sábado, 13 de março de 2021

Infanticídio: '10 vezes mais mortes de bebês por covid 19 do que os EUA'

Desde o início da pandemia de covid-19, 420 bebês morreram em decorrência do novo coronavírus no Brasil, número aproximadamente dez vezes maior do que o dos Estados Unidos, país com o maior número de óbitos pela doença, de acordo com dados oficiais.


Segundo o CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças) norte-americano, 45 bebês, ou crianças com menos de um ano, perderam a vida após infecção pelo vírus.

Entre as crianças de um a cinco anos, a discrepância entre os dois países também fica nítida: foram 207 mortes por covid-19 no Brasil contra 52 nos Estados Unidos.

Os números brasileiros também são maiores do que o do Reino Unido, que registrou apenas duas mortes por coronavírus entre bebês (menos de um ano). E superiores aos do México, onde 307 crianças entre zero e quatro anos morreram. Já a França teve apenas quatro mortes entre zero e 14 anos devido ao novo coronavírus.

Bolsonaro não admite concorrência em ajuda aos pobres

É muito engraçado o presidente da República. Reclama do pagamento de auxílio emergencial pelos governadores. Quanto mais pessoas viverem “de favor” do Estado, mais dominadas elas serão, segundo disse ontem, como sempre irritado.

"Você vê que tem governador falando em auxílio emergencial, né, querem fazer o Bolsa Família próprio. Quanto mais gente vivendo de favor de Estado, mais dominado fica este povo", queixou-se Bolsonaro em conversa com um blogueiro dos seus.

Estocada em pelo menos dois governadores: o do Rio, Cláudio Castro (PSC), seu aliado, o do Ceará, Camilo Santana (PT). O programa de Castro prevê o pagamento mensal de até R$ 300 para cerca de 400 mil moradores do estado abaixo da linha da pobreza.

Santana (PT) anunciou na semana passada que pagará um auxílio de R$ 1.000 — duas parcelas de R$ 500— a profissionais de eventos, bares e restaurantes. Haverá também isenção da conta de água de cerca de 490 mil famílias nos meses de abril e maio.

Ora, ora, ora... O governo federal, no ano passado, não pagou um auxílio emergencial a milhões de brasileiros? E não voltará a pagar a partir do próximo mês? Bolsonaro quer faturar sozinho o que agora chama de Bolsa Família dos governadores?

Seu incômodo com a situação que enfrenta é tal que ele passou a criticar seus devotos. Ontem, em resposta a um deles, foi duro:

“Minha senhora, presta atenção em uma coisa. O pessoal tem que reconhecer o sacrifício que a gente faz, tá? Então, o pessoal tem que saber o que que está em jogo, o que que ele pode perder. E não esperar que uma pessoa resolva os seus problemas. Este problema é de todos nós, ok?"

A senhora não respondeu se está ok.

Pensamento do Dia

 


Secretário de Bolsonaro faz analogia absurda entre Holocausto e combate à pandemia

O secretário especial de Cultura do governo federal, Mário Frias, comparou na noite de quinta-feira  as medidas de combate à pandemia impostas por governadores e prefeitos ao Holocausto.

Em uma publicação no Twitter, o ex-ator Frias reproduziu um trecho do filme "A Lista de Schindler" (1993) que mostra trabalhadores judeus sendo assassinados por tropas nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

Nas cenas, as vítimas aparecem argumentando que eram "trabalhadores essenciais", mas os carrascos nazistas ignoram os apelos. No fim do vídeo, aparece uma mensagem em português: "Por medo, estamos permitindo políticos decidirem quem é essencial e quem não é. Cuidado. Seu trabalho é essencial. Você é essencial."

"O setor de eventos clama para poder levar o pão para dentro de casa, para poder sustentar a própria família. Até quando um burocrata arrogante irá dizer que ele não é essencial?", completou Frias numa mensagem que acompanha o vídeo.


Dessa forma, o secretário tentou fazer uma falsa analogia entre a matança de milhões de judeus durante o período nazista e os decretos de governadores que estão limitando serviços não essenciais para tentar conter o avanço da pandemia de covid-19, que já deixou mais de 272 mil mortos no Brasil.

