quinta-feira, 13 de abril de 2017

O novo Brasil que surgirá dos escombros

Morreu hoje o Brasil da velha República, o da corrupção sistêmica que pôs a nu toda a classe política, sem distinção de credos ou ideologias. Eles morrem juntos e abraçados. Surgirá, agora, um Brasil novo e renovado? “Dependerá de nós, da sociedade. Precisamos estar unidos para não voltarmos a ser enganados”, afirmam atropeladamente em sua análise algumas pessoas que estão comprando o jornal na pequena banca do meu bairro. Parecem convencidas de que, dos escombros dessa classe política, poderá nascer um Brasil melhor, vigiado de perto pela sociedade.

Há um consenso de que este pode ser o momento de fazer as reformas que os últimos cinco presidentes da República, todos eles sob investigação, não quiseram ou não conseguiram fazer. “É hora de avançar para uma nova República”, diz-se na rua, em apoio a uma reforma política e eleitoral que dificulte o assalto ao Estado com a finalidade de se continuar reelegendo com campanhas milionárias. As pessoas querem que se acabe com essa situação de tantos partidos, que, em vez de multiplicar a democracia, criam o grande banquete da corrupção. Que se coloque um ponto final nessa loucura que significa haver 33.000 pessoas gozando de foro privilegiado, quando, nos Estados Unidos, nem mesmo o presidente do país goza de tal regalia. Que se acabe com as reeleições, que perpetuam os políticos no poder. E com os privilégios de que eles gozam, para que ninguém entre na política a fim de enriquecer, como disse uma vez José Mujica a seu amigo Lula.

O lado positivo do terremoto político que explode hoje em todas as manchetes dos jornais impressos e online é que o Brasil está tomando consciência de que já chegou a um beco sem saída. Ou se muda tudo ou tudo --e não só a classe política-- irá por água abaixo. É preciso mudar de rumo e recomeçar com uma democracia mais forte, robustecida com a experiência do passado. Daí porque se fale até mesmo, neste momento, em uma nova Constituição. Quando a atual foi aprovada, o país era outro. Tinha acabado de sair de uma ditadura.

Hoje, apesar de todos os pesares, o Brasil não é uma Venezuela. A democracia continua de pé. E uma demonstração disso é o fato de que a Justiça mantém sob sua mira nada menos do que cinco ex-presidentes da República e que também serão investigados os presidentes da Câmara e do Senado. Uma coisa é inquestionável: a sociedade sai dessa situação mais consciente de seu papel imprescindível e mais vigilante. Faz-se necessário apenas que também consiga se unir, deixando para trás as velhas divisões. O castelo desmoronou por inteiro. Não ficaram de pé quaisquer pilares privilegiados. Será preciso reconstruir o país juntos.

Sonhar não é pecado, especialmente em momentos como este, em que parece se reacender a esperança de um Brasil mais livre e mais limpo. Mais de todos.

Os delatores

São inevitáveis as comparações entre a Operação Mãos Limpas, na Itália, e a Operação Lava-Jato aqui no Brasil, quando nada, porque o juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, é um estudioso da investigação que liquidou com toda a elite política italiana e contribuiu para o desaparecimento dos principais partidos daquele país. Agora, a delação premiada de Marcelo Odebrecht, ex-presidente da maior empreiteira do país, parece ter se inspirado na colaboração do mafioso Tommaso Buscetta, o principal “arrependido” da Operação Mãos Limpas.

Buscetta era conhecido como Dom Masino. Preso em 23 de outubro de 1983, em São Paulo, teve a extradição decretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ao saber que voltaria para a Itália, tentou até se matar; no dia 15 de julho de 1984, ao desembarcar na Itália, porém, aceitou contar tudo o que sabia. Entregou os clãs mafiosos e seus aliados políticos, entre os quais Giulio Andreotti, várias vezes primeiro-ministro. A reação da máfia italiana foi feroz, chegando a matar o juiz Giovanni Falcone, em 1992, dois de seus filhos e mais 20 parentes.


A operação teve como consequências o fim da chamada Primeira República e a extinção de partidos políticos. Houve 2.993 mandados de prisão; 6.059 pessoas foram investigadas, sendo 872 empresários, 1.978 administradores e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros; e 12 suicídios. Em 1986, Buscetta foi extraditado para os Estados Unidos, onde recebeu nova identidade e proteção do programa federal de testemunhas. Morreu aos 71 anos, no ano 2000, de leucemia e câncer ósseo.

