quarta-feira, 7 de junho de 2017

Entre a prudência e o medo

Na sua origem, o PSDB foi um partido afirmativo no campo programático e zeloso de atitudes éticas. Com um ano de vida, seu então candidato a presidente da República, Mario Covas, teve a coragem de mostrar a cara e propor um choque de capitalismo, para arejar o país de economia cartorial e de um estado capturado por interesses privados e corporativos. Três anos depois, o mesmo Covas liderou os tucanos na recusa de ingressar no governo Collor de Mello. Em vez das benesses do poder, optou pelo pulsar das ruas.


A social-democracia teve a coragem de realizar um amplo programa de reformas e de modernização do Estado, quando chegou ao poder. O governo Fernando Henrique Cardoso promoveu a estabilidade da economia e a responsabilidade fiscal, democratizou o acesso a bens por meio das privatizações - como no caso da telefonia-, saneou o sistema financeiro, avançou em direitos sociais básicos nas áreas da saúde e da educação.

À época, não houve escândalos ou corrupção sistêmica patrocinados pelo governo ou pelo partido do presidente. Os tucanos tinham um projeto para o país, faziam jus ao slogan do “Partido das reformas e da decência”.

Mas isso é passado. O PSDB hoje não é a sombra do que foi. Vive a maior crise de sua história. Sem projeto de nação, sem um centro gerador de novas ideias e, com sua pauta ditada a partir dos projetos pessoais de suas lideranças, entrou em parafuso com o agravamento da crise a partir das delações da Odebrecht e da JBS.

Por sua bagagem histórica, a social-democracia estaria capacitada para ser protagonista do que o cientista político Marco Aurélio Nogueira, da UNESP, caracterizou como um desfecho virtuoso da crise terminal do governo Michel Temer: “a fixação de um entendimento comum sobre o day after, por meio da reposição do pacto político devidamente qualificado e aberto à sociedade”.

Em vez disso, nivelou-se por baixo com o PT e o PMDB em muitas questões, sem dar explicações críveis aos seus 51 milhões de eleitores, utilizando-se de expedientes que condenou, quando praticados por adversários. E suas lideranças, mais uma vez, fizeram movimentos erráticos, deixando de apontar um norte para o país.

Na falta de um centro unificador, natural que a confusão se instale nas suas próprias fileiras e se manifestem tendências desagregadoras. Sobretudo porque se cristalizou a precarização da democracia interna por meio de direções unipessoais e imperiais. Um dado revelador: finalmente o diretório nacional do PSDB vai se reunir, após anos sem nenhum encontro.

Em nome da defesa das reformas previdenciária e trabalhista, fez-se prisioneiro do dilema entre ficar ou sair do governo Michel Temer. Perdeu o timing, talvez por excesso de prudência, de tomar uma posição que o qualificasse como protagonista.

Mas cautela, quando em demasia, confunde-se com o medo de tomar atitudes. E essa é a percepção da sociedade sobre o alto tucanato.

Talvez grande erro de cálculo do PSDB tenha sido imaginar que as reformas ainda passariam pelo governo Temer, quando este perdeu inteiramente as condições de levá-las a bom termo. O problema agora é administrar os danos, enfrentar a difícil escolha de Sofia, sabendo que corre o risco de perder de qualquer maneira.

Se sair do governo, como clamam vários diretórios e os “cabeças pretas”, pode ser acusado de oportunista, principalmente se a decisão não vier acompanhada do enfrentamento de seu passivo.

Mas ficar no Titanic é condenar-se à posição de coadjuvante de um governo isolado da sociedade, cuja grande meta passou a ser ter 172 parlamentares na sua base, para inviabilizar, na Câmara Federal, a abertura de processo contra o presidente da República.

Enfraquecido pelas corporações, que golpearam fundo para impedir as reformas modernizadoras, e ainda sujeito a novas revelações, o presidente pode embarcar na aventura de fazer das reformas a sua tábua de salvação, ignorando a correlação de forças no Congresso. O desfecho pode ser catastrófico: a rejeição das reformas pelo Parlamento. Aí sim, elas iriam para as calendas, pois levaria anos para retornarem à agenda política.

O ser ou não ser dos tucanos não levará a lugar nenhum se for equacionado única e exclusivamente pela ótica eleitoral. Para ter coerência com seu passado, o PSDB deveria subordinar seus interesses particulares ao que é melhor para o país: a concertação de uma saída constitucional e rápida, pois Temer não tem mais condições de comandar a transição.

O pior dos mundos é transferir para o TSE as suas responsabilidades, decidindo não decidir.

Sair do governo mantendo firme o apoio às necessárias reformas que o país precisa não será a solução da crise da social-democracia, mas apenas um pequeno passo na sua reinvenção. Para o PSDB, a superação do pior momento de sua história só será possível se enfrentar os desafios de formular um novo projeto para a nação e cortar na própria carne para se reconciliar com seus eleitores e consigo mesmo. A hora é de se ter coragem política.

Sobre boçalidades e brasileirismos

Somos refinados nas nossas classificações sociais. Tanto que o termo “desclassificado” tem, paradoxalmente, sentido negativo entre nós.

Fui classificado como um “desclassificado” por uma professora, porque ruminava uma americanalhada goma de mascar em plena sala de aula. Eu me imaginava pilotando um avião de caça, enquanto a mestra me via como um projeto de bandido.

Somos tão sofisticados nas nossas hierarquias, que dissolvemos o espaço entre a verdade e a mentira. Contada por um amigo, a mentira vira verdade e deslavadas mentiras viram dúvidas na boca dos poderosos. Coberta pela capa carnavalesca da malandragem, a esperteza somente agora começa a ser politizada.


