domingo, 2 de novembro de 2025
Ainda há tempo para investigar o massacre de Cláudio Castro
Décadas de experiência demonstram que o uso estratégico da inteligência é o caminho mais eficaz para enfrentar o tráfico de drogas e as milícias. Operações baseadas em informações precisas reduzem riscos para a população e para os agentes de segurança. Apesar desse consenso, o Brasil insiste em ações espetaculosas e militarizadas, incapazes de desarticular redes criminosas ou atingir os fluxos financeiros que as sustentam.
A recente operação no Rio de Janeiro é exemplo trágico dessa lógica. Com cerca de 2.500 agentes mobilizados, resultou em 117 óbitos —muitos com sinais de execução, tortura e queima de corpos, além da morte de 4 policiais. Essa ação altamente letal, lembrou o Alto Comissário de Direitos Humanos da ONU, Volker Türk, indica que já é tempo de "fazer cessar um sistema que perpetua racismo, discriminação e injustiça".
É intolerável que a governança democrática não consiga garantir que forças de segurança cumpram padrões internacionais de uso da força. Mais de 30 anos depois do Carandiru, onde cheguei com a Comissão Teotônio Vilela na manhã seguinte ao massacre de 111 mortes, também é intolerável que governos estaduais continuem a recorrer a extermínios como luta contra o crime. E mais aterrorizante ainda é constatar que parte da população brasileira vibre com a brutalidade e a desumanização dos moradores das comunidades vulneráveis perpetradas por sucessivos governos.
O governo do Rio agora tenta apagar as evidências de crimes inscritas nos corpos dos mortos. Não há nenhuma expectativa realista de que o governador Cláudio Castro (PL) promova laudos de necropsia independentes. Cabe ao Ministério da Justiça e à Polícia Federal assumir a investigação de possíveis crimes: execuções sumárias, torturas, fraudes processuais e abuso de autoridade. O Ministério Público Federal já cobrou providências.
O ministro do STF, Alexandre de Moraes —relator da ADPF 635 (arguição de descumprimento de preceito fundamental), que regula as operações policiais no Rio e que Castro desrespeitou— determinou que o governador preste informações apresentando um relatório circunstanciado da operação, a justificativa para o grau de força empregado e a identificação das forças envolvidas.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, cobrou das autoridades brasileiras pronta investigação, assim como relatores especiais de direitos humanos do órgão, reforçando a proteção aos familiares das vítimas. Organizações civis brasileiras, como a Human Rights Watch e a Anistia Internacional, fizeram um apelo ao demandarem uma apuração independente e rigorosa.
Apesar desse clamor nacional e internacional, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, manteve um silêncio constrangedor diante dessas cobranças iniciais. No dia seguinte, contudo, ao lado de Castro anunciou a criação de um escritório emergencial para o combate ao crime organizado, unindo as forças federais e estaduais de segurança pública.
Embora a cooperação entre as esferas federativas seja, em geral, positiva, há preocupações sobre sua efetividade e possíveis riscos, especialmente se for comprovado que o governador autorizou ou incentivou a operação policial ilegal. Neste caso, ele poderá ser responsabilizado criminalmente.
O massacre no Rio deve ser compreendido dentro de um contexto político mais amplo, articulado por Castro e outros governadores de extrema direita. Após a condenação e prisão de seu líder máximo e de seus aliados, esses atores políticos buscam utilizar o discurso da guerra contra o tráfico de drogas para desestabilizar o Estado federal e melhorar suas perspectivas nas próximas eleições. Além disso, tentam alinhar-se à narrativa continental de combate ao narcotráfico, atualmente liderada pelos EUA.
Para enfrentar essa ofensiva da extrema direita, é fundamental que haja uma resposta firme das instituições democráticas: uma investigação federal rigorosa, transparente e independente sobre o massacre de Castro.
Esse passo é essencial para garantir a responsabilização dos envolvidos e reforçar o Estado de Direito. Ainda há tempo para que tal resposta seja dada.
A recente operação no Rio de Janeiro é exemplo trágico dessa lógica. Com cerca de 2.500 agentes mobilizados, resultou em 117 óbitos —muitos com sinais de execução, tortura e queima de corpos, além da morte de 4 policiais. Essa ação altamente letal, lembrou o Alto Comissário de Direitos Humanos da ONU, Volker Türk, indica que já é tempo de "fazer cessar um sistema que perpetua racismo, discriminação e injustiça".
É intolerável que a governança democrática não consiga garantir que forças de segurança cumpram padrões internacionais de uso da força. Mais de 30 anos depois do Carandiru, onde cheguei com a Comissão Teotônio Vilela na manhã seguinte ao massacre de 111 mortes, também é intolerável que governos estaduais continuem a recorrer a extermínios como luta contra o crime. E mais aterrorizante ainda é constatar que parte da população brasileira vibre com a brutalidade e a desumanização dos moradores das comunidades vulneráveis perpetradas por sucessivos governos.
O governo do Rio agora tenta apagar as evidências de crimes inscritas nos corpos dos mortos. Não há nenhuma expectativa realista de que o governador Cláudio Castro (PL) promova laudos de necropsia independentes. Cabe ao Ministério da Justiça e à Polícia Federal assumir a investigação de possíveis crimes: execuções sumárias, torturas, fraudes processuais e abuso de autoridade. O Ministério Público Federal já cobrou providências.
