sábado, 22 de janeiro de 2022

Pensamento do Dia

 


Estava escrito nas estrelas

A escritora e astróloga Marcia Mattos publica desde o ano 2000 o mais famoso anuário da astrologia brasileira, o Livro da Lua. Seus acertos são incontáveis e os erros quase todos justificáveis. Por isso, ela é ouvida por muita gente importante no Brasil. Claro que Marcia não fala sobre seus clientes, mas sabe-se que em anos bicudos como este, seus principais ouvintes são empresários e políticos abismados com o mar de incerteza que divisam no horizonte. Nesta semana, Marcia falou para um grupo de mais de 40 CEOs de grandes empresas nacionais reunidos pela Vistage Worldwide, uma organização especializada em “mentoria para executivos”. A palestra foi levada a sério pelos CEOs, que anotaram todas as suas previsões. Afinal, em se tratando de 2022, é bom não facilitar e ir coletando todas as dicas disponíveis no mercado.

Marcia não confirma a palestra, mas executivos presentes ao evento contam que ouviram dela a leitura dos mapas astrais do mundo e do Brasil. Já no primeiro minuto da palestra escutaram o que já sabiam, e os mapas confirmam, o mundo vai mal, mas o Brasil vai ainda pior. Segundo a astróloga, o país passa por “tensões planetárias particulares”. O fundo do poço, claro, foi em 2020, quando explodiu a pandemia de coronavírus. Para os que acham que é óbvio falar sobre o leite derramado, vale lembrar o que o mais famoso e importante astrólogo francês, Andre Barbeau, previu em 1987. Analisando astros e estrelas, Barbeau avisou que 2020 seria o pior ano do século XXI e que uma pandemia se espalharia pelo mundo matando milhões de pessoas.

Em 2021 se estabeleceu um platô na curva astral do planeta, que se apresenta visualmente como se fosse um gráfico da Bolsa. Depois da queda exponencial do ano anterior, houve certa estabilidade.

A boa notícia é que está chegando ao fim a fase dos extremos, da polarização, dos antagonismos desmedidos. Fase que não deu nenhuma chance ao centro, onde todos se sentiam obrigados a tomar uma posição contra ou a favor de alguma coisa. O esvaziamento do centro, segundo Marcia Mattos, ocorreu no mundo inteiro e, pela consulta dos mapas astrais, deve ser lido de maneira filosófica, mas também pode ser entendido politicamente. Ela explicou que o caminho do meio que se lê nos mapas é um conceito budista milenar, onde um indivíduo ou uma comunidade encontra total equilíbrio e controle sobre seus impulsos e comportamentos diários. Esta fase volta em 2023, disse Marcia aos atentos CEOs.


Ao longo do ano em curso, as tensões polarizadas seguem até outubro, que no Brasil é justamente o mês das eleições. Haverá momentos extremados pelo menos até agosto deste ano. O ano astral, disse Marcia ao seu público de executivos, será de “destronamentos”. A tendência apontada pelos astros é que países que realizarem eleições este ano, como o Brasil, mudem seus governantes. Este “destronamento” é interpretado pela astróloga como uma evocação da mitologia grega, em que o filho mata o pai rei e assume a sua dinastia. No caso concreto dos tempos modernos, significa o fim de uma era. “Em outubro, no Brasil, vai haver uma virada de jogo, uma mudança radical, a interrupção de uma direção”.

Você pode não acreditar em nada disso, tudo bem, mas tem um pouco mais. Segundo a astróloga, de 2023 a 2030 as curvas astrais subirão ininterruptamente, sobrevindo um período de forte “produção de bem estar”. Ainda assim, alguns problemas gerados na pior fase não serão resolvidos nesta época de bonança. No Brasil, por exemplo, a casa dois do mapa, que rege a economia, mostra o descontrole das finanças públicas, a derrama de dinheiro sem critério e sem acompanhamento de aplicação. A regência de Netuno indica que o dinheiro público se “dissolve” ao longo desta fase.

Pela leitura de Marcia, o pior é que “vai ficar por isso mesmo”. A mudança de direção inequívoca apontada pelos astros para 2023 não será acompanhada por cobranças e punições por erros e crimes cometidos nos anos anteriores. Márcia não pode dizer se a mudança será o “destronamento” de Bolsonaro por Lula, como indicam as pesquisas, porque Lula não tem mapa astral. A verdadeira data de seu nascimento é desconhecida, são quatro e nenhuma delas é confiável. Mas pelo que se viu, deve ser Lula mesmo. Ao final, ele vai se aliar ao Centrão para governar passando uma borracha nos desembolsos orçamentários escandalosos.

O velho e o mar

É uma história maravilhosa. É um mito homérico adaptado à nossa época. O mundo está repleto de tubarões prontos para disputar os peixes-espada que os homens bons tão corajosos vão pescar longe das costas da mediocridade.

René Depestre, "Aleluia para uma mulher-jardim"

A pandemia da desigualdade

A Oxfam, organização inglesa criada há 80 anos, publicou neste mês o relatório – “Desigualdade Mata”, com um dado de contraste assustador: durante os dois anos de pandemia de covid-19 o mundo registrou um novo bilionário a cada 26 horas, ao mesmo tempo em que quase 200 milhões de indivíduos passaram a integrar as estatísticas de pobreza.