Nossos brasilianismos, conforme escrevi num livro que ninguém leu, são legião. Vão do foro privilegiado ao recurso e daí à prescrição do crime. É o brasileiríssimo jeitinho aplicado à lei para driblar a Justiça.

Num extremo, temos o “fino” ou o “educado” - a pessoa de “boas maneiras” e “bons modos”. No outro, há o “grosso” - o “boçal”. Graças às nossas ambiguidades, confundimos perversão administrativa com esperteza e, assim, conseguimos duvidar da honestidade como um valor. O resultado é a psicopatia governamental.

O boçal sem lenço e sem documento foi o africano recém-chegado para cumprir o seu brilhante destino de escravo. Não tem protetor, padrinho ou amigo até ser devidamente comprado por um senhor. Então, recebe um documento e, com ele, a sua primeira relação. O “papel” ou documento é a prova de um laço - com o Estado, profissão, gênero, etnia, local de nascimento ou território - e, acima de tudo, com pessoas aglutinadoras de privilégios dentro de uma minuciosa e zelosa hierarquia. O escravo ou o motorista do governador não podem ser castigados ou multados.

De tudo isso é que se constitui a nossa peculiar tonelagem legitimadora de múltiplas e supremas desigualdades. A lei é universal menos para quem tem prerrogativas, garantias, privilégios e elos com pessoas poderosas. Nossa capacidade infinita de singularizar é um brasileirismo contrário à democracia.

Os “boçais” (de ontem e de hoje) não tinham nada, exceto a sua ausência de relações com pessoas, instituições e lugares. Eram, pois, fantasmas ou mortos, como sugere Orlando Patterson no livro Escravidão e Morte Social, um estudo bom demais para ser lido por nossa revolucionária intelectualidade.

*
- O Brasil gosta de boçais!

Afirmou com agressividade Roy Rant, jovem brasilianista num seminário de exilados acadêmicos recentemente organizado pelo prof. Richard Moneygrand em Wolf City, Wyoming, Estados Unidos. A frase denunciava um suposto neofascismo da polícia e promotoria brasileiras na sua injusta perseguição ao PT. Era uma boçalidade prender a torto e a direito, como se os nossos governantes-meliantes estivessem furtando galinhas.


- Vocês podem discordar, reiterou Rant, mas o Brasil definitivamente gosta de boçais. Aliás, complementou, a boçalidade é um brasilianismo. Pois da perspectiva de um sistema de analfabetos e ignorantes, ela equivale a uma recusa ao enlace. Se os laços sociais estampados em documentos enredam, a boçalidade recusa o sistema.

- Concordo com você, retrucou um sério Richard Moneygrand. De fato, continuou, sem uma predileção pela boçalidade, jamais Lula e Dilma teriam sido eleitos e metido o Brasil nisso que vocês (e ele olhou para mim) chamam de crise.

Ouvimos o silêncio.

*
John Kennedy que, com Barak Obama, foi um ator digno do papel de presidente do maior (mas não do melhor) país do mundo, completaria 100 anos se vivo estivesse. A melhor história sobre o filosófico “se” de sua ausência ocorreu em 21 de novembro de 73, no encontro do primeiro-ministro australiano Gough Whittlan com o chairman Mao. Advertido que Mao não gostava de papo-furado, o ministro australiano, aproveitando que a data do encontro coincidia com a do assassinato de Kennedy, perguntou: “Se Nikita Sergyevich Kruchev tivesse sido a vítima, como o mundo teriam mudado?”. Ao que Mao respondeu, parcimoniosamente: “Penso que Mr. Onassis jamais teria se casado com a senhora Kruchev”.

*

E se o Brasil gostasse menos de boçais nós, que não inventamos Donald Duck, teríamos eleito Donald Trump?

Gente fora do mapa



TSE não pode ignorar a fome de limpeza no ar


Quem quiser alcançar a dimensão do que está acontecendo no TSE precisa levar em conta o seguinte: o julgamento da chapa Dilma-Temer interessa muito mais ao país do que aos envolvidos. Para o Brasil, diante das provas reunidas em dois anos de investigação, uma absolvição da chapa pareceria um absurdo incompatível com a fome de limpeza que está no ar. Para Dilma e Temer, a condenação seria apenas mais uma escala rumo ao fundo do poço.

Transformada em lavanderia de verbas sujas pelos partidos que roubaram dinheiro da Petrobras e de outros cofres, a Justiça Eleitoral revelou-se incompetente para fiscalizar. Socorrido pela Lava Jato, o TSE tem a oportunidade de se redimir. Valente na hora de cassar prefeitos dos fundões do Brasil e governadores do Norte e do Nordeste, o tribunal julga pela primeira vez uma chapa presidencial. Pode construir uma pirâmide ou assar pizzas.

Dilma está sujeita a perder os direitos políticos. Ficaria proibida de pedir votos por oito anos. Como suas chances eleitorais são mínimas, o prejuízo é próximo de zero. Temer pode perder o mandato. Nessa hipótese, vai recorrer ao próprio TSE e ao STF. São tantas as encrencas em que se meteu que ninguém sabe se ainda será presidente quando os recursos forem julgados. A conjuntura pessoal de políticos que não se deram ao respeito é volátil. A história de um país merece mais consideração. Um tribunal não têm o direito de negar no presente provas tão evidentes sobre a eleição passada. Sob pena de esculhambar o futuro.

Se você viesse ao Rio, passaria por uma Parque Olímpico abandonado

No auge do delírio olímpico, a elite carioca se sentia em Barcelona. O otimismo, financiado por milhões de reais em publicidade e controle da pobreza nas favelas, promoveu a sensação de prosperidade. Tudo parecia ir bem na cidade que é a vitrine do Brasil para o mundo e o então prefeito, Eduardo Paes, se dizia o homem mais feliz da terra.

