro de 2015. Recebe R$ 3,8 mil.
As contribuições ao INSS contam para o tempo de contribuição – é necessário um mínimo de 35 anos –, mas não são consideradas para o cálculo do valor da aposentadoria. As averbações de mandato são pagas – cerca de R$ 7,4 mil por mês recuperado – e entram no cálculo da aposentadoria. Mas nem sempre é assim.
Também com três mandatos, o deputado Gervásio Silva (PSDB-SC) teve reconhecidos 23 anos de contribuição ao INSS, mais cinco anos pelo mandato de vereador e quatro pelo mandato de prefeito em São José (SC). A averbação foi “não onerosa”, o que significa que o parlamentar não pagou a contribuição mensal para cada mês acrescentado ao seu tempo de contribuição.
Os arquivos da Câmara registram que “não houve contribuição previdenciária”, mas destaca que o tempo de serviço registrado foi exercido antes da Emenda à Constituição nº 20/1998, podendo assim ser contado como tempo de contribuição para efeito de aposentadoria. Silva conseguiu a aposentadoria e recebe, atualmente, R$ 11,5 mil.
Durante o mandato, o deputado segurado paga R$ 3,7 mil por mês ao PSSC – parcela igual àquela paga pela Câmara. Isso representa 11% do salário do parlamentar, que está em R$ 33,7 mil. Se comprovar os 35 anos de exercício de mandatos – federais, estaduais ou municipais – e 60 anos de idade, recebe aposentadoria integral, no mesmo valor do salário de deputado.
Em 2015, 24 deputados se aposentaram, com aposentadoria no valor médio de R$ 18,4 mil. Nem todo o período de averbação aprovado é aproveitado. Quando sobra tempo de contribuição, ou falta dinheiro ao deputado, acontece a “desaverbação” parcial ou total. Mais uma regra bastante flexível.
O deputado Fernando Ferro (PT-PE) chegou a 20 anos de mandato parlamentar e teve reconhecidos 15 anos de contribuições ao INSS. Mas precisou averbar quatro anos relativos ao antigo Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC), entre 1995 e 1998. Ele não precisou recolher a cota patronal, que já havia sido paga pela Câmara à época do referido mandato. A operação custou R$ 126 mil. Mas cada mandato acrescido representa um acréscimo de R$ 3,8 mil na aposentadoria. O investimento será recuperado em menos de três anos. Recebe hoje R$ 21,2 mil como aposentado.
Mesmo internamente há quem critique as facilidades oferecidas pelo PSSC. Informado sobre a aposentadoria de um colega após dois anos de mandato, o deputado Décio Lima (PT-SC), foi direto: “Isso é um absurdo. Tem deputado que entra aqui como suplente, averba um monte de tempo e sai daqui aposentado. Eu acho que isso tudo devia acabar. Deveria ter um regime geral. A lei abre uma porteira que não deveria abrir”, protestou o deputado, em entrevista ao Congresso em Foco.
Questionado sobre o valor da aposentadoria desse deputado (R$ 8,6 mil), responde: “Não é pouco não, é muito. É um modelo de privilégio capitalista”.
Mas, enquanto o plano não acaba, Lima está buscando as suas averbações: quatro anos do mandato de vereador e oito pelo de prefeito de Blumenau. Os anais da Câmara registram que ele terá que pagar R$ 1 milhão ao plano de previdência. “Eu aderi a esse instituto há dois anos convencido por várias razões. Primeiro, tive que abandonar a advocacia por 20 anos. Não tenho mais como voltar no mercado. Não tenho tempo para me aposentar no Regime Geral. Eu não tive alternativa. Estou me desfazendo de patrimônio, de tudo, para me prevenir, porque têm muitos ex-deputados brasileiros sem renda, pessoas que largaram tudo pela paixão da política e ficaram sem renda”, justificou.
Sobre a escrita...
Meu Deus do céu, não tenho nada a dizer. O som de minha máquina é macio.
Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada palavra é uma ideia. Cada palavra materializa o espírito. Quanto mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento.
Devemos modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino invólucro dos nossos pensamentos. Sempre achei que o traço de um escultor é identificável por um extrema simplicidade de linhas. Todas as palavras que digo – é por esconderem outras palavras.
Qual é mesmo a palavra secreta? Não sei é porque a ouso? Não sei porque não ouso dizê-la? Sinto que existe uma palavra, talvez unicamente uma, que não pode e não deve ser pronunciada. Parece-me que todo o resto não é proibido. Mas acontece que eu quero é exatamente me unir a essa palavra proibida. Ou será? Se eu encontrar essa palavra, só a direi em boca fechada, para mim mesma, senão corro o risco de virar alma perdida por toda a eternidade. Os que inventaram o Velho Testamento sabiam que existia uma fruta proibida. As palavras é que me impedem de dizer a verdade.