No momento, o governo Jair Bolsonaro e seus apoiadores têm protagonizado uma nova ofensiva nas redes e nas ruas contra decretos de isolamento social com o objetivo de manter lojas e serviços abertos, mesmo diante do colapso da rede de saúde em vários estados e recordes consecutivos de mortes diárias por covid-19 no país.

A publicação de mau gosto de Frias provocou uma reação de repúdio do Museu do Holocausto de Curitiba, principal entidade no Brasil de preservação da memória das vítimas da barbárie nazista. Para o museu, Frias prejudica "a construção da memória do Holocausto".

"'A Lista de Schindler', secretário? É desta forma que pretende se opor às medidas de combate à pandemia? Crê que a analogia com esta paródia agressiva não ofende sobreviventes e descendentes? Que não prejudica a construção da memória do Holocausto? Que vergonha, secretário", declarou a administração do museu em resposta à publicação de Frias.

O secretário de Cultura respondeu numa mensagem com um erro grosseiro de português. "Sem duvida é preciso discernimento para se analisar uma postagem. Todos que sofreram desse horror tem meu respeito e solidariedade. O trexo (sic) do filme retrata bem uma situação que estamos vivenciando, guardadas as devidas proporções. Fique com Deus e vá trabalhar", escreveu Frias. Ele posteriormente apagou a publicação quando o erro foi apontado por usuários do Twitter.

Em mensagens publicadas no fim da manhã desta sexta-feira, Frias ainda tentou justificar a publicação do vídeo. "Dizer que essa analogia é uma ofensa ao grande povo judeu, que já experimentou todo esse terror na pele, é apenas um expediente retórico que tenta inviabilizar a devida crítica as nefastas e abomináveis violações às liberdades individuais que estão em andamento."
Histórico de banalização e falsas analogias

Não é a primeira vez que membros do governo Jair Bolsonaro fazem falsas analogias com o Holocausto para promover uma agenda contra medidas de restrição à pandemia ou para reclamar de críticas ao governo.

Em abril de 2020, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, comparou a imposição de medidas de distanciamento social aos campos de concentração nazistas.

Mesmo assim, na semana passada, em viagem a Israel, Araújo reclamou da publicação de um manifesto de intelectuais, sindicalistas e religiosos que comparou a situação dramática da pandemia no Brasil e a falta de ações do governo federal a uma "câmara de gás a céu aberto". Ao lado de membros do governo israelense, o ministro disse que esse tipo de analogia "banaliza" o Holocausto. Os autores do manifesto acabaram retirando esse trecho do texto. Araújo, por rua vez, nunca pediu desculpas pela sua fala de abril passado.

Em maio do ano passado, o então ministro da Educação Abraham Weintraub também usou falsas comparações com o nazismo para reclamar de uma operação da Polícia Federal contra bolsonariatas acusados de propagar fake news e ameaçar ministros do Supremo Tribunal Federal. Na ocasião, Weintraub disse que as investigações contra os bolsonaristas eram uma "Noite dos Cristais brasileira", em referência à onda de violência patrocinada pelo regime nazista contra judeus alemães em 9 de novembro de 1938. A declaração de Weintraub também provocou repúdio de entidades judaicas e até do consulado de Israel em São Paulo.

Em outra ocasião, Weintraub disse falsamente em 2019 que os nazistas "inventaram a aspirina" numa publicação de mau gosto que sugeria que o educador Paulo Freire seria mais inútil que o nazismo. No entanto, a aspirina foi inventada décadas antes do nazismo e seu desenvolvimento contou com a participação de cientistas alemães de origem judaica.

Outros membros do governo, incluindo o presidente de extrema direita Jair Bolsonaro, também falaram falsamente em diversas oportunidades que o "nazismo é de esquerda", provocando reações de repúdio de historiadores e até da embaixada da Alemanha no Brasil e partidos políticos do país europeu.

Em maio passado, um vídeo publicado pela antiga Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) para divulgar medidas adotadas pelo governo no combate à crise sanitária provocada pelo coronavírus também provocou repúdio de associações judaicas. A gravação mostrava a mensagem "O trabalho, a união e a verdade libertarão o Brasil", no que foi encarado como uma referência direita ao lema "O trabalho liberta" ("Arbeit macht frei", em alemão), inscrita na entrada de vários antigos campos de concentração nazistas.

