sexta-feira, 15 de agosto de 2025
Muitas crises e alguma oportunidade
O Brasil não vive uma crise. Vive muitas ao mesmo tempo. Algumas são universais, como a climática e a do comércio internacional, completamente revirado pelas iniciativas de Donald Trump.
É pretensioso supor que uma só pessoa consiga abordar esse punhado de crises, em busca de caminhos para o País. No passado, escrevíamos teses bastante gerais que eram uma espécie de roteiro de discussão ou mesmo um estímulo à pesquisa.
A ordem internacional do comércio foi subvertida por Trump. Isso é irreversível pelo menos durante seu mandato.
Que papel o Brasil pode encontrar neste novo arranjo em que todos se movem em busca de novos mercados? Há consenso de que devemos buscar também novos compradores para nossos produtos. O multilateralismo fortalecido pode ser uma resposta mundial a Trump.
É consensual, também, que devemos ter uma posição serena na defesa da soberania, buscando pacientemente restaurar os vínculos diplomáticos com os EUA.
Não é consensual tanto como a diversidade na exportação, a possibilidade de o Brasil se abrir mais, simplificando sua estrutura tarifária, reduzindo barreiras não tarifárias. Naturalmente, isso deve ser feito com os devidos cuidados, mas não podemos mimetizar a visão primária de Trump segundo a qual quem vende é sempre um explorador e que o déficit comercial significa perdas. Ele considera que um déficit de, suponhamos, US$ 1 bilhão é um dinheiro jogado fora, abstraindo a mercadoria comprada que poderia ser mais cara se produzida internamente.
Outro aspecto da crise comercial que acaba convergindo para a crise ambiental é o dos recursos brasileiros vitais para a transição energética: sol, vento, água, florestas, minerais estratégicos, tudo isso deve ser levado em conta numa reavaliação geopolítica do Brasil.
Já produzimos lítio no Vale do Jequitinhonha, começamos a explorar terras raras com a Serra Mining em Goiás, temos uma reserva de nióbio que pode abastecer todo o planeta – enfim, o Brasil tem um papel central na superação do modelo poluidor e suicida.
No campo digital, a ideia de soberania tem sido sintetizada no poder do Brasil de impor suas leis às big techs que aqui funcionam. Mas ela precisa ser estendida à própria infraestrutura – já escrevi artigos mostrando, por exemplo, a dependência que um setor da economia tem do WhatsApp.
O Brasil é um importante espaço para data centers, pois dispõe de energia e água, fatores consumidos em larga escala. Pode oferecer isso às big techs, mas pode também construir os seus. próprios.
Já escrevi artigos mais amplos sobre os passos para um nível de autossuficiência, já alcançado pela China, por exemplo. Satélites, redes de alta velocidade, plataformas de cloud, tecnologias de inteligência artificial e algoritmos – um caminho que permite não apenas aplicar a lei às big techs, mas sobreviver a um possível boicote.
Toda essa temática precisa repercutir nas eleições de 2026 e funcionar como estímulo para a escolha de pelo menos um pequeno núcleo de parlamentares que aborde as necessidades do País.
A tendência à escalada da tensão com os EUA é muito forte no campo político. Além das pressões de Trump no caso Bolsonaro, ele assinou um decreto autorizando ações militares na América Latina para o combate ao tráfico de drogas. Essas ações independem da autorização dos governos. Provavelmente, começarão pelo México e virão para a Venezuela, onde o governo de Nicolás Maduro foi considerado envolvido com o tráfico. Os EUA acusam Maduro de participar de um cartel e de ter relações com outros dois: Tren de Aragua e Sinaloa.
Essa disposição de combater o tráfico de drogas em alguns casos, como o da Venezuela, converge com a vontade de derrubar o governo. Um exemplo histórico é o de Manuel Noriega, no Panamá.
Qualquer operação na Venezuela terá repercussão no Brasil, que, por sua vez, já foi instado por Trump a considerar o PCC e outros grupos de crime organizado como terroristas.
O Brasil recusou, mas, de qualquer forma, o decreto é o anúncio de problemas, pois a volta da guerra às drogas com tropas americanas é um filme antigo, que saiu de cartaz por falta de eficácia.
A melhor forma de navegar neste mar tão revolto é ter objetivos claros neste mundo em mudança.
O governo tem possibilidade de prosseguir até 2030. Tanto a serenidade como a definição de objetivos são fatores essenciais nessa transição.
