A Rede Globo vem promovendo uma campanha em que apresenta depoimentos de brasileiros sobre a questão: “o Brasil que eu quero”. Todos manifestam o desejo de honestidade, saúde, educação, preservação do meio ambiente. Os institutos de pesquisas dizem que o eleitor busca um presidente capaz de vencer a corrupção, a violência, as desigualdades. Mas ninguém indica qual o caminho para fazer o nosso país ser “como queremos” nem como deve ser o seu futuro, no longo prazo, depois que os problemas atuais forem resolvidos.
Nem os eleitores nem os 15 pré-candidatos a presidente apresentam propostas de “como fazer!” para realizar os desejos dos brasileiros, tampouco para onde conduzir o país nas próximas décadas, ao longo do Terceiro Centenário de nossa independência. Há um excesso de desejos e de candidatos, mas uma escassez de ideias-força e de propostas para adquirir coesão e construir rumo.
A população brasileira quer justiça social, mas, apesar do trágico exemplo venezuelano, ainda não percebe que esta não se constrói sobre uma economia ineficiente. Também não se dá conta de que os recursos, fiscais e naturais, são limitados. Ao não perceber isso, o Brasil não entende que a realização dos sonhos no futuro vai exigir sacrifícios no presente: limitar os gastos com recursos públicos conforme a arrecadação; controlar o crescimento da produção para não ferir o equilíbrio ecológico; e evitar intervenções estatais que desorganizem o funcionamento da economia.
Ainda não faz parte de nossas ideias o entendimento de que a economia do futuro depende do conhecimento técnico e cientifico capaz de aumentar a produtividade e a criatividade; que não há como distribuir renda que ainda não existe, nem como criá-la sem educação de qualidade para todos.
Parece difícil compreender que o aumento da renda nacional depende da educação de alto nível para aumentar a produtividade. Sem isso, não tem como distribuir renda. O Brasil não tem a convicção de que é preciso impedir o desperdício de cérebros ao negar-lhes educação, principal recurso para fazer o país rico e para distribuir a riqueza.
Infelizmente, não faz parte da crença de boa parte dos brasileiros a ideia de fazer nosso país campeão em educação e em produção intelectual na ciência, tecnologia, arte, filosofia, nem que este é o caminho para fazer o Brasil que queremos. Tampouco a ideia de que nossas crianças devem estudar em escolas com a mesma qualidade, independente da renda de seus pais, sejam eles pobres ou ricos.
Os candidatos e os eleitores têm uma identificação nos sonhos, mas sem limitá-los aos recursos disponíveis, fiscais e naturais, prometem ações sem calcular seus custos, não dizem como serão financiados. Ambos parecem ter sonhos para o futuro, mas se mostram prisioneiros do presente.
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Rovinj (Croácia) |
Acabo de voltar de San Francisco, a cidade que, proporcionalmente, tem o maior número de indigentes do mundo. Que um país tão rico, com tantos recursos e tanto espaço permita isso… E o mais terrível é que eles estão aí, mas se tornaram quase invisíveis. Dormem em plena rua, mortos de fome e drogados, enquanto seus concidadãos passam ao largo, sorvendo um café de seis dólares comprado no Starbucks.
Existe uma incrível indiferença com uma parte da população que vive quase como na Idade Média. Só alguns quilômetros os separam do Vale do Silício, um dos lugares mais ricos do mundo, de onde nos dizem sem parar que, graças à tecnologia, todos os problemas serão erradicados.
Leila Slimani, escritora marroquina
A Lava Jato, maior e mais eficiente operação anticorrupção da história, faz aniversário de quatro anos neste sábado. Há muito a festejar, a começar pela modernização dos métodos da Polícia Federal e da Procuradoria. Criou-se um ‘Modelo Lava Jato’ de investigação. O sucesso desse modelo está baseado em três novidades:
1) A corrupção passou a dar cadeia;
2) O medo da prisão estimulou as delações;
3) Os acordos de colaboração judicial impulsionaram as descobertas e propiciaram a recuperação de verbas roubadas.
A má notícia é que o Supremo Tribunal Federal decidiu conspirar a favor da restauração da impunidade. A ameaça de recuo surge no horizonte num instante em que amentam as cobranças pela punição de representantes da oligarquia política.
Suprapartidária, a Lava Jato corroeu a Presidência de Dilma, encarcerou a biografia de Lula, transformou Temer no primeiro presidente da história denunciado por corrupção no exercício do mandato e carbonizou a pose de presidenciável de Aécio Neves e José Serra. É contra esse pano de fundo de franca deterioração que entra em cena a complacência do Supremo.