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A imprensa embarcou e, anestesiada pelos mesmos milhões, ignorava as denúncias de corrupção que estão estourando apenas agora, mas que todos já sabiam. A mesma imprensa que diz que uma lei de mídia democrática tolheria a sua liberdade se calou por dinheiro. A Justiça e o Ministério Público, que agora se apresentam como salvadores da pátria, também ignoravam todos os indícios de corrupção no melhor momento para intervir: quando a corrupção acontecia.

A Olimpíada passou. Eduardo Paes, que escreveu artigo recente neste EL PAÍS dizendo que o legado olímpico um dia vai chegar, foi para Nova York. Lá iria dar aula na prestigiada Universidade de Columbia. Iria porque, quando seu nome começou a pipocar nos escândalos de corrupção no Brasil, acharam melhor que ele não desse lições sobre gestão pública; faz sentido. É o que diz a rádio corredor da universidade americana, mas a versão oficial é que o ex-prefeito desistiu para ter mais liberdade de viajar para o Rio de Janeiro.

Se Paes viesse ao Rio passaria por um Parque Olímpico abandonado no caminho para sua casa, em um condomínio da Barra da Tijuca. A mesma Barra que recebeu 85% dos recursos olímpicos, mas que possui apenas 5% da população carioca. Vejam que o legado já chegou para ele e para seus amigos Carlos Carvalho, da Carvalho Hosken (a quem Paes servilmente chama de Dr. Carlos), e Pasquale Mauro, os maiores proprietários da Baixada de Jacarepaguá. Os dois faturaram cifras na casa dos bilhões de reais com a valorização de suas terras promovida pelo investimento público em infraestrutura urbana nos dois mandatos de Eduardo Paes. Agora, a cidade endividada ameaça não pagar aos servidores públicos municipais e o estado, quebrado, já não paga.

Se saísse de Nova York e desembarcasse no Galeão, Paes talvez descobrisse que o dono de sua agência de publicidade, a Prole, a mesma de Pezão e Cabral, a mesma que calou a imprensa e vendeu a imagem do Rio-Barcelona, está negociando uma delação premiada com a Operação Lava Jato. O Nervosinho, apelido de Paes na planilha de corrupção da Odebrecht, saberia que seu nome aparece na delação de um executivo da empreiteira, que declarou ter pago mais de R$ 16 milhões ao ex-prefeito para facilitação de contratos olímpicos. Sim, as empreiteiras também enriqueceram com o Rio Olímpico. Propusemos uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Municipal para investigar este e outros casos.

Paes no Rio descobriria também que todos já sabem do desvio de recursos públicos de obras em uma favela na região portuária para o Museu do Amanhãque, segundo ele, teria sido feito inteiramente com recursos privados. O Porto Maravilha parece mais ser o porto da negociata. O deputado federal Eduardo Cunha, preso em Curitiba, teria faturado uma porcentagem dos recursos provenientes do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que bancou a maior parte das intervenções. Milhões de reais roubados dos trabalhadores. Mais uma CPI está sendo proposta para investigar a parceria público-privada da região portuária. Talvez Paes no Brasil pudesse visitar Cunha, do seu partido PMDB, e ainda tivesse um tempo para encontrar Sérgio Cabral, grande amigo que bancou sua candidatura a prefeito em 2008 e atual residente do complexo penitenciário de Bangu.

Não foi à toa que movimentos sociais promoveram em 2012 e 2013 uma campanha com a hashtag #PaesMente. Paes mente muito, mente descaradamente. Só que já diziam os mais velhos: mentira tem perna curta. O Rio de Janeiro, vitrine do Brasil para o mundo, teve suas vitrines quebradas em 2013. Os "vândalos" passaram uma mensagem que muita gente não quis entender: "Não aguento mais Sérgio Cabral e Eduardo Paes". Agora parece estar mais claro quem são os verdadeiros vândalos. O mundo gira e Paes finalmente é a bola da vez.

Paisagem brasileira

Parque Laje, 1965  (RJ), Leopoldo Gotuzzo

O seu destino por um fio

E cá estamos, o país a quem a corrupção e um jornalismo “corporate” sem osso cassaram a voz própria, reduzidos a assistir pela TV o nosso destino ser traçado.

Conforme mil vezes prometido, do jeitinho que foi prescrito e está escrito, a cobra morde o rabo com a fuga dada aos 2ésleys. A ressaca da Queda do Muro, o caminho da ressurreição da esquerda latino-americana pela apropriação dos bancos públicos e fundos de pensão apontados a Lula e Jose Dirceu por Luiz Gushiken, a operacionalização do esquema com a gazua dos “campeões nacionais” da roubalheira, a desmoralização da política solapada por dinheiro bastante para comprar a metade do mundo, a infiltração do Judiciário ao longo de 13 anos de nomeações, tudo faz parte de um roteiro cuja propriedade intelectual tem sido reconhecida e reverenciada onde quer que sobrevivam ditaduras.

A longa marcha começa nos meados dos 90 pelo controle dos sindicatos de bancários. A “PT-Pol”, de “polícia” como a chamavam as redações da época, passa a bisbilhotar as movimentações bancárias do país inteiro e a vazar seletivamente para os jornais os maus passos dos adversários. Uma cultura estava nascendo. É pouco a pouco que o jornalismo investigativo se vai entregando à guerra de dossiês.


A vida informatizada traz o esquema para a era do “grampo”. O “mensalão” é o último episódio onde se diferencia nuances. Flagrado o lulismo em delito de “corrupção sistemática dos fundamentos da república com vistas à imposição de um projeto hegemônico”, restava deslocar o foco do todo para as partes e ir daí para a indiferenciação.

É esse o ponto de não retorno: caixa 1, caixa 2, propina, tudo vai, insidiosamente, sendo feito “sinônimo” uma coisa da outra. E aí está a política presa inteira na arapuca, igualada ao pior de si mesmo.