Ao contrário de Buscetta, que nasceu pobre, fez carreira na máfia de Palermo e foi um eterno fugitivo — viveu na Argentina, México, Estados Unidos e Brasil —, Marcelo Odebrecht nasceu em berço de ouro. Herdeiro de uma dinastia de empreiteiros, é neto de Norberto Odebrecht, que fundou o grupo em 1944, e filho de Emílio Odebrecht, que presidiu a companhia até 2001 e voltou ao cargo depois de sua prisão. Era considerado um dos homens de negócios mais bem formados e influentes do país.

Sob seu comando, a Odebrecht chegou a faturar R$ 100 bilhões. Liderou a consolidação da Braskem, a construção de grandes hidrelétricas e a internacionalização da empresa, que operava em 21 países, incluindo Cuba e Venezuela, onde o grupo atua com apoio financeiro do BNDES. Sua fortuna pessoal chegou a R$ 15 bilhões, ou seja, era um dos 10 homens mais ricos do país. Ontem a Justiça liberou as gravações em vídeo do depoimento de Marcelo Odebrecht na Operação Lava-Jato, e de outros executivos da empresa, inclusive o de seu pai, Emílio. São avassaladoras.

A delação revela o comportamento mafioso da maior empresa de construção do país, suas relações incestuosas com os políticos e como a empresa garantia sua influência em concorrências e licitações. Sua delação premiada ameaça implodir o sistema partidário, pois atinge praticamente toda a elite política do país. Muitos citados nas delações não serão condenados ou presos, por falta de provas ou prescrição de punibilidade, mas ficarão com uma mancha em suas carreiras difícil de apagar, com exceção dos que forem inocentados pela Justiça. Entretanto, dificilmente isso ocorrerá antes das eleições para quem tem direito a foro privilegiado.

Não é o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas eleitorais em relação às eleições de 2018 e responderá a acusações que podem liquidar sua candidatura, além de levá-lo à prisão, em primeira instância, pois será julgado por Sérgio Moro. O ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, mandou abrir inquéritos contra o petista para investigar diversos fatos. Destacam-se as tratativas com a Odebrecht para edição da MP 703/15, que estabelece acordos de leniência com empresas infratoras; as planilhas de pagamentos do setor de operações estruturadas para a Conta Amigo, supostamente destinada a Lula, cujos administradores seriam os ex-ministros da Fazenda Antônio Palocci e Guido Mantega, o Italiano e Pós-Italiano, respectivamente; repasses de recursos para a campanha eleitoral do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, em troca da concessão de CID (Certificado de Incentivo ao Desenvolvimento); e aprovação de leis favoráveis à companhia.

Fachin determinou também a investigação da suposta participação de Lula na criação da empresa Sete Brasil, uma parceria com a Petrobras, e no esquema de repartição da propina oriunda dos contratos da empresa com a estatal; do tráfico de influência a favor da empresa junto ao governo de Angola; do custeio de despesas de reformas do sítio de Atibaia, em São Paulo; da aquisição de imóveis para uso pessoal e a instalação do Instituto Lula, além do pagamento de palestras; do pagamento do marqueteiro João Santana, nas campanhas de Lula (2006) e da ex-presidente Dilma Rousseff (2010 e 2014); e da intermediação das relações da Odebrecht com a ex-presidente Dilma Rousseff, em troca do favorecimento a um dos filhos do ex-presidente da República.

O relatório de Fachin desconstrói a narrativa de que o ex-presidente da República é vítima de perseguição por parte do juiz federal Sérgio Moro, pois o ministro relator da Lava-Jato também mandou investigar os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Fernando Collor (PTB), José Sarney(PMDB) e Dilma Rousseff (PT).

Paisagem brasileira

Serra de Ipiapaba - PI:
Serra de Ibiapaba (Ceará)

Um Amigo desses não tem preço

O ex presidente Luiz Inácio Lula da Silva concede entrevista coletiva sobre a denúncia do Ministério Público Federal contra ele e sua esposa Marisa Letícia por crimes de corrupção, em um hotel no centro de São Paulo - 15/09/2016 (Nelson Almeida/AFP)

Trecho do depoimento prestado por Marcelo Odebrecht ao juiz Sérgio Moro: “Aí a gente botou R$ 40 milhões no saldo Amigo que viriam para atender as demandas que viessem de Lula. Eu sei disso. O Lula nunca me pediu diretamente. Essa informação eu combinei via Palocci”. Até ontem, o mais ativo camelô de empreiteira do planeta engolira 13 milhões de reais. A quantia já chegou a 40 milhões ─ e logo estará roçando a estratosfera. Um Amigo desses não tem preço.