A secretaria comandada por Frias também tem um histórico perturbador com assuntos envolvendo o nazismo. Um de seus antecessores, o dramaturgo de extrema direita Roberto Alvim, chegou a plagiar um discurso do ministro nazista da propaganda Joseph Goebbels em um vídeo publicado em janeiro do ano passado. A própria estética da gravação remetia ao nazismo, com a reprodução ao fundo do trecho de uma ópera de Richard Wagner, o compositor favorito de Adolf Hitler.

Diante do repúdio maciço, Alvim foi forçado a deixar o cargo. O posto foi posteriormente ocupado por um curto período atribulado pela atriz Regina Duarte. Frias, um ex-ator que ganhou destaque nos anos 1990 pela sua participação na novela adolescente Malhação, assumiu o cargo em junho.

Verdade marcada no chão

Cemitério não mente
Margareth Dalcolmo


Isolamento ou morte

A “imprensa mequetrefe”, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), tem seu valor. “Mequetrefe” (indivíduo intrometido, dado a meter-se no que não é de sua conta; enxerido), por exemplo, fora o repórter free-lance Gareth Jones, assim tratado pelo governo soviético na década de 1930. Ele tinha 27 anos, havia entrevistado Hitler e viajou para Moscou por conta própria com o firme propósito de entrevistar Stálin. Sem acesso ao líder comunista, rumou clandestinamente para Ucrânia, intrigado com a origem dos recursos investidos na industrialização da antiga União Soviética. Descobriu a “grande fome” provocada pelas coletivizações forçadas de Stálin, presenciando até casos de canibalismo.

A história é contada no filme “Mr. Jones” — A Sombra de Stálin”, na versão brasileira –, exibido no NOW. O roteiro se inspira no documentário “Hitler, Stalin & Mr. Jones”, levado ao ar em 2012 pela BBC. Chantageado para se calar sobre o que viu, Jones foi vítima de uma campanha de difamação, após publicar sua história na imprensa londrina. Fora desmentido por Walter Duranty, jornalista do New York Times e vencedor do Pulitzer, mais preocupado com o acesso às autoridades soviéticas do que com a realidade ao seu redor. A roteirista Andrea Chalupa inclui na trama o escritor George Orwell, autor do romance “A Revolução dos Bichos”, aproveitado o fato de que o dono da fazenda também se chama Mr. Jones. A censura em Moscou justificaria a analogia.

Holodomor é uma palavra ucraniana que significa “deixar morrer de fome”, “morrer de inanição”. Tal palavra passou a ser empregada para definir os acontecimentos que levaram à morte por fome de milhões de ucranianos entre os anos de 1931 e 1933. É óbvio que a intenção de Stálin não era essa, seu objetivo era expropriar os camponeses que haviam enriquecido nos tempos da “Nova Política Econômica” (NEP) do líder bolchevique Vladimir Lenin, que adotara o capitalismo no campo para abastecer as cidades.


As coletivizações forçadas de Stálin foram feitas para financiar a indústria pesada e preparar a União Soviética para a guerra iminente com a Alemanha, porém, resultaram numa tragédia humanitária. Estima-se de 3,3 a 6,3 milhões o número de mortos no Homolodor. Para Stálin, a morte dos camponeses ucranianos foi o efeito colateral da industrialização acelerada e do esforço de guerra contra Hitler.

A história de Mr. Jones não tem nada a ver com o que está acontece no Brasil? Tem, sim. Bolsonaro não está se dando conta do tamanho do desastre que sua atitude contraria às medidas de isolamento social pode provocar. Governadores e prefeitos as estão adotando para conter a expansão da pandemia. Comete um erro atrás do outro com seu negacionismo, darwinismo social e falta de empatia com as vítimas da pandemia. Não se deu conta de que deixar o novo coronavírus se reproduzir e sofrer mutações possibilita reinfecções e uma nova onda ainda mais violenta da pandemia, que está se transformando numa endemia. Não leva em conta os cálculos exponenciais dos sanitaristas sobre o aumento de casos e mortes.

