segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Fisiologismo namora governo e é correspondido

Brasília voltou a respirar uma atmosfera de bazar. A disposição do governo para acabar com o chamado toma-lá-dá-cá diminui à medida que cresce a percepção de que Jair Bolsonaro não sairá do lugar sem uma base congressual que lhe permita aprovar as reformas que prometeu. A movimentação do ministro Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil, dá uma ideia do que está acontecendo.

No mês passado, na primeira semana depois da posse do novo governo, o ministro exonerou 320 servidores lotados em cargos de confiança na Casa Civil. Embora seu antecessor na pasta fosse Eliseu Padilha, do bom e velho MDB, Onyx chamou a demissão coletiva de "despetização". Ele informou que, em reunião com todos os ministros, Bolsonaro referiu-se a essa canetada como um exemplo a ser seguido em todos os ministérios. Era lorota.

Numa extraordinária meia-volta, Onyx comunicou aos ministros que está suspensa a dança de cadeiras nos órgãos federais. Deve-se a mudança de orientação a uma chiadeira de congressistas que brigam não para ocupar, mas para manter cargos que já controlam na máquina estatal. Alguns desses parlamentares são fisiológicos profissionais. Apoiavam Fernando Henrique Cardoso. Continuaram apoiando Lula. Deram suporte a Dilma. Derrubaram Dilma para manter seus espaços sob Michel Temer. Agora, namoram a gestão Bolsonaro. E são plenamente correspondidos.

No momento, o governo realiza um grandioso mapeamento de cerca de 20 mil poltronas. Deseja identificar o nome dos políticos que apadrinharam cada nomeação. Se tiver disposição para aprovar as reformas de Bolsonaro, mantém o assento. Do contrário, vai para o olho da rua. Atendidos, certos parlamentares oferecem quase tudo ao Planalto. Só não oferecem a honra porque têm medo de que seja exigido certificado de origem.

Imagem do Dia


A tragédia Brasil

Os antigos diziam que quando Deus criou o mundo juntou num pedaço da América do Sul um país com uma costa gigantesca e belas praias, ouro nas montanhas e sol nos dias de verão. Sem terremotos, vulcões, tsunamis nem outros acidentes naturais. Então, o anjo Gabriel chamou Sua atenção para a injustiça de tal privilégio. Consta que o Criador explicou: “vais ver o povinho que porei lá”. É uma piada preconceituosa e inominável diante de tudo o que tem acontecido ultimamente nestes tristes trópicos, neste país do carnaval e do futebol, a superar em tragédia o teatro grego antigo, culminando com a coincidência de mesclar paixão coletiva e dor pessoal.

O incêndio do Centro de Treinamento (CT) do Flamengo com 10 mortos e 3 salvados do fogo parece mais um castigo divino, mas não é. É conjunção de canalhice com descaso, desídia e desumanidade, que já se haviam manifestado no incêndio do Museu Nacional e no estado lastimável que impede visitas ao Museu da Independência, no Ipiranga.



Essa mistura transforma nosso passado num monturo onde enterramos nossas oportunidades de aprender com erros e acertos que já cometemos. Os rejeitos minerais da Vale em Mariana, que mataram o Rio Doce, num descomunal assassinato ambiental, não serviram de alerta e três anos depois a lama seca de Brumadinho apodrece o Paraopeba e se prepara, de forma lenta, mas incansável, para emporcalhar Três Marias e trucidar o Rio São Francisco, o Velho Chico, “rio da unidade nacional”.

O Estado brasileiro, controlado por burocratas e políticos corruptos, se acumplicia a empresários gananciosos que exploram nossas riquezas e massacram nossos pobres à jusante de represas, expondo-os por cupidez às ondas de dejetos que sufocam humanos, bovinos e peixes. O Criador poupou-nos de vagalhões e lavas, mas os beneficiários do uso e furto dos bens públicos os substituem pela mortandade por susto, bala ou vício. Essa Medusa, que nunca encontra Ulisses de volta a Ítaca, reproduz em sua saga milhões de cabeças vorazes que despedaçam a ventura dos humildes.