No momento, a polarização domina o cenário político. Tem sido assim nos últimos anos. O dado novo é a entrada de um ator muito mais forte que a extrema direita brasileira. Em outras palavras, um dos decisivos temas é a relação Brasil-EUA.
A soberania é um tema inescapável. Mas ela não pode ser apenas um discurso empolgado. Demanda serenidade, passos concretos e uma visão de mais longo prazo. Isso tudo é artigo raro num processo eleitoral. Mas, infelizmente, não temos mais tempo. É hora de nos reposicionarmos no mundo.
Apesar de todos os obstáculos, é mais uma oportunidade de o Brasil alcançar a grandeza sempre postergada em nossa história.
Fernando Gabeira
É pretensioso supor que uma só pessoa consiga abordar esse punhado de crises, em busca de caminhos para o País. No passado, escrevíamos teses bastante gerais que eram uma espécie de roteiro de discussão ou mesmo um estímulo à pesquisa.
A ordem internacional do comércio foi subvertida por Trump. Isso é irreversível pelo menos durante seu mandato.
Que papel o Brasil pode encontrar neste novo arranjo em que todos se movem em busca de novos mercados? Há consenso de que devemos buscar também novos compradores para nossos produtos. O multilateralismo fortalecido pode ser uma resposta mundial a Trump.
É consensual, também, que devemos ter uma posição serena na defesa da soberania, buscando pacientemente restaurar os vínculos diplomáticos com os EUA.
Não é consensual tanto como a diversidade na exportação, a possibilidade de o Brasil se abrir mais, simplificando sua estrutura tarifária, reduzindo barreiras não tarifárias. Naturalmente, isso deve ser feito com os devidos cuidados, mas não podemos mimetizar a visão primária de Trump segundo a qual quem vende é sempre um explorador e que o déficit comercial significa perdas. Ele considera que um déficit de, suponhamos, US$ 1 bilhão é um dinheiro jogado fora, abstraindo a mercadoria comprada que poderia ser mais cara se produzida internamente.
Outro aspecto da crise comercial que acaba convergindo para a crise ambiental é o dos recursos brasileiros vitais para a transição energética: sol, vento, água, florestas, minerais estratégicos, tudo isso deve ser levado em conta numa reavaliação geopolítica do Brasil.
Já produzimos lítio no Vale do Jequitinhonha, começamos a explorar terras raras com a Serra Mining em Goiás, temos uma reserva de nióbio que pode abastecer todo o planeta – enfim, o Brasil tem um papel central na superação do modelo poluidor e suicida.
No campo digital, a ideia de soberania tem sido sintetizada no poder do Brasil de impor suas leis às big techs que aqui funcionam. Mas ela precisa ser estendida à própria infraestrutura – já escrevi artigos mostrando, por exemplo, a dependência que um setor da economia tem do WhatsApp.
O Brasil é um importante espaço para data centers, pois dispõe de energia e água, fatores consumidos em larga escala. Pode oferecer isso às big techs, mas pode também construir os seus. próprios.
Já escrevi artigos mais amplos sobre os passos para um nível de autossuficiência, já alcançado pela China, por exemplo. Satélites, redes de alta velocidade, plataformas de cloud, tecnologias de inteligência artificial e algoritmos – um caminho que permite não apenas aplicar a lei às big techs, mas sobreviver a um possível boicote.
Toda essa temática precisa repercutir nas eleições de 2026 e funcionar como estímulo para a escolha de pelo menos um pequeno núcleo de parlamentares que aborde as necessidades do País.
A tendência à escalada da tensão com os EUA é muito forte no campo político. Além das pressões de Trump no caso Bolsonaro, ele assinou um decreto autorizando ações militares na América Latina para o combate ao tráfico de drogas. Essas ações independem da autorização dos governos. Provavelmente, começarão pelo México e virão para a Venezuela, onde o governo de Nicolás Maduro foi considerado envolvido com o tráfico. Os EUA acusam Maduro de participar de um cartel e de ter relações com outros dois: Tren de Aragua e Sinaloa.
Essa disposição de combater o tráfico de drogas em alguns casos, como o da Venezuela, converge com a vontade de derrubar o governo. Um exemplo histórico é o de Manuel Noriega, no Panamá.
Qualquer operação na Venezuela terá repercussão no Brasil, que, por sua vez, já foi instado por Trump a considerar o PCC e outros grupos de crime organizado como terroristas.