O ministro do STF, Alexandre de Moraes —relator da ADPF 635 (arguição de descumprimento de preceito fundamental), que regula as operações policiais no Rio e que Castro desrespeitou— determinou que o governador preste informações apresentando um relatório circunstanciado da operação, a justificativa para o grau de força empregado e a identificação das forças envolvidas.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, cobrou das autoridades brasileiras pronta investigação, assim como relatores especiais de direitos humanos do órgão, reforçando a proteção aos familiares das vítimas. Organizações civis brasileiras, como a Human Rights Watch e a Anistia Internacional, fizeram um apelo ao demandarem uma apuração independente e rigorosa.
Apesar desse clamor nacional e internacional, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, manteve um silêncio constrangedor diante dessas cobranças iniciais. No dia seguinte, contudo, ao lado de Castro anunciou a criação de um escritório emergencial para o combate ao crime organizado, unindo as forças federais e estaduais de segurança pública.
Embora a cooperação entre as esferas federativas seja, em geral, positiva, há preocupações sobre sua efetividade e possíveis riscos, especialmente se for comprovado que o governador autorizou ou incentivou a operação policial ilegal. Neste caso, ele poderá ser responsabilizado criminalmente.
O massacre no Rio deve ser compreendido dentro de um contexto político mais amplo, articulado por Castro e outros governadores de extrema direita. Após a condenação e prisão de seu líder máximo e de seus aliados, esses atores políticos buscam utilizar o discurso da guerra contra o tráfico de drogas para desestabilizar o Estado federal e melhorar suas perspectivas nas próximas eleições. Além disso, tentam alinhar-se à narrativa continental de combate ao narcotráfico, atualmente liderada pelos EUA.
Para enfrentar essa ofensiva da extrema direita, é fundamental que haja uma resposta firme das instituições democráticas: uma investigação federal rigorosa, transparente e independente sobre o massacre de Castro.
Esse passo é essencial para garantir a responsabilização dos envolvidos e reforçar o Estado de Direito. Ainda há tempo para que tal resposta seja dada.
A chacina do Rio como clímax das narrativas da extrema-direita
A operação policial que deixou mais de cem mortos no Rio de Janeiro é o absolutamente trágico clímax de duas narrativas construídas pela extrema-direita recentemente. De um lado, a defesa da “bukelização” do Brasil, de um Estado policial inspirado no modelo autoritário de Nayib Bukele, em El Salvador.
De outro, a ideia do “narcoterrorismo”, que funde o crime organizado à esquerda política, retratando o PT, Alexandre de Moraes e seus aliados como cúmplices de organizações criminosas. Essas duas histórias se entrelaçam e culminam no que vimos no Complexo da Penha e no Alemão: a legitimação da barbárie como espetáculo moral.
Desde 2021, a extrema direita vem cultivando a imagem Bukele, o líder jovem, fiel ao que se vem chamando de cristianismo cultural, autoritário e símbolo de eficiência.
Bukele sustenta um estado de exceção que já foi prorrogado dezenas vezes desde que o Congresso o aprovou pela primeira vez, em março de 2022, impondo toques de recolher e retirando garantias constitucionais em resposta a chacinas atribuídas às principais gangues salvadorenhas.
Em maio de 2021, Eduardo Bolsonaro (PL-SP) usou suas redes sociais para demonstrar apoio a uma decisão que sempre foi sonhada pelo bolsonarismo no Brasil: a destituição abrupta de magistrados da Suprema Corte salvadorenha, manobra encomendada à época pelo presidente do país. Já em maio deste ano, Nikolas Ferreira (PL-MG), em audiência pública com o Ministro da Justiça, sobre a PEC da segurança, reclamou de a proposta não autorizar a execução de suspeitos por policiais e clamou: “precisamos bukelizar o Brasil”.
Os governadores Cláudio Castro e Tarcísio de Freitas tentam encarnar esse arquétipo. A operação no Rio de Janeiro não teria ocorrido desta forma se tivessem sido colocadas as câmeras nos uniformes dos agentes – o que o governador sempre rejeitou.
Freitas e seu então secretário de Segurança, por sua vez, após a Operação Verão na Baixada Santista, foram denunciados no Tribunal de Haia por crimes contra a humanidade – mesma corte onde tramita processo contra Bukele. A chacina ocorrida no Rio é defendida por Castro e pelos governadores de direita que foram apoiá-lo como encenação do Estado forte, prova de que o bem está vencendo o mal.
Enquanto a “bukelização” exalta o herói, o “narcoterrorismo” constrói o inimigo. Como vêm apontando colegas pesquisadores, a extrema-direita tenta associar o PT e o governo Lula às facções criminosas. Perfis bolsonaristas reproduzem uma versão tropical da retórica trumpista: assim como o presidente dos Estados Unidos acusa os democratas de conivência com cartéis mexicanos, aqui acusa-se a esquerda de ser o braço político do tráfico.
Ao mesmo em que Trump deu nova ênfase ao narcoterrorismo para justificar as investidas na Venezuela, o senador Flávio Bolsonaro chegou a pedir publicamente ação norte-americana no Rio de Janeiro, “ajudando a combater essas organizações terroristas”. Logo na sequência, Lula teve a infelicidade de dizer um que “traficante também é vítima”, reforçando o estereótipo do governante fraco, cúmplice, complacente com o mal. O cenário estava montado.
O resultado político é evidente: a narrativa se fecha. O herói age, o vilão relativiza, e a violência se converte em virtude.
A operação – filmada, noticiada e defendida como um ato de coragem – teve como efeito fazer a extrema-direita, que estava acuada e sem narrativa diante os afagos de Trump a Lula, recuperar o protagonismo.
O principal argumento do Executivo Federal foi a Operação Carbono Oculto, contra o PCC, que de fato demostra que o crime é combatido perseguindo-se os canais de financiamento, e não exterminando pobres aos roldões. (Aliás, o Governo do Rio parece fazer o contrário: a Procuradoria do Estado tem trabalhado no Judiciário contra interdição de refinaria envolvida na Cadeia de Carbono, desdobramento da Carbono Oculto.)