Os meninos do Flamengo são talentosos e quase todos pobres, mais do que arrimos, o que resta de fé para seus parentes e amigos. Quando sucumbem à indiferença de dirigentes de má-fé, que usam a paixão do povo como combustível para sua fortuna, fundida num bezerro de ouro insaciável, levam para a morada final as esperanças de seus entes queridos.

O pior de tudo é que os dirigentes de Vale, Museu Nacional, Museu da Independência e Flamengo, e prefeitos que escorcham os munícipes com vultosos impostos (casos do Rio inundado e desprovido de programas públicos eficientes contra inundações e desta Piratininga de viadutos rachados caindo aos pedaços), são beneficiários da pior de todas as ofensas, a impunidade. Os mandachuvas do popular rubro-negro da Gávea, os mesquinhos da mineração que não gastam com segurança nem pagam multas e os gestores públicos e privados que se escondem das penas que deviam pagar em capas de pleonasmos nunca purgarão os seus crimes com vil metal ou perda de liberdade.

A tragédia Brasil tem a agravante de não contar com o deus ex-machina do teatro grego, aquela solução final implausível em que os justos são recompensados e os culpados, punidos. E às vítimas só resta reclamar, em vez de apoiar, aplaudir, glorificar, eleger e até endeusar os vilões que as massacram.

Apóstolos ainda presentes

Estes apóstolos são combatentes, gente de guerrilha que veio sentar-se à mesa da conjura, e no momento em que Hodart chegou estavam no aceso da questão, discutindo se deviam salvar o mundo ou esperar que ele por si próprio se salvasse. Neste ponto estavam e ainda não decidiram
José Saramago, em "Viagem a Portugal", sobre "Os Apóstolos", de Philippe Hodart, no Museu Nacional de Machado de Castro

Um futuro para Brumadinho

De novo em Brumadinho, desta vez para falar de reconstrução, como em Mariana. A cidade tem dois polos: cultura e mineração. O Museu de Inhotim, erguido no meio de um lindo pedaço da Mata Atlântica, pode ser um dínamo desse processo. Recebe 350 mil pessoas por ano e reabriu neste fim de semana. Nele trabalham 600 pessoas.

Se os artistas brasileiros quiserem dar uma força, é possível fazer a cidade transitar da hegemonia da mineração para se tornar um centro cultural. Será preciso apenas esquecer as diferenças ideológicas. Certos temas de união nacional ajudam até a lidar com as divergências.


Não sou especialista em barragens. Os engenheiros pensam coisas claras. Um deles sugeriu que a barragem se rompeu por liquefação. Desde esse momento, levei a serio a hipótese.

Agora, fico sabendo que a barragem de água estava a montante do minério armazenado. Vazava constantemente. A Vale construiu um cano para desviar essa água. Mas será que foi suficiente? Os sensores funcionavam mal, e faltavam cinco deles.

O atestado de estabilidade dado pela empresa alemã TÜV SÜD tratou desse tema. E parece que houve pressão para que os alemães transigissem: ou davam o atestado de estabilidade ou seria rompido o contrato com a Vale.

Indo um pouco adiante, como detetive amador, lembro que a barragem de água estava tão cheia que ameaçou romper após o desastre. No domingo de manhã, a sirene tocou por lá, pelo perigo da barragem de água. Possivelmente, a mesma sirene que silenciou diante do tsunami de lama. Nesse caso, enganada pela insuficiência dos sensores. Diante de tais circunstâncias, não é correto dizer, como disse a Vale, que a barragem de rejeitos era de baixo risco e grande poder de dano. Ela era de alto risco.

Essa é a conclusão de um ignorante esforçado. Quando a Vale disse que o desastre era inexplicável, ela estava de posse de todos os dados, tanto que tentava desviar o curso da água.

Espero que os fatos confirmem esta hipótese, pois, até agora, não consegui ouvir alternativas. Houve uma fake news, na época do desastre, dizendo que explodiram uma bomba. Um venezuelano e um cubano teriam sido presos. E não é que circulou. Os venezuelanos não têm bombas para uso externo: estão à beira de uma guerra civil.