Na avaliação de Bolsonaro, os óbitos são inevitáveis, o mais importante é manter a economia em pleno funcionamento. Entretanto, não é o isolamento que provoca recessão e desemprego, mas a multiplicação dos casos de covid-19, numa velocidade muito maior do que a vacinação da população. Estamos tendo um “apagão” nos hospitais, daqui a pouco teremos um “apagão” nos cemitérios. Não são apenas falta de leitos, faltam insumos e profissionais de saúde; faltarão câmaras frigoríficas.

Bolsonaro não é um desorientado, tem uma estratégia errada mesmo. Erra de conceito, ao apostar na centralidade a qualquer preço da atividade econômica; erra de método, ao desarticular o Sistema Único de Saúde (SUS), opondo o Ministério da Saúde aos governadores e prefeitos; e erra ao pregar desobediência civil às medidas sanitárias, criando um ambiente favorável para o vírus se propagar. Não leva em conta que o colapso sanitário resultará no colapso econômico, com desorganização da cadeia produtiva e crise de abastecimento. Com a velocidade atual de propagação da covid-19, somente um freio de arrumação pode evitar o desastre, ou seja, o lockdown temporário onde for preciso.

Zé Gotinha, do ostracismo sob Bolsonaro ao vexame de fuzil na mão

“Cadê o Zé Gotinha?”, indagou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em discurso realizado na quarta-feira na sede do Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo do Campo —o primeiro após ter seus direitos políticos restituídos pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal. “Cadê o Zé Gotinha? Cadê o nosso querido Zé Gotinha? O Bolsonaro mandou embora porque pensou que ele era petista (...) E cadê o Zé Gotinha? Acabou”, afirmou. Com o país batendo recordes sucessivos de mortos pela covid-19, o mascote, no melhor estilo Arnold Schwarzenegger no filme O Exterminador do Futuro (“I’ll be back”, ou “eu voltarei”) apareceu: e de fuzil na mão.

O deputado federal Eduardo Bolsonaro foi o responsável por disseminar em suas redes sociais a nova versão do personagem, criado em 1986 pelo artista plástico Darlan Rosa para fortalecer a campanha de vacinação contra a poliomielite. A versão repaginada do Zé Gotinha carrega fuzil M-16, um dos favoritos do Exército israelense, cujo corpo é uma seringa. A bandeira do Brasil como capa completa o figurino, numa tentativa de associação às bandeiras pró-armas do Governo de ultradireita. Em sua conta no Twitter, o filho 03 escreveu na legenda da ilustração que “a nossa arma é a vacina”. Marcelo Freixo (PSOL-RJ), ironizou a transformação do personagem e a mudança de opinião do Governo quanto à imunização: “Depois de sabotar a vacinação e mandar os brasileiros ‘enfiarem a máscara no rabo’, Eduardo Bolsonaro agora transformou o Zé Gotinha em miliciano”. À Folha, o próprio criador Darlan Rosa protestou: “É tudo o que eu não penso. Ele foi concebido como personagem educativo. Não há nada de educativo numa arma”.


Este Zé Gotinha maquinado é mais um capítulo no errático esforço do Governo Bolsonaro de reverter os prejuízos políticos, sanitários e econômicos provocados por um ano de negacionismo com relação à pandemia. Em um momento no qual o país bate recordes sucessivos de mortos pela covid-19, a economia está em parafuso e os índices de popularidade do presidente seguem caindo segundo as últimas pesquisas Atlas e XP/Ipespe, o Planalto avaliou que para continuar com o apoio de parte do empresariado —e manter alguma chance eleitoral em 2022— é preciso vacinar. O problema é que agora o país ainda luta no mercado mundial para conseguir os imunizantes.

O ostracismo vivido por Zé Gotinha até esta semana se traduz em números: de acordo com dados obtidos via Lei de Acesso à Informação pela agência de dados Fiquem Sabendo, o investimento em campanhas de imunização feitas pelo Governo caiu 36% em dois anos. Em 2018 foi gasto 71,5 milhões de reais, no ano seguinte foram 58 milhões de reais e, no ano passado, 45,7 milhões de reais. Correndo contra o tempo, o Planalto contratou em janeiro uma agência para produzir vídeos publicitários sobre a vacinação contra a covid-19. O material, que ainda está sendo elaborado, deve custar 50 milhões e contar com o mascote Zé Gotinha.