O estudo informa que as dez maiores fortunas pessoais do planeta cresceram acima de 100%, somando mais de um bilhão de dólares por dia, enquanto caíam os ganhos de 99% da humanidade, ao longo do período de pandemia.

Os dados da publicação indicam ainda que a taxa de elevação das grandes fortunas foi maior nos dois últimos anos do que nos 14 anteriores, no maior salto de riqueza desse grupo desde o início da série histórica.

Isso mostra que a ciência, o capital e o Estado foram capazes de diagnosticar, prevenir e curar doenças que dizimaram populações ao longo de eras. Até mesmo o câncer hoje registra risco de morte inferior ao de poucas décadas atrás.

Contudo, um milhão de anos de existência do ser humano não foram suficientes para sequer atenuar a pior e mais antiga doença que já assolou a nossa espécie – a desigualdade social.


A Terra de Santa Cruz, que não costuma ficar para trás quando se trata de más notícias, também deu sua cota de contribuição à pandemia da desigualdade, incorporando dez novos bilionários ao time dos abastados durante a Covid, enquanto 90% dos brasileiros sofreram redução na renda.

A humanidade vem enfrentando no curso do tempo, com muito esforço, incontáveis moléstias letais como a lepra, a peste, a gripe espanhola, Aids, ebola, varíola, cólera – e luta para controlar a covid-19.

Vale lembrar nesse contexto que o presidente Franklin Roosevelt, mesmo governando a maior potência do planeta por mais de uma década, não escapou de complicações decorrentes da poliomielite.

Ao contrário do que acontece com o coronavírus em suas diferentes versões, a pandemia da desigualdade é intencional desde sua origem. Quem sabe, suas primeiras cepas datem do princípio de tudo.

Talvez tenha passado despercebido ao autor do Gênesis que Adão já planejasse comandar o paraíso, mesmo antes de sua costela comer a maçã. Da mesma forma, Darwin não notou que a primeira ideia do pithecantrophus, ao caminhar ereto, foi passar na frente dos seus semelhantes. De lá para cá, valeu a lei do mais forte (ou mais rico).

A desigualdade é o drama primordial do ser humano. Salvo exceções (meteoros, por exemplo), os demais problemas decorrem da desigualdade, alguns como parte da causa, outros como efeito.

A desigualdade se mostrou também na distribuição de doses. Milhões de habitantes de países e regiões pobres não têm acesso nem à primeira dose para grupos de risco, enquanto países e regiões privilegiadas já adquirem a terceira dose para toda sua população.

As lideranças econômicas e políticas conhecem a vacina e o remédio contra a implacável pandemia de desigualdade social que já chega a caracterizar a humanidade, cristalizando-se como pilar da estrutura das sociedades humanas, ou como ingrediente original da nossa índole.

Não há justificativa aceitável. A culpa não foi da serpente do Éden. Negar-se a tratar com urgência a desigualdade social é uma escolha de cunho moral indisfarçável.

O passado do país se foi de vez

É possível derrotar Bolsonaro nas urnas e virar esta página infame da história brasileira. Mais: é provável que isso venha a acontecer em outubro que vem, embora o caminho até lá seja tudo menos tranquilo, mesmo para quem, como o desafiante Lula, desfruta de folgada dianteira nas pesquisas.

Afirmar que a derrota espreita o ex-capitão não significa ignorar que ele fará o que puder "dentro das quatro linhas constitucionais", se bastar, e além delas, se necessário, para tumultuar o processo eleitoral e desqualificar os resultados caso lhe sejam adversos a fim de continuar no Planalto a qualquer preço, tratorando as instituições democráticas.

Além disso, mesmo que o império das leis e a força dos fatos o obriguem a passar a faixa ao sucessor, continuará existindo espaço político para a extrema direita, sob sua liderança ou de outro político do gênero.


Tem razão o professor Oliver Stuenkel (FGV-SP) ao ressaltar, em artigo na edição eletrônica da revista Piauí de 11 de janeiro, que o fortalecimento político de Donald Trump, nesses 12 meses desde a malograda invasão do Capitólio, ensina que a derrota eleitoral não zera o jogo e que a aposta continuada na radicalização pode recompensar quem aspira a conduzir forças extremistas.

Na verdade, por circunstanciais que possam ter sido seus resultados, as eleições brasileiras de 2018 produziram uma liderança nacional para as falanges do ódio, da violência, da ignorância prepotente e do irremissível atraso existentes no país. Até então, tinham expressão política dispersa em organizações e indivíduos militando nas redes sociais, nos meios de comunicação, nas eleições legislativas, nutrindo assim as reservas do baixo clero, desde as câmaras municipais ao Congresso.

A prolongada crise política da década passada tirou o PT da Presidência, mas também destruiu a capacidade do PSDB de aglutinar, para fins da disputa presidencial --e só para ela--, os partidos perfilados do centro à extrema direita do espectro político.

Ativistas e eleitores sem compromisso com regras e valores democráticos, antes participantes indistinguíveis da grande fronda antipetista, adquiriram visibilidade e expressão nacional própria.

É difícil imaginar que uma possível derrota eleitoral de seu mais autêntico representante torne a colocar a escolha do titular do governo nos trilhos da competição relativamente civilizada entre candidatos dos dois lados do centro.

Com ou sem Jair Bolsonaro, o extremismo antidemocrático, embora minoritário, continuará a ser uma presença visível, atuante e ameaçadora no país.

O passado se foi de vez.