Apesar de tudo, espero que a Vale participe do esforço de reconstrução, sem ambiguidades como em Mariana. Seria aprender a operar num espaço estrategicamente mais valioso que suas minas de ferro.

A entrada de Brumadinho é feinha e encardida. Na cidade, há um conjunto de painéis pintados por artistas brasileiros. Foi uma parceria da Vale com a prefeitura. Os painéis perderam a cor, foram degradados pelo descaso, alguns parecem uma colagem de minério de ferro.

A ideia geral era esta: já que produzimos minério, por que se importar com a beleza? Em outras palavras: já que vai sujar mesmo, por que manter limpo?

Antes do desastre, fui a Brumadinho uma única vez. Na época, para a palestra de fundação do Partido Verde, que hoje, quem diria, é o partido do prefeito. Não o conheço bem. Apenas o entrevistei sobre os fatos correntes. Mas, se pudesse dar um palpite, diria que o futuro de Brumadinho deveria se concentrar numa ideia simples: entra a beleza, sai a feiura.

As mineradoras costumam deixar apenas buracos, quando não levam as montanhas, como levaram o Pico do Cauê, na Itabira de Drummond.

Ter o mais belo museu a céu aberto do mundo e uma estrutura de hotéis e restaurantes sugere o novo caminho, que nem merece ser chamado de economia criativa: é uma decorrência lógica. Seria preciso um novo marco regulatório para exploração de minério numa área onde a cultura tem um grande papel. Brumadinho tem lindas estradas vicinais com áreas preservadas. Os 300 hectares enterrados na lama são apenas uma pequena parte de um município maior do que Belo Horizonte. Seu bairro mais atraente, Casa Branca, está no pé da Serra do Rola Moça, um parque estadual. É um belo roteiro, que pode florescer no futuro.

Em Casa Branca, onde há muitos moradores fugidos do estresse da grande cidade, há um movimento de defesa da águas em permanente choque com a mineração. O que alguns mineradores chamam de Quadrilátero Ferrífero é, na verdade, para os moradores um quadrilátero aquífero.

Há um passado e um futuro para Brumadinho. Hora de virar o jogo.

Tragédia brasileira


Um país que ignora os riscos

O ano mal começou. Ainda é o começo de fevereiro. E estamos contando os mortos em tragédias sucessivas. O fogo mata jovens num centro de jogadores, a chuva desaba deslizando encostas no Rio, uma barragem soterra mais de trezentas pessoas. Muito do que nos infelicita poderia ter sido evitado, principalmente a tragédia de Brumadinho, para a qual, tantos dias depois, a Vale não tem explicação plausível. Em muito do que está atingindo o Brasil há a mesma causa: o desprezo pelo princípio da precaução.

O dia de ontem já começou alarmante. Enquanto o incêndio matava meninos jogadores no Rio, mineiros corriam na madrugada de Barão de Cocais com a sirene disparada. Eles moram perto de uma barragem, e elas são bombas que podem explodir. Brumadinho, tempestade com deslizamentos no Rio e a dolorosa perda dos meninos do Flamengo, tudo em tão pouco tempo mostra de forma aguda como o país tem falhado em proteger os seus.

O princípio da precaução nos ensina que se há um cenário ruim é contra ele que precisamos nos preparar. No Brasil, avisos eloquentes não são ouvidos. Brumadinho nasceu em Mariana. A análise do desastre de três anos atrás deixa claro que a Vale construiu a sua repetição. E não estamos livres de novos horrores como lembraram as sirenes de Barão de Cocais.


Em 2015, nos primeiros dias após o rompimento da Barragem de Fundão, a Vale tentou fingir que o problema era da Samarco. Na hora da reparação, Vale e BHP criaram a Renova e entregaram a ela dinheiro e responsabilidade. Terceirizaram a culpa e a reparação do dano. Por fim, as empresas fecharam um pacto com o MP e os governos, que extinguiu a ação civil pública de R$ 20 bilhões. Segundo a Vale, tudo estava resolvido. Falso. O Rio Doce continua sequelado, os diretamente atingidos não tiveram suas casas reconstruídas, e os outros milhares de afetados permanecem carregando suas dores e seu desamparo.

