sábado, 7 de novembro de 2015

Unipensemos enquanto é tempo

Com a crise das commodities desencadeada pela sucessão de mordidas e assopros da China ha uma nova onda de fusões e aquisições entre os gigantes globais do agronegócio. Logo logo haverá ainda menos vendedores dos insumos necessários à produção do que o mundo come e menos compradores do que suas vítimas conseguirem produzir suando de sol a sol nas lavouras do mundo do que os já muito poucos que chegaram vivos até aqui.

São esses “campeões internacionais” que decidirão doravante a que profundidade você terá de mergulhar em seu bolso para evitar a única outra “escolha” que restará a sua antiga majestade, o consumidor, que será pechinchar com seu próprio estômago…

Na área de saúde aqui mesmo neste “país de todos” houve 29 operações de fusões e aquisições desde a abertura do setor aos estrangeiros animadas pelas últimas desvalorizações do real.

Se você está entre os famigerados 99% é provável que o SUS acabe sendo a parte que te cabe nesse latifúndio…

Para onde quer que se olhe é a mesma coisa: sinucas. Estas são só duas “chamadas” catadas a esmo nas primeiras páginas dos jornais de hoje. Todos os dias ha diversas desse genero tratando rigorosamente de todos os setores da economia em todo o mundo. Ha 30 anos ininterruptos, desde que a internet conectou os mercados de consumo e de trabalho de todos os “estados unidos” aos de todas as “chinas” da vida, têm havido recordes sucessivos de “fusões e aquisições” como aquelas que, ainda no longínquo século 19, fizeram os sempre execrados “capitalistas ianques” se levantarem contra os “robber barons” e instituir a unica legislação antitruste efetiva que o mundo já viu e que, por algumas décadas, de fato pos a classe operária mais perto do paraíso.


Agora tudo isso, cada vez mais, é passado. E o que embalou esse retrocesso foi o “duplipensar” dos reacionários ditos “progressistas” de sempre. George Orwell, que cunhou a expressão na sua anti-utopia “1984“, explicava assim o seu significado:

“Saber e não saber, estar consciente de sua completa sinceridade ao exprimir mentiras cuidadosamente arquitetadas, defender simultaneamente duas opiniões que se cancelam mutuamente, sabendo que se contradizem, e ainda assim acreditar em ambas; usar a lógica contra a lógica, repudiar a moralidade e apropriar-se dela, crer na impossibilidade da Democracia e que o Partido era o guardião da Democracia; esquecer o quanto fosse necessário esquecer, trazê-lo à memória prontamente no momento preciso, e depois torná-lo a esquecer; e acima de tudo, aplicar o próprio processo ao processo. Essa era a sutileza máxima: induzir conscientemente a inconsciência, e então, tornar-se inconsciente do ato de hipnose que se acabava de realizar. Até para compreender a palavra ‘duplipensar’ era necessário usar o duplipensar“.


Cabe, portanto, com os fatos frescos como estão ainda, unipensar enquanto é tempo e registrar os devidos direitos autorais:

Ninguem conseguiu por para rolar uma onda de desnacionalização mais completa e devastadora da economia brasileira que o nosso mais radical partido nacionalista no poder; ou orgia mais desenfreada para bancos e “rentistas” que os nossos mais renhidos “anticapitalistas“; ou ainda, tsunamis de privatizações compulsórias a preço de banana mais vis que os nossos mais ferrenhos defensores de uma economia estatizada.

Ninguem jamais promoveu processo mais amplo, geral e irrestrito de proletarização da classe operária planetária que a “vanguarda internacional do proletariado” esparramando universo afora a miséria dos “paraísos da classe operária“.

Assim é que de fato está sendo.

Como se vê


Nosso Judiciário é caro e não se reverte em serviços prestados. Ele não se vê como prestador de serviço público
Luciana Gross Cunha, coordenadora do Centro de Pesquisa Jurídica Aplicada da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo

Mar de lama: literal e figuradamente


O rompimento de duas barragens de rejeitos tóxicos de uma mineradora nos arredores de Mariana, em Minas Gerais, produziu uma catástrofe de dimensões apocalípticas. Ou bíblicas, já que as Escrituras são ao mesmo tempo cosmorrelato e meganarrativa onde tudo é superlativo, extremado, incomensurável e transcendental.