O Brasil recusou, mas, de qualquer forma, o decreto é o anúncio de problemas, pois a volta da guerra às drogas com tropas americanas é um filme antigo, que saiu de cartaz por falta de eficácia.
A melhor forma de navegar neste mar tão revolto é ter objetivos claros neste mundo em mudança.
O governo tem possibilidade de prosseguir até 2030. Tanto a serenidade como a definição de objetivos são fatores essenciais nessa transição.
No momento, a polarização domina o cenário político. Tem sido assim nos últimos anos. O dado novo é a entrada de um ator muito mais forte que a extrema direita brasileira. Em outras palavras, um dos decisivos temas é a relação Brasil-EUA.
A soberania é um tema inescapável. Mas ela não pode ser apenas um discurso empolgado. Demanda serenidade, passos concretos e uma visão de mais longo prazo. Isso tudo é artigo raro num processo eleitoral. Mas, infelizmente, não temos mais tempo. É hora de nos reposicionarmos no mundo.
Apesar de todos os obstáculos, é mais uma oportunidade de o Brasil alcançar a grandeza sempre postergada em nossa história.
Fernando Gabeira
INRI
Senhor, não voltes,
pois serás crucificado
novamente,
não pelos descrentes
e ateus,
mas pelos
supostamente teus.
Elilson José Batista, "Sal da Palavra"
pois serás crucificado
novamente,
não pelos descrentes
e ateus,
mas pelos
supostamente teus.
Elilson José Batista, "Sal da Palavra"
A manifestação dos ressentidos
O ressentimento é um sentimento perigoso. O filósofo Nietzsche, no século XIX, dedicou-se a analisá-lo, designando-o como uma característica dos impotentes: um ódio internalizado por se sentirem fracos e moralmente inferiores. Em sua obra, Genealogia da Moral, Nietzsche afirma: “O homem do ressentimento — e precisamente nisso está seu feito, sua criação: ele concebeu ‘o inimigo mau’, ‘o mau’, e isto como conceito básico, a partir do qual também elabora, como imagem equivalente, um ‘bom’ — ele mesmo!”. Fico pensando nas expressões de Nietzsche lendo sobre os discursos dos manifestantes. Com certeza gritaria: medíocres!
Os homens do ressentimento se escondem atrás da moral e da religião, realizam uma inversão dos valores para se colocarem como “bons”. As manifestações do último dia 03 de agosto se mostraram um exemplo disso: manifestações de ressentidos. Como diria Nietzsche, foi uma manifestação de ódio da impotência contra a potência e a competência. Lembremo-nos que, na filosofia aristotélica, a potência é movimento, mudança e transformação, enquanto a impotência é mesmice, conformação e estagnação.
Os discursos dos que protagonizaram os atos provam isso. Um diz, em relação a Alexandre de Morais: “Eu posso usar cartão de crédito, posso usar rede social e também posso usar pente de cabelo”. No mínimo um comentário tosco e medíocre. Outra diz, em relação ao presidente Lula: “Cachaceiro sem vergonha”. Eu perguntaria: E daí? No mais, foram palavras de ordem a favor da anistia, da prisão de Moraes, do impeachment de Lula, mais ameaças a Moraes, aos presidentes da câmara e do senado, ou seja, discursos de ressentimento. Nesse ínterim, o ministro Alexandre de Moraes é o principal alvo de ódio, no entanto, a psicanálise nos ensina que o excesso de ódio sempre revela também um desejo.
Segundo Maria Rita Kehl, em seu livro Ressentimento, o indivíduo que sofre deste sentimento estabelece uma relação de dependência infantil com o outro. O que se revela em uma dependência que foi a tônica dos discursos, manifestando-se em elogios a figuras como Trump e Musk, ou a tudo que é externo. Esse elogio ao grande ‘Outro’ acaba por apequenar o “Eu”. Ademais, a fixação em figuras como Lula e Alexandre de Moraes, revelam quase como um ódio edipiano: odeia-se aqueles dignos de admiração, o que revela minha incapacidade de ser como eles.
Essas manifestações não revelaram força, não representaram o povo e nem defenderam o país. Ao contrário, mostraram o medo dos ressentidos e a fraqueza dos impotentes. Revelaram também uma vontade de potência que busca alienar com palavras de ordem e um clamor vazio por liberdade, esquecendo que a liberdade implica sempre em responsabilidade. No entanto, as manifestações ilustram o espírito da política dos novos tempos, em que temos menos estadistas e mais caricaturas ressentidas na arena pública, sem nenhum compromisso legítimo com o país.