O que ela podia ter feito diferente? Tudo. A Vale deveria ter iniciado imediatamente a transição para nova tecnologia de barragem com menos risco em todos os casos. Deveria ter desarmado as bombas que são as barragens úmidas, drenando, retirando os rejeitos sólidos e os separando para a reciclagem. Essa tecnologia já está dominada. Era e ainda é o único caminho para resolver estruturalmente o problema.

Dinheiro não faltou à Vale. Seus resultados financeiros mostram que, apesar do prejuízo de 2015, quando houve a tragédia de Mariana, o lucro líquido acumulado nos 10 anos anteriores superou R$ 150 bilhões em valores nominais. E que superaram os R$ 40 bilhões nos três anos após Mariana. A atitude da Vale — das reações em Mariana até o teor dos emails sobre Brumadinho revelados esta semana — é uma lição às avessas. Ensina o que não fazer. Os moradores vizinhos às barragens vivem ameaçados por novos rompimentos. Já não dormem, vigiam sirenes.

O Rio fica sobressaltado a cada chuva. A dolorosa tragédia da Serra, há oito anos, em que morreram 908 pessoas, e as muitas enchentes na capital ensinaram que as encostas deslizam com muita frequência pelos erros da ocupação urbana, pela falta de prevenção, porque o setor público ignora a precaução. Depois de enterrados os mortos, volta tudo ao que era antes. As chuvas serão mais intensas, os ventos, mais violentos. Extremos serão mais frequentes com as mudanças climáticas. Como nos proteger?

São casos diferentes, mas a morte dos meninos jogadores do Flamengo precisa ser bem apurada para ver se eles são vítimas também do descaso e da negligência. As investigações ajudarão a apontar a razão exata, mas o roteiro é sempre o mesmo: estavam dormindo em locais provisórios à espera do definitivo centro de treinamento. O Brasil vive à espera do definitivo. Em Minas, famílias de 182 desaparecidos ainda esperam os corpos dos seus entes queridos, e podem não recebê-los, apesar da emocionante dedicação dos Bombeiros.

Em agosto do ano passado, Fabio Schwartzman afirmou: “o único risco para a Vale é a economia global virar de cabeça para baixo.” Estava errado. O risco não era externo. O perigo maior permanece aqui dentro. A mineração sempre teve uma visão predatória, principalmente nas minas de Minas.

Diariamente o país corre riscos por não se preparar para o que pode ser evitado. E assim vamos chorando mortes prematuras e imaginando o que poderiam ter sido aqueles que nos deixam cedo demais.

Cultura da fartura impulsiona desperdício de alimentos no Brasil

A cultura do "é melhor sobrar do que faltar" impulsiona o desperdício de alimentos no Brasil, aponta uma pesquisa recente realizada pela Embrapa com apoio da Fundação Getúlio Vargas. O gosto pela fartura, desde a ida ao supermercado até o preparo das refeições, e a preferência por comida fresca à mesa faz com que cada brasileiro jogue mais de 40 quilos de comida no lixo por ano.

Além de ser associada à hospitalidade e ao cuidado com a família, a abundância está ligada ao status, aponta o estudo. "O Brasil é um país muito desigual, e a comida sinaliza riqueza. Famílias que enfrentaram pobreza no passado, por exemplo, tendem a gostar de preparar uma mesa farta, como forma de mostrar que vivem tempos melhores", afirma Gustavo Porpino, analista da Embrapa e líder da pesquisa sobre desperdício, realizada no âmbito dos Diálogos Setoriais União Europeia-Brasil.

Ter a despensa sempre abastecida também traz tranquilidade para quem tem baixo poder aquisitivo. Por ser prioridade no orçamento, a comida é comprada e estocada em grandes quantidades para garantir que será suficiente para todo o mês. Contudo, o preparo de porções exageradas e o não reaproveitamento das sobras fazem com que parte da comida vá diretamente para o lixo.

A classe social não é o que determina o desperdício, aponta a pesquisa da Embrapa. "As famílias que desperdiçam pouco não são necessariamente as mais pobres, mas as que adotam hábitos de consumo mais sustentáveis", explica Porpino.