Cunhada há cerca de 60 anos – em 1954, antes, durante e depois da tentativa de assassinato do jornalista-deputado Carlos Lacerda – e injustamente imputada ao presidente Getúlio Vargas, a expressão “mar de lama” saiu das manchetes dos vespertinos para o vocabulário político, acolhida pela historiografia e pela retórica forense. Resgatada pelas revelações do escândalo do mensalão (2005), voltou a ser usada na cobertura do petrolão (2014) e também agora, na palhaçada parlamentar protagonizada por Eduardo Cunha, a incrível história de um finório que já conseguiu abalar a República e daqui para a frente só poderá produzir algo muito pior.

Eduardo Cunha possui um extraordinário efeito tóxico e maculador – espalha sujeira e emanações por onde passa: poluiu as figuras-chave do seu partido, o PMDB; manchou indelevelmente o PT, com quem tentou se entender para proteger a presidente Dilma Rousseff; sujou e rebaixou o empertigado PSDB, que tenta animá-lo a apressar o pedido de impeachment; contaminou perigosamente a imagem do Congresso; e, com suas diabólicas maquinações, conspurca não apenas os correligionários evangélicos, mas a própria mensagem espiritual da religião, convertendo-a em sinônimo de crueldade e perfídia.
Comparadas com as confessadas roubalheiras praticadas pelos meliantes enroscados na Operação Lava Jato, as denúncias contra Eduardo Cunha poderiam ser avaliadas como irrisórias não fosse a malignidade inerente ao acusado. A presidente da República teme a sua imprevisibilidade, mas o perturbador perfil psicológico, as patologias atenuadas pela fala mansa das aparições televisivas e o tremendo poder de uma autoridade como presidente da Câmara Federal criaram no cenário político brasileiro um personagem único – o homem-bomba.

Pior que um suicida, Cunha é um paranoico capaz de acionar o seu colete com explosivos certo de que sairá incólume da explosão. O problema não é dele, de sua família ou dos amigos. O problema é nosso, porque este é o arquétipo do fanático incapaz de voltar atrás, empurrado pela insana obsessão de seguir em frente.

O mar de lama que enlutou Mariana e o Brasil poderá ser removido, reparado, saneado e servir como advertência aos negligentes e omissos que cuidam da segurança e bem-estar do povo brasileiro. O mar de lama que produziu Eduardo Cunha e ainda o sustenta, embora figurado, metafórico, pode nos empurrar para o abismo.

Apelar para quem?

Em tempo de crise, é natural que pessoas e instituições mudem de postura. Uns cortando gastos, outros trabalhando mais. E vice-versa. Não há empresa ou trabalhador que deixe de aplicar essa lição. Registra-se, porém, a maior das exceções: o Congresso.


Há anos que em tempos de suposta normalidade deputados e senadores optaram por esticar os fins de semana, deixando Brasília às sextas e retornando nas segundas-feiras. Sessões, desde cedo e até de noite, só das terças às quintas. Como a moda pegou e ninguém reclamou, logo ampliaram a folga, fixando as sessões efetivamente produtivas entre as terças de noite e as quintas até meio-dia.

É o que vinha prevalecendo até pouco. Plenários lotados e projetos discutidos e votados, só no período referido. Fora dele, o quorum transfere-se para os aeroportos, as aeronaves e os Estados onde Suas Excelências pousam para gozar do ócio misturado ao contato com suas bases. Pois não é que já estão rifando as terças-feiras? Logo as manhãs das quintas também ganharão a estratosfera, sobrando apenas um dia entre sete, as quartas-feiras, para dedicação às tarefas fundamentais.

São lembranças fornecidas pelos livros de História os tempos em que o Congresso trabalhava de segunda a sábado ou, mesmo,de terça a sexta.

O problema é que vivemos uma crise dos diabos. Seria obrigação de Câmara e Senado estar buscando soluções para os impasses e os retrocessos econômicos em ritmo bem mais acelerado do que durante a rotina. Não é o que se verifica. Esta semana, por exemplo, quantos projetos foram deixados para a próxima? Até mesmo com a desfaçatez de marcarem não para a terça, mas para a quarta-feira que vem, decisões que precisariam ter sido tomadas faz tempo, como a da repatriação de dinheiro sujo dos paraísos fiscais para o tesouro nacional.