Aldineto Miranda Santos
Os homens do ressentimento se escondem atrás da moral e da religião, realizam uma inversão dos valores para se colocarem como “bons”. As manifestações do último dia 03 de agosto se mostraram um exemplo disso: manifestações de ressentidos. Como diria Nietzsche, foi uma manifestação de ódio da impotência contra a potência e a competência. Lembremo-nos que, na filosofia aristotélica, a potência é movimento, mudança e transformação, enquanto a impotência é mesmice, conformação e estagnação.
Os discursos dos que protagonizaram os atos provam isso. Um diz, em relação a Alexandre de Morais: “Eu posso usar cartão de crédito, posso usar rede social e também posso usar pente de cabelo”. No mínimo um comentário tosco e medíocre. Outra diz, em relação ao presidente Lula: “Cachaceiro sem vergonha”. Eu perguntaria: E daí? No mais, foram palavras de ordem a favor da anistia, da prisão de Moraes, do impeachment de Lula, mais ameaças a Moraes, aos presidentes da câmara e do senado, ou seja, discursos de ressentimento. Nesse ínterim, o ministro Alexandre de Moraes é o principal alvo de ódio, no entanto, a psicanálise nos ensina que o excesso de ódio sempre revela também um desejo.
Segundo Maria Rita Kehl, em seu livro Ressentimento, o indivíduo que sofre deste sentimento estabelece uma relação de dependência infantil com o outro. O que se revela em uma dependência que foi a tônica dos discursos, manifestando-se em elogios a figuras como Trump e Musk, ou a tudo que é externo. Esse elogio ao grande ‘Outro’ acaba por apequenar o “Eu”. Ademais, a fixação em figuras como Lula e Alexandre de Moraes, revelam quase como um ódio edipiano: odeia-se aqueles dignos de admiração, o que revela minha incapacidade de ser como eles.
Essas manifestações não revelaram força, não representaram o povo e nem defenderam o país. Ao contrário, mostraram o medo dos ressentidos e a fraqueza dos impotentes. Revelaram também uma vontade de potência que busca alienar com palavras de ordem e um clamor vazio por liberdade, esquecendo que a liberdade implica sempre em responsabilidade. No entanto, as manifestações ilustram o espírito da política dos novos tempos, em que temos menos estadistas e mais caricaturas ressentidas na arena pública, sem nenhum compromisso legítimo com o país.
Aldineto Miranda Santos
Interesse americano por Itaipu revela que extração energética é a nova face da colonização tecnológica
A Usina Hidrelétrica de Itaipu, localizada entre o Brasil e o Paraguai e inaugurada em 1984, é uma das maiores produtoras de energia limpa do mundo e símbolo histórico da cooperação Sul-Sul. Erguida às margens do Rio Paraná, a partir de um tratado bilateral assinado em 1973, Itaipu representou não apenas um feito de engenharia, mas um marco diplomático de solidariedade energética e integração regional.
Durante décadas, sua produção abasteceu ambos os países com eletricidade renovável, garantindo ao Paraguai um excedente energético que era majoritariamente vendido ao Brasil. No entanto, com o vencimento dos dispositivos normativos do tratado em 2023 que previam a venda destes excedentes exclusivamente ao Brasil, abriu-se uma brecha explorável por atores externos. Numa declaração recente no Senado americano, o secretário de Estado Marco Rubio deu uma indicação do interesse em reconfigurar o uso desse recurso estratégico sob lógicas que favorecem cadeias digitais globais.
Rubio afirmou que o Paraguai seria uma escolha inteligente para a instalação de data-centers, dada a abundância energética que não pode ser simplesmente armazenada e exportada. O objetivo parece claro: usar o Paraguai como base energética para a infraestrutura de Inteligência Artificial da potência norte-americana, transformando seu excedente energético em insumo para um modelo de dependência tecnológica.
Na prática, Rubio é coerente com a agenda do Meta-Trumpismo da Casa Branca: inserir o Sul Global, e a América Latina, na cadeia produtiva como subordinados ao Norte, impondo autoridade sobre o que nossos vizinhos consideram seu quintal.
Para manter servidores operando 24 horas por dia de forma estável, datacenters demandam quantidade colossal de energia. Com seu avanço exponencial, especialmente no uso de modelos de linguagem e sistemas de visão computacional, a Inteligência Artificial tem transformado os datacenters em verdadeiros complexos industriais e, com isso, a demanda energética dessas estruturas tem se tornado ainda mais crítica.