E agora, como agirá o velho farsante? Confrontado com evidências e provas contundentes, o que Lula dirá no encontro com Sérgio Moro marcado para 3 de maio? Que nunca soube de nada? Que foi tapeado de novo pelo irrecuperável Antonio Palocci? Ou que a culpada por todas as bandalheiras foi Marisa Letícia? Viúvo recentíssimo, ele transformou em palanque o túmulo da mulher. Se optar pela violação do cadáver, apenas confirmará que é capaz de rigorosamente tudo para escapar da verdade e da cadeia.

Criaturas assim deveriam ser condenadas a 100 chibatadas diárias, em praça pública, pelo crime hediondo que acrescentaram ao prontuário de matar de inveja até chefão do PCC: assassinato do sentimento da vergonha.

Mentira, base da civilização

É na faculdade de mentir, que caracteriza a maior parte dos homens atuais, que se baseia a civilização moderna. Ela firma-se, como tão claramente demonstrou Nordau, na mentira religiosa, na mentira política, na mentira econômica, na mentira matrimonial, etc... A mentira formou este ser, único em todo o Universo: o homem antipático. 

Atualmente, a mentira chama-se utilitarismo, ordem social, senso prático; disfarçou-se nestes nomes, julgando assim passar incógnita. A máscara deu-lhe prestígio, tornando-a misteriosa, e portanto, respeitada. De forma que a mentira, como ordem social, pode praticar impunemente, todos os assassinatos; como utilitarismo, todos os roubos; como senso prático, todas as tolices e loucuras.

Teixeira de Pascoaes (1877 - 1952) 

Ampla, a lista conturba mais o ambiente

Quando miraram Dilma, os articuladores do impeachment não imaginavam que estilhaços de chumbo atingiriam a colmeia de abelhas africanas que, agora, se vira contra eles. Os petistas foram os primeiros a moerem os fundilhos no áspero das denúncias e delações, mas, agora se vê, não são os únicos. Não há seletividade; o escopo da lista do ministro Edson Fachin é amplo, atinge todo o sistema político. Há no ar de Brasília mais aflição do que mosquitos e pardais.

Sim, não se pode confundir Lava Jato com a ingovernabilidade da ex-presidente. Uma não pariu a outra. Foram, antes, os erros de condução e a crise econômica que arrastaram Dilma. Mas, o governo atabalhoado e a Lava Jato, embora distintos, se misturaram, incentivaram-se mutuamente; às vezes se confundiram: uma crise alimentou a outra.

O vaticínio de Romero Jucá, por fim, não se cumpriu: o impeachment não estancou a sangria nem deu fim ao inferno da política brasileira. Há quem tente tapar o sol com o arco vazio da peneira, mas o governo Temer – que promete muito aos agentes econômicos – vai também enrascado nessa confusão: são 9 ministros, o próprio presidente; a cúpula do Congresso, a elite parlamentar; todos envolvidos na Lista de Fachin.

É certo, o processo levará anos. Mas, deixa esse desconforto na atmosfera política e econômica: o mal-estar existe e ele fere, sim, a dinâmica política nacional, a normalidade do processo legislativo; afeta as reformas e, certamente, interferirá no quadro sucessório de logo mais, daqui a um ano e tanto.

A lista que veio a público é vasta, profunda; dá vertigens. É democrática e indiscriminada, posto que é ampla e plural — partidária e ideologicamente. Revela a festa nababesca – Jucá ousou falar em “suruba” — para a qual todo o sistema político foi convidado. É evidente que causa esta ressaca moral.

Todos, é claro, têm direito de defesa; a ponderação é sempre saudável. O irônico, contudo, é que os radicais mais indignados de ontem, sejam hoje os moderados que relativizam quase tudo. Foram duros — como deve ser — mas com aliados são suaves. Coerência e honestidade intelectual — no rigor ou na condescendência – é todo o capital que o analista deve ter. Na mudança, deve-se admitir: errou-se lá ou erra-se aqui?

***

Charge do dia 13/04/2017
A lista revela hábitos e costumes. Mas, não traz qualquer surpresa. No Brasil, o público e o privado sempre se confundiram. É salutar que a gramática política brasileira seja questionada, já que dificilmente terá fim. O maior problema, porém, não é sua vastidão – mal coube na edição do Jornal Nacional –, mas o risco de que misture joio e trigo. E, tudo junto e misturado, não permita punir a ninguém.

