terça-feira, 1 de maio de 2018

Do maio de 68 francês para o Brasil: 'A imaginação no poder'

Há 50 anos, em um mês de maio como este, enquanto o Brasil estava aprisionado pela ditadura, na França irrompia a maior revolta estudantil do século, uma explosão em favor da liberdade, chamada também de “a revolução da alegria”. Desde aquele maio chegou-se a escrever que depois dele nada mais foi igual em boa parte do mundo. O poder mudou de domicílio e foi entregue à imaginação.

O Brasil já na democracia chega ao aniversário de meio século do maio francês confuso e alarmado, enquanto tocam os sinos de alerta ante a presença de nostalgias autoritárias e belicosas tanto por parte da direita como da esquerda. Seria preciso se perguntar se o Brasil de hoje que derrotou a ditadura militar deveria se espelhar naquele maio francês que despertou a sociedade conservadora, classista e tediosa, com o desafio da “imaginação no poder” e o lema “destruam as engrenagens”, dois dos grafites dos muros de Paris que percorreram o mundo com o “sejam realistas, peçam o impossível”.

As testemunhas e protagonistas ainda vivos daquele maio francês que lançou as bases da defesa dos direitos humanos e das liberdades de expressão, da revolução sexual, da luta contra o machismo e do reconhecimento da dignidade da mulher, discutem ainda hoje se foi uma revolução política ou cultural.

Nesses 50 anos foram publicados centenas de livros que pretendem explicar aquele incendiário maio francês. Vão desde os detratores daquela revolta que deixou um mês em suspenso a França de Sartre e de Voltaire, aos que a consideram a mais criativa das explosões juvenis conhecidas até hoje. Desde os que a viram como o ressurgimento dos valores do liberalismo que livrasse o poder das amarras do conservadorismo e estatismo aos que a consideram fracassada porque “não propôs a luta de classes”.

Nem a propôs nem podia, já que à revolta dos jovens, filhos da burguesia, se uniu o proletariado das fábricas, os sindicatos e o Partido Comunista, que, juntos, paralisaram o país durante um mês. Não foi um embate violento, apesar das centenas de feridos no enfrentamento com a polícia, mas uma explosão de liberdade, como um dos grafites demonstra: “Façam o amor, e não a guerra”. Aqueles estudantes eram lúdicos, queriam romper as correntes em que a sociedade conservadora, que definiam como uma “flor carnívora”, os havia amarrado, desde a proibição de sonhar à de poder usar a sexualidade em liberdade.


Se o Brasil de hoje quisesse se espelhar naquele maio francês libertador poderia fazer isso tornando seus alguns dos lemas que os jovens da época usaram, como o da “imaginação no poder”. Ou não é verdade que no poder que hoje domina a sociedade brasileira falta imaginação e sobra conformismo? Basta dar uma volta pelas instituições para observar a pobreza imaginativa que as aflige. Ou consideram imaginativos boa parte dos senhores deputados e senadores de hoje ou os magistrados do STF, que parecem petrificados em um tempo que já não existe, no qual falam para si mesmos, com as janelas fechadas para a rua da qual no maio francês diziam que “nela residia a poesia e o poder”? Existe por acaso imaginação no Governo, em seus ministros opacos e na maioria dos candidatos à presidência? Existe imaginação nos partidos nos quais há políticos que já militaram em oito diferentes? Serão imaginativos os Temer, os Renan, os Aécios, os Bolsonaros, os Maias, os Alckmin, as Gleisi ou os Lindenberg? O que diriam os jovens do protesto de Paris a personagens da alta magistratura como Gilmar Mendes, Lewandowski ou Toffoli, esses jovens que gritavam: “a imaginação e a arte morreram, não comam seu cadáver”?

Para que o Brasil deixe voar em liberdade a imaginação que possa se apropriar do poder, precisaria tornar seu também o outro slogan do maio francês: “Destruam as engrenagens”. A imaginação e a criatividade não chegarão às instituições do poder sem se romper antes as correntes que as condenam à imobilidade. É preciso romper o “mecanismo”, idealizado pelo cineasta Padilha, no qual se veem enredados os três poderes. Essa trágica cumplicidade da impunidade na corrupção que lhes permite se perpetuarem no poder e que impede a oxigenação e renovação de seus líderes, bloqueio para as novas gerações.

Só destruindo essas engrenagens será possível ao Brasil avançar nas reformas políticas e sociais que há 20 anos nenhum dos governos teve a coragem de enfrentar por medo da impopularidade que põe em perigo sua permanência no poder. O que hoje parece um beco sem saída para o Brasil aprisionado no labirinto de uma teia de aranha de interesses pessoais e de partido poderia amanhã ser um desses sonhos em que se acreditou no maio francês, quando cunhou: “sejam realistas, peçam o impossível”. O impossível pode tornar-se possível graças à fé de uma sociedade que, unida e não em guerra, decida mudar.

