sábado, 31 de julho de 2021

Brasil da desesperança

 


Um país no passado

A imagem que a Secom escolheu para homenagear o agricultor brasileiro, a silhueta de um homem carregando uma espingarda em meio a uma plantação, remete o espectador a um passado sombrio da História do campo brasileiro. Da mesma forma, a live abusiva de Jair Bolsonaro desta quinta-feira mostra o caminho que nos joga de novo nos anos 1980. Trata-se de passos calculados para levar o Brasil de volta às trevas. A ideia absurda mas visível que está por trás de cada um desses movimentos é terminar o ciclo fechando o país, o Congresso e o Supremo, suspendendo direitos políticos, calando a imprensa, baixando o porrete. 

O agricultor armado lembra os piores momentos da guerra no campo, com a criação da União Democrática Ruralista, a UDR. Formada em 1985 como grupo de lobby para defender os interesses do setor na Constituinte, a UDR acabou se transformando no principal polo de disseminação da violência. Jagunços armados nas fazendas do interior do país se transformaram na imagem agora revivida pela Secom. Ataques contra líderes do movimento dos sem-terra, padres e sindicalistas rurais deixaram um rastro de mortes no país cujo maior símbolo foi o seringalista Chico Mendes.


A defesa tão intransigente quanto obtusa do voto impresso feita por Bolsonaro também joga luz sobre o Brasil dos coronéis do interior, que carregavam os eleitores em caminhões para votar e depois contavam seus votos, um a um. E ai de quem não votasse em quem o coronel mandou. Os mais velhos vão se lembrar das apurações das eleições que antecederam o voto eletrônico. As urnas eram abertas e as cédulas espalhadas em mesas. Cada uma delas composta por mesários, os contadores oficiais de votos, e representantes de todos os partidos. Uma algazarra, um ambiente para lá de propício para a fraude. Imagine este quadro hoje, com mais de 30 partidos ao redor das mesas de apuração.

O desembarque do Centrão no governo Bolsonaro é outro elemento que manda o país de volta para o passado. Claro que agrupamentos fisiológicos ocorrem no Parlamento brasileiro desde o Império. Evidentemente eles circulam o Poder Executivo e dele muitas vezes fazem parte sempre com o objetivo de garantir brasa sob as suas sardinhas. Mas o modelo “É dando que se recebe” explícito foi concebido no governo de Fernando Collor. Já existia sob Sarney, mas cristalizou-se no processo que acabou com o primeiro impeachment de presidente no Brasil.

As pautas de costumes, que muitos enxergam como um mal menor do extremista Jair Bolsonaro, comportam outras barbaridades que podem ajudar a tornar o Brasil um país ultrapassado. Entre elas estão a ampliação do porte de armas; o homeschooling, que permite que crianças sejam educadas em casa pelos pais; a criação do estatuto da família, proibindo a união estável de casais homoafetivos; a proibição total do aborto, mesmo para gestação de fetos anencéfalos; e o endurecimento da lei de drogas. Além, claro, da redução do rigor em casos de atentados aos direitos humanos e a aprovação do infame excludente de ilicitude.

Nem os brasileiros que ainda insistem em apoiar Bolsonaro merecem um retrocesso desse tamanho. O país, que está parado desde janeiro de 2019, corre o risco de ver sua democracia destruída ao recuar pelo menos 30 anos em direção ao passado se o presidente não for impedido. Se não agora, pelas mãos dos congressistas confortavelmente aboletados no governo, que seja em outubro do ano que vem, pelo voto livre, soberano, secreto e eletrônico.

Nazista no Planalto 

Estranho tanta gente se surpreender com o fato de Jair Bolsonaro receber uma nazista alemã em seu gabinete. Eles são iguais, em todos os sentidos. Surpreendente seria se o visitante fosse um parlamentar do Partido Verde alemão.

Uns acham exagero chamar o presidente do Brasil de genocida. Outros consideram abusivo compará-lo a Hitler. Para estes, algumas questões.

O que você responderia se lhe perguntassem até onde chegaria o capitão se ele tivesse poderes ilimitados, como Hitler, Stalin, Mao ou Pol Pot? Você acha que ele não cumpriria a promessa de “matar uns 30 mil” para fazer seus acertos de conta? O homem que elogiou publicamente um dos mais notórios torturadores do Brasil trucidaria seus adversários se não tivesse que prestar contas à Justiça? Haveria risco dele usar as “suas Forças Armadas” para invadir a Venezuela e derrubar Nicolás Maduro? Pois é.

Os generais não sabem quem é o inimigo

Bolsonaro disse que o general Luiz Eduardo Ramos não é um ministro “nota 10”. Disse isso poucos dias depois de defenestrar o general para pôr em seu lugar alguém que os militares detestam: um cacique do Centrão — esse, sim, nota 10. Tempos atrás, o presidente nada fez quando Ramos foi chamado de “maria fofoca” por Ricardo Salles.