Simplesmente não há palavras.
O que não sei dizer é mais importante do que o que eu digo. Acho que o som da música é imprescindível para o ser humano e que o uso da palavra falada e escrita são como a música, duas coisas das mais altas que nos elevam do reino dos macacos, do reino animal, e mineral e vegetal também. Sim, mas é a sorte às vezes.
Sempre quis atingir através da palavra alguma coisa que fosse ao mesmo tempo sem moeda e que fosse e transmitisse tranqüilidade ou simplesmente a verdade mais profunda existente no ser humano e nas coisas. Cada vez mais eu escrevo com menos palavras. Meu livro melhor acontecerá quando eu de todo não escrever. Eu tenho uma falta de assunto essencial. Todo homem tem sina obscura de pensamento que pode ser o de um crepúsculo e pode ser uma aurora.
Simplesmente as palavras do homem.
Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada palavra é uma ideia. Cada palavra materializa o espírito. Quanto mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento.
Devemos modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino invólucro dos nossos pensamentos. Sempre achei que o traço de um escultor é identificável por um extrema simplicidade de linhas. Todas as palavras que digo – é por esconderem outras palavras.
Simplesmente não há palavras.
O que não sei dizer é mais importante do que o que eu digo. Acho que o som da música é imprescindível para o ser humano e que o uso da palavra falada e escrita são como a música, duas coisas das mais altas que nos elevam do reino dos macacos, do reino animal, e mineral e vegetal também. Sim, mas é a sorte às vezes.
Sempre quis atingir através da palavra alguma coisa que fosse ao mesmo tempo sem moeda e que fosse e transmitisse tranqüilidade ou simplesmente a verdade mais profunda existente no ser humano e nas coisas. Cada vez mais eu escrevo com menos palavras. Meu livro melhor acontecerá quando eu de todo não escrever. Eu tenho uma falta de assunto essencial. Todo homem tem sina obscura de pensamento que pode ser o de um crepúsculo e pode ser uma aurora.
Simplesmente as palavras do homem.
Clarice Lispector
Viva Las Vegas!
Com a decisão da Câmara de aprovar a urgência do projeto de lei que trata da redução de penas a partidos políticos que não prestam contas à Justiça Eleitoral, os deputados abriram sua caixa de ferramentas. Será a tônica daqui para sempre. Na base do “fogo contra fogo”, com os bombeiros correndo de um lado para outro.
Para os parlamentares, o recomeço da guerra foi promovido com a decisão da ministra Cármen Lúcia, presidente do Tribunal Superior Federal (STF), de colocar na pauta, como item inaugural do ano no Judiciário, o processo que trata da presença de réus na linha sucessória do presidente da República. Julgamento adiado por pedido de vista de Gilmar Mendes.
O tiro seguinte também veio do STF: a decisão liminar do ministro Luís Roberto Barroso de suspender a sanção presidencial da nova Lei das Telecomunicações. O Senado se incomodou e considerou uma ingerência em tema de natureza interna da Casa. Também foi considerado pouco gentil mandar citar o presidente Michel Temer no Palácio Jaburu, quando a citação poderia ter sido endereçada à Advocacia-Geral da União.
Para não ficar atrás, a Produradoria-Geral da República tratou de encaminhar pedido de investigação contra os senadores Romero Jucá (PMDB-RR) e Renan Calheiros (PMDB-AL), o ex-senador José Sarney e o ex-diretor da Transpetro Sérgio Machado, por suposto conluio para mudar a legislação. A iniciativa foi considerada um replay da fracassada tentativa de mandar para a prisão os mencionados.
Nesta quarta-feira, um juiz de primeira instância, suspendeu, por decisão liminar, a nomeação de Moreira Franco para o cargo de ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, em virtude de sua citação na delação premiada da Odebrecht, homologada três dias antes.
Alguns estranham a falta de notícias sobre as investigações das tentativas (gravadas) de obstrução de Justiça praticadas pelo ex-ministro Aloizio Mercadante, quando do episódio do ex-senador Delcídio do Amaral. Uns com muito e outros com tão pouco.
Nossos atores se portam como em um cassino, apostando as fichas em teses consistentes ou nem tanto – desde a judicialização da Política, passando pelo ativismo legislativo, judiciário e burocrático, até pela radicalização no uso de medidas provisórias, prisões preventivas de longo prazo, excesso de decisões monocráticas. Tudo para expandir os limites da institucionalidade de cada um.