Na confusão da orgia que explicita, a lista pode redundar, ao final, numa imensa impossibilidade, selando assim um acordão. É preciso cuidado: alguns pontos de inflação momentânea, acima ou abaixo, não valem uma democracia. Raspas e restos sob tapetes se acumulam e, um dia, chamam os ratos para novo banquete.

Há meses, uso a alegoria do “labirinto” como metáfora para a situação; num emaranhado de esquinas que dão a lugar algum, o país fica perplexo diante de seus minotauros. Não há força, coragem, inteligência – quede Teseu, quede Ariadne? –; apenas uma parede que indica um fim de linha impossível, já que a vida continua e todos se amontoam empilhados, num espaço exíguo e sem ar.

O pior de tudo é a ausência de lideranças (no plural) – um conjunto de pessoas com alguma credibilidade e habilidade o bastante para inventar saídas. Houvesse time, o jogo se rearranjaria, reiniciando a partida, arbitrando penalidades, perdas, danos e expulsões. Mas, nem mesmo regras há, nesse momento em que o Congresso procura casuísmos dentre os escombros dos salões em reforma.

Momentos assim são perigosos: uma fúria justificada pode emergir de repente, agora ou mais a frente, com desespero e repugnância. Voluntarismos, salvadores da pátria, farisaísmo… Abre-se espaço para todo tipo de cretino. Não vê os riscos quem quer cegar. A orgia da lista pode dar em tudo, pode dar em nada; só não tende a ficar como está.

Carlos Melo

Gente fora do mapa

Lavadeiras no Rio , Kurt Klagsbrunn (1940-1960) 

Carta do impensável entrou no baralho de 2018

Os principais presidenciáveis brasileiros se fingem de vivos. Mas tornaram-se vivos tão pouco confiáveis que a conjuntura começa a lhes enviar coroas de flores. A colaboração da Odebrecht joga a última pá de cal sobre as pretensões políticas de cada um. Ao entrar em sua fase radioativa, a Lava Jato corroeu o que restava da oligarquia política. E incluiu o impensável no baralho de 2018.

No cenário atual, para virar um presidenciável favorito basta adotar um discurso raivoso contra a classe política, declarar guerra à corrupção e prometer virar do avesso tudo isso que está aí. O Brasil já elegeu dois presidentes que engarrafavam oportunismo: Jânio Quadros e Fernando Collor. O primeiro renunciou e morreu sem deixar saudades. O outro foi renunciado e continua subtraindo a prataria.

A Odebrecht gravou a sua logomarca nas testas de Lula, Aécio Neves, Geraldo Alckmin e José Serra. Estão mais para réus do que para candidatos. Desfilam de cara limpa na praça Ciro Gomes e Marina Silva. Um fala demais. Outra fala de menos. Roçam o alambrado Jair Bolsonaro e João Dória. Um, por absurdo, é ponto de exclamação. Outro, por imprevisível, é interrogação.

A política flerta com o desastre. E é plenamente correspondida. Conforme já noticiado aqui, PSDB, PMDB e PT rodam uma reencenação sui generis de ‘Os Três Mosqueteiros’. Sob o lema de ‘um por todos, todos por um’, os maiores partidos do país comportam-se como se fossem capazes de matar ou morrer por uma saída que não enxergam.

Submetido à chapa quente de Curitiba, Lula estende a mão no subsolo para Fernando Henrique Cardoso. Que hesita em corresponder ao gesto com receio de ganhar as manchetes como participante de um conciliábulo anti-Lava Jato. Michel Temer acompanha os movimentos sonhando com um acordo que livre o seu mandato-tampão de um processo de sarneyzação.

Todos gostariam de preparar o salão para a sucessão de 2018. O problema é que já não parece possível reiniciar um novo baile sem terminar a faxina da fuzarca anterior. A esse ponto chegou a República. A colaboração da Odebrecht resultou na mudança do regime. Inaugurou-se uma espécie de monarquia do lodo. Reina a estupefação!

Saidão não há

Que manchetes deveriam os jornais de ontem ter preparado, logo depois de conhecida a Lista do Fachin, na véspera: “FAZER O QUÊ?”, “CONDENAR TODO MUNDO?” “NÃO PERDOAR NINGUÉM!” “COMPLACÊNCIA OU VINGANÇA?” “SÓ ESSES?” “QUEM FICARÁ DE PÉ?” “É O CUSTO DA DEMOCRACIA?” A verdade é que não dá para aceitar que “NORMALIDADE E TRANQUILIDADE!” sejam solução para anunciar o fim da crise. O país não dormiu, na noite passada, e não dormirá nas próximas.