Na prática, são as pessoas que fazem compras menores, preparam lista de compras e reutilizam as sobras em novas refeições. A pesquisa, que ouviu 1.764 pessoas de toas as classes sociais e regiões do país, aponta que quem tem maior consciência sobre o impacto do desperdício no orçamento tende a descartar menos comida.

Segundo o estudo, a família brasileira joga fora quase 130 quilos de comida por ano, uma média de 41,6 quilos por pessoa. Os alimentos que mais vão para o lixo, por percentual do total desperdiçado, são: arroz (22%), carne bovina (20%), feijão (16%) e frango (15%).

Cálculos do Instituto Akatu, ONG voltada ao consumo consciente, indicam que se uma família brasileira que gasta em média 650 reais por mês com alimentos reduzisse pela metade o desperdício com comida e depositasse o valor equivalente (cerca de 90 reais por mês) numa poupança, acumularia cerca de 1 milhão de reais em 70 anos, considerando o rendimento anual.

Além de pesar no bolso, o desperdício prejudica o meio ambiente, pois os recursos utilizados na agricultura para a produção de alimentos, como água, acabam sendo em vão.

"A Fao [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura] estima que se o desperdício de alimentos fosse concentrado em um único país, ele seria o terceiro maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, depois dos EUA e da China, representando 8% das emissões globais, e o maior usuário de água, ultrapassando a Índia e a China", compara Helio Mattar, diretor-presidente do Instituto Akatu.

Além da renda familiar e de recursos naturais, com o desperdício de alimentos aptos ao consumo vai para o lixo também a oportunidade de alimentar quem sofre com a fome.

"No Brasil, o elevado desperdício de alimentos convive com a insegurança alimentar, uma combinação infeliz para um país onde 22,6% da população enfrenta algum nível de insegurança alimentar e com 54,8 milhões de pessoas vivendo com até 5,5 dólares por dia, linha de pobreza proposta pelo Banco Mundial", comenta Porpino.

A pesquisa sugere que os brasileiros não estão alheios aos malefícios do desperdício. A grande maioria dos entrevistados (94%) tem consciência de que devem evitá-lo. Segundo Porpino, as sobras até são guardadas na geladeira, como forma de aliviar a culpa, mas não são de fato reaproveitadas. Assim, o descarte é apenas procrastinado.

No âmbito internacional, um terço da produção total de alimentos, ou 1,3 bilhão de toneladas, vai para o lixo, o que seria suficiente para alimentar 2 bilhões de pessoas, de acordo com cálculos da Fao. Com base nesse cálculo, é possível estimar que 8,7 milhões de toneladas de comida são desperdiçadas no Brasil, o suficiente para alimentar mais de 13 milhões de pessoas.

Ainda de acordo com o estudo, os números do Brasil o posicionam à frente da maioria dos países europeus. Uma pesquisa da União Europeia publicada em 2017, por exemplo, revelou que na Alemanha, Espanha, Holanda e Hungria são desperdiçados, em média, 439 gramas de comida por domicílio por semana, enquanto no Brasil são 353 gramas por domicílio por dia.

Uma das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas é reduzir pela metade o desperdício per capita de alimentos no mundo até 2030. Segundo Mattar, quantificar o desperdício de alimentos e fortalecer os sistemas de informação sobre a geração e coleta de resíduos em cada país é fundamental para que tal objetivo seja alcançado.

A sacralização do mecanismo político que paralisa o Brasil

Lula e o PT deixaram o poder, e, pelo que estamos vendo, o famoso mecanismo político descrito pelo cineasta José Padilha continua de pé, agora sob outra bandeira política de sinal contrário. Segundo ele, “a corrupção não se dá entre os políticos. É a política”.


Para poder conviver sem remorso com o mecanismo criado pelos políticos para se perpetuarem no poder, foi necessário para Lula e o PT sacralizá-lo em nome de uma causa mais nobre que assim justificasse. E não há nenhuma causa melhor que o serviço às classes mais baixas. Foi o que Lula tentou explicar ao ex-presidente uruguaio José Mujica quando lhe disse que no Brasil “não era possível governar de outro jeito” se quisesse avançar nas conquistas sociais. Segundo Lula, ou se aceitava o mecanismo, ou este acabaria nas mãos de uma direita que o usaria do mesmo jeito, mas se esquecendo da parte mais pobre do país.