Não é novidade que está em curso uma guerra institucional de ataques, desgastes e resistência. Que, felizmente, até agora, não atrapalhou o avanço da agenda de reformas no Congresso. Chego a pensar que podemos estar vivendo a “italianização” da economia, que funciona ao largo do que muitos dizem ser um cassino: a política italiana.
Para os parlamentares, o recomeço da guerra foi promovido com a decisão da ministra Cármen Lúcia, presidente do Tribunal Superior Federal (STF), de colocar na pauta, como item inaugural do ano no Judiciário, o processo que trata da presença de réus na linha sucessória do presidente da República. Julgamento adiado por pedido de vista de Gilmar Mendes.
Para não ficar atrás, a Produradoria-Geral da República tratou de encaminhar pedido de investigação contra os senadores Romero Jucá (PMDB-RR) e Renan Calheiros (PMDB-AL), o ex-senador José Sarney e o ex-diretor da Transpetro Sérgio Machado, por suposto conluio para mudar a legislação. A iniciativa foi considerada um replay da fracassada tentativa de mandar para a prisão os mencionados.
Nesta quarta-feira, um juiz de primeira instância, suspendeu, por decisão liminar, a nomeação de Moreira Franco para o cargo de ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, em virtude de sua citação na delação premiada da Odebrecht, homologada três dias antes.
Alguns estranham a falta de notícias sobre as investigações das tentativas (gravadas) de obstrução de Justiça praticadas pelo ex-ministro Aloizio Mercadante, quando do episódio do ex-senador Delcídio do Amaral. Uns com muito e outros com tão pouco.
Nossos atores se portam como em um cassino, apostando as fichas em teses consistentes ou nem tanto – desde a judicialização da Política, passando pelo ativismo legislativo, judiciário e burocrático, até pela radicalização no uso de medidas provisórias, prisões preventivas de longo prazo, excesso de decisões monocráticas. Tudo para expandir os limites da institucionalidade de cada um.
Não é novidade que está em curso uma guerra institucional de ataques, desgastes e resistência. Que, felizmente, até agora, não atrapalhou o avanço da agenda de reformas no Congresso. Chego a pensar que podemos estar vivendo a “italianização” da economia, que funciona ao largo do que muitos dizem ser um cassino: a política italiana.
O alemão que mapeou o Brasil
Há 200 anos, Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868) chegava ao Brasil como um dos integrantes da Missão Austríaca – que acompanhava a imperatriz Leopoldina por ocasião de seu casamento com dom Pedro 1º. A aventura do jovem botânico alemão, que percorreu mais de dez mil quilômetros por um Brasil inóspito, marcaria um dos mais importantes momentos para o conhecimento da flora nacional até então exótica e inatingível no imaginário mundial.
Durante os três anos em que passou no país (entre 1817 e 1820), Von Martius fez um meticuloso levantamento da flora brasileira – o maior já realizado. E a partir deste estudo, ele dividiu o Brasil em cinco biomas (Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Selva Amazônica e Pampas), uma divisão usada até hoje.
Para marcar a data, foi aberta no último fim de semana, no Instituto Moreira Salles (IMS), no Rio, a exposição "O mapa de Von Martius ou como escrever a história natural do Brasil". A exposição tem justamente como ponto de partida o mapa criado em 1858, em que o botânico propõe uma divisão regional para o país a partir dos biomas detalhados em sua expedição.
"Von Martius não foi o único a fazer uma proposta de regionalização do Brasil, mas teve essa visão de tentar compreender o território todo", explica a coordenadora de iconografia do IMS e curadora da exposição, Julia Kovensky. "Com o levantamento das plantas, ele visualizou esses grandes conjuntos, definiu biomas, e transferiu isso para uma divisão territorial do país."
Em companhia do zoólogo Johann Baptist von Spix, Von Martius fez expedições pelas regiões Norte, Nordeste e Sudeste, colhendo e catalogando uma vasta quantidade de espécimes vegetais. Ele retratou as paisagens em litografias, compiladas na obra Flora brasiliensis (até hoje uma referência), reunindo 20 mil espécimes vegetais em 40 volumes. A exposição reúne 50 dessas paisagens, além do mapa.
"Estamos apresentando um pequeno conjunto de obras do primeiro volume da Flora brasiliensis, que são dedicados às paisagens brasileiras com as plantas inseridas", explica Julia. "São litografias com paisagens de diferentes regiões do Brasil, além do mapa com os biomas e algumas obras complementares."
"Ele tinha um grande interesse por ciências naturais, mais especificamente por botânica", conta Júlia. "Mas, como muitos outros homens de sua época, tinha uma visão muito ampla e atuou em diferentes frentes."