A Lava Jato exibe números exuberantes. Entre eles, 220 condenações e a perspectiva de recuperação de mais de R$ 11 bilhões desviados. Mas a Suprema Corte, além de não ter condenado nenhum político com mandato, ameaça rever a regra que permitiu o encarceramento de condenados na segunda instância do Judiciário. Se isso acontecer, a relevância turística do Supremo vai superar sua serventia jurídica.
Há na frente do prédio do STF, em Brasília, uma imponente estátua da Justiça. Qualquer pessoa, mesmo os piores corruptos, poderão posar do lado dela como posariam do lado do Vesúvio, um vulcão adormecido. O perigo de o Supremo entrar em erupção é apenas presumido. Em quatro anos de Lava Jato, o Supremo revelou-se o local mais seguro do país para os acusados de corrupção.
Na semana passada teve início o período permitido pela Lei Eleitoral para a livre troca de partido de deputados federais sem risco de perda do mandato. A chamada “janela partidária” começou no dia 8 de março e vai até 7 de abril, data-limite para que os candidatos que disputarão a eleição de outubro estejam com filiação definida.
Esse período, que será de intensas negociações, começou agitado. Nesses primeiros dias, chamou a atenção o PSL, que, no embalo da filiação de seu pré-candidato a presidente da República, o hoje deputado federal Jair Bolsonaro, atraiu outros sete parlamentares. Todos os novos filiados pertencem à chamada bancada da Segurança da Câmara.
Nos principais partidos, as movimentações indicam que algumas legendas de centro devem ser as maiores beneficiadas pelas trocas. Pelas projeções, DEM, PP, PR e PSD devem ampliar suas bancadas. O MDB, maior partido da Casa, deve sofrer um revés: três deputados já anunciaram a saída e outros já declararam estar inclinados a deixar o partido. Nos demais, a previsão é de oscilações com viés negativo.
A janela partidária envolve diversos aspectos relacionados ao futuro das legendas e da correlação de forças que se estabelecerá no cenário político para os próximos anos. O aspecto mais imediato diz respeito às eleições de outubro, pois, ao trocarem de partido, eles se incorporam a projetos políticos nos estados e no plano federal, reforçando candidaturas de governadores e presidente.
Durante a janela, os deputados vão procurar se abrigar em partidos em que a chance de êxito para se reeleger ou disputar outros cargos no Legislativo ou no Executivo seja maior que na sua legenda. Importante também é que na nova sigla o parlamentar tenha prioridade de acesso à propaganda partidária e à destinação de recursos do Fundo Partidário (R$ 888 bilhões) e do Fundo Eleitoral R$ 1,7 bilhão).
Com a proibição do financiamento empresarial, as campanhas serão custeadas por doações de pessoas físicas com limite definido e por recursos oriundos desses fundos. A parcela que cada partido receberá desses fundos dependerá, em grande proporção, do número de deputados federais que cada um elegerá. Portanto, quanto mais deputados, mais dinheiro para a legenda. Da mesma forma se dá a distribuição do tempo de propaganda gratuita no rádio e na TV.
Daí porque a atração de mais deputados com potencial de reeleição para aumentar a quantidade de cadeiras na Câmara se revela tão importante para o futuro dos partidos. O tamanho das bancadas eleitas em 2018 é que estabelecerá o montante de recursos e o tempo de mídia pelos próximos quatro anos nas eleições municipais e nas gerais.
Outros aspectos relacionados à janela referem-se a como os partidos irão se fortalecer para superar a cláusula de desempenho para alguns e o fim das coligações para todos. O mecanismo, mais conhecido como “cláusula de barreira”, afeta diretamente os pequenos partidos, pois estabelece que em 2018 o partido que não alcançar pelo menos 1,5% dos votos válidos a deputado federal, distribuídos em ao menos um terço das unidades da federação, não terá direito a recursos do Fundo Partidário nem ao tempo de rádio e TV. Essa exigência será aumentada gradativamente até a eleição de 2030, quando se chegará ao piso de 3% dos votos.
Com relação ao fim das coligações nas eleições proporcionais, estas só valerão a partir da próxima eleição (2022). No entanto, a disputa de outubro servirá de teste para a extinção desse modelo. Ao se fortalecerem individualmente em 2018, os partidos se preparam para disputar as próximas eleições proporcionais (vereadores, deputados estaduais e federais) sozinhos, sem contar com a ajuda de outros para eleger seus representantes.Murillo de Aragão