Lula padece ainda da pecha da esquerda, acusada pelo povo de “pensar que bandido é coitado” (frase retirada de pesquisa de autoria da cientista social Luciana Girelli). E, como dias antes havia comparado traficantes e usuários, ficou nas cordas. Não condenou a chacina – como esperava uma parte relevante da sociedade – nem prestou solidariedade aos agentes mortos – como queria outra parte.
O presidente, com atraso, postou um texto com tom de quem reivindica (“não podemos mais aceitar o crime organizado”), e não com a autoridade de quem está em seu terceiro mandato como chefe de Estado.
Os dois grandes campos políticos têm seus mártires. De um lado, cidadãos sem envolvimento com o crime, que têm o azar de serem negros e morarem numa favela, como registrou a deputada Benedita da Silva em discurso viral. Tanto é assim que dias depois das execuções ainda não se sabe de quem são os corpos, de modo que evidentemente não se trata apenas de faccionados. E mesmo a morte dos “suspeitos” indignou – lembremos que não existe pena de morte no Brasil.
De outro, quatro policiais. Um deles disse para a esposa antes de morrer: “continue orando”. Imagem poderosíssima e incontestável do martírio militarista cristão.
Chama a atenção notícia veiculada pela Folha de S.Paulo: na decisão que fundamentou a operação, dizia-se que o Comando Vermelho promovia “expansão violenta do tráfico em áreas dominadas por milícias”. Diante disso não é descabido suspeitar que o espetáculo de força seja um episódio de uma guerra entre uma facção que ameaça um grupo criminoso rival com fortes ligações políticas e amparo no Estado.
A eficácia da Operação no sentido de combate ao crime foi nenhuma: o número dois do Comando Vermelho, alvo declarado, conseguiu escapar. A operação se mostrou uma tragédia em sua letalidade e um fracasso em seu objetivo declarado. Mas um sucesso de propaganda, no Rio de Janeiro e no Brasil.
O arco narrativo é perfeito. Cria-se o inimigo: o “narcoterrorismo vermelho”. Apresenta-se o herói: o “Bukele brasileiro”, moral, cristão e armado. Entrega-se o clímax: uma chacina televisada, apresentada como guerra justa. Constrói-se o mito: a morte como purificação do país, a salvação pela bala. A megaoperação com mais de 120 mortos é a cerimônia máxima dessa fé punitiva.
Mas como são vidas de pessoas reais e não de personagens, todos nós deveríamos lamentar todas essas mortes. Política pública de segurança não se faz com execução em massa. Com certeza há um caminho que não seja o de romantizar o crime, e tampouco de transformar o combate em liturgia de poder.
De outro, a ideia do “narcoterrorismo”, que funde o crime organizado à esquerda política, retratando o PT, Alexandre de Moraes e seus aliados como cúmplices de organizações criminosas. Essas duas histórias se entrelaçam e culminam no que vimos no Complexo da Penha e no Alemão: a legitimação da barbárie como espetáculo moral.
Desde 2021, a extrema direita vem cultivando a imagem Bukele, o líder jovem, fiel ao que se vem chamando de cristianismo cultural, autoritário e símbolo de eficiência.
Bukele sustenta um estado de exceção que já foi prorrogado dezenas vezes desde que o Congresso o aprovou pela primeira vez, em março de 2022, impondo toques de recolher e retirando garantias constitucionais em resposta a chacinas atribuídas às principais gangues salvadorenhas.
Em maio de 2021, Eduardo Bolsonaro (PL-SP) usou suas redes sociais para demonstrar apoio a uma decisão que sempre foi sonhada pelo bolsonarismo no Brasil: a destituição abrupta de magistrados da Suprema Corte salvadorenha, manobra encomendada à época pelo presidente do país. Já em maio deste ano, Nikolas Ferreira (PL-MG), em audiência pública com o Ministro da Justiça, sobre a PEC da segurança, reclamou de a proposta não autorizar a execução de suspeitos por policiais e clamou: “precisamos bukelizar o Brasil”.
Os governadores Cláudio Castro e Tarcísio de Freitas tentam encarnar esse arquétipo. A operação no Rio de Janeiro não teria ocorrido desta forma se tivessem sido colocadas as câmeras nos uniformes dos agentes – o que o governador sempre rejeitou.
Freitas e seu então secretário de Segurança, por sua vez, após a Operação Verão na Baixada Santista, foram denunciados no Tribunal de Haia por crimes contra a humanidade – mesma corte onde tramita processo contra Bukele. A chacina ocorrida no Rio é defendida por Castro e pelos governadores de direita que foram apoiá-lo como encenação do Estado forte, prova de que o bem está vencendo o mal.
Enquanto a “bukelização” exalta o herói, o “narcoterrorismo” constrói o inimigo. Como vêm apontando colegas pesquisadores, a extrema-direita tenta associar o PT e o governo Lula às facções criminosas. Perfis bolsonaristas reproduzem uma versão tropical da retórica trumpista: assim como o presidente dos Estados Unidos acusa os democratas de conivência com cartéis mexicanos, aqui acusa-se a esquerda de ser o braço político do tráfico.
Ao mesmo em que Trump deu nova ênfase ao narcoterrorismo para justificar as investidas na Venezuela, o senador Flávio Bolsonaro chegou a pedir publicamente ação norte-americana no Rio de Janeiro, “ajudando a combater essas organizações terroristas”. Logo na sequência, Lula teve a infelicidade de dizer um que “traficante também é vítima”, reforçando o estereótipo do governante fraco, cúmplice, complacente com o mal. O cenário estava montado.