Empresas como Google, Amazon e Microsoft já reportaram que seus maiores gargalos operacionais para expansão de IA estão justamente na escassez de energia disponível para manter suas operações. Mais do que isso, datacenters também consomem enormes volumes de água para resfriamento, um recurso frequentemente invisibilizado nos cálculos de custo e de impacto ambiental.
Nos Estados Unidos, já há registros de cidades pequenas sendo afetadas por esse modelo: em The Dalles, no estado do Oregon, o Google consumiu em um único ano o equivalente a um quarto do abastecimento total da cidade. No Arizona e em partes da Virgínia, comunidades locais já enfrentam riscos concretos de escassez hídrica, agravados pelo consumo massivo de água necessário para resfriar esses centros. A instalação acelerada dessas infraestruturas, sem transparência ou regulação adequada, tem pressionado aquíferos, comprometido o abastecimento municipal e despertado reações legislativas em defesa da soberania sobre os recursos hídricos.
O excedente limpo e barato da Itaipu, assim, tornou-se alvo natural para uma nova forma de exploração: não apenas energética, mas também hídrica e territorial. Em vez de impulsionar a industrialização local ou atender às necessidades sociais da população, essa energia passaria a sustentar infraestruturas digitais controladas por corporações estrangeiras.
É isso o que já tem acontecido com o Brasil, que optou pelo clientelismo e gastou cerca de R$ 23 bilhões com soluções de TI, como indicado no estudo que realizamos em parceria com a USP e a UnB, ao invés de desenvolver sua própria infraestrutura tecnológica soberana. Com este valor, por exemplo, poderíamos ter construído pelo menos 86 datacenters brasileiros de tier 3.
Datacenters importados não serviriam aos interesses do Brasil, do Paraguai, da América Latina, muito menos do Sul Global como um todo. Tratam-se de corporações sediadas no Norte Global, que operam sob lógicas de extração e acumulação que garantem que tanto os lucros quanto o controle sobre os dados migrem para fora. Fica claro que o atual governo americano visa apropriar-se de nossos recursos para dar continuidade ao seu projeto de domínio digital, sustentado por infraestrutura alheia, energia barata e soberanias enfraquecidas.
E enquanto isso, a infraestrutura permanece aqui: consome nossa energia, ocupa nosso território e impõe custos ambientais, sem garantir sequer o acesso equitativo aos produtos que ajudamos a construir.
Esse é um dos perigos do Plano Redata, do ministro da Fazenda Fernando Haddad. Embora apresente-se como um esforço para reindustrializar o país por meio da digitalização e da economia verde, o programa carece de salvaguardas robustas contra a captura da infraestrutura pública por interesses do governo Trump e seus aliados.
A retórica de sustentabilidade, centrada na linguagem ESG e na valorização da energia limpa como vantagem comparativa, acaba servindo de justificativa para atrair datacenters estrangeiros que exploram essa energia renovável sem contrapartidas reais em soberania digital ou desenvolvimento local.
Ao priorizar a atração de datacenters e megainvestimentos tecnológicos com base na disponibilidade de energia verde, mas sem condicionar sua instalação à soberania sobre os dados, à propriedade do conhecimento gerado e ao controle dos recursos energéticos utilizados, o plano em verdade institucionaliza a subordinação do Brasil dentro da cadeia global da Inteligência Artificial.
Na prática, isso significa reforçar o tripé da colonização contemporânea: fornecemos o território para instalação da infraestrutura, a energia, limpa e barata, e os dados produzidos por nossa população, enquanto o Norte Global detém os algoritmos, os lucros e a governança. Nesse meio tempo, os esforços por regulamentação seguem presentes, mas com pouco retorno.
Nesse marco, é importante destacar que a própria governança da internet brasileira vem sendo alvo de ataques recorrentes: a FrenCyber (Frente Parlamentar de Apoio à Cibersegurança e à Defesa Cibernética), criada sob influência direta de setores militarizados e think tanks alinhados a Washington, atua como ponta de lança para reverter os princípios democráticos que estruturam a arquitetura digital brasileira.