Daí para a frente é poder contra poder. E velocidade passa a ser o que decide. Com todos os eleitos (com passagem obrigatoria, portanto, por algum “campeão nacional” de financiamento de campanhas) devidamente filmados e gravados basta, doravante, escolher o que publicar. Não é preciso provar mais nada. Não importa o que se disse e mesmo quem o disse em cada gravação. O contágio é por contato. Basta formar os pares. Diante dos avatares murmurando frases entre reticências sobre o cenário de fundo de rios de dinheiro correndo pelo chão, da cena mil vezes repetida do sujeito “ligado a” recebendo furtivamente uma mala, onde enfiar raciocínios com mais de tres palavras sobre quem tem recheado tantas ha tanto tempo e com tanto dinheiro, e para quê?

Mas o país insiste em se fazer essa pergunta. O Brasil inteiro sabe que tem alguma coisa no ar além das notas voando das vinhetas da televisão. Só que continua órfão de pai e mãe. Não tem quem fale por ele mas resiste como pode ao salto no escuro para o qual o empurram com tanta pressa. Nega-se às ruas para as quais o conclamam diariamente em prosa e verso. É nada menos que atroador o seu silêncio diante das circunstâncias.

Já o Brasil com voz – que não conduz, deixa-se conduzir – vai no arrasto de uma espiral de ódio. Quem não está na conspiração ou está bebendo vingança, ou está agarrado pelo silogismo moral em que a conspiração quer todo aquele que não “é”. Ninguém interroga os fatos; tudo é sempre empurrado para o “se”, o “quando”, ou o “de que jeito” se conseguirá torna-los consumados como se fosse certo que o sol da democracia renascerá sempre amanhã.

Não é. Ha dois brasis caminhando para um confronto e só um deles sobreviverá. Ou o da “privilegiatura”, reduzindo o da meritocracia à escravidão, ou o da meritocracia reduzindo o da “privilegiatura” à igualdade. Os dois juntos não cabem mais na conta. Ha também dois Judiciários funcionando em paralelo. Um que, tropeçando pelo cipoal legislativo e processual, investiga, colhe provas, processa e condena a partir de Curitiba numa velocidade que comporta credibilidade e tem no horizonte o respeito aos limites do contrato social. E o outro. Ha, por fim, dois legislativos e dois executivos. Em ambos ha quem, tendo jogado o jogo da politica como ele é, olha agora inequivocamente para o Brasil e procura saídas. E ha os que, na sua fé cega no lado escuro do bicho homem, só olham para Brasília … ou para Miami. O problema é que todos têm pelo menos um pé enfiado na “privilegiatura” e nenhum faz força para desatola-lo.

Vai ser preciso repensar isso. E rápido. Morta a ultima esperança o país, na melhor hipótese, está paralisado de novo até outubro de 2018. Nem vale a pena especular sobre o depois. A carga de novas misérias já contratadas nesta beira do caos de que partimos é muito maior que a que podemos suportar sem nos despedaçarmos. E o Legislativo já tem tido de engolir cala-bocas demais para acreditar que poderá sobreviver a isso com embarques e desembarques espertos ou pedindo ao povo que aplauda o seu apelo por mais sacrifícios.

Já o juíz venezuelizante é o milico de 64 modelo 2017, só que sem a reserva moral. Cava a entrada no jogo by-passando a regra porque é imoral. E este é vitalício. Não tem compromisso nenhum com o instituto do voto nem com a ideia de representação.

É essa a escolha que há. E metade dela já foi feita sem que fossemos consultados…

Este é, porém, um daqueles raros momentos da História em que a matemática e a necessidade fazem tudo convergir para um ponto com tanta força que até os milagres se tornam possíveis. O único programa econômico que pode fazer o Brasil reviver é também o único programa político que pode redimir a política. Os dois consistem no enfrentamento da “privilegiatura”, o ralo de todos os ralos da economia e o ponto de origem e de destino de toda essa corrupção.

Reforma da previdência “deles”, igualdade, referendo, “recall”. Se propuser à nação um compromisso sério para mudar definitivamente o sentido dos vetores essenciais de força que atuam sobre o “sistema” o Legislativo irá de vilão a herói em um átimo e faltarão ruas para as multidões dispostas a entrar nessa briga com ele.

Se não…

Gleisi será mais uma marionete nas mãos de Lula

Lula é um sujeito previsível. Os seus passos só não são conhecidos por seus fanáticos que não enxergam os seus truques fisiológicos para permanecer no poder a todo custo. Depois de mentir para o juiz Sérgio Moro e jurar de pés juntos que não tem nenhuma influência no PT, eis que aparece em Brasília erguendo a mão de Gleisi, eleita presidente do seu partido, para quem ele cabalou votos. É a segunda mulher que Lula patrocina a eleição e vira cabo eleitoral para continuar manipulando os bastidores da política.

Dessa vez, Lula terá ao seu dispor mais de 100 milhões do fundo partidário (em 2016 foram 98 milhões, segundo o TSE) para começar a sua campanha presidencial, já que, se não for condenado, não contará mais com a boa vontade dos empresários amigos e dos diretores das empresas estatais que roubavam dos cofres públicos para patrocinar as campanhas do PT.
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A Gleisi é ré na Lava Jato e o seu destino é incerto daqui para frente se realmente se deixar levar pela conversa de camelô do seu chefe, a exemplo do que ocorreu com os ex-tesoureiros do PT e o José Genoino, ex-presidente, que cumpriu pena por desvio de recursos do partido.