O resultado político é evidente: a narrativa se fecha. O herói age, o vilão relativiza, e a violência se converte em virtude.
A operação – filmada, noticiada e defendida como um ato de coragem – teve como efeito fazer a extrema-direita, que estava acuada e sem narrativa diante os afagos de Trump a Lula, recuperar o protagonismo.
O principal argumento do Executivo Federal foi a Operação Carbono Oculto, contra o PCC, que de fato demostra que o crime é combatido perseguindo-se os canais de financiamento, e não exterminando pobres aos roldões. (Aliás, o Governo do Rio parece fazer o contrário: a Procuradoria do Estado tem trabalhado no Judiciário contra interdição de refinaria envolvida na Cadeia de Carbono, desdobramento da Carbono Oculto.)
Lula padece ainda da pecha da esquerda, acusada pelo povo de “pensar que bandido é coitado” (frase retirada de pesquisa de autoria da cientista social Luciana Girelli). E, como dias antes havia comparado traficantes e usuários, ficou nas cordas. Não condenou a chacina – como esperava uma parte relevante da sociedade – nem prestou solidariedade aos agentes mortos – como queria outra parte.
O presidente, com atraso, postou um texto com tom de quem reivindica (“não podemos mais aceitar o crime organizado”), e não com a autoridade de quem está em seu terceiro mandato como chefe de Estado.
Os dois grandes campos políticos têm seus mártires. De um lado, cidadãos sem envolvimento com o crime, que têm o azar de serem negros e morarem numa favela, como registrou a deputada Benedita da Silva em discurso viral. Tanto é assim que dias depois das execuções ainda não se sabe de quem são os corpos, de modo que evidentemente não se trata apenas de faccionados. E mesmo a morte dos “suspeitos” indignou – lembremos que não existe pena de morte no Brasil.
De outro, quatro policiais. Um deles disse para a esposa antes de morrer: “continue orando”. Imagem poderosíssima e incontestável do martírio militarista cristão.
Chama a atenção notícia veiculada pela Folha de S.Paulo: na decisão que fundamentou a operação, dizia-se que o Comando Vermelho promovia “expansão violenta do tráfico em áreas dominadas por milícias”. Diante disso não é descabido suspeitar que o espetáculo de força seja um episódio de uma guerra entre uma facção que ameaça um grupo criminoso rival com fortes ligações políticas e amparo no Estado.
A eficácia da Operação no sentido de combate ao crime foi nenhuma: o número dois do Comando Vermelho, alvo declarado, conseguiu escapar. A operação se mostrou uma tragédia em sua letalidade e um fracasso em seu objetivo declarado. Mas um sucesso de propaganda, no Rio de Janeiro e no Brasil.
O arco narrativo é perfeito. Cria-se o inimigo: o “narcoterrorismo vermelho”. Apresenta-se o herói: o “Bukele brasileiro”, moral, cristão e armado. Entrega-se o clímax: uma chacina televisada, apresentada como guerra justa. Constrói-se o mito: a morte como purificação do país, a salvação pela bala. A megaoperação com mais de 120 mortos é a cerimônia máxima dessa fé punitiva.
Mas como são vidas de pessoas reais e não de personagens, todos nós deveríamos lamentar todas essas mortes. Política pública de segurança não se faz com execução em massa. Com certeza há um caminho que não seja o de romantizar o crime, e tampouco de transformar o combate em liturgia de poder.
O que acontece quando ouvimos as vítimas
Mesmo décadas antes da fundação do Estado de Israel, em 1948 – e até antes das duas guerras mundiais –, o sionismo, isto é, a ideia de que deveria existir um Estado étnico exclusivamente para o povo judeu, já havia sido formulado por pensadores como Theodor Herzl e Ze’ev Jabotinsky.
Com essa ideologia em mãos, grupos terroristas europeus de extrema direita invadiram a Palestina, passando a abusar, deslocar, torturar, estuprar e massacrar palestinos para tomar posse de suas terras e recursos. Esses grupos alegavam que seu objetivo – e direito divino – era estabelecer o Estado étnico judeu sionista. Na realidade, porém, esse projeto serviu para oferecer às potências ocidentais uma base militarista e imperialista na Ásia Ocidental e no Norte da África.
Esses grupos contavam com amplo apoio e financiamento das superpotências ocidentais, que assim “matavam dois coelhos com uma cajadada só”: livravam-se dos “judeus incômodos” enviando-os para outra terra – já que o sionismo, ironicamente, é uma ideologia antissemita – e, ao mesmo tempo, estabeleciam uma fortaleza militar estratégica para ampliar a exploração do Oriente Médio.
A Grã-Bretanha, os Estados Unidos e os sionistas trabalharam juntos, ao longo de anos, para desestabilizar a região e promover um genocídio lento, até conquistarem terras e recursos suficientes para estabelecer o Estado de Israel. Os líderes terroristas sionistas passaram então a compor o governo e as forças armadas israelenses – as IDF (Forças de Defesa de Israel), chamadas pelos resistentes de “IOF” (Força de Ocupação Israelense), já que não defendem nada, mas sim ocupam ilegalmente a Palestina.
Desde então, o terrorismo de Estado de Israel segue incontestado. O país jamais reconheceu sua história de violência, ocupação e roubo de terras; em vez disso, sustenta a narrativa de que aquela terra seria seu direito de nascença. Paralelamente, promove a ideia de um suposto “sionismo liberal” – segundo o qual, se os palestinos simplesmente deixassem de resistir e aceitassem a ocupação, todos poderiam viver em “paz”.