Ao mesmo tempo, o Projeto de Lei 4557/2023, que visa transferir a supervisão do Comitê Gestor da Internet (CGI.br) para a Anatel representa um claro movimento de desmonte institucional. O CGI.br, referência internacional em governança multissetorial e civil da internet, passaria a ser subordinado a uma agência reguladora tradicional, tecnocrática e vulnerável a pressões políticas das Big Techs. Isso abriria espaço para o avanço de interesses corporativos transnacionais e enfraqueceria drasticamente a capacidade da sociedade civil de influenciar os rumos da política digital nacional.
Se implementado com sucesso, o plano de Washington marcará uma ruptura profunda na história de Itaipu e no próprio sentido da integração regional sul-americana. O que antes foi símbolo de solidariedade energética e cooperação soberana entre Brasil e Paraguai corre o risco de ser ressignificado como ativo estratégico a ser instrumentalizado por potências externas.
Em vez de aprofundar a cooperação Sul-Sul em torno da transição energética, da soberania tecnológica e do desenvolvimento compartilhado, essa nova etapa no plano civilizatório do Meta-Trumpismo expõe os países da região, para além do Brasil, a pressões que reeditam formas clássicas de subordinação, agora revestidas pela linguagem da inovação e da sustentabilidade.
A usina que nasceu de um tratado entre vizinhos será apropriada como ferramenta para a consolidação de infraestruturas tecnológicas coloniais, nas quais o Sul Global cumpre a função de fornecedor passivo de insumos estratégicos: sem decidir, sem comandar, sem se beneficiar.
Defender Itaipu hoje é defender o direito do Sul Global de existir como sujeito político diante de uma nova ordem digital que o quer, novamente, como periferia. E o predadorismo do Meta-Trumpismo se revela justamente na capacidade de articular política externa, capital privado e retórica tecnológica para reconfigurar a região como uma extensão funcional da infraestrutura digital norte-americana. Trata-se de uma forma de intervenção sem tanques nem tropas, mas com cabos, servidores e algoritmos. Uma reconversão da dependência, onde o domínio se faz pelo controle da base material da computação.
Se não enfrentarmos essa reconfiguração com coragem política, lucidez estratégica e compromisso regional, aceitaremos, sem resistência, sermos redesenhados como colônia digital da era da Inteligência Artificial, com nosso território, nossa energia e nossa cognição postos a serviço de infraestruturas que não controlamos, para fins que não decidimos.
Defender a soberania tecnológica hoje é disputar nosso destino político: é recusar ser o backend de um império em decadência enquanto nos vendem a fantasia da inovação. É exigir que a Inteligência, antes de Artificial, seja nossa.
Durante décadas, sua produção abasteceu ambos os países com eletricidade renovável, garantindo ao Paraguai um excedente energético que era majoritariamente vendido ao Brasil. No entanto, com o vencimento dos dispositivos normativos do tratado em 2023 que previam a venda destes excedentes exclusivamente ao Brasil, abriu-se uma brecha explorável por atores externos. Numa declaração recente no Senado americano, o secretário de Estado Marco Rubio deu uma indicação do interesse em reconfigurar o uso desse recurso estratégico sob lógicas que favorecem cadeias digitais globais.
Rubio afirmou que o Paraguai seria uma escolha inteligente para a instalação de data-centers, dada a abundância energética que não pode ser simplesmente armazenada e exportada. O objetivo parece claro: usar o Paraguai como base energética para a infraestrutura de Inteligência Artificial da potência norte-americana, transformando seu excedente energético em insumo para um modelo de dependência tecnológica.
Na prática, Rubio é coerente com a agenda do Meta-Trumpismo da Casa Branca: inserir o Sul Global, e a América Latina, na cadeia produtiva como subordinados ao Norte, impondo autoridade sobre o que nossos vizinhos consideram seu quintal.
Para manter servidores operando 24 horas por dia de forma estável, datacenters demandam quantidade colossal de energia. Com seu avanço exponencial, especialmente no uso de modelos de linguagem e sistemas de visão computacional, a Inteligência Artificial tem transformado os datacenters em verdadeiros complexos industriais e, com isso, a demanda energética dessas estruturas tem se tornado ainda mais crítica.
Empresas como Google, Amazon e Microsoft já reportaram que seus maiores gargalos operacionais para expansão de IA estão justamente na escassez de energia disponível para manter suas operações. Mais do que isso, datacenters também consomem enormes volumes de água para resfriamento, um recurso frequentemente invisibilizado nos cálculos de custo e de impacto ambiental.