Há quem aposte na revogação das instituições, quer dizer, no fim do Congresso, dos partidos, das leis e da própria Constituição. Começar de novo quando tudo já terminou e entregar o país ao desconhecido seria pior. O diabo é que alternativa não existe. Para todo lado que se olhe, surgem obstáculos. Só que o pior deles é cruzar os braços.

Não há o que fazer, pois quem jura não haver roubado não merece crédito. E quem admite o roubo, sequer faz sua apologia.

Vai levar tempo até que inquéritos em profusão sejam completados. Acreditar em que todo o poder ao Judiciário resolverá, é bobagem. Muito menos em que melhor parece imaginar a recuperação dos ladrões. Em suma, saída não há.

Capitalismo de amigos

De Marcelo Odebrecht, em depoimento ao juiz Sérgio Moro, tal como está gravado:

“Essa questão de eu ser um grande doador, de eu ter esse valor, no fundo, é o quê? É também abrir portas.... Toda relação empresarial com um político infelizmente era assim, especialmente quando se podia financiar. Os empresários iam pedir. Por mais que eles pedissem pleitos legítimos — investimentos, obras, geração de empregos — no fundo, tudo que você pedia, sendo legítimo ou não, gerava uma expectativa de retorno. Então, quanto maior a agenda que eu levava, mais criava expectativa de que eu iria doar tanto".

Eis uma demonstração prática do “capitalismo de amigos". Não por acaso, o codinome de Lula na contabilidade de propinas da Odebrecht era “Amigo”, segundo informou o próprio Marcelo.

Nesse tipo de sistema não importa se o “pleito” é legítimo ou não. Pleito, entende-se pelo conjunto da delação, é o projeto de uma obra, aqui ou no exterior, ou um financiamento em banco público ou uma vantagem “legal” para a empresa — uma legislação que a beneficie, por exemplo.

Imagem relacionadaNum regime capitalista competitivo, se fosse tudo legítimo, como Marcelo Odebrecht diz ser sua agenda, não haveria necessidade de um “pleito” ao governo, aos políticos que o controlam. Já no capitalismo de amigos, o “pleito” é indispensável, primeiro porque quase tudo depende do governo — de concessão de obras a financiamentos. Segundo, porque os políticos armavam o balcão de negócios dada a necessidade de arrumar doadores para as campanhas eleitorais.

Reparem que a defesa de muitos dos acusados vai mais ou menos assim: qual o problema? Era um projeto legítimo, bom para o Brasil, e depois o empresário fazia uma doação para a campanha, às vezes no caixa dois, certo, mas apenas um pequeno deslize.

Errado, claro.

A necessidade de pleito legítimo abre a possibilidade dos ilegítimos. E com isso, desaparece a diferença entre o legítimo e o ilegítimo. Se tudo precisava ser um pleito aprovado pelo governo, por que empresas e políticos se limitariam aos projetos legais e bons para o país?

Por exemplo: se uma obra tem uma restrição ambiental, era mais fácil resolver o problema com um pleito em Brasília do que com um projeto técnico.

Construir plataformas para a Petrobras? Um bom pleito e boas contrapartidas levariam a diretoria da estatal a fazer as necessárias encomendas.

Um financiamento para obras em Angola? Melhor falar com quem tem poder sobre o banco público do que batalhar o crédito no mercado, digamos, normal.

E, finalmente, se o conjunto pleito/doação resolve, por que limitar o preço da obra? Uns bilhões a mais, quem vai notar?

E há um outro efeito nessa história toda. Mais do que eliminar a diferença entre o legítimo e o ilegítimo, entre o bom projeto e o roubado, esse capitalismo dos amigos transforma tudo em corrupção, traição e safadeza.

Por exemplo: a empresa apresenta ao ministro o pleito de um financiamento no BNDES. O ministro diz ok e manda a empresa seguir com a agenda, que é apresentar a proposta formalmente ao banco.

Digamos que os técnicos do banco aprovem, tecnicamente. O ministro vai dizer isso ao empreiteiro ou vai assumir a paternidade e, pois, as doações?

Isso coloca todo mundo sob suspeita, desmoraliza toda a ação pública. Não é de admirar que as pesquisas mostrem o desprezo da população por tudo que se aproxima de governo, políticos e grandes empresas.