Dão a impressão, os parlamentares, de que nada demais vai acontecendo num país onde o desemprego avoluma-se em massa, os impostos, taxas, tarifas e contribuições sobem sob a inação legislativa, o cuto de vida eleva-se enquanto as greves se multiplicam e a indignação popular parece prestes a tornar-se reação incontrolada. Era para o Congresso estar buscando soluções até nos fins de semana, ainda que o ajuste fiscal proposto pelo governo permaneça dormindo nas prateleiras e que nem o PMDB consegue transformar em projetos de lei as propostas contidas num documento voltado para o futuro.

Houve tempo em que se aventou a hipótese de o então senador Pedro Simon ser lançado para presidir a casa. Ele declinou, afirmando que nem sua mulher, se fosse senadora, votaria nele. Porque sua primeira proposta seria estabelecer sessões deliberativas todos os dias da semana, inclusive sábado e, se necessário, aos domingos.

Em suma, o Congresso comporta-se como se o Brasil não estivesse no pior dos mundos, sempre adiando para mais tarde a adoção de fórmulas essenciais capazes de afastar a crise. Como o governo também prefere a solução de andar devagar, quase parando, sobra a pergunta: apelar para quem?


O lucro dos bancos continua crescendo enquanto o país despenca. O braço do governo não é tão longo nem bastante rígido para abrir os cofres-fortes

Até quando?

Se a crise política em curso assume, com frequência, a mutabilidade de um caleidoscópio – uma hora o impeachment parece iminente; a seguir, afastado -, o mesmo não se pode dizer das outras duas: a econômica, em marcha contínua e implacável; e a policial, centrada na Lava Jato, em que, como numa caixa de lenços de papel, uma denúncia puxa a outra, e mais outra, sucessivamente.

A lógica é que essas crises acabem se fundindo, num big bang institucional, não obstante o empenho do governo em mantê-las separadas. Para tanto, joga as fichas que possui – e não há dúvidas de que ainda as possui – no controle do Judiciário, do Congresso e do Ministério Público. Mas os escândalos superam a capacidade de se ocultá-los. Há mais lixo que tapete para encobri-los.

A semana que se encerra representou um recuo em relação à anterior. O único dado concreto foi a instalação da comissão de ética da Câmara que julgará o deputado Eduardo Cunha. Este continua sentado sobre o pedido de impeachment, sem sinalizar o que fará.

O governo, de um lado, manobra para salvar Cunha; de outro, estimula o PT e seus aliados a atacá-lo. Os petistas “escandalizam-se” com Cunha e suas contas secretas e, simultaneamente, prometem mais uma moção de desagravo ao seu ex-tesoureiro João Vaccari, preso em Curitiba, por participação no escândalo da Petrobras. Comparado a Vaccari, Cunha é um escoteiro-mirim.

No TSE, que definirá as contas da campanha de Dilma - abastecida, segundo denúncias de alguns de seus financiadores, com dinheiro roubado da Petrobras -, seu presidente, ministro Dias Toffoli, decidiu, enfim, a quem entregar a relatoria: à ministra-companheira Maria Theresa, que, alinhada com o Planalto e derrotada por Gilmar Mendes em plenário, se opunha à investigação.

O normal é que Toffoli a entregasse ao ministro Gilmar Mendes, responsável pelo vitorioso pedido ao Ministério Público de abertura de investigações. Mas normalidade tem sido matéria escassa nestes dias. Dilma não queria Gilmar – e Toffoli (e Maria Theresa) não tem o hábito de contrariá-la.

Numa operação policial que corre paralela à Lava Jato, a operação Zelotes, que investiga casos de mega sonegação fiscal na Receita Federal – e que põe sob suspeita um dos filhos de Lula, Luis Cláudio, e alguns personagens do Petrolão -, deu-se outro recuo.

A juíza que cuidava do caso, Célia Regina Bernardes, da 10ª Vara Federal – e que teve a audácia de mandar apreender material no escritório do filho de Lula -, foi afastada do caso. Ao juiz Vallisney Souza Oliveira, que estava no STJ, foi entregue a missão. Vallisney tem em seu currículo o arquivamento de processo contra a ex-ministra Erenice Guerra.