Para disfarçar o autoritarismo e dar um ar democrático a eleição, Lula indicou para disputar a presidência do partido dois aliados: Gleisi e Lindbergh. Um tal de José de Oliveira se vestiu de laranja, mas não teve um voto sequer. Qualquer um dos dois que ganhasse ele estaria bem servido. Mas a Gleisi, na verdade, tinha sua preferência. A exemplo do que aconteceu com a desqualificada Dilma, que levou o país ao caos econômico e ético, Lula agora tem outra mulher para fazer o papel de fantoche. O pretexto é o mesmo: abrir espaço político para as mulheres como se as verdadeiras mulheres necessitassem de um empurrãozinho para sobreviver na política ou em qualquer outra atividade.

Agora vigiado pelos investigadores da Lava Jato, Lula não pode movimentar nem a conta que a JBS mantém à sua disposição e da Dilma no exterior. Precisava, portanto, de uma fonte de renda para usar com gastos pessoais e da campanha dele e de seus comparsas petistas, já que a redução no número de prefeituras em 2016 reduziu o dízimo dos cargos comissionados. Assim, ele escalou a senadora Gleisi que, além de militante, é fanática da seita lulista, com quem ele pode contar incondicionalmente para manipular o dinheiro do fundo partidário.

Praticamente não houve disputa. Escaldados, petistas de outras tendências preferiram não apresentar candidatos. Não quiseram participar do joguete de Lula e acabar na cadeia ou condenados como foram Zé Dirceu, João Vaccari Neto, Genoíno, Delúbio Soares e tantos outros que abriram os cofres para Luiz Inácio da Silva. Pela primeira vez dentro do PT não houve disputa acirrada dos núcleos para chegar à presidência do partido. Ninguém quer ir para a cadeia para satisfazer a ganância e a ambição desenfreada do chefe Lula.

A estratégia de Lula – previsível, mais uma vez – era ter um candidato que não morasse em São Paulo. E isso aconteceu. Gleisi é do Paraná e mora em Brasília com o marido Paulo Bernardo, ex-ministro do Planejamento e da Comunicação que já amargou uns dias de cadeia por corrupção. Assim, a presidência do partido será representada por uma pessoa de confiança de Lula que assumirá toda parte administrativa do partido. Gleisi, coitada!, só vai assinar papel como aconteceu com Dilma impedida de governar pelas mãos ferro de seu protetor.

Depois de homenagear no congresso os presidiários Zé Dirceu e João Vaccari Neto, o fundamentalista Rui Falcão deixou a presidência do partido e o abacaxi nas mãos de Gleisi. A senadora inicia o mandato tendo que responder a processo da Lava Jato. Ela também é líder do PT no Senado e ré juntamente com o marido Paulo Bernardo. O ano passado, o STF aceitou denúncia da PGR que acusava os dois de terem recebido ilegalmente 1 milhão de reais para sua campanha ao Senado em 2010. Eles respondem por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Não se pode aqui achar que Gleisi Hoffmann é ingênua politicamente. Senadora ativa, bem articulada, ex-ministra da Casa Civil de Dilma, várias vezes candidata derrotada em seu estado, ela se vê de uma hora para outra guindada por Lula aos principais cargos importantes do PT. Mas acontece que cego quando vê muita esmola desconfia.

Será que a senadora não desconfia de nada? Será que a cúpula petista tão afoita em disputa iria abrir mão da presidência de um partido que administra mais de 100 milhões reais se alguma trama não tivesse por trás de tudo isso? Senadora, cuidado para não antecipar o seu recolhimento ao presídio da Papuda só para atender a fúria incontrolável de poder do seu chefe.

A Lava Jato e o futuro do país

À medida que nossas instituições vão sendo testadas pelo desnudamento de um quadro de corrupção profundamente difundido entre empresas e políticos, naturalmente nos deparamos com enorme incerteza sobre o futuro. Hoje não se sabe se o presidente da República conseguirá manter-se no cargo por dias ou semanas. Se sobreviver, sobretudo por não ter substituto natural, não sabemos se terá suporte no Congresso para continuar a agenda de reformas que o legitima perante a sociedade. Se sair, passamos a depender do resultado de uma eleição indireta, com parlamentares cada vez mais distantes de representarem os anseios da sociedade.

Tamanha incerteza é terreno fértil para análises e previsões tendenciosas ou superficiais, revelando ou o objetivo de defender interesses, ou a ingenuidade dos que preferem agarrar-se a uma previsão, ainda que agourenta, a fazer o esforço de construir um caminho melhor, iluminando a saída do labirinto atual. A última moda é vaticinar que teremos o mesmo fim da Itália, a saber, que a Lava Jato repetirá o fracasso da Operação Mani Pulite, o que nos condenaria a viver mergulhados na corrupção e na estagnação econômica.

Buscar lições na comparação entre dois países exige mais do que uma simples passada de olhos sobre a superfície dos fatos. Há alguém que, em sã consciência, considere possível que o nosso próximo presidente da República seja um empreiteiro, como era Silvio Berlusconi, por exemplo? Há alguém que imagine que um superministério da infraestrutura possa vir a ser criado e comandado, no Brasil, por Marcelo Odebrecht ou um de seus pares? Pois foi isso que aconteceu na Itália, pondo fim à eficácia da luta contra a corrupção, pelas mudanças nas leis engendradas pelo Executivo e pelo Legislativo, minando a independência do Judiciário e tornando impraticável a punição de crimes de corrupção. A população brasileira está suficientemente informada e vacinada contra o vírus da complacência para repetir esse tipo de erro e retrocessos têm sido impedidos pelo pleno funcionamento de pesos e contrapesos entre os Poderes da República.

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Há várias diferenças entre os dois países e entre os momentos históricos em que as Operações Mani Pulite e Lava Jato ocorrem, o que alimenta meu otimismo com os rumos do Brasil. Nos últimos 25 anos o mundo mudou e hoje a Lava Jato se beneficia de informações cruciais vindas de outros países signatários de acordos de colaboração sobre lavagem de dinheiro e crimes financeiros.