Tem mais. Como, no final, tudo tem que ser feito em segredo, em departamentos especiais, enfim, num imenso caixa dois, a esperteza corre solta. Podem apostar: deve estar rolando briga feia entre clientes da Odebrecht. Imaginem a bronca: quer dizer que era só um milhão, é? E onde estão os outros três que o Marcelo delatou?

Tudo considerado, está aí uma das principais causas da baixa produtividade da economia brasileira. Vale o pleito, não eficiência.

E por aí se vê o feito inédito da Lava-Jato. Desmontou a velha tese do “rouba mas faz" que, na versão moderna, apareceu como “pleito legítimo/doações de campanha".

O tiro fatal foi quando o pessoal de Curitiba sustentou — e o STF aceitou — que mesmo os recursos do caixa um, formalmente declarados, podiam ser e frequentemente eram ilegais, propina — tudo resultante de um sistema econômico e político que distribuía dinheiro público para os amigos em geral.

Tem muito capitalismo de amigos pelo mundo afora. Na América Latina, então... Nisso, pelo menos, o Brasil está na frente. Só aqui tem Lava-Jato.

Carlos Alberto Sardenberg 

Imagem do Dia

Montanhas do Arco-Íris, em Vinicunca (Peru)

E aí? Quando o Brasil vai assistir a prisão do Lula?

A Dilma quando fala lá fora sobre o Brasil é de um cinismo assustador. Com a sua conta bancária abarrotada de dinheiro das aposentadorias e o cofrinho cheio de grana da corrupção, dessa vez ela se superou. Disse na Universidade de Harvard, em Boston, nos Estados Unidos, que se preocupa que “predam o Lula com as mudanças das regras do jogo democrático”. Ela esquece que, a exemplo do Lula, o dela também está na reta, depois que Marcelo Odebrecht disse de alto e bom som que o Antônio Palocci, o italiano, era o intermediário da dupla nos milhões de reais roubados da Petrobras e de outras estatais.

Ela viaja para o exterior para tentar cooptar apoio da comunidade acadêmica internacional para uma reação caso o Sérgio Moro – que também esteve na mesma conferência – decrete a prisão do Lula. Nessa altura do campeonato, não existe mais o disse-me-disse. Marcelo afirmou com todas as letras que o trio Palocci, Mantega e Lula se abasteceu do dinheiro do departamento de propina da Odebrecht. E mais: apenas Palocci recebeu 130 milhões de reais para as campanhas de Dilma e de Lula. E que ex-presidente botou a mão em 13 milhões em espécie (dinheiro vivo). Diante de tantas evidenciais, de tantas provas, não se sabe porque Lula ainda está solto.

Além das conhecidas bobagens que vocifera lá fora contra o Brasil que governou (?), Dilma mostra-se despreparada para conferências dessa envergadura. Com a repetição doentia do golpe, ela disse aos estudantes brasileiros em Harvard que o Brasil vive numa instabilidade econômica e política. Não conta, por exemplo, que foi a responsável por essa tragédia, que o seu governo foi o mais corrupto da história e que a sua incapacidade de governar levou os brasileiros à bancarrota.

Mesmo se dizendo vítima de perseguição e condenando o jogo democrático que a expurgou do processo político, Dilma se contradiz quando condena o Moro por falar em público sobre a Lava Jato. Segundo ela, a Lava Jato faz o “uso político e ideológico” dos seus atos. E acrescentou que é inadmissível um juiz falar fora do processo, em qualquer lugar do mundo”, como se ela pudesse impedir o juiz de falar. Para uma plateia que certamente não acompanha o dia a dia da política brasileira, Dilma passa a ideia de que o sistema democrático brasileiro está frágil, comprometido com o advento da Lava Jato, confundindo o caso policial que a envolve com sistema de governo.

A estratégia da Dilma é se fazer de vítima. Dizer ao mundo que o governo Temer é ilegítimo, pois surgiu de um golpe. Em nenhum momento fala que o presidente foi seu parceiro como vice em dois mandatos e base dos dois governos de Lula na condição de presidente do PMDB. Esquece que foi apeada do poder pelo povo que não suportava mais tanta roubalheira, crise na economia e inflação alta. O que se observa na fala da Dilma lá fora é uma gigantesca farsa, uma deslavada mentira e uma distorção política do que acontece no Brasil, transformando-a numa notória mitômana.