Nos Estados Unidos, já há registros de cidades pequenas sendo afetadas por esse modelo: em The Dalles, no estado do Oregon, o Google consumiu em um único ano o equivalente a um quarto do abastecimento total da cidade. No Arizona e em partes da Virgínia, comunidades locais já enfrentam riscos concretos de escassez hídrica, agravados pelo consumo massivo de água necessário para resfriar esses centros. A instalação acelerada dessas infraestruturas, sem transparência ou regulação adequada, tem pressionado aquíferos, comprometido o abastecimento municipal e despertado reações legislativas em defesa da soberania sobre os recursos hídricos.
O excedente limpo e barato da Itaipu, assim, tornou-se alvo natural para uma nova forma de exploração: não apenas energética, mas também hídrica e territorial. Em vez de impulsionar a industrialização local ou atender às necessidades sociais da população, essa energia passaria a sustentar infraestruturas digitais controladas por corporações estrangeiras.
É isso o que já tem acontecido com o Brasil, que optou pelo clientelismo e gastou cerca de R$ 23 bilhões com soluções de TI, como indicado no estudo que realizamos em parceria com a USP e a UnB, ao invés de desenvolver sua própria infraestrutura tecnológica soberana. Com este valor, por exemplo, poderíamos ter construído pelo menos 86 datacenters brasileiros de tier 3.
Datacenters importados não serviriam aos interesses do Brasil, do Paraguai, da América Latina, muito menos do Sul Global como um todo. Tratam-se de corporações sediadas no Norte Global, que operam sob lógicas de extração e acumulação que garantem que tanto os lucros quanto o controle sobre os dados migrem para fora. Fica claro que o atual governo americano visa apropriar-se de nossos recursos para dar continuidade ao seu projeto de domínio digital, sustentado por infraestrutura alheia, energia barata e soberanias enfraquecidas.
E enquanto isso, a infraestrutura permanece aqui: consome nossa energia, ocupa nosso território e impõe custos ambientais, sem garantir sequer o acesso equitativo aos produtos que ajudamos a construir.
Esse é um dos perigos do Plano Redata, do ministro da Fazenda Fernando Haddad. Embora apresente-se como um esforço para reindustrializar o país por meio da digitalização e da economia verde, o programa carece de salvaguardas robustas contra a captura da infraestrutura pública por interesses do governo Trump e seus aliados.
A retórica de sustentabilidade, centrada na linguagem ESG e na valorização da energia limpa como vantagem comparativa, acaba servindo de justificativa para atrair datacenters estrangeiros que exploram essa energia renovável sem contrapartidas reais em soberania digital ou desenvolvimento local.
Ao priorizar a atração de datacenters e megainvestimentos tecnológicos com base na disponibilidade de energia verde, mas sem condicionar sua instalação à soberania sobre os dados, à propriedade do conhecimento gerado e ao controle dos recursos energéticos utilizados, o plano em verdade institucionaliza a subordinação do Brasil dentro da cadeia global da Inteligência Artificial.
Na prática, isso significa reforçar o tripé da colonização contemporânea: fornecemos o território para instalação da infraestrutura, a energia, limpa e barata, e os dados produzidos por nossa população, enquanto o Norte Global detém os algoritmos, os lucros e a governança. Nesse meio tempo, os esforços por regulamentação seguem presentes, mas com pouco retorno.
Nesse marco, é importante destacar que a própria governança da internet brasileira vem sendo alvo de ataques recorrentes: a FrenCyber (Frente Parlamentar de Apoio à Cibersegurança e à Defesa Cibernética), criada sob influência direta de setores militarizados e think tanks alinhados a Washington, atua como ponta de lança para reverter os princípios democráticos que estruturam a arquitetura digital brasileira.
Ao mesmo tempo, o Projeto de Lei 4557/2023, que visa transferir a supervisão do Comitê Gestor da Internet (CGI.br) para a Anatel representa um claro movimento de desmonte institucional. O CGI.br, referência internacional em governança multissetorial e civil da internet, passaria a ser subordinado a uma agência reguladora tradicional, tecnocrática e vulnerável a pressões políticas das Big Techs. Isso abriria espaço para o avanço de interesses corporativos transnacionais e enfraqueceria drasticamente a capacidade da sociedade civil de influenciar os rumos da política digital nacional.
Se implementado com sucesso, o plano de Washington marcará uma ruptura profunda na história de Itaipu e no próprio sentido da integração regional sul-americana. O que antes foi símbolo de solidariedade energética e cooperação soberana entre Brasil e Paraguai corre o risco de ser ressignificado como ativo estratégico a ser instrumentalizado por potências externas.
