terça-feira, 10 de março de 2020

Vai provar?

Eu acredito que, pelas provas que tenho em minhas mãos, que vou mostrar brevemente, eu tinha sido, eu fui eleito no primeiro turno, mas no meu entender teve fraude. E nós temos não apenas palavra, nós temos comprovado, brevemente eu quero mostrar.

Então eu acredito até que eu tive muito mais votos no segundo turno do que se poderia esperar, e ficaria bastante complicado uma fraude naquele momento

Jair Bolsonaro

A necropolítica das epidemias

A epidemia do vírus corona parece uma atualização das aulas de Michel Foucault sobre biopolítica, segurança e territórios. A biopolítica é o poder que organiza as políticas da vida, isto é, são táticas que regulam que corpos devem viver e quais podem ser descartáveis. A explosão de uma epidemia é um momento efusivo à biopolítica: em nome da proteção coletiva se controlam os corpos, se traçam fronteiras reais ou imaginárias à saúde. Assim foi com a epidemia de zika vírus. Com zika, no entanto, o pânico global foi ligeiro, pois logo se compreendeu que o risco à doença estava confinado aos países tropicais. E por que o rápido silenciamento sobre o zika? Porque toda biopolítica se converte em uma necropolítica quando os regimes de desigualdade determinam quais corpos vivem o risco.


Há uma nova doença em curso, e sobre a verdade do vírus não parece haver controvérsia —a Organização Mundial de Saúde a descreve como COVID-19, uma doença infecto-respiratória semelhante à gripe. Por ser um vírus novo, a taxa de infecção é alta, pois não há imunidade por adoecimento prévio ou proteção por vacina. Uma doença se apresenta como perigosa às populações por seu potencial de contaminação ou pelo risco de morte. Nesse sentido, os vírus corona e zika se parecem na epidemiologia: populações sem imunidade e risco de morte concentrado em determinados grupos etários —no caso do vírus corona, entre idosos; do zika, entre crianças.

Mas o burburinho das duas epidemias foi diferente. Houve compaixão às mulheres e seus filhos de cabeça miúda, discutiu-se os riscos de a doença sair do Sul Global para o Norte pelo risco de transmissão sexual, uma vez que o mosquito, o principal vetor, estava concentrado nas casas precárias dos trópicos. No entanto, não houve desaceleração da economia global, flutuação da bolsa de valores ou cancelamento de desfiles de moda, congressos acadêmicos e encontros de negócios, como ocorre com o vírus corona. Há um verdadeiro “pânico coletivo”, segundo Giorgio Agamben, cujo exagero da resposta seria, na verdade, um pretexto de governos autoritários para mover o “estado de exceção”.

Agamben está certo em descrever que o estado de medo em que vivemos se alimenta com momentos de “pânico coletivo”. O vírus corona permite fechar fronteiras, impedir mobilidade nas cidades, confinar indivíduos às casas. Se a política do medo explica o exagero da resposta e sua utilidade para os regimes autoritários, para nós, há uma outra particularidade em como se respondeu à epidemia de zika em comparação à de corona: zika era uma doença com risco global, mas se mostrou uma doença de gente miserável e uma sentença de vida às mulheres anônimas.

Nossa estranheza não é ressentimento de mulheres latinas que, ainda hoje, acompanham a peregrinação das sobreviventes de zika com seus filhos. Como qualquer outra pessoa, estamos expostas ao vírus corona, mas diferentemente das mulheres pobres do Brasil, Colômbia, El Salvador ou Venezuela, não estamos em risco ao adoecimento pelo vírus zika, ou sob leis criminais que proíbem o aborto ou sob regimes de pobreza que desamparam o cuidado. É preciso especificar quais mulheres vivem o vírus zika como uma ameaça para o futuro —as mulheres mais vulneráveis, negras e indígenas, jovens e pobres. Essa é a passagem da biopolítica para a necropolítica das epidemias: o vírus corona aciona o pânico coletivo dos regimes autoritários que não querem estrangeiros em terras próprias; o vírus zika abandona as mulheres mais vulneráveis ao abuso de governos patriarcais que perseguem a sexualidade e a reprodução.
Debora Diniz, pesquisadora da Universidade de Brown / Giselle Carino diretora da IPPF/WHR

A confusão como estratégia

Bolsonaro despreza os fatos e não se dá o trabalho de parecer coerente.