Ao longo da história, inúmeras tentativas pacíficas dos palestinos de protestar contra o terrorismo de Estado de Israel foram recebidas com violência e com o assassinato de manifestantes. Diante disso, os palestinos formaram grupos de resistência armada para se defender.
Nelson Mandela escreveu certa vez:
“A lição que tirei da campanha para pôr fim ao apartheid na África do Sul foi que, no fim, não tínhamos alternativa senão a resistência armada e violenta. Repetidamente, utilizamos todas as armas não violentas em nosso arsenal – discursos, delegações, ameaças, marchas, greves, boicotes, prisão voluntária –, tudo em vão, pois tudo o que fizemos foi recebido com mão de ferro. Um lutador pela liberdade aprende, da forma mais dura, que é o opressor quem define a natureza da luta, e o oprimido muitas vezes não tem outro recurso senão empregar métodos que refletem os do opressor. Em determinado momento, só se pode combater fogo com fogo.”
Desde 7 de outubro, os meios de comunicação israelenses e ocidentais têm promovido incansavelmente a narrativa de que os “selvagens árabes/muçulmanos” seriam os verdadeiros “terroristas”, enquanto varrem para debaixo do tapete sua própria história de ações violentas, imperialistas e colonialistas – inclusive contra manifestações pacíficas. Convenientemente, omitem uma parte essencial da definição de terrorismo: ele não se limita a provocar medo ou terror, mas constitui uma relação de poder – na maior parte das vezes, a de um governo que impõe sua vontade aos civis por meio da violência e da opressão.
O objetivo declarado do governo israelense, ao longo de sua história, tem sido a limpeza étnica, a colonização e a apropriação de terras na Ásia Ocidental e no Norte da África, com o propósito de criar uma “Grande Israel”. Isso implica, por definição, o uso sistemático do terror contra as populações indígenas que habitam esses territórios – e, portanto, caracteriza-se como terrorismo.
Os povos indígenas que resistem a seus opressores não estão cometendo “terrorismo”, mesmo quando recorrem à resistência armada; estão, sim, defendendo-se dele. A violência dos oprimidos contra os opressores nunca é equivalente à violência dos opressores – e, de fato, é legalmente reconhecida como forma legítima de resistência.
Assim, as superpotências israelenses e ocidentais distorceram intencionalmente a definição de “terrorismo” para justificar sua ocupação ilegal da região e convencê-lo de que são, na verdade, os “mocinhos” da história.
Mas a verdade é bastante simples: Gaza há muito tempo é descrita por especialistas em direitos humanos como um “campo de concentração a céu aberto”. Mesmo antes de 7 de outubro, Israel controlava rigorosamente a quantidade de água, alimentos, eletricidade, medicamentos e outros recursos permitidos em Gaza em cada momento. Israel decide quem pode – ou não – entrar e sair da região. Gaza está literalmente cercada por muros, e postos de controle israelenses se espalham por todo o território, impedindo arbitrariamente a circulação entre cidades.
Não há aeroporto. Não há exército palestino. Embora existam partidos políticos, Israel é a única entidade com poder real e controle sobre a área porque se trata de uma ocupação, de um regime de apartheid.
Israel é um Estado étnico, terrorista e de apartheid. Ponto final. Não é tão complicado assim.
Impérios como Israel e os Estados Unidos buscam manter o monopólio da violência. Segundo a própria lógica que impõem, têm o “direito” de matar, estuprar, torturar, bombardear e destruir como bem entenderem, mas Deus nos livre que aqueles a quem oprimem ousem revidar. Na sua narrativa, os guerrilheiros que tentam proteger suas famílias e suas terras são os verdadeiros vilões.
É o mesmo discurso que os colonos usaram contra os povos indígenas da Ilha da Tartaruga (atual América do Norte), chamando-os de “primitivos”; o mesmo que os ingleses repetiram sobre os irlandeses “incivilizados” durante a colonização da Irlanda; o mesmo que a Europa proferiu – e ainda profere – sobre a África “selvagem”, desde os tempos do tráfico de escravos.Crédito: Jaber Jehad Badwan
A acusação de “terrorismo”, como tantas outras feitas pelos opressores, é uma projeção. São os invasores e os colonizadores que, por definição, praticam o terror, mas cooptaram o termo para criminalizar e silenciar os movimentos de libertação.
Israel e seus aliados – as superpotências ocidentais – já tomaram essa decisão por todos nós, queiramos ou não: para eles, as vidas palestinas valem menos do que as vidas israelenses.
Você, consciente ou inconscientemente, acaba reforçando essa lógica quando repete o argumento aparentemente neutro da Hasbara de que “ambos os lados são culpados” mesmo que apenas um lado venha cometendo genocídio há quase um século.
Aqueles que detêm o poder intencionalmente ocultam a história completa de Israel e do movimento sionista, para que, em vez de reconhecer a injustiça, você enxergue apenas a versão contada pelo opressor.
É óbvio que um agressor não permitirá que você conheça o ponto de vista de suas vítimas. Eles sabem que, no instante em que você ouvir os palestinos, não será mais possível ignorar a realidade. Essa cortina, uma vez erguida, não se abre apenas por um instante, ela se desfaz para sempre, é arrancada e rasgada em pedaços.
Rachel Corrie era uma jovem americana de 23 anos que, em 2003, viajou com outros ativistas à Palestina para protestar pacificamente contra a apropriação de terras e a limpeza étnica promovidas por Israel. Durante uma manifestação, ela se colocou diante de uma escavadeira israelense que tentava demolir uma casa palestina, empunhando um megafone e vestindo um colete de segurança laranja. Mesmo assim, os soldados avançaram com a máquina, atropelando-a e quebrando sua coluna – matando-a instantaneamente.