De acordo com a historiadora Iris Kantor, da Universidade de São Paulo (USP), que também participou da curadoria da exposição, o levantamento feito por Von Martius produziu uma imagem do Brasil que até hoje está incorporada ao imaginário das elites. Para ela, analisar criticamente essa imagem é um desafio importante para compreender o país.
"Ele foi sem dúvida um dos pais fundadores da historiografia brasileira e de uma certa maneira de se fazer história", afirma Iris.
Em 1843, de Munique, Von Martius encaminhou uma proposta de como se deveria escrever a História do Brasil para um concurso organizado pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Seu programa de estudos incluía, pela primeira vez, a incorporação da participação popular na grande narrativa sobre a formação da nacionalidade.
"Assim, além dos indígenas e dos portugueses, ele sugeria a inclusão das populações de origem africana", diz Iris. "Algo muito atual como, por exemplo, o estudo da história do tráfico negreiro e das feitorias portuguesas no continente africano. Ele também chamou a atenção para a necessidade de investigar os mitos e tradições indígenas, por meio da incorporação da documentação oral."
Durante os três anos em que passou no país (entre 1817 e 1820), Von Martius fez um meticuloso levantamento da flora brasileira – o maior já realizado. E a partir deste estudo, ele dividiu o Brasil em cinco biomas (Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Selva Amazônica e Pampas), uma divisão usada até hoje.
Para marcar a data, foi aberta no último fim de semana, no Instituto Moreira Salles (IMS), no Rio, a exposição "O mapa de Von Martius ou como escrever a história natural do Brasil". A exposição tem justamente como ponto de partida o mapa criado em 1858, em que o botânico propõe uma divisão regional para o país a partir dos biomas detalhados em sua expedição.
"Von Martius não foi o único a fazer uma proposta de regionalização do Brasil, mas teve essa visão de tentar compreender o território todo", explica a coordenadora de iconografia do IMS e curadora da exposição, Julia Kovensky. "Com o levantamento das plantas, ele visualizou esses grandes conjuntos, definiu biomas, e transferiu isso para uma divisão territorial do país."
Em companhia do zoólogo Johann Baptist von Spix, Von Martius fez expedições pelas regiões Norte, Nordeste e Sudeste, colhendo e catalogando uma vasta quantidade de espécimes vegetais. Ele retratou as paisagens em litografias, compiladas na obra Flora brasiliensis (até hoje uma referência), reunindo 20 mil espécimes vegetais em 40 volumes. A exposição reúne 50 dessas paisagens, além do mapa.
"Estamos apresentando um pequeno conjunto de obras do primeiro volume da Flora brasiliensis, que são dedicados às paisagens brasileiras com as plantas inseridas", explica Julia. "São litografias com paisagens de diferentes regiões do Brasil, além do mapa com os biomas e algumas obras complementares."
Von Martius retratou as paisagens em litografias, reunidas em "Flora brasiliensis" |
O mapa dá um pouco da dimensão da aventura de se lançar pelo interior do país naquela época, até a região da atual fronteira com a Colômbia, saga relatada pelo naturalista nos três volumes do livro Reise in Brasilien ("Viagem pelo Brasil"), publicado entre 1823 e 1831. O trabalho vai além da questão da flora e retrata um país em transformação, que se tornara a capital do Império português poucos anos antes e se abria para o mundo.
"Ele tinha um grande interesse por ciências naturais, mais especificamente por botânica", conta Júlia. "Mas, como muitos outros homens de sua época, tinha uma visão muito ampla e atuou em diferentes frentes."
De acordo com a historiadora Iris Kantor, da Universidade de São Paulo (USP), que também participou da curadoria da exposição, o levantamento feito por Von Martius produziu uma imagem do Brasil que até hoje está incorporada ao imaginário das elites. Para ela, analisar criticamente essa imagem é um desafio importante para compreender o país.
"Ele foi sem dúvida um dos pais fundadores da historiografia brasileira e de uma certa maneira de se fazer história", afirma Iris.
Em 1843, de Munique, Von Martius encaminhou uma proposta de como se deveria escrever a História do Brasil para um concurso organizado pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Seu programa de estudos incluía, pela primeira vez, a incorporação da participação popular na grande narrativa sobre a formação da nacionalidade.
"Assim, além dos indígenas e dos portugueses, ele sugeria a inclusão das populações de origem africana", diz Iris. "Algo muito atual como, por exemplo, o estudo da história do tráfico negreiro e das feitorias portuguesas no continente africano. Ele também chamou a atenção para a necessidade de investigar os mitos e tradições indígenas, por meio da incorporação da documentação oral."
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