A relação de Bolsonaro com o mascote não é das melhores. Desde o início da pandemia, em março de 2020, o mandatário sempre deixou claro o seu desprezo pelas vacinas, em especial a Coronavac, chamada por ele de forma preconceituosa de “vacina chinesa”, produzida no Instituto Butantan com a chancela de seu rival político João Doria, governador de São Paulo. Antes do retorno do Zé Gotinha de fuzil, alguns internautas tentaram emplacar um novo mascote, o Capitão Cloroquino, personagem que —assim como o presidente fez— defende o uso de medicamentos sem comprovação científica contra a covid-19. Não vingou.

O presidente já esteve cara a cara com o Zé Gotinha. Foi em dezembro de 2020, durante evento de lançamento do Plano Nacional de Imunização em Brasília. De um lado, o presidente negacionista, sem máscara, cercado por seus ministros, todos sem a devida proteção. Do outro, o mascote que ajudou a vacinar gerações de brasileiros. Com máscara. Sorridente, Bolsonaro se aproxima e estende a mão. Cumprindo o protocolo sanitário da Organização Mundial de Saúde, Zé tenta dar o bom exemplo, repele o aperto de mãos e faz um sinal de positivo com o polegar para cima, mantendo assim o distanciamento social e evitando contato físico desnecessário, seguindo as melhores práticas sanitárias. O presidente não se deu por vencido, e abraçou o mascote com um dos braços.

Zé Gotinha é um personagem que coleciona títulos. A caminhada rumo ao primeiro deles começou em 1986. Foram oito anos até que a vitória veio, em 1994, com o certificado de erradicação da doença responsável pela paralisia infantil —representado pelo vilão Monstro Perna de Pau nas propagandas da TV. De lá para cá o boneco alvo e sorridente, símbolo do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde, acumulou mais vitórias do que o Canarinho amarelo da seleção brasileira de futebol: foram dezenas de campanhas de imunização ao longo de mais de três décadas, contra gripe, tétano, sarampo, rubéola... Mas aí veio 2020 e Zé Gotinha se viu enredado em disputas políticas e sem poder trabalhar por falta de vacinas contra o novo coronavírus.

Mais do que um mascote, Zé Gotinha se tornou símbolo de um programa de saúde pública forte e eficiente, um caso de sucesso que fez do país uma potência global em coordenação logística e campanhas de vacinação. Com milhares de postos de saúde espalhados pelos municípios brasileiros, a capilaridade do Sistema Único de Saúde faz com que o Brasil tenha a capacidade de vacinar até 60 milhões de pessoas por mês, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. O mascote chegava a aldeias remotas de Roraima, atendia comunidades ribeirinhas isoladas no Amazonas e também levava imunizantes aos menores municípios do interior cearense. Para efeito de comparação, os Estados Unidos, que começaram sua campanha de imunização contra a covid-19 em dezembro, atingiram apenas em março a marca de 82,5 milhões de vacinas aplicadas. Mas sem vacinas, o Brasil ainda engatinha: foram 8,7 milhões de pessoas imunizadas com ao menos uma dose contra o novo coronavírus até a segunda semana deste mês.

O personagem foi criado com o objetivo de aproximar o público infantil do universo das vacinas, frequentemente associado a agulhas, injeções e dor. O imunizante contra a poliomielite foi um dos primeiros a ser aplicado em gotas —daí o formato de coxinha da cabeça do Zé. Seu nome foi escolhido em concurso com crianças de todo o país. Já batizado, o personagem estrelou desenhos animados, estampou cartazes, ganhou música da Xuxa e marcou presença nos postos de vacinação e unidades básicas de saúde do país. Posteriormente ele ganhou uma família de Gotinhas em uma tentativa de ampliar o escopo de sua popularidade para outras parcelas da população, como os idosos, alvo de campanhas de imunização contra a gripe, e as gestantes.

Lula não foi o único saudoso do mascote. Em uma live em fevereiro o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Carlos Eduardo de Oliveira Lula, foi além, e afirmou que o mandatário está “matando” o mascote, como uma metáfora para se referir à inação do Governo no combate à covid-19. “A postura do Bolsonaro vai afetar todo tipo de vacinação. Bolsonaro está matando o Zé Gotinha”, disse. Bom, agora ele está de volta. E armado até os dentes.