No começo do seu mandato, o Orçamento impositivo foi apresentado como manobra do Congresso para enquadrar um presidente que não queria negociar; depois, durante a votação, virou projeto desde sempre apoiado pela família Bolsonaro, demonstrando que não existia tensão entre os Poderes; em seguida, foi vetado pelo presidente.

Neste ano, quando o veto estava prestes a ser derrubado, voltou a ser chantagem do Congresso, motivo de sonoro "foda-se" pronunciado por um ministro; na semana passada, foi alvo de meticulosa negociação com os parlamentares; em seguida, a negociação, registrada no Diário Oficial, foi categoricamente negada.

A manifestação do dia 15 passou pelo mesmo processo.

Originalmente, foi convocada para pressionar o Congresso pela prisão em segunda instância; depois, a reboque do áudio vazado do general Heleno, virou convocação anti-Congresso; diante da repercussão negativa, transformou-se em ato pró-governo; de maneira pró-ativa, o presidente compartilhou a convocação; confrontado com o fato, disse que o fez na condição de pessoa privada; alegou, em seguida, que o vídeo não era sobre a manifestação deste ano, mas sobre uma manifestação de 2015; por fim, em evento público, fez elogio à manifestação, ressalvando que era espontânea.


É atordoante a sucessão de vaivéns.

O que os fatos sugerem é que, por inabilidade, Bolsonaro permitiu que o Congresso mordesse parte expressiva do Orçamento discricionário do Executivo.

Para não reconhecer sua incompetência política, nem a tensão crescente com o Legislativo em início de mandato, Bolsonaro fez parecer que não era contra o Orçamento impositivo, mas, sim, a favor dele. Em seguida, teve que reconhecer que a medida era ruim e que, se não negociasse, perderia o poder de alocação sobre R$ 30 bilhões. Convocou, ou articulou para que se convocasse, uma mobilização contra o Congresso para ampliar seu poder de negociação e desgastar as instituições. Mesmo tendo logrado uma boa negociação, disse que não negociou para manter a base mobilizada.

Chama a atenção como Bolsonaro consegue emplacar narrativas desprezando fatos e mesmo suas ações precedentes. Apenas neste episódio, o presidente foi evasivo, mentiu e se contradisse inúmeras vezes. Seus ataques à imprensa colocam em xeque a única maneira de determinar os fatos, e sua máquina de propaganda, por meio da repetição, consegue impor as explicações mais implausíveis.

Essa confusão toda tem estratégia.
Pablo Ortellado

Aventura perigosa

O presidente Bolsonaro está levando parte das Forças Armadas a uma aventura que não se sabe como terminará. A idéia equivocada de que haveria por parte dos militares disposição de controlar os ímpetos de Bolsonaro já foi há muito superada.

Mesmo que se saiba que existe desconforto de parte dos militares com as posições do presidente em certos temas, sempre há um ingrediente ideológico que une as Forças Armadas. A política de Meio-Ambiente do governo, por exemplo, se por um lado preocupa pelo prejuízo à imagem internacional do país, e pela possível perda econômica que pode provocar, também une os militares na visão estratégica da região.

O temor de que a região possa ser dominada por interesses estrangeiros une o pensamento militar a favor de nossa soberania, supostamente ameaçada. As questões ideológicas na política são também mais fortes do que eventuais desacordos com a maneira como as situações são enfrentadas por Bolsonaro.


Há uma tendência a considerar que ele é quem sabe lidar com políticos, pois é quem tem popularidade e votos. Ainda durante a campanha, quando o General Villas Boas ainda era o Comandante do Exército, alguém, numa roda de conversa em seu gabinete em que estavam generais que hoje integram o governo Bolsonaro, perguntou por que os militares não controlavam um pouco os arroubos do então candidato. Villas Boas deu uma gargalhada e disse: “Ele é incontrolável”.

Por outro lado, a ideia de que existe um perigo de volta do PT ao governo se não for combatido diuturnamente é majoritária nas Forças Armadas, que vêem um real perigo comunista numa eventual volta da esquerda ao poder.