Isso explica por que Lula, assim como José Dirceu, insiste ainda hoje em sua inocência no uso desse mecanismo de corrupção ao qual quem não adere fica de fora do festim político. A sacralização do mecanismo se deu metamorfoseando-o para que o dinheiro da corrupção fosse visto como um mal menor para ajudar os deserdados.

Sem dúvida será difícil que o Brasil possa desarmar essa estrutura, porque ela foi não só ideologizada como também até sacralizada. Então, mesmo se Bolsonaro e Moro tivessem o propósito real de desarticular esse mecanismo agora, seria muito difícil para eles, ou inclusive impossível, como já começamos a ver. A força do mecanismo e seu uso por parte praticamente de todas as forças políticas anulariam tal esforço.

O mais triste é que os mais pobres, não podendo compreender a sutileza e perversidade do mecanismo que se justifica pelo bem deles, acabam também por aceitá-lo. É o “rouba, mas faz”. É como se dissessem que não importa que esse mecanismo sirva para perpetuar os políticos no poder, e até enriquecerem pessoalmente. Já interiorizaram que são todos igualmente ladrões, mas que pelo menos os inventores do mecanismo lhes oferecem as migalhas do festim. E voltarão a absolver a direita quando notarem que também ela precisa se render ao mecanismo.

Ainda sob a premissa que sua sacralização possa oferecer alguma melhora para os pobres, ela acaba virando uma armadilha, já que esse mecanismo, que ao se ideologizar se torna intocável, impede que os despossuídos possam sonhar com um país mais livre, capaz de crescer e distribuir a riqueza sem ter que atravessar o túnel escuro dessa corrupção que polui todo o sistema democrático.

O mecanismo impede, por exemplo, que os melhores, os mais preparados e os menos poluídos sejam escolhidos para os cargos públicos como ministros, diretores de estatais ou de agências reguladoras. Nomeados pelo mecanismo, serão obrigados a prestarem adoração a seus sacerdotes, mesmo que à custa de saquear as riquezas da nação, como foi no escândalo da Petrobras.

Quem não se enquadra nas leis internas do mecanismo, não conseguiria sobreviver nele, embora, por descuido, pudesse chegar até ali. Lembro-me de que quando Fernando Haddad era ministro da Educação ouvi no Ministério que ele não era “um petista doc”. Traduzindo, queria dizer que ele não sabia se adaptar bem ao mecanismo.

Vivi de perto as peripécias de Cristovam Buarque quando foi escolhido ministro da Educação do primeiro Governo Lula. Sem dúvida, era quem mais sabia sobre o assunto ao qual havia dedicado boa parte de sua vida. Durou pouco. Lula o demitiu por telefone enquanto viajava na França. Mais tarde, como ele mesmo me contou, Lula explicou-lhe o motivo de sua demissão voando juntos: “É que o Dirceu não quer você como ministro”. Hoje, à luz do mecanismo, quis dizer que Buarque, embora reconhecido internacionalmente como especialista em educação, não se ajustava à doutrina do mecanismo, sinônimo das práticas pouco republicanas sem as quais seria impossível governar no Brasil. E hoje até os eleitores deixaram Buarque fora do poder.

E, no entanto, ou o Brasil quebra esse mecanismo perverso ou continuará no pântano da imobilidade e do desencanto em que se encontra a sociedade, cada dia mais insatisfeita com aqueles que a governam. Uma sociedade que deve compreender que não se trata de partidos melhores ou piores, de políticos e governantes mais ou menos corruptos, mas de desarmar esse mecanismo de raízes tão profundas que atravessa séculos de Governo nos quais, primeiro os escravos, e hoje os pobres, ainda se continua a querer comprar com espelhinhos coloridos como os antigos colonizadores europeus faziam com os indígenas. Acham que mudou tanto?