Os soldados alegaram depois que “não a viram”, e ninguém jamais foi
Com essa ideologia em mãos, grupos terroristas europeus de extrema direita invadiram a Palestina, passando a abusar, deslocar, torturar, estuprar e massacrar palestinos para tomar posse de suas terras e recursos. Esses grupos alegavam que seu objetivo – e direito divino – era estabelecer o Estado étnico judeu sionista. Na realidade, porém, esse projeto serviu para oferecer às potências ocidentais uma base militarista e imperialista na Ásia Ocidental e no Norte da África.
Esses grupos contavam com amplo apoio e financiamento das superpotências ocidentais, que assim “matavam dois coelhos com uma cajadada só”: livravam-se dos “judeus incômodos” enviando-os para outra terra – já que o sionismo, ironicamente, é uma ideologia antissemita – e, ao mesmo tempo, estabeleciam uma fortaleza militar estratégica para ampliar a exploração do Oriente Médio.
A Grã-Bretanha, os Estados Unidos e os sionistas trabalharam juntos, ao longo de anos, para desestabilizar a região e promover um genocídio lento, até conquistarem terras e recursos suficientes para estabelecer o Estado de Israel. Os líderes terroristas sionistas passaram então a compor o governo e as forças armadas israelenses – as IDF (Forças de Defesa de Israel), chamadas pelos resistentes de “IOF” (Força de Ocupação Israelense), já que não defendem nada, mas sim ocupam ilegalmente a Palestina.
Desde então, o terrorismo de Estado de Israel segue incontestado. O país jamais reconheceu sua história de violência, ocupação e roubo de terras; em vez disso, sustenta a narrativa de que aquela terra seria seu direito de nascença. Paralelamente, promove a ideia de um suposto “sionismo liberal” – segundo o qual, se os palestinos simplesmente deixassem de resistir e aceitassem a ocupação, todos poderiam viver em “paz”.
Ao longo da história, inúmeras tentativas pacíficas dos palestinos de protestar contra o terrorismo de Estado de Israel foram recebidas com violência e com o assassinato de manifestantes. Diante disso, os palestinos formaram grupos de resistência armada para se defender.
Nelson Mandela escreveu certa vez:
“A lição que tirei da campanha para pôr fim ao apartheid na África do Sul foi que, no fim, não tínhamos alternativa senão a resistência armada e violenta. Repetidamente, utilizamos todas as armas não violentas em nosso arsenal – discursos, delegações, ameaças, marchas, greves, boicotes, prisão voluntária –, tudo em vão, pois tudo o que fizemos foi recebido com mão de ferro. Um lutador pela liberdade aprende, da forma mais dura, que é o opressor quem define a natureza da luta, e o oprimido muitas vezes não tem outro recurso senão empregar métodos que refletem os do opressor. Em determinado momento, só se pode combater fogo com fogo.”
Desde 7 de outubro, os meios de comunicação israelenses e ocidentais têm promovido incansavelmente a narrativa de que os “selvagens árabes/muçulmanos” seriam os verdadeiros “terroristas”, enquanto varrem para debaixo do tapete sua própria história de ações violentas, imperialistas e colonialistas – inclusive contra manifestações pacíficas. Convenientemente, omitem uma parte essencial da definição de terrorismo: ele não se limita a provocar medo ou terror, mas constitui uma relação de poder – na maior parte das vezes, a de um governo que impõe sua vontade aos civis por meio da violência e da opressão.
O objetivo declarado do governo israelense, ao longo de sua história, tem sido a limpeza étnica, a colonização e a apropriação de terras na Ásia Ocidental e no Norte da África, com o propósito de criar uma “Grande Israel”. Isso implica, por definição, o uso sistemático do terror contra as populações indígenas que habitam esses territórios – e, portanto, caracteriza-se como terrorismo.
Os povos indígenas que resistem a seus opressores não estão cometendo “terrorismo”, mesmo quando recorrem à resistência armada; estão, sim, defendendo-se dele. A violência dos oprimidos contra os opressores nunca é equivalente à violência dos opressores – e, de fato, é legalmente reconhecida como forma legítima de resistência.
Assim, as superpotências israelenses e ocidentais distorceram intencionalmente a definição de “terrorismo” para justificar sua ocupação ilegal da região e convencê-lo de que são, na verdade, os “mocinhos” da história.
Mas a verdade é bastante simples: Gaza há muito tempo é descrita por especialistas em direitos humanos como um “campo de concentração a céu aberto”. Mesmo antes de 7 de outubro, Israel controlava rigorosamente a quantidade de água, alimentos, eletricidade, medicamentos e outros recursos permitidos em Gaza em cada momento. Israel decide quem pode – ou não – entrar e sair da região. Gaza está literalmente cercada por muros, e postos de controle israelenses se espalham por todo o território, impedindo arbitrariamente a circulação entre cidades.
Não há aeroporto. Não há exército palestino. Embora existam partidos políticos, Israel é a única entidade com poder real e controle sobre a área porque se trata de uma ocupação, de um regime de apartheid.
Israel é um Estado étnico, terrorista e de apartheid. Ponto final. Não é tão complicado assim.
Impérios como Israel e os Estados Unidos buscam manter o monopólio da violência. Segundo a própria lógica que impõem, têm o “direito” de matar, estuprar, torturar, bombardear e destruir como bem entenderem, mas Deus nos livre que aqueles a quem oprimem ousem revidar. Na sua narrativa, os guerrilheiros que tentam proteger suas famílias e suas terras são os verdadeiros vilões.