Nomeando dois generais da ativa para seu ministério, saídos dos mais altos cargos da hierarquia militar, ele deu mais um passo perigoso no envolvimento dos militares com seu governo. O General Luiz Eduardo Ramos era o chefe do Comando Militar do Sudeste quando foi convidado a assumir a Secretaria de Governo de Bolsonaro, e ainda está na ativa.

O General Braga Neto era o Comandante do Estado-Maior do Exército, e foi para a reserva antes de assumir a Casa Civil da presidência da República. As intrigas palacianas que engoliram diversas autoridades militares nos últimos meses, inclusive o General Santos Cruz, a quem substitui, já estão envolvendo o General Ramos, que entrou na mira de tiro dos olavistas.

Até o momento indiretamente, o General está sendo acusado de ter traído o presidente na negociação dos vetos parlamentares com o Congresso, induzindo-o a erro. Teria sido a Ramos que se referia ao dizer recentemente que levara “uma facada na garganta” dentro do Palácio do Planalto.

Também seria a ele que o filho 02 Carlos se dirigia quando disse em recente twitter que o pai “está propositalmente isolado e blindado por imbecis com o ego maior que a cara”.

Experiente no jogo político, pois há muito mantém contatos com políticos de diversos partidos desde que estava no Comando Militar do Leste, Ramos aproveitou uma entrevista da Secretária de Cultura Regina Duarte ao Fantástico para tentar se realinhar com o grupo olavista.

Em uma sequência de mensagens no Twitter, Ramos afirmou que, ao utilizar o termo "facção", sem identificar os integrantes, Regina deu a entender que há "divisões inexistentes e inaceitáveis em nosso governo".

O ministro também disse que "são seus ministros e secretários que devem se moldar aos princípios publicamente defendidos por Bolsonaro, não o contrário". A exigência de lealdade explícita de seus ministros e assessores impede que existam ao redor do presidente vozes discordantes que ponderem suas decisões sem cair na lista dos inimigos definitivos.

Preservando a área militar de cortes nos investimentos, e negociando um plano de Previdência especial para a categoria, o presidente Bolsonaro vem dando atenção especial aos militares, onde recruta boa parte do primeiro e segundo escalões da República.

Ao mesmo tempo, deixou clara sua simpatia pelo movimento reivindicatório dos policiais militares do Ceará, e aproveita toda solenidade militar a que comparece para fazer discursos políticos, mesmo que nada tenham a ver com a ocasião.

Como ao fazer uma escala em Roraima para seguir viagem à Flórida na visita que fez a Trump no fim de semana, quando aproveitou a solenidade da Base Aérea e fez a convocação popular para as manifestações no próximo domingo.

Pensamento do Dia


Brasil lidera importações de armas na América do Sul

O Brasil se tornou o maior importador de armas da América do Sul, de acordo com um estudo divulgado nesta segunda-feira pelo Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo (Sipri). O país superou a Venezuela, que liderou a lista de importadores sul-americanos no relatório anterior publicado há cinco anos.

Entre 2015 e 2019, o Brasil foi responsável por 31% das compras de armas entre as nações sul-americanas, apesar de uma queda de 37% em comparação ao período 2010-2014. O país também possui a maior encomenda de armas pendente na região, que inclui aviões de combate suecos e submarinos franceses.

Em relação à exportação, o Brasil também fica em primeiro da lista na América do Sul, sendo responsável por 0,2% das vendas globais, e figurando em 24ª posição no ranking mundial.


A Venezuela, que liderou a lista de importadores sul-americanos em 2010-2014, viu suas compras caírem 88% nos últimos cinco anos, como resultado da grave crise econômica que está sofrendo.

A pesquisa, que compara o período de 2015 a 2019 com o de 2010 a 2014, também destaca um aumento de 5,5% no tráfico global de armas entre os dois períodos.

"No geral, as transferências de armas aumentaram. Entre os países importadores de armas, a demanda é alta e parece até ter aumentado um pouco", disse Pieter Wezeman, pesquisador sênior do Sipri.

O relatório confirmou que os Estados Unidos reforçaram sua condição de maior exportador mundial de armas nos últimos cinco anos, com um aumento de 23%, enquanto a Arábia Saudita se consolidou como o maior importador.