A sensação de blindagem geral estabeleceu-se. E o que se constata é que, se o governo fracassa na economia e não domina a Lava Jato, ao menos se sai bem no manejo com os outros dois poderes, Legislativo e Judiciário.

Onde tudo isso vai dar? Um governo sem opinião pública – ou por outra, com uma opinião pública maciçamente contra si -, desmoralizado pela corrupção e sem qualquer projeto para deter a crise econômica, é bem sucedido em cuidar da própria sobrevivência. Para quê? - é o que se pergunta.

O ano está próximo do fim e não há sinais de qualquer desfecho para a crise política – e isso a estica e agrava. A oposição parece acomodada ao processo. Mais uma vez, aposta na decomposição espontânea do governo, como o fez, sem êxito, ao tempo do Mensalão.

Diante do imenso arco de evidências de que o governo cometeu variados crimes de responsabilidade – além das pedaladas fiscais, há o financiamento espúrio da campanha, a roubalheira na Petrobras, os escândalos investigados pela Zelotes, os fundos de pensão espoliados -, há ainda quem pondere que não há motivos para o impeachment.

E, não obstante a responsabilidade direta que a presidente Dilma tem em relação a cada um desses crimes – afinal, é a presidente -, há quem, como Fernando Henrique, faça questão de ressaltar sua probidade pessoal. Baseado em quê?

O nó institucional está dado – e ninguém parece disposto a desatá-lo. É improvável que haja precedente semelhante: povo de um lado, governo de outro. E a ausência de lideranças, dispostas a vocalizar o inconformismo das ruas, cava abismo cada vez mais fundo entre ambos.

A crise econômica, com seu cortejo de mazelas sociais, no fim das contas, dará o desfecho. Mas quando?

Floração no deserto do Atacama

Atacama

O afeto que se encerra

Nas periferias das cidades, a ‘nova classe média’ adquiriu materiais de construção e eletrodomésticos, mas não experimentou mudanças em saúde pública ou mobilidade urbana

O PIB de 2015 apresentará retração em torno de 3%. Há consenso, entre os analistas, de que 2016 conhecerá nova redução do PIB, mas as apostas variam largamente no intervalo de 1% a 3,5%. Na história registrada, só uma vez o Brasil experimentou recessão durante dois anos sucessivos: foi no alvorecer da década de 1930, sob o impacto do crash da Bolsa de Nova York, quando o mundo descia a ladeira da Grande Depressão. Um produto da queda cataclísmica será o cancelamento quase completo das chamadas “conquistas sociais” do lulopetismo.

Os números estão num estudo da Tendências Consultoria Integrada. Entre 2006 e 2012, cerca de 3,3 milhões de famílias ascenderam das classes de renda D e E à classe C, que ganhou o rótulo ilusório de “nova classe média”. No horizonte de 2017, a reversão do ciclo, ritmada pela inflação e pelo desemprego, empurrará 3,1 milhões dessas famílias de volta ao ponto de partida. Segundo Adriano Pitoli, coordenador da pesquisa, “a mobilidade que houve em sete anos deve ser praticamente anulada em três”. Tudo indica que, nas palavras dele, “estamos vivendo, infelizmente, o advento da ex-nova classe C”.

Maria José. Foto: Jair Amaral / EM / D.A. Press
Lula lançou o Fome Zero, em janeiro de 2003, na cidade mineira de Itinga, no Vale do Jequitinhonha. Dez anos antes, na sua segunda campanha presidencial, conhecera Teresa Fernandes Pessoa, que partilhava um cubículo com oito filhos. O candidato pediu-lhe que “rezasse porque, se fosse eleito, iria me dar uma casinha”. Teresa rezou e votou, três vezes, até reencontrá-lo como presidente. Nunca ganhou a casinha, mas obteve o cadastro do Bolsa Família, pelo qual ainda agradece. Agora, contudo, uma reportagem do “Diário de Pernambuco” flagrou-a reclamando das despesas de luz e água, que consomem metade dos R$ 140 transferidos mensalmente pelo programa. Ela não tem outra renda e voltou à antiga prática, quase esquecida, de pedir arroz, farinha e feijão aos vizinhos.