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A discussão no Brasil hoje não é mais a prisão do Lula, mas qual o dia que isso acontecerá, pois, as evidências delituosas do ex-presidente saltam aos olhos. Os fatos estão aí. O capo di tutti i capi da organização criminosa, o senhor Marcelo Odebrecht, contou que os governos de Lula e de Dilma, na verdade, eram um antro de bandidagem com raízes em quase todas as empresas estatais e ramificações internacionais. Ora, se por menos do que isso muita gente já está na cadeia, inclusive os tesoureiros do partido, por que será então que o juiz sérgio Moro ainda cozinha em banho maria o processo do Lula? Tem medo de quê?

Se a prisão de Lula não ocorrer, diante de tantas provas, caracteriza-se, isso sim, um processo seletivo de julgamento, onde a Justiça deixa-se levar por uma suposta reação popular e uma ameaça de paralisação do país. Não é assim que deveriam agir os probos procuradores que tentam passar o Brasil a limpo.

Em meio à lama

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Como é que posso com este mundo? A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo no meio do fel do desespero 
Guimarães Rosa

O neoliberalismo do PT

O Partido dos Trabalhadores (PT) opõe-se no Congresso e no palanque às reformas propostas pelo presidente Michel Temer em prol do ajuste das contas públicas. Lula da Silva e sua tigrada preferem, por exemplo, fazer vista grossa ao déficit previdenciário – em 2016, o rombo superou a casa dos R$ 300 bilhões – e propalar que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, a respeito da Previdência, é uma cruel tentativa para acabar com os direitos dos trabalhadores. Trata-se de deliberada tentativa de não enfrentar a realidade, recolhendo-se ao fantástico mundo da ideologia petista, onde “eles” são, a despeito dos fatos, os heróis do povo e quem ousa discordar do seu discurso simplista, os vilões.

A fuga da realidade tem, no entanto, seus limites. O mundo real teima em se fazer presente, também nos domínios petistas. Conforme revelou o Estado, o Diretório Estadual do PT de São Paulo, o maior e mais importante do partido, está levando a cabo o seu “ajuste fiscal”. Nas últimas duas semanas, demitiu 13 funcionários. O corte nos últimos dois anos foi profundo. Em 2014, o diretório chegou a ter 55 empregados. Hoje, tem 8 trabalhadores.

Todas as áreas foram afetadas. Das três faxineiras, sobrou apenas uma. A vigilância deixou de ser de 24 horas para funcionar apenas das 9 às 21 horas. Quase todos os secretários estaduais tiveram de demitir assessores. O atual presidente estadual do partido, Emídio de Souza, no cargo desde 2013, já teve quatro funcionários à disposição. Agora tem apenas um.

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A redução das despesas petistas incluiu também a revisão do valor do aluguel de sua sede na capital de São Paulo. Antes, o partido de Lula pagava R$ 23 mil mensais. Com a renegociação, paga agora R$ 16 mil mensais. O Diretório Estadual do PT determinou ainda corte de verbas para viagens, hospedagens e atividades de formação política, entre outras.

Num primeiro momento, o PT tentou renegociar suas pendências financeiras. Logo, no entanto, os credores perceberam que, para reaver o que lhes cabia, seria preciso entrar na Justiça. Com o andamento das ações de cobrança, houve diversos bloqueios nas contas bancárias do diretório petista, levando os dirigentes a cortar radicalmente suas despesas.

A razão que o PT paulista aponta para a sua gestão neoliberal é a dívida de R$ 25 milhões, contraída em boa medida durante a campanha do ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha ao governo de São Paulo, em 2014. Gastaram bem mais do que podiam e agora tentam acumular um superávit primário como forma de diminuir o rombo. Segundo Emídio de Souza, o pagamento da dívida da campanha consome 40% do orçamento do diretório regional, que é hoje de aproximadamente R$ 500 mil mensais.

Seguindo a prática observada no PT em tantos outros episódios dos últimos anos, Emídio de Souza tira a responsabilidade do partido pelo descalabro de suas finanças. A culpa é atribuída ao Supremo Tribunal Federal (STF), por ter proibido doações empresariais a partidos e candidatos. “A dívida foi contraída numa lógica, e esta lógica foi abolida logo depois da eleição”, diz o dirigente petista, que já foi prefeito de Osasco. O “logo depois” de Emídio de Souza é um tanto generoso. A decisão da Suprema Corte sobre a inconstitucionalidade da doação de pessoa jurídica para campanhas eleitorais ocorreu em 17 de setembro de 2015, quase um ano após as eleições de 2014.