Os EUA, que venderam armas para 96 ​​países, aumentaram sua participação no total de exportações globais para 36% (cinco pontos percentuais a mais), 76% a mais que o segundo exportador mundial, a Rússia.

"Metade das vendas foi para o Oriente Médio e metade destas, para a Arábia Saudita. Ao mesmo tempo, a demanda por aviões militares avançados dos EUA aumentou, especialmente na Europa, Austrália, Japão e Taiwan", destaca o estudo.

A Rússia mantém o segundo lugar, apesar de uma queda de 18%, devido à perda de peso nas vendas para a Índia, que continua sendo seu principal cliente; à frente da França, Alemanha e China, nessa ordem.

Os cinco primeiros países da lista foram responsáveis ​​por 76% das vendas globais de armas nos últimos cinco anos, observa o Sipri.

A Alemanha manteve seu quarto lugar entre maiores exportadores de armas do mundo. O governo alemão afirma visar uma política "restritiva" de exportação de armas. No entanto, entre 2015 e 2019, as exportações do país aumentaram 17%. Desde o outono de 2018, a Arábia Saudita é um grande cliente para os fabricantes de armamentos alemães. Berlim interrompeu a exportação de armas para o país em resposta ao assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi.

Com um aumento de 72%, a França teve o maior crescimento de exportações, graças à demanda por armas em Egito, Catar e Índia.

Com um aumento de 130% em comparação a 2010-2014 e uma participação global de 12%, a Arábia Saudita se estabeleceu na liderança entre os importadores mundiais de armas.

"Apesar das preocupações nos EUA e no Reino Unido sobre a intervenção militar saudita no Iêmen, os dois países continuaram a vender armas. Do total das importações sauditas, 73% vêm dos EUA e 13%, do Reino Unido", destaca o estudo.

Índia, Egito, Austrália e China completam a lista dos cinco principais compradores de armas globais.

Por região, a Ásia-Oceania foi o principal destinatário de armamento nos últimos cinco anos, com 41% do total, seguido pelo Oriente Médio (35%), Europa (11%), África (7,2%) e América (5,7%).

As importações na América Central e no Caribe aumentaram 23% nos últimos cinco anos, com o México como líder regional com 70% do total, coincidindo com suas operações militares em andamento contra cartéis de drogas.

Na América do Sul, as importações caíram 59%, sendo os Estados Unidos (19%), França (16%) e Itália (8,6%) os principais fornecedores.

Deutsche Welle

Apoio viral


A questão do coronavírus também, no meu entender, está superdimensionado, o poder destruidor desse vírus, então talvez esteja sendo potencializado até por questão econômica
Jair Bolsonaro

Bolsonaro primeiro destrói para construir depois o que não se sabe

Se o governo cometer mais besteiras, o dólar baterá a casa dos 5 reais, admitiu o ministro Paulo Guedes, da Economia, o ex-Posto Ipiranga do presidente Jair Bolsonaro. Se Guedes for demitido ou pedir as contas, o dólar irá a 7 reais, projetou o ministro.

O mercado está pronto para evitar uma disparada dessas se o substituto de Guedes for Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, embora saiba que o problema maior não é Guedes. E ainda faltam três anos para que se dê adeus a Bolsonaro...

Fora outras razões que podem impulsionar o dólar. Como deverá acontecer, hoje, depois que o preço do barril do petróleo desabou no mercado internacional. Na abertura do mercado na Ásia, ele voltou ao patamar de 1991, antes do início da Guerra do Golfo.

Quando Guedes diz que tem 15 semanas para mudar o Brasil, ignora-se se esse é o prazo que ele se deu para depois seguir ou não no cargo ou se esse foi o prazo que seus superiores lhe deram, do contrário será mandado embora. Guedes não explicou direito.



Quinze semanas tem a ver com o costume de o Congresso ficar vazio a partir de junho em ano eleitoral. A primeira das 15 semanas venceu. Esta agora vencerá sem que nada de bom aconteça à espera das manifestações marcadas para o próximo domingo.

Se elas forem grandes, e o Congresso o seu alvo, deputados e senadores levarão certo tempo para engolir mais um sapo indigesto que Bolsonaro lhes serviu. Restarão 12 semanas para que se cumpra ou que se frustre a inesperada previsão de Guedes.