Na França, naquele maio da reviravolta libertadora a esperança no novo se tornou possível. Não a tiros e com ódios, mas com a força da convicção de uma sociedade unida. Com os jovens universitários e o ancião filósofo existencialista Jean-Paul Sartre, autor de O Ser e o Nada, gritando juntos nas barricadas que os sonhos nem sempre são impossíveis. Aquele Sartre que dizia que “quando os ricos fazem a guerra, quem morre são sempre os pobres”.

Gente fora do mapa

Sebastio Salgado, Charcoal industry, Danbad, Bihar State, India, 1989
Danbad (Índia,1989), Sebastião Salgado

Pedir 'esperança' a desempregado é crueldade

Pela lógica, se um presidente da República tivesse que aparecer para os desempregados, não se atreveria a surgir em outra forma que não fosse a de uma carteira assinada. Mas a impopularidade subiu à cabeça de Michel Temer. Quando um presidente ocupa rede nacional de rádio e TV para celebrar o Dia do Trabalho e pede “esperança” a quem está no olho da rua, revela-se ilógico. Quando faz isso apenas três dias depois de o IBGE ter anunciado que o número de desempregados cresceu, atingindo a marca de 13,7 milhões de brasileiros, Temer mostra-se cruel.

Disse o presidente a certa altura: “Você, trabalhador que procura trabalho, não perca a esperança. O Brasil está crescendo, e, a cada dia, estamos criando mais postos e mais oportunidades.” A realidade é bem outra. Os dados do primeiro trimestre reforçam as dúvidas quanto ao fôlego da retomada do crescimento econômico. Em meio às incertezas eleitorais e ao surto de imoralidade, sobram razões para apreensão.


Além de perturbar os desempregados, Temer injetou no pronunciamento do Dia do Trabalho o anúncio de que decidiu aumentar o valor do benefício destinado às famílias que frequentam as franjas da sociedade, sem acesso ao trabalho formal. “Nesse 1º de Maio, o presidente da República não podia deixar de mostrar serviço”, vangloriou-se. “Por isso, anuncio que acabo de autorizar o reajuste do Bolsa Família.” Temer se absteve de mencionar o valor e a data do reajuste.

Mais crueldade: quem ouve Temer fica com a impressão de que o benefício virá mais gordo já neste mês. Na verdade, o reajuste de 5,67% chegará à clientela do Bolsa Família apenas em julho. Os beneficiários xingarão o presidente ao receber o benefício de maio. Voltarão a ofender Temer ao manusear o benefício de julho. E muitos continuarão maldizendo o presidente quando verificarem, em julho, que o aumento elevou o valor máximo do Bolsa Família de R$ 177,71 para R$ 187,79.

Pela lógica, um presidente que não tem o que dizer deveria ficar quieto. Mas a impopularidade tirou Temer do eixo. Foi a segunda vez que o presidente levou a cara ao ar, numa rede nacional, no intervalo de apenas dez dias. No pronunciamento anterior, Temer dedicara-se a se autoelogiar. Revelara-se capaz de analisar quase tudo. Só não foi capaz de fazer o tipo mais precioso de análise: a autoanálise.

Nesta segunda-feira, Temer manteve a cabeça no seu universo paralelo. “Enquanto alguns passam o dia criticando, a gente passa o dia trabalhando”, disse. A julgar pela taxa de reprovação do presidente, a maior esperança acalentada por 7 em cada 10 brasileiros é a de que o tempo voe para que seu governo acabe e Temer possa passar o dia fazendo outra coisa —prestando contas à Justiça, por exemplo.

Dia dos mortos-vivos

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Coimbra, 1 de Maio de 1974

Colossal cortejo pelas ruas da cidade. Uma explosão gregária de alegria indutiva a desfilar diante das forças de repressão remetidas aos quartéis.

- Mais bonito do que a Rainha Santa... - dizia uma popular.

Segui o caudal humano, calado, a ouvir vivas e morras, travado por não sei que incerteza, na recôndita e vã esperança de ser contagiado. Há horas que são de todos. Porque não havia aquela de ser também minha? Mas não. Dentro de mim ressoava apenas uma pergunta: Em que oceano de bom senso iria desaguar aquele delírio? Que oculta e avisada abnegação estaria pronta para guiar no caminho da história a cegueira daquela confiança?

A velhice é isto: ou se chora sem motivo, ou os olhos ficam secos de lucidez.

Miguel Torga, "Diário XII"

Dia do Trabalho: em que países se trabalha mais horas?