Bolsonaro disse também que o general Mourão “atrapalha um pouco”, é como aquele cunhado do qual a gente não pode se livrar, tem que aturar. Antes disso, mandou o vice-presidente — que não é seu subordinado — passar o vexame de ir a um país estrangeiro para cuidar de interesses particulares de uma igreja, expondo-o a sofrer denúncia criminal e até processo de impeachment.

Bolsonaro desautorizou e humilhou o general Pazuello várias vezes, constrangeu-o a cometer atos ilegais e até criminosos, e o sujeitou ao vexame de dizer o “ele manda, eu obedeço”. Ao chamar o general ao palanque de seu comício, o presidente o levou a infringir a lei e o regulamento militar.

Bolsonaro obrigou o comandante do Exército a acompanha-lo à ridícula inauguração de uma ponte minúscula no meio do nada, a ouvir calado um discurso golpista e o proibiu de punir Pazuello, abrindo grave precedente de quebra da disciplina militar.


Antes disso, Bolsonaro arrastou vários oficiais-generais, como Heleno, Ramos, Braga Netto, Pazuello, os almirantes Bento Albuquerque e Flávio Rocha, e o contra-almirante Barra Torres a manifestações golpistas, uma das quais em frente ao Forte Apache, QG do Exército em Brasília.

Bolsonaro atraiu o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, a uma armadilha, obrigando-o a sobrevoar uma das manifestações golpistas, e pressionou-o a exigir das Forças Armadas (que chama de “minhas”) declarações de fidelidade. Quando Azevedo se recusou, o presidente demitiu-o sumariamente e sem motivo, assim como fez com os comandantes das três Forças.

Bolsonaro também demitiu sumariamente, sem motivo ou explicação, os generais Santos Cruz, Rêgo Barros, Juarez Cunha, Franklimberg Freitas, João Carlos Corrêa, Marco Aurélio Vieira. Já o general Santa Rosa, constrangido por não ter condições de trabalho, preferiu se demitir. O presidente também permitiu que aliados seus promovessem linchamentos virtuais contra generais como Santos Cruz e o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Boas.

Mas os oficiais-generais brasileiros acreditam que quem quer desmoralizar as Forças Armadas são alguns senadores que querem investigar meia dúzia de coronéis corruptos.

É curioso que militares experientes, treinados para a guerra, tenham tanta dificuldade para identificar quem é o verdadeiro inimigo.

Perigam bombardear a própria capital.

Houve fraude na eleição de 2018

Depois de assistir à live de Jair Bolsonaro ontem, na qual ele apresentou como um dos indícios de fraude nas urnas eletrônicas a fala de um astrólogo que faz acupuntura em árvores, concluí que houve cambalacho na eleição de 2018.

Explico.


Para enfrentar o poste do corrupto e lavador de dinheiro, Jair Bolsonaro vendeu-se como o presidente que combateria sem trégua a corrupção, diminuiria drasticamente a criminalidade cotidiana, reduziria o tamanho do Estado, faria reformas profundas para ter menos Brasília na vida das pessoas, renunciaria ao toma lá dá cá no Congresso e lutaria para extinguir a reeleição à presidência da República.

Uma vez eleito, contudo, Jair Bolsonaro não só deixou de cumprir o que havia prometido, como fez o contrário do que os seus eleitores esperavam dele. Deu carta branca aos corruptos ao demitir Sergio Moro, aparelhar a PF e apoiar trambiques legislativos contra a Lava Jato. Não combateu a criminalidade como deveria (o número de assassinatos, por exemplo, voltou a crescer em 2020). O Estado aumentou de tamanho (ele prometeu que teria somente 15 ministérios, começou com 22 e agora tem 23) e as grandes privatizações não saíram. As reformas serão mais rasas e em menor número do que o necessário (a trabalhista poderá sofrer retrocesso, aliás, com a recriação do Ministério do Anticapitalismo), além de terem custado bilhões de reais em emendas e fundões. O toma lá dá cá está finalmente personificado na figura de Ciro Nogueira como ministro-chefe da Casa Civil. A reeleição é o único propósito de Jair Bolsonaro.

Por último, mas não menos importante, diante da maior crise sanitária em um século, ele exibiu — e ainda exibe — um comportamento de sociopata que contribuiu para boa parte das quase 550 mil mortes por Covid. Comportamento que já deveria ter levado ao seu impeachment, não contasse esse presidente infame com uma coluna de cúmplices a bom soldo na Câmara e no Senado.

Houve fraude na eleição de 2018, não resta dúvida, mas as urnas eletrônicas só a espelharam. Jair Bolsonaro é um astrólogo que fez acupuntura em árvores, antes de serrar os seus troncos.