O fenômeno do retorno à miséria lança um jato de luz sobre aquilo que deveria ser descrito como a economia política do lulopetismo. Na tradição do pensamento de esquerda, conquistas sociais decorrem de mudanças econômicas estruturais. Mas, por meio de programas de transferência de renda e políticas de estímulo ao consumo, Lula e Dilma conferiram à expressão uma estreita tradução monetária. Sobre o pano de fundo do ciclo internacional favorável, os aumentos reais do salário-mínimo e das aposentadorias, junto com a expansão do crédito e o Bolsa Família, proporcionaram a dezenas de milhares de famílias uma ascensão social tão rápida quanto precária. Nessa trajetória, encantados pelas luzes do poder, os intelectuais de esquerda rasgaram seus próprios textos teóricos para cantar as virtudes de um modelo orientado exclusivamente por imperativos eleitorais. A Teresa icônica, que volta a se equilibrar na corda bamba da solidariedade dos vizinhos, é uma personificação do fracasso político do lulopetismo e da falência intelectual de seus cortesãos nas universidades.

Nos três mandatos da “era de ouro” do lulopetismo, os serviços públicos permaneceram à margem das prioridades de governo. As “mães do Bolsa Família” ganharam um passaporte para o supermercado, mas as “filhas do Bolsa Família” continuaram excluídas do acesso a escolas de qualidade. Nas periferias das cidades, a “nova classe média” adquiriu materiais de construção e eletrodomésticos, mas não experimentou mudanças nos campos da saúde pública ou da mobilidade urbana. “É bom ver quantos brasileiros sabem enxergar também a metade cheia do copo, e não só a parte vazia!”, tuitou a seus fãs Luiza Trajano, a proprietária do Magazine Luiza, que tem centenas de milhões de bons e sonantes motivos para ignorar “a parte vazia”. Mas é nessa “metade” do “copo” que está fixada a imagem de uma fraude política de dimensões históricas.

No início de 2014, quando a Luiza do magazine difundiu sua mensagem otimista, o IBGE constatou que o peso da indústria na formação da riqueza nacional recuara para o menor nível, desde 2000. A desindustrialização brasileira não provocou, porém, redução significativa do emprego industrial. Atrás da aparente contradição, oculta-se a forte retração relativa da produtividade industrial, que decorre da carência de investimentos em capital fixo e inovação tecnológica. O fenômeno reflete a persistência dos elevados custos logísticos, tributários e financeiros que se agravaram pela política de fechamento comercial. Na base subterrânea da reversão das “conquistas sociais” está uma dramática perda de competitividade da indústria brasileira, que será temporariamente camuflada pela desvalorização cambial. O ajuste fiscal de Dilma e Levy não toca nas raízes da crise, assentadas sobre o lodo ideológico do lulopetismo.

No poder, o lulopetismo deslocou-se sociologicamente dos trabalhadores e das classes médias urbanas para o “povo pobre”, ou seja, na direção das classes D e E em ascensão rumo à “nova classe média”. A reeleição de Lula e os dois triunfos eleitorais de Dilma derivaram da sedução hipnótica exercida pelas políticas de renda, crédito e consumo. Os votos do Nordeste, das regiões deprimidas do Centro-Sul e dos anéis periféricos das metrópoles soldaram a hegemonia lulista. A “era Vargas” durou longos 15 anos, entre 1930 e 1945. Se Dilma sobreviver à borrasca em curso, a “era Lula” completará 16 anos. Contudo, no outono do patriarca, os pobres desertam em massa de sua trincheira.

Na economia, voltamos ao ponto de partida. Na política, porém, o porto original não mais existe. Maurício de Almeida Prado, de uma consultoria com foco na renda baixa, explica que a “ex-nova classe C” adquiriu nos anos gordos, junto com os celulares, uma experiência indelével: “É um novo tipo de classe baixa: mais conectada, escolarizada e, de certa forma, até mais preparada”. Há futuro, Lula, apesar de você.

Demétrio Magnoli 

O mal que insiste em nos habitar


A sociedade brasileira tem assistido nos últimos anos à desconstrução sistemática dos valores políticos que foram propostos para amoldar o novo regime político e jurídico a partir da redemocratização do país. O que está em xeque é a condição de nossa sociedade de se governar e cumprir os fins colimados com as bases do Estado de Direito, pois a corrupção parece espalhada endemicamente em toda a máquina pública, impondo corrosão ao sistema político e administrativo do Estado.