Também importante é a revolução verificada nas comunicações, favorecendo a plena divulgação dos fatos relativos aos inquéritos e às investigações, com as redes sociais amplificando vídeos de audiências e de colaborações premiadas. Tal grau de transparência, aliado à qualidade – e liberdade – da nossa imprensa, faz com que a verdade apareça por intermédio de réus confessando crimes, ao vivo, e do reconhecimento de volumes astronômicos de propinas pagas, causando enorme impacto nas pessoas.

Na Itália, há 25 anos, não houve tal transparência, abrindo espaço para uma guerra de versões que espalhou lama por todos os lados, confundindo e atordoando a população. A operação era acusada de estar sendo financiada pela CIA – ou pela KGB, dependendo da ideologia do acusador – para destruir a classe política; e a população, desinformada, se encolheu, esperando a onda passar. A onda, porém, não só não passou, como o pior estava por vir nas décadas seguintes.

Há, ainda, questões mais fluidas, mas igualmente relevantes a diferenciar os dois países. Como diz Piercamillo Davigo, na Itália se aprende a ser corrupto desde pequeno, na escola. Como os critérios de avaliação do desempenho dos alunos é altamente subjetivo, com exames de fim de curso valendo para a admissão nos níveis subsequentes, presentear professores costuma render boas notas e aprovação certa. Essa é uma fragilidade institucional grave, que pereniza a desimportância da meritocracia e do respeito às regras. Há inúmeros exemplos na mesma direção. A existência da Máfia e suas inter-relações com a corrupção acarretaram dificuldade adicional ao combate à corrupção. Sobretudo se lembrarmos que a Operação Mani Pulite foi realizada após os “anos de chumbo”, com acirramento da luta política e contra a Máfia, que resultou em inúmeros atentados nas grandes cidades, matando centenas de pessoas. Diante desse quadro, foi fácil utilizar o medo para minar o apoio da população ao combate à corrupção.

Apesar das condições favoráveis ao Brasil, há muito trabalho pela frente. A Lava Jato não tem volta: é apoiada pela grande maioria da população e vem sendo operada com enorme eficiência. Essa é a condição necessária, mas não suficiente para reduzir a corrupção. Para que os efeitos sejam permanentes é necessário aprimorar as instituições visando, por exemplo, a aumentar o custo da corrupção, que é um crime racional do início ao fim. Saber que é grande a possibilidade de ser apanhado e, sendo apanhado, ser punido é o primeiro passo para reduzir consistentemente a corrupção.

Para tanto a possibilidade de prisão a partir de julgamento em segunda instância, como entendeu o Supremo Tribunal Federal, é crucial e se espera que não haja retrocesso. A sobrecarga de instâncias superiores, em parte decorrente da abrangência do foro privilegiado e, em parte, da prodigalidade recursal existente, leva a tal morosidade nos julgamentos que aumenta a sensação de impunidade.

Parte da tarefa inclui, ainda, uma reforma política, com redução do número de partidos, voto distrital e regras claras de financiamento de campanhas.

Longe de ser uma cruzada moralista, como querem alguns detratores, reduzir a corrupção é fortalecer a democracia, fazendo com que todos, ricos e pobres, governantes e governados, sejam iguais perante as leis. Só assim é possível criar um ambiente saudável para o funcionamento do País, com regras claras e transparentes nas relações entre empresas, governos e indivíduos. Essa é a maneira de reduzir a incerteza e aumentar o bem-estar da sociedade.

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Korfu, Greece                                                                                                                                                                                 Mais:
Corfu (Grécia)

Degradação ambiental e política

“Terra, és o mais bonito dos planetas, estão te maltratando por dinheiro”, cantam Beto Guedes e Ronaldo Bastos, em “Sal da terra”. O papa Francisco alerta, em sua encíclica Laudato Si`, sobre o necessário e urgente cuidado da casa comum. Até presenteou Trump com essa Carta, há dez dias. O magnata-presidente jurou que iria lê-la. Se o fez, não passou da página 2.

A Semana Mundial do Meio Ambiente 2017, em que estamos, estimula reflexão e ação em relação ao esgotamento do planeta. Impõe que o lema franciscano seja conhecido e assumido por todos, crentes ou não: “fazer do necessário o suficiente, e viver mais simplesmente, para que simplesmente todos possam viver”. Uma nova consciência precisa ser desenvolvida: a de que nós, humanos, somos irmãos de tudo o que tem patas, asas e raízes. Temos, em nosso corpo, os mesmos elementos físico-químicos que compõem as estrelas. O sentimento universal de pertença despolui nossa alma tão envenenada pelo mundo das coisas.

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Objetivamente, o que se exige dos governantes são iniciativas para superar o paradigma do lucro como êmulo básico do desenvolvimento econômico. Para sobrevivermos como espécie, urge transformar o modo de produzir e consumir, acelerarando a mudança das matrizes energéticas. Nessa direção, pedem-se ações mais imediatas. No Brasil, por exemplo, 60% dos municípios ainda têm vazadouros de lixo a céu aberto (a despeito do que determina a Lei de Resíduos Sólidos), o que impacta a saúde da população. No Rio, apenas 3% do que descartamos é coletado seletivamente.

A semana é também mais uma da crise arrastada da junta privatista ainda presidida por Michel Temer. O PMDB é a expressão plena da “poluição” da nossa política institucional. Segundo Marcos Nobre, da Unicamp, o partido de Temer, Moreira, Padilha e Jucá “é uma empresa de venda de apoio parlamentar, que não tem condição de governar porque para governar é preciso coordenar e o PMDB não tem tecnologia para coordenar governo”.