É o mesmo discurso que os colonos usaram contra os povos indígenas da Ilha da Tartaruga (atual América do Norte), chamando-os de “primitivos”; o mesmo que os ingleses repetiram sobre os irlandeses “incivilizados” durante a colonização da Irlanda; o mesmo que a Europa proferiu – e ainda profere – sobre a África “selvagem”, desde os tempos do tráfico de escravos.Crédito: Jaber Jehad Badwan
A acusação de “terrorismo”, como tantas outras feitas pelos opressores, é uma projeção. São os invasores e os colonizadores que, por definição, praticam o terror, mas cooptaram o termo para criminalizar e silenciar os movimentos de libertação.
Israel e seus aliados – as superpotências ocidentais – já tomaram essa decisão por todos nós, queiramos ou não: para eles, as vidas palestinas valem menos do que as vidas israelenses.
Você, consciente ou inconscientemente, acaba reforçando essa lógica quando repete o argumento aparentemente neutro da Hasbara de que “ambos os lados são culpados” mesmo que apenas um lado venha cometendo genocídio há quase um século.
Aqueles que detêm o poder intencionalmente ocultam a história completa de Israel e do movimento sionista, para que, em vez de reconhecer a injustiça, você enxergue apenas a versão contada pelo opressor.
É óbvio que um agressor não permitirá que você conheça o ponto de vista de suas vítimas. Eles sabem que, no instante em que você ouvir os palestinos, não será mais possível ignorar a realidade. Essa cortina, uma vez erguida, não se abre apenas por um instante, ela se desfaz para sempre, é arrancada e rasgada em pedaços.
Rachel Corrie era uma jovem americana de 23 anos que, em 2003, viajou com outros ativistas à Palestina para protestar pacificamente contra a apropriação de terras e a limpeza étnica promovidas por Israel. Durante uma manifestação, ela se colocou diante de uma escavadeira israelense que tentava demolir uma casa palestina, empunhando um megafone e vestindo um colete de segurança laranja. Mesmo assim, os soldados avançaram com a máquina, atropelando-a e quebrando sua coluna – matando-a instantaneamente.
Os soldados alegaram depois que “não a viram”, e ninguém jamais foi
responsabilizado. Em um ato de crueldade e desumanização, israelenses chegaram a tirar fotos zombando de sua morte e a fazer “panquecas Rachel
Corrie”, em alusão ao seu corpo esmagado.
Esta citação é de uma mensagem que Rachel Corrie escreveu para sua família pouco antes de ser assassinada:
“Se algum de nós tivesse sua vida e bem-estar completamente sufocados, vivesse com crianças em um lugar cada vez menor, onde sabíamos, por experiência anterior, que soldados, tanques e tratores poderiam vir atrás de nós a qualquer momento e destruir todas as estufas que cultivávamos há tanto tempo, e fizesse isso enquanto alguns de nós fossem espancados e mantidos em cativeiro com outras 149 pessoas por várias horas – você acha que poderíamos tentar usar meios um tanto violentos para proteger os fragmentos que restassem? Penso nisso especialmente quando vejo pomares, estufas e árvores frutíferas destruídos – anos de cuidados e cultivo. Penso em você e em quanto tempo leva para fazer as coisas crescerem e que trabalho de amor é esse. Eu realmente acho que, em uma situação semelhante, a maioria das pessoas se defenderia da melhor maneira possível. Acho que o tio Craig faria isso. Acho que provavelmente a vovó faria isso. Acho que eu faria isso.”
Rachel Corrie também descreveu as ações de Israel como “genocídio”, muito antes de 7 de outubro de 2023. Seus e-mails, ensaios e poemas podem ser lidos em Let Me Stand Alone, uma coletânea póstuma de seus diários e escritos publicada por seus pais.
Quando palavras como “terrorismo” são lançadas pela mídia convencional, é seu direito – e seu dever – pesquisar o conflito por conta própria, além dos limites da mídia ocidental; avaliar a dinâmica de poder para identificar quem é o verdadeiro opressor e posicionar-se ao lado da justiça.
É perfeitamente legítimo dizer: “Ainda não sei o suficiente sobre esse assunto para formar uma opinião, mas vou me empenhar em aprender.” O essencial é não permitir que a propaganda pense por você. Não deixe que os propagandistas definam como deve ser a revolução.
Esta citação é de uma mensagem que Rachel Corrie escreveu para sua família pouco antes de ser assassinada:
“Se algum de nós tivesse sua vida e bem-estar completamente sufocados, vivesse com crianças em um lugar cada vez menor, onde sabíamos, por experiência anterior, que soldados, tanques e tratores poderiam vir atrás de nós a qualquer momento e destruir todas as estufas que cultivávamos há tanto tempo, e fizesse isso enquanto alguns de nós fossem espancados e mantidos em cativeiro com outras 149 pessoas por várias horas – você acha que poderíamos tentar usar meios um tanto violentos para proteger os fragmentos que restassem? Penso nisso especialmente quando vejo pomares, estufas e árvores frutíferas destruídos – anos de cuidados e cultivo. Penso em você e em quanto tempo leva para fazer as coisas crescerem e que trabalho de amor é esse. Eu realmente acho que, em uma situação semelhante, a maioria das pessoas se defenderia da melhor maneira possível. Acho que o tio Craig faria isso. Acho que provavelmente a vovó faria isso. Acho que eu faria isso.”
Rachel Corrie também descreveu as ações de Israel como “genocídio”, muito antes de 7 de outubro de 2023. Seus e-mails, ensaios e poemas podem ser lidos em Let Me Stand Alone, uma coletânea póstuma de seus diários e escritos publicada por seus pais.