O destino de um povo é delineado a partir de suas experiências, do amadurecimento de sua participação política e, assim, de suas instituições. Mas o retrocesso moral que se está vivendo é alarmante, colocando o Estado brasileiro diante de uma encruzilhada, numa crise profunda de valores e legitimidade institucional.

As últimas gestões do PT, seguindo seu “plano perfeito” de concentração de poder, contribuíram para intensificação de tal processo. Seja pela adoção de aparelhamento do Estado — lançando seus tentáculos hegemônicos sobre o Legislativo e o Judiciário, cooptando-os, corrompendo, adotando políticas populistas direcionadas aos setores humildes da população e interpretando o direito de acordo com seus interesses —, bem como pela negligência moral estampada em denúncias de corrupção, com negativas e minimização declarada de fatos graves. A oposição, por sua vez, segue acuada, intimidada por suas próprias ações passadas e presentes, ligadas igualmente à impunidade e corrupção em seus mandatos, estando simbioticamente vinculadas à participação de políticos destacados no petrolão, no mensalão e em outras negociatas que deveriam combater. Ainda, quando se espera uma posição sensata, diante de situações sociais complexas, assiste-se a notícias de insensibilidade administrativa juvenil, como o fechamento de escolas e viagens paradisíacas com dinheiro público. O mal uso da coisa pública coloca todos numa fétida vala comum.

O Legislativo virou feira livre do chamado baixo clero, desmoralizou-se por aceitar um papel de subserviência ao mensalão, barganhar claramente, aos olhos da sociedade, cargos e ministérios em troca de apoio partidário. Tornou-se um balcão de negócios, emendas e contratos públicos, distanciando-se da população.

O Judiciário, por sua vez, embora seja a única instituição que dá sinais de resistência, entrou nesse jogo sórdido: decide-se em muitas esferas à conveniência do autor e da demanda, descartam-se as normas em razão de valores tortos e justificativas não jurídicas. Alguns membros do Judiciário, para obter promoção, curvam-se à troca de favores e, ainda, como se estivem num Olimpo, tribunais seguem construindo palacetes num país cujas escolas são mal estruturadas; seguem praticando nepotismo cruzado, defendendo privilégios injustificáveis à luz da sociedade, como a aposentadoria por corrupção patenteada pelo CNJ, enquanto o cidadão comum é massacrado quando deixa de cumprir um contrato; compram potentes frotas de carros oficiais e reivindicam auxílio-moradia cujo valor supera o salário da maioria dos brasileiros, num país com grave problema de distribuição de renda e déficit habitacional.


O brasileiro perdeu o pudor, o tipo do “malandro esperto” deu lugar ao “malandro mau caráter”. Seus representantes são o modelo real do descaramento, do “eu não vi”, “eu não sabia”, “fiz, mas tive meus motivos”. Seu sistema judicial foi construído para processualistas habilidosos, com regras flexíveis e extremamente tolerante com malfeitos e mecanismos antipunitivos e protelatórios.

Não se vislumbra, no cenário, nenhuma esperança: todos os setores representativos da República estão enlameados pela corrupção, e a crise de valores parece ser estrutural, como expressão cultural arraigada no corpo da nossa sociedade, desde as relações sociais mais simples — nas escolas, no trabalho, nas empresas — às mais complexas. Os políticos são expressão inequívoca da sociedade que os elege, mas esta sociedade, reflexivamente, age de acordo com o modelo desenhado por aqueles que são seus representantes nos mais altos escalões. E a corrupção parece estar continuamente adensada à cultura brasileira. Não existe espaço para idealismo ou ideologias, bem comum, mas apenas para o interesse próprio e sem freio moral.

É de se acreditar que esse conjunto de denúncias e exposição de crimes seja de fato ponto positivo, uma oportunidade para nosso amadurecimento como sociedade. Mas é inegável que precisamos de uma mudança profunda em nossas bases estruturais e de uma tomada de postura daqueles que se propõem a liderar nosso país. Agora, mais do que nunca, é a hora das pessoas de bem, mas onde elas estão?
Wagner Menezes