A política suja que ainda predomina tem como matriz o modo de produzi-la e de ofertá-la ao eleitor “consumidor”. Seu financiamento vem de grupos econômicos, sua dinâmica é a da parceria público-privada para beneficiá-los. Governantes e parlamentares vendem seus mandatos e votos. Degradação absoluta, que operações judiciais e policiais começam a desvendar. Mas não têm, por si mesmas, poder de substituir o sistema carcomido. É preciso desintoxicar o modo de fazer política, construir partidos e envolver a população, eliminando o veneno da demagogia e o “gás carbônico” das negociatas e do clientelismo.

No centro das possibilidades da salvação do planeta e da política nacional está o agente público - aquele que cumpre tarefas de governança, legislação ou julgamento. Para esses vale também a exortação de Francisco a representantes de movimentos populares, em novembro passado: “aquele que está afeiçoado às coisas materiais ou ao espelho, que ama o dinheiro, os banquetes, as roupas refinadas, o carro de luxo, por favor, não entre na política, em uma organização social ou movimento popular, porque causaria muito dano a si, ao próximo e mancharia a nobre causa que assumiu. Tampouco que entre no seminário!”.

Despoluamo-nos, pois!

Até quando?

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Vejamos, pois, o que succede a um pimpolho nascido neste paiz. Elle aprende a chamar os filhos da França, francezes. aos da Italia, italianos; aos da China, chins; aos da Turquia, turcos; aos da Polonia, polacos (agora se diz polonezes, por decencia). Para cada povo, aprende um gentilico apropriado. A si mesmo se designa como brasileiro, analogamente ao carroceiro, ao quintandeiro, ao padeiro. Instinctivamente, implanta-se em seu espirito a noção de que a sua qualidade de brasileiro é profissão. Inconscientemente, resolve-se a fazer como os outros, a adoptar esse meio de vida. E ahi temos no pirralho o germen de um politico, a semente de um futuro deputado!... Muita habilitação mais util é assim impedida de se manifestar.
Isso esta errado.
Em bom portuguez, "brasileiro" é o individuo que vive de explorar o Brasil. Reserve-se, pois, essa designação para aquella pequena minoria dos donos desta vasta colonia, para aquelles que fazem profissão habitual de explorar a terra e as gentes da mesma. Assim ficará certo.
Vivaldo Coaracy, "Brasileiros, até quando brasileiros?"

Como a Alemanha acabou com sua 'Cracolândia'

No final da década de 1980, o maior ponto de uso de drogas a céu aberto da Alemanha ficava em Frankfurt: na região do parque de Taunusanlage, próximo à estação ferroviária central, viviam cerca de 1,5 mil dependentes de heroína, numa espécie de "Cracolândia" alemã.

Além de ser um problema social, Taunusanlage era uma questão de saúde pública: cerca de 150 dependentes morriam de overdose a cada ano. Atualmente, mais de 25 anos depois, a "Cracolândia" alemã faz parte do passado da cidade.

A extinção do ponto de uso de drogas foi alcançada graças a uma iniciativa que ficou conhecida como o "Caminho de Frankfurt" e serviu de exemplo para diversas cidades do país que enfrentavam problema semelhante.

"A mudança na política de drogas não ocorreu pela convicção nas opções que se tornavam populares, como terapias de substituição, mas pela necessidade de que algo novo precisava ser feito, já que o tradicional não estava funcionando", avalia Dirk Schäffer, assessor para drogas e sistema penal da organização de combate à aids Deutsche Aids-Hilfe (DAH).


Controles foram feitos só quando estrutura para dependentes estava pronta
No início da década de 1990, conta Schäffer, a situação era dramática em várias cidades da Alemanha, com alta taxa de mortalidade decorrente do uso de drogas e grandes concentrações de usuários em locais públicos. A isso, somava-se o advento da aids e o medo de que o vírus se espalhasse para além dos grupos de risco.

Diante da situação em Taunusanlage, Frankfurt iniciou em 1988 uma série de encontros mensais em busca de uma solução para o problema da heroína na cidade. Deles participavam não somente políticos e policiais, mas também representantes de organizações de ajuda a dependentes químicos e comerciantes locais.

A principal revolução da política adotada foi a percepção do vício como uma doença, possibilitando a descriminalização do dependente. Essa mudança gerou impactos em ações policiais, direcionadas a combater o tráfico e não mais o usuário, e em medidas de saúde pública, concentradas em oferecer alternativas – não somente de moradia, mas também locais de consumo e possibilidades de tratamento – para tirar das ruas dependentes químicos.

Alternativas para dependentes

Entre as estratégias adotadas em Frankfurt estavamo oferecimento amplo de terapias de substituição e a criação de salas supervisionadas para o consumo de drogas.

As terapias de substituição para usuários de heroína começaram a ser aplicadas na Alemanha no final dos anos 1980. Nela, a heroína é substituída por opioides, como a metadona, com quantidade estipulada e o uso monitorado por um médico. A abstinência não é necessariamente uma das metas visadas nesse tipo de tratamento, mas sim o controle do vício.

"Ao substituir heroína por opioides, o objetivo das terapias de substituição é melhorar as condições de saúde física e mental de dependentes e possibilitar sua reintegração social. Nesse sentido, essas terapias são as mais bem-sucedidas nos tratamentos de dependentes químicos", afirma Uwe Verthein, do Centro Interdisciplinar para Pesquisa sobre Dependência da Universidade de Hamburgo.

Apesar do sucesso, esse tratamento só é possível para dependentes de opiáceos, como a heroína. Ainda não há terapias semelhantes para outras drogas, como o crack. Primeiros experimentos para a substituição da cocaína estão sendo feitos na Holanda, mas Verthein destaca que essa pesquisa ainda está bem no início.

Atualmente, a terapia de substituição faz parte da política federal de drogas na Alemanha. O país oferece esse tratamento para cerca de 77 mil dependentes químicos.