E no que consistiria mudar o Brasil em 15 semanas? Guedes não explicou. Talvez consistisse em avançar dentro do Congresso de modo convincente com a pauta das reformas. Mas imaginar que elas serão aprovadas em prazo tão curto é um despautério.

Quem sabe Guedes não será obrigado a dizer outra vez que foi mal interpretado quando falou em 15 semanas, que retiraram sua frase de contexto, e coisa e tal? Quem sabe não culpará por isso a imprensa, inimiga número um de governos em dificuldades?

Extraordinário é que o governo precise tanto do Congresso e não perca uma chance de atacá-lo. Foi novamente o que fez Bolsonaro no último fim de semana dentro do Esquadrão Logístico da Força Aérea Brasileira, em Boa Vista, Roraima.

magine se Lula, o líder vermelho, cercado de admiradores no ambiente de uma unidade militar, chamasse o povo às ruas em apoio ao seu governo? E logo às vésperas de manifestações a serem promovidas por seus devotos da esquerda contra o Congresso?

Lula ou outro governante qualquer de esquerda, mesmo que legitimamente eleito, se arriscaria a ser acusado de subversivo, de atentar contra a ordem e as instituições da República, e de acabar enquadrado na Lei de Segurança Nacional de triste memória.

Mas Bolsonaro pode, porque a direita e os militares estão com ele. Foi no Regimento Mallet, quartel do Exército em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, que Bolsonaro, em 15 de junho do ano passado, aproveitou a Festa Nacional da Artilharia para incitar sua turma.

“Mais do que o Parlamento, precisamos do povo ao nosso lado para que possamos impor política que reflita em paz e alegria a todos”, ele disse quando a reforma da Previdência empacara. E defendeu armar a população para evitar golpes de Estados.

Saiu do regimento aos gritos de “Mito”. Em Boa Vista, antes de entrar nas dependências da Força Aérea Brasileira, foi saudado aos gritos de “Mito”. Nunca antes na história da democracia neste país um presidente jogou tanto o povo contra os demais Poderes.

Bolsonaro teve tempo suficiente até aqui para entregar ao país muitas de suas promessas de campanha. Entregou quase nada. A reforma da Previdência foi obra deixada pronta pelo governo Temer e aprovada pelo Congresso apesar de Bolsonaro.

Entre Dilma e Bolsonaro houve Temer, que herdou um PIB negativo de 3,3 e tornou-o positivo um ano depois. Legou a Bolsonaro um PIB que crescia a 1,3%, inflação e dólar sob controle, juros em queda, reforma trabalhista, teto de gastos públicos.

O Brasil estava pronto para voltar a crescer. Mas deu no que se vê: um pibinho que não passará dos 2% este ano, dólar nas alturas, fuga de capital estrangeiro, ações de empresas em baixa, desemprego expressivo e instabilidade política.

Em sua primeira visita a Washington, Bolsonaro afirmou durante convescote na embaixada do Brasil que seria necessário, primeiro, destruir tudo que encontrara (o sistema) para só depois começar a construir. É a única promessa que se empenha em realizar.
Ricardo Noblat

Eleições – jornalismo sem censura

Estamos em ano eleitoral. E o galinheiro político já começa a entrar em clima de agitação. Eleição municipal é sempre um ensaio para o grande embate presidencial lá na frente. Ataques aos adversários, promessas irrealizáveis e imagens produzidas farão parte, mais uma vez, do discurso dos candidatos. Assistiremos, diariamente, a um show de efeitos especiais capazes de seduzir o grande público, mas, no fundo, vazio de conteúdo e carente de seriedade. O marketing, ferramenta importante para a transmissão da verdade, pode, infelizmente, ser transformado em instrumento de mistificação. Estamos assistindo à morte da política e ao advento da era da inconsistência.

Os programas eleitorais vendem uma bela embalagem, mas, de fato, são paupérrimos na discussão das ideias. Nós jornalistas somos – ou deveríamos ser- o contraponto a essa tendência. Cabe-nos a missão de rasgar a embalagem e desnudar os candidatos. Só nós, estou certo, podemos minorar os efeitos perniciosos de um espetáculo audiovisual que, certamente, não contribui para o fortalecimento de uma democracia verdadeira e amadurecida.