O estado de suas finanças é também reflexo do encolhimento do PT nas duas últimas eleições, o que fez reduzir as receitas com o chamado dízimo petista, a contribuição obrigatória que os detentores de cargos eletivos e ocupantes de postos de confiança na administração devem pagar ao partido. Nas eleições de 2014, sua bancada estadual caiu de 23 para 15 deputados. Em 2016, das 70 prefeituras governadas pelo PT no Estado de São Paulo, sobraram apenas 11.

Fazer discurso populista contra o ajuste fiscal e contra as reformas de Michel Temer é fácil. Difícil mesmo é enfrentar a realidade das urnas e das contas. Que o eleitor não mais se engane com essa gente.

Editorial - O Estadão

A oposição de Renan ao governo Temer acendeu uma luz

Semana passada, em longa frase de meu artigo, faltou o ponto de interrogação, como segue: vamos ficar com Temer até o final, não só porque uma eleição indireta poderia elegê-lo de novo, mas porque o país não aguentaria, com 13,5 milhões de desempregados, em tão curto prazo, turbulência institucional capaz de comprometer o regime democrático? Depois da pergunta, este desabafo: vamos rezar, gente!

Linhas antes, disse que nenhum país, muito menos o nosso, mereceria Lula duas vezes, Dilma também duas e Temer, além de vice duas vezes, uma vez presidente e, o que é pior, acompanhado de péssimas companhias. Os dois primeiros traíram o país e o devolveram simplesmente quebrado. Quanto a Michel Temer, só perguntei: e o terceiro? De propósito, deixei que completassem o que poderia dizer.

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Recebi algumas contribuições. A maioria considerou o apelo à reza, no final, oportuno e adequado. Mesmo assim, para todos, há motivo de sobra para suportar Temer até 2018, ainda que ele não seja a solução ideal: “Já sem futuro político, até mesmo pela idade, ele está tentando fazer alguma coisa pelo menos melhor do que aquilo que tivemos até agora. Não teme a impopularidade nem busca a demagogia. Será que ele é um homem que pensa em se redimir no fim da vida?”.

Refletindo sobre minha despretensiosa provocação e, coincidentemente, depois das inúmeras críticas feitas pelo senador Renan Calheiros ao governo Temer, concluí que conceder ao presidente um pouco de crédito talvez seja o melhor caminho. Já imaginou, leitor, Renan presidente da República? Impossível? Claro que não, pois, para o alagoano, nada é impossível, tudo é provável. Até o aplauso de Lula!

Está aí, no ar, uma nova aliança entre Calheiros (aquele que, para permanecer no poder e, claro, se livrar de quase uma dezena de processos, vende a mãe e não entrega) e Lula, aquele que, se tinha alguma coisa a contribuir quando se iniciou como bravo defensor dos oprimidos, hoje corre risco de terminar sua vida defendendo-se de acusações graves. Que poderão transformar-se em várias condenações.

É possível que a “estratégia” (de oposição) assumida por Renan Calheiros seja a luzinha que faltava a Temer no fim do túnel. Quem sabe não se começa pelo senador a profilaxia que se faz tão necessária em seu governo? Isso ajudaria bastante na chegada a 2018.

De minha parte, considero que se aplica ao presidente, como uma luva, o lema que se autoaplicou nosso palhaço Tiririca, quando foi candidato pela primeira vez: “Pior que tá, não fica”. Esse lema lhe valeu algumas eleições. Ao votar, porém, em favor do impeachment, contrariou-o ao dizer, alto e bom som, no Congresso Nacional: “Pior que tá, fica” – um alerta, agora, àqueles que desejam ver Temer pelas costas.

Desculpe-me, leitor, por essas patacoadas. O que de fato queria celebrar é a última frase do jornalista Fernando Gabeira ao tratar da extensão da prisão domiciliar, concedida a Adriana Ancelmo (mãe de dois menores), às mães pobres: “Pelo menos, a intervenção do governo (ao defender essa extensão) admite que pobres também são humanos e retira esse conceito do limbo em que foi jogado por militantes que consideram humano apenas quem compartilha de suas ideias”.

Terrível, não? Mas verdadeiro! A frase contém uma explicação que procuro há anos. De maneira concisa, aponta, talvez, a maior causa das desavenças entre dois “grupos de militantes”, no Brasil ou no mundo. Cada grupo quer saber de seu butim. O povo que se dane!

Haja reza!