Além desta terapia, o Caminho de Frankfurt abriu também as portas para as salas supervisionadas para o uso de drogas na Alemanha. Em 1994, a cidade, quase ao mesmo tempo que Hamburgo, abriu o primeiro estabelecimento deste tipo. No local, dependentes têm acesso a seringas e todo material esterilizado para o uso da substância e recebem acompanhamento médico em casos de overdose.

O espaço possibilita ainda que assistentes sociais façam contato com dependentes e possam apresentar a eles opções de tratamento para o vício. Além disso, as salas contribuíram para tirar das ruas a grande massa de usuários que se concentravam em parques e próximos a estações de trem e reduzir infecções causadas pela reutilização de seringas infectadas.

O drama do analfabetismo no Brasil

A educação brasileira é um dos tristes marcos do período republicano e nos três últimos governos. E talvez venha a repetir o mesmo ciclo de frustrações no atual governo.

O assunto é recorrente e retorna, quando estamos às voltas com a revolução da educação, discutindo sua gênese e os seus objetivos.

No mundo inteiro, o Brasil ocupa uma das posições mais negativas em matéria de analfabetismo. Em termos de adultos, temos algo em termo de 40 milhões de analfabetos. Se agregarmos a esse número, que já não é pequeno, aqueles que são semianalfabetos, telvez cheguemos a um recorde internacional, alcançando quase 140 milhões de brasileiros.

Por aí se vê que meios e modos convencionais de tratar o problema do analfabetismo jamais podem surtir efeito. É preciso que haja, na verdade, um tratamento de choque. Defendi outro dia, a utilização e o pleno emprego de tecnologias educacionais em nossa relação ensino/aprendizagem. O uso mais adequado do rádio, do cinema, da televisão e do computador. Temos um satélite doméstico de telecomunicações, que não está utilizando a sua capacidade ociosa para servir a educação, o que é profundamente lamentável.

Um outro satélite, o Brasilsat, lançado a um custo de 750 milhões de dólares. Sabemos que os 48 canais que compõe o conjunto dos dois satélites, também têm espaços ociosos.

Os pais devem considerar o livro como um instrumento com que a criança tenha um relacionamento íntimo, no qual vai aprender lições que ajudarão muito na sua formação posterior. Se uma criança não possui o gosto pela leitura na infância, na adolescência ou na fase adulta as coisas se tornarão difíceis. Criar o hábito (ou gosto) pela leitura é um primeiro passo que depende basicamente de pais e professores. Há uma idade para isso, que infelizmente para os calouros não coincide com os seus 17 ou 18 anos. Começa antes, na altura ainda do ensino fundamental. Depois, é só alimentar a cabeça de bons produtos, a fim de que persista o interesse.

O bom professor, que estimula o gosto de ler, promove a leitura acompanhada, dialogada, comentada, leitura a dois etc., para identificar com os alunos a existência de uma obra de arte literária. Quando ocorre a descoberta, não há dúvida, estamos diante do intrincado e maravilhoso mundo da literatura.

O pré-escolar é o grande momento onde deve haver um estímulo à leitura. Essa relação deve ser bem natural, e de forma lúdica, tanto em casa quanto na escola. Mas temos uma grande preocupação com o que a criança realmente deseja. Afinal, o que ela pensa sobre os títulos que estão à sua disposição? Sendo ela a maior interessada, é justo que se faça um levantamento nacional sobre as aspirações do nosso público infanto-juvenil, isso evitaria o pseudodidatismo que pode ser detectado em muitas obras.

O que fazer para os estudantes leiam mais? A resposta não é tão simples. Os professores podem, discretamente, variar a oferta literária, entendendo que literatura não é língua somente. A leitura da obra literária, luxuosa ou não, é o ponto de partida ou regra de ouro do ensino de letras, que lidará com gêneros ou tipos conhecidos desde Aristóteles. Assim são criados os fundamentos literários para trabalhar o lirismo, a narrativa ( conto, romance, epopéia etc.) e outros tipos, como as memórias, o diário, a máxima, identificar o gênero é um primeiro e fundamental exercício, a que se deve somar o exame da estrutura da narrativa: enredo, personagem, tempo, ordem de relato, suspense, apresentação e desfecho.

Senhor ministro da Educação e Senhor Presidente da República:

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Morreu, neste início de século e de milênio, a educadora Branca Alves de Lima, aos 90 anos, deixando órfãos aqueles que acreditam que a alfabetização com cartilhas não só funciona muito bem como é mais simples do que essa “moda” atual do construtivismo.

A vida de Branca Alves de Lima, autora da cartilha ‘Caminho Suave’, é a síntese de um dos principais males – se não do principal mal – da Educação brasileira: o enorme desrespeito dos gestores e das políticas públicas educacionais em relação aos professores e professoras, aos estudantes e suas famílias.

O sucesso da cartilha ‘Caminho Suave’. Eles (o governo, o MEC e o Guia do Livro Didático, o Conselho Nacional de Educação, as secretarias de Educação etc.) estão projetando, quase decretando, que os alunos não usem mais cartilhas.

Veja hoje o caso dos ciclos. Professores e professoras que há décadas têm na reprovação seu principal recurso de disciplina foram, de uma hora para outra, proibidos de usá-la. Mesmo com a proibição e à margem do Currículo Escolar, avós, pais, parentes, amigos e professores, indicam a cartilha ‘Caminho Suave’, na alfabetização de seus entes queridos.

Branca Alves de Lima concebeu, em meados do século passado, a cartilha ‘Caminho Suave’, que vendeu cerca de 40 milhões de exemplares desde então. Mais de 48 milhões dos brasileiros adultos de hoje foram alfabetizados por ela.

Nelson Valente