Bolsonaro se dispõe a resolver problemas que o brasileiro não sabe que tem

O mundo acha que o problema do Brasil é o vírus, agora vitaminado por uma legião de variantes —uma mais infecciosa que a outra. Submetido a cenas típicas de um colapso hospitalar, o brasileiro avalia que sua prioridade é a vacina. Engano. O problema do país é o risco de cair numa ditadura, informa Bolsonaro.

A característica fundamental da dificuldade de julgamento do brasileiro é ter que ouvir o presidente por mais de uma hora nas noites de quinta-feira para chegar à conclusão de que ele não tem nada a dizer. Na sua penúltima live, o capitão tocou tambores e clarins marciais sob um imenso telhado de vidro.

Já virou rotina. Bolsonaro irrompe numa rede social uma vez por semana. E anuncia que está disposto a resolver problemas que o país não sabe que tem. O roteiro é invariável. O presidente cria fantasmas. Assusta-se com eles. E se oferece para fazer o favor de livrar o Brasil dos riscos fantasmagóricos.


A cabeça de Bolsonaro funciona como um terreno baldio onde ele próprio atira a sujeira que alimenta sua psicose. "Como é fácil impor uma ditadura!", espantou-se. "Usam o vírus pra te oprimir", alertou. "Eu tenho como garantir a nossa liberdade, eu sou o garantidor da democracia", tranquilizou.

Em solenidade realizada na véspera, Bolsonaro usou máscara e defendeu as vacinas. Absteve-se de criticar restrições à circulação e lockdowns. Em timbre sereno, chegou a dizer que, no começo da crise, tais restrições foram adotadas para que os hospitais se equipassem. Ou seja: estava completamente fora de si.

O país não teve nem tempo para respirar aliviado. Horas depois da cerimônia, o general Eduardo Pazuello, suposto ministro da Saúde, divulgou um vídeo de conteúdo esquisito. Nele, assegura que o sistema de saúde, embora "muito impactado", ainda "não colapsou nem vai colapsar".

Nessa versão, o país estaria sendo vítima de um grande complô. Uma trama das filmagens feitas por enfermeiras e médicos mancomunados com a imprensa mequetrefe, e mais de 30 milhões de pessoas que simulam falta de ar em filas metafóricas que se formam nas UTIs de hospitais públicos e privados.

Para não perder o hábito de botar a culpa em alguém, Bolsonaro reiterou na sua live o lero-lero segundo o qual o Supremo Tribunal Federal o impediu de atuar na pandemia. Trata-se de uma lorota. A Suprema Corte apenas reconheceu que todos os entes da federação —União, estados e municípios— têm poder para atuar na área da saúde.

Incapaz de prover vacinas na quantidade necessária, o presidente desqualifica a estratégia paliativa: "Em nome da ciência, da sua vida, você vai ficar em casa mofando. Uma pequena parcela da sociedade até pode ficar em casa mais tempo, mas a grande maioria não pode. Não pode produzir mais nada, todos vão sofrer."

Fazendo pose de São Jorge, o Messias Bolsonaro pega em lanças: "Não podemos deixar isso acontecer. Eu sou a pessoa mais importante nesse momento. Faço o que o povo quiser, devo lealdade ao povo." A certa altura, o capitão renova seu apreço pela ditadura militar.

É como se São Jorge desejasse não salvar a donzela, mas casar-se com o dragão: "Eu sou o chefe supremo das Forças Armadas. As Forças Armadas acompanham o que está acontecendo. As críticas em cima de generais, não é o momento de fazer isso. [...] Nós vivemos um momento de 1964 a 1985, você decida aí, pense, o que que tu achou daquele período. Não vou entrar em detalhe aqui."

Governar o Brasil não é tão difícil quanto Bolsonaro faz parecer. O horário é bom, o salário é razoável, há carro na garagem e jato no hangar. A geladeira está sempre cheia. E a cozinha do Alvorada é full time. De resto, há sempre a possibilidade de demitir o general Pazuello, que deve proporcionar uma ótima sensação.

No limite, há também a hipótese da renúncia do presidente. Não resolveria o problema das vacinas instantaneamente. Mas o Brasil se livraria de um conspirador. E Bolsonaro se libertaria dos seus fantasmas.