Em março, a Assembleia Nacional da Coreia do Sul aprovou uma lei que reduzirá a carga de trabalho de sua população: o limite máximo de horas trabalhadas por semana passará de 68 para 52.

Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Coreia do Sul é o país desenvolvido com o maior número de horas trabalhadas.

A nova regra passará a ser aplicada em julho de 2018, mas iniciará com empresas grandes antes de chegar a negócios menores.

Apesar da contrariedade de alguns empresários, o governo do país acredita que a lei é necessária para melhorar a qualidade de vida, criar mais empregos e impulsionar a produtividade.

O governo sul-coreano também acredita que a medida pode ajudar a aumentar a taxa de natalidade, que caiu substancialmente nas últimas décadas.

No volume de horas trabalhadas por ano, a Coreia do Sul lidera entre os países desenvolvidos: uma média anual de 2.069, segundo dados de 2016 compilados pela OCDE.

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A análise se debruçou sobre dados de 38 países e mostrou que apenas o México (2.225 horas no ano) e Costa Rica (2.212) trabalham mais.

O levantamento da organização não inclui o país. Mas, segundo o escritório de St. Louis do Federal Reserve, o banco central americano, em 2014, a média anual de horas trabalhadas pelos brasileiros foi de 1.771 horas. Esse dado colocaria o Brasil em 16º na lista da OCDE, logo atrás dos Estados Unidos e à frente de países como Japão, Reino Unido e Alemanha, quarta economia do mundo e último da lista.

A iniciativa da Coreia do Sul parece seguir na contramão do que ocorre em outros países asiáticos. Muitos não têm limites para horas trabalhadas por semana, inclusive o Japão, a terceira maior economia do mundo.

O Japão tem um problema com as mortes por trabalho em excesso - algo expresso não só pelas estatísticas, como também por uma palavra em japonês que dá nome justamente a esse tipo de problema: karoshi.

O significado da palavra remete às mortes de empregados ligadas ao estresse (como derrames e ataques cardíacos) ou a suicídios relacionados à pressão sentida no trabalho.

A média anual de 1.713 horas trabalhadas não coloca o Japão no topo da lista da OCDE. No entanto, para além deste dado, está o fato de que o país não tem uma legislação que determine um limite para o número de horas trabalhadas ou de horas extras.

Entre os anos de 2015 e 2016, o governo registrou um recorde de 1.456 casos de karoshi.

Grupos que defendem os direitos dos trabalhadores dizem que, na realidade, os números são muito maiores - isto por conta, hoje, da subnotificação.

Segundo estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), trabalhadores de países com renda baixa e média tendem a trabalhar por mais tempo do que em países mais ricos. Isso graças a uma série de fatores, como uma maior proporção de trabalhadores autônomos, instabilidades no trabalho e questões culturais.

A OIT diz que a Ásia é o continente em que mais pessoas fazem as jornadas mais longas de trabalho. A maioria dos países (32%) não tem um limite nacional para o volume de horas trabalhadas por semana; outros 29% dos países têm valores considerados altos (60 horas semanais ou mais). E somente 4% dos países seguem a recomendação da OIT de limitar o valor em 48 horas semanais ou menos.

Nas Américas e no Caribe, 34% das nações não têm um limite legal - entre elas, está os Estados Unidos. No Brasil, a Constituição determina o limite de 44 horas semanais.

Mas é no Oriente Médio que os limites legais têm a maior abertura para longas horas: oito entre dez países permitem que elas passem de 60 horas semanais.

Na Europa, por outro lado, todos os países têm limites estabelecidos. Apenas na Bélgica e Turquia esse valor passa de 48 horas.

Enquanto isso, a África é a região do mundo em que o maior número de países tem mais de um terço de sua força de trabalho atuando mais de 48 horas semanais. Essa é a situação de 60% dos trabalhadores na Tanzânia, por exemplo.

Algumas pesquisas já identificaram a situação de cidades pelo mundo no que diz respeito às horas trabalhadas.

Em 2016, o banco suíço UBS publicou um estudo sobre a situação de 71 cidades. Hong Kong apareceu no topo, com 50,1 horas trabalhadas por semana, na frente de Mumbai (43,7); Nova Déli (42,6) e Bangcoc (42,1). Duas cidades brasileiras foram incluídas: Rio de Janeiro (33,5) e São Paulo (34,9).

Os mexicanos, além de terem a maior soma de horas trabalhadas, também têm um tamanho tímido de férias remuneradas: um mínimo de 10 dias, como na Nigéria, Japão em China. Um valor bem distante do Brasil, que tem um mínimo de 20 a 23 dias úteis.

Mas poderia ser pior: na Índia, não há limites legais para o volume de horas trabalhadas e nem um mínimo de férias remuneradas.