Por isso uma cobertura de qualidade será, antes de mais nada, uma questão de foco. É preciso declarar guerra ao jornalismo declaratório e assumir, efetivamente, a agenda do cidadão. Não basta um painel dos candidatos, é preciso cobrir a fundo as questões que influenciam o dia a dia das pessoas. É importante fixar a atenção não nos marqueteiros e em suas estratégias de imagem, mas na consistência dos programas. É necessário resgatar o inventário das promessas e cobrar coerência. O drama das cidades – segurança, educação, saúde, saneamento básico, iluminação, qualidade da pavimentação das ruas, transporte público de qualidade, responsabilidade fiscal, entre outros – não pode ficar refém de slogans populistas e de receitas irrealizáveis. Os candidatos deverão mostrar capacidade de gestão, experiência, ousadia e criatividade.

Não se pode permitir que as assessorias de comunicação dos políticos definam o que deve ou não ser coberto. O centro do debate tem de ser o cidadão, as políticas públicas, não mais o político, tampouco a própria imprensa. O jornalismo de registro, pobre e simplificador, repercute a Nação oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real. Precisamos fugir do espetáculo e fazer a opção pela informação. Só assim, com equilíbrio e didatismo, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.

A independência é a regra de ouro da nossa atividade. Para cumprir a nossa missão de levar informação de qualidade à sociedade, precisamos fiscalizar o poder. A imprensa não tem jamais o papel de apoiar o poder. A relação entre mídia e governos, embora pautada por um clima respeitoso e civilizado, deve ser marcada por estrita independência.

Um país não se pode apresentar como democrático e livre se pedir à imprensa que não reverbere os problemas da sociedade. Não apenas os que aparecem na superfície, mas também aqueles que vão corroendo os pilares da cidadania. A intolerância é, de longe, um dos mais nefastos filhotes do sectarismo. A radicalização ideológica não tem a cara do brasileiro. O PT procurou dividir o Brasil ao meio. Jogar pobres contra ricos, negros contra brancos, homos contra héteros. Pretendeu substituir o Brasil da tolerância pelo país do ódio e da divisão. Tentou arrancar com o fórceps da luta de classes o espírito aberto dos brasileiros. Procurou extirpar o DNA, a alma de um povo bom e multicolorido. Não queria o Brasil café com leite.

O totalitarismo ideológico pretende espoliar milhões de cidadãos do direito fundamental de opinar, elemento essencial da democracia. Se a ditadura gramsciana constrange a cidadania, não pode, por óbvio, acuar jornalistas e redações. Informação independente incomoda e faz pensar. Jornalismo sem censura é o melhor antídoto contra aventuras autoritárias.

Anotemos a experiência e estejamos alertas. Agora e sempre. Governo e Congresso precisam se entender. Não cabe mais o toma lá da cá de triste memória. Mas também não faz sentido ameaças populistas e ensaios de democracia direta. É preciso dialogar. Faz parte do processo democrático. O primeiro mandamento do jornalismo de qualidade é a independência. Não podemos sucumbir às pressões dos lobbies direitistas, esquerdistas, homossexuais ou raciais. O Brasil eliminou a censura. E só há um desvio pior que o controle governamental da informação: a autocensura. Para o jornalismo, em ano eleitoral e em qualquer tempo, não pode haver vetos, tabus e proibições. Informar é um dever ético.

O leitor espera uma imprensa firme, disposta a exercer o seu intransferível dever de denúncia fundamentada. O jornalismo de qualidade deve assumir o papel de memória da cidadania. Mostramos o que os políticos querem ocultar. Precisamos falar dos planos e do futuro. Mas devemos também falar do passado, das coerências e das ambiguidades.

Deixemos de lado a pirotecnia do marketing e não nos deixemos aprisionar pelas necessárias pesquisas eleitorais. Nosso papel, único e intransferível, é ir mais fundo. A pergunta inteligente faz a diferença. Incomodar é preciso. E é o que o leitor espera de nós.