Quando palavras como “terrorismo” são lançadas pela mídia convencional, é seu direito – e seu dever – pesquisar o conflito por conta própria, além dos limites da mídia ocidental; avaliar a dinâmica de poder para identificar quem é o verdadeiro opressor e posicionar-se ao lado da justiça.
É perfeitamente legítimo dizer: “Ainda não sei o suficiente sobre esse assunto para formar uma opinião, mas vou me empenhar em aprender.” O essencial é não permitir que a propaganda pense por você. Não deixe que os propagandistas definam como deve ser a revolução.
Brasil, violência do crime, terror de Estado
O Brasil mostrou mais uma vez ao mundo a face mais brutal de sua guerra contra o crime. Mais de cem corpos apareceram esta semana a 15 quilômetros do centro do Rio de Janeiro , após uma operação policial que o governo regional, liderado por Cláudio Castro, aliado de Bolsonaro, apresentou como um golpe exemplar contra a organização criminosa Comando Vermelho. Na realidade, foi mais um dia de horror. Os corpos, retirados do mato por moradores e empilhados na rua; os relatos de execuções; e o silêncio do Estado diante das famílias são a imagem exata de um fracasso recorrente: a crença de que a violência pode ser erradicada com balas.
Os números são estarrecedores, mas não surpreendentes. Durante décadas, o terror do narcotráfico foi combatido com uma estratégia que só multiplica os danos : a militarização da segurança, operações massivas e a legitimação da morte como instrumento de ordem. Jair Bolsonaro ascendeu politicamente como um defensor ferrenho dessa estratégia. Seus sucessores políticos seguem seu exemplo : após a operação, Castro afirmou que os quatro policiais mortos foram “as únicas vítimas” do massacre.
O narcotráfico no Brasil não é um corpo estranho que possa ser erradicado, mas sim um sistema que prospera na desigualdade, na impunidade e na conivência política. Nas periferias das grandes cidades, grupos criminosos preenchem os vácuos deixados pelas instituições públicas.
O crime organizado não é uma anomalia que possa ser eliminada com uma incursão armada. Onde o Estado falha em garantir justiça ou serviços básicos, os grupos criminosos oferecem proteção, crédito ou emprego . Combater essa estrutura exige inteligência financeira, instituições fortes e uma política social que restaure a presença do Estado em territórios onde, por décadas, prevaleceu apenas a lei do medo.
O Brasil precisa de uma política de segurança democrática, capaz de proteger sem destruir. Não se trata de negar o poder corrosivo do crime organizado, que extorque, assassina e desafia o Estado, mas de reconhecer que sua derrota não virá de uma guerra sem fim, e sim de uma profunda transformação institucional. Cada massacre celebrado como vitória enfraquece ainda mais a legitimidade da democracia e reforça a ideia de que a violência é a única linguagem aceitável. A segurança não se conquista com pilhas de cadáveres, mas com um Estado que retoma sua autoridade por meio do Estado de Direito, e não pelo medo.
Os governos da região parecem presos em um falso dilema: entre o populismo punitivo — a promessa de mão pesada que oferece resultados imediatos ao custo de vidas humanas — e a paralisia daqueles que denunciam os abusos, mas não conseguem construir alternativas. Em ambos os casos, o vácuo é preenchido por organizações criminosas. O Brasil não precisa de mais mortes para demonstrar força; precisa de um Estado que não confunda autoridade com força bruta.
Os números são estarrecedores, mas não surpreendentes. Durante décadas, o terror do narcotráfico foi combatido com uma estratégia que só multiplica os danos : a militarização da segurança, operações massivas e a legitimação da morte como instrumento de ordem. Jair Bolsonaro ascendeu politicamente como um defensor ferrenho dessa estratégia. Seus sucessores políticos seguem seu exemplo : após a operação, Castro afirmou que os quatro policiais mortos foram “as únicas vítimas” do massacre.
O narcotráfico no Brasil não é um corpo estranho que possa ser erradicado, mas sim um sistema que prospera na desigualdade, na impunidade e na conivência política. Nas periferias das grandes cidades, grupos criminosos preenchem os vácuos deixados pelas instituições públicas.
O crime organizado não é uma anomalia que possa ser eliminada com uma incursão armada. Onde o Estado falha em garantir justiça ou serviços básicos, os grupos criminosos oferecem proteção, crédito ou emprego . Combater essa estrutura exige inteligência financeira, instituições fortes e uma política social que restaure a presença do Estado em territórios onde, por décadas, prevaleceu apenas a lei do medo.
O Brasil precisa de uma política de segurança democrática, capaz de proteger sem destruir. Não se trata de negar o poder corrosivo do crime organizado, que extorque, assassina e desafia o Estado, mas de reconhecer que sua derrota não virá de uma guerra sem fim, e sim de uma profunda transformação institucional. Cada massacre celebrado como vitória enfraquece ainda mais a legitimidade da democracia e reforça a ideia de que a violência é a única linguagem aceitável. A segurança não se conquista com pilhas de cadáveres, mas com um Estado que retoma sua autoridade por meio do Estado de Direito, e não pelo medo.
Os governos da região parecem presos em um falso dilema: entre o populismo punitivo — a promessa de mão pesada que oferece resultados imediatos ao custo de vidas humanas — e a paralisia daqueles que denunciam os abusos, mas não conseguem construir alternativas. Em ambos os casos, o vácuo é preenchido por organizações criminosas. O Brasil não precisa de mais mortes para demonstrar força; precisa de um Estado que não confunda autoridade com força bruta.
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