Uma injustiça enterrada e explosiva

Me parece que não prestamos atenção o suficiente a uma notícia verdadeiramente atroz: o intolerável Donald Trump acaba de dizer que os Estados Unidos voltarão a usar minas antipessoa. Vejam, essas minas são um invento de uma perversidade horripilante. Possuem cargas explosivas muito pequenas porque seu objetivo não é matar, mas mutilar, arrebentar os ventres ou arrancar pernas e braços, para enfraquecer o oponente, forçando-o a cuidar de seus feridos e transportá-los. São artefatos cruéis que se fartam com a população civil. Por isso, quando se realizou em 1997 a Convenção de Ottawa para proibir o uso dessas minas, a humanidade deu um passo gigantesco. Sair do acordo, como Trump fez, é uma infâmia.

Mas, já que falo de minas e de indecência política, quero falar sobre os saarauís. Sim, desse povo que nós, espanhóis, traímos e vendemos como ovelhas aos marroquinos há 45 anos. Sim, esses mesmos saarauís que têm a Justiça e os acordos da ONU a seu favor, mas nem assim conseguem recuperar suas terras. De fato, todos os dias nos esquecemos um pouco mais deles.


E as minas são um exemplo perfeito desse esquecimento. Segundo a Landmine Monitor, o Saara Ocidental está entre os países mais tomados por minas no planeta. Talvez seja o mais poluído dos territórios habitados. E o muro que divide em dois o Saara Ocidental (de um lado os saarauís, do outro, a área ocupada por Marrocos) é o campo minado mais longo do mundo. Estima-se que nessa área existam entre sete e 10 milhões de minas, colocadas pelos dois lados do conflito durante a guerra. A ONU e a Frente Polisário, líder da causa saarauí, pediram repetidas vezes ao Marrocos mapas de localização de seus explosivos, sem nenhum resultado. A remoção de minas é cara, perigosa e difícil; as chuvas deslocam as bombas na areia, o que complica ainda mais sua localização. Aliás, há um grupo de aguerridas mulheres saarauís, as SMAWT, em inglês (Sahrawi Mine Action Women Team, grupo saarauí de mulheres em ação contra as minas), que se dedica a essa arriscadíssima tarefa de caçadoras e neutralizadoras de explosivos.

A Frente Polisário, que acata a convenção de Ottawa e a de Oslo (contra as bombas de fragmentação) fez um enorme esforço para reduzir seus artefatos explosivos e destruiu todo o seu arsenal de minas antipessoa (20.493 unidades) e de munições de fragmentação (24.107). Enquanto isso, o Marrocos continua sem aderir a Ottawa ou Oslo. Para piorar, ocorre que após o precário acordo de paz de 1991 entre Marrocos e a Polisário foi criada uma faixa de exclusão de cinco quilômetros de largura a leste do muro, onde não podem entrar nem pessoal nem equipamento militar, mas os civis podem.

Esta zona, que proporciona reservas de água porque se formam poças quando o muro cruza os rios, é atravessada o tempo todo por pastores nômades e seus animais, e é aí que está a maioria das minas. Entre 2014 e 2019, houve 186 vítimas. Uma delas passou 10 horas sangrando diante do olhar desamparado dos soldados, que não podiam entrar na zona de exclusão para resgatá-lo (por fim, civis o resgataram e foi preciso cortar a perna dele). Além disso, mais e mais animais são feridos ou mortos pelas explosões, o que arruína a vida dos pastores.

E sendo tudo isso horrível, o pior é que esta situação catastrófica que acabo de contar não existe oficialmente. Embora já tenhamos dito que o Saara Ocidental talvez seja o território habitado mais poluído por minas antipessoa em todo o planeta, não está no foco das áreas a serem limpas, de acordo com a Convenção de Ottawa, pois não possui status de país independente.

Além do mais, delegados saarauís não têm permissão para intervir de forma oficial nas conferências antiminas. Ottawa estabeleceu como objetivo conseguir em 2025 um mundo sem minas antipessoa (uma meta que Trump tornou muito difícil), e eu me pergunto como sequer se atrevem a esboçar semelhante conquista se não levam em conta os milhões de artefatos letais que irrigam o Saara. Aqui está uma boa metáfora da causa saarauí: é uma injustiça indecentemente silenciada, enterrada, explosiva.