Em vez de aprofundar a cooperação Sul-Sul em torno da transição energética, da soberania tecnológica e do desenvolvimento compartilhado, essa nova etapa no plano civilizatório do Meta-Trumpismo expõe os países da região, para além do Brasil, a pressões que reeditam formas clássicas de subordinação, agora revestidas pela linguagem da inovação e da sustentabilidade.
A usina que nasceu de um tratado entre vizinhos será apropriada como ferramenta para a consolidação de infraestruturas tecnológicas coloniais, nas quais o Sul Global cumpre a função de fornecedor passivo de insumos estratégicos: sem decidir, sem comandar, sem se beneficiar.
Defender Itaipu hoje é defender o direito do Sul Global de existir como sujeito político diante de uma nova ordem digital que o quer, novamente, como periferia. E o predadorismo do Meta-Trumpismo se revela justamente na capacidade de articular política externa, capital privado e retórica tecnológica para reconfigurar a região como uma extensão funcional da infraestrutura digital norte-americana. Trata-se de uma forma de intervenção sem tanques nem tropas, mas com cabos, servidores e algoritmos. Uma reconversão da dependência, onde o domínio se faz pelo controle da base material da computação.
Se não enfrentarmos essa reconfiguração com coragem política, lucidez estratégica e compromisso regional, aceitaremos, sem resistência, sermos redesenhados como colônia digital da era da Inteligência Artificial, com nosso território, nossa energia e nossa cognição postos a serviço de infraestruturas que não controlamos, para fins que não decidimos.
Defender a soberania tecnológica hoje é disputar nosso destino político: é recusar ser o backend de um império em decadência enquanto nos vendem a fantasia da inovação. É exigir que a Inteligência, antes de Artificial, seja nossa.
A direita torce por Trump para que possa voltar ao poder
O meteoro já bateu por aqui e ainda não nos demos conta? Ou ele ainda não chegou, mas está próximo? Só quem sabe é Donald Trump, o agente que disparou o meteoro em nossa direção.
Dudu Bolsonaro, o embaixador do Brasil para efeitos de destruição, a serviço do seu pai, talvez saiba também, mas não conta. No seu caso, confessadamente ele torce pelo pior.
Não somente ele. Por mais que seus negócios possam ser prejudicados, a direita torce sem disfarce para que o meteoro trumpista atinja o Brasil em cheio e enfraqueça o governo Lula.
Em todos os seus tons de cinza, a direita compartilha o mesmo propósito de Trump: promover o realinhamento ideológico do Brasil aos Estados Unidos. Daí seu apoio ao ataque americano.
O apoio manifesta-se de várias formas. Pelo silêncio, por exemplo. Nomes destacados da direita (alô, alô, Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado, Ratinho Junior) não esperneiam contra o tarifaço.
Manifesta-se pela cumplicidade com os Bolsonaro. Não os culpam pelo que Trump faz com o Brasil. Não é sobre taxação. É sobre a tentativa de intervenção estrangeira em nossos assuntos internos.
É sobre Trump vincular o tarifaço ao julgamento de Bolsonaro e dos demais golpistas de 2022 e de 2023. Vinculação infame que, se aceita, poria um fim à soberania do Brasil.
A direita alia-se a Trump quando responsabiliza o governo pelo que acontece, quando acusa o governo de não negociar, quando sugere que Lula bata às portas da Casa Branca e peça arrego.
Certamente para Lula ser humilhado como já foram os chefes de Estado da Ucrânia, do Canadá e da África do Sul. Outro dia, a Europa rendeu-se a Trump enquanto ele jogava golfe na Irlanda.
Bolsonaro diz sentir-se humilhado por usar tornozeleira e estar preso em casa. A humilhação maior foi suplicar o apoio do então presidente Joe Biden para derrotar Lula, mas isso ele não diz.
Que venha o meteoro, se é que não veio. Que venham as próximas sanções de Trump. O Brasil é grande demais, é rico demais para ser abatido. E não tem vocação para protetorado.
Dudu Bolsonaro, o embaixador do Brasil para efeitos de destruição, a serviço do seu pai, talvez saiba também, mas não conta. No seu caso, confessadamente ele torce pelo pior.
Não somente ele. Por mais que seus negócios possam ser prejudicados, a direita torce sem disfarce para que o meteoro trumpista atinja o Brasil em cheio e enfraqueça o governo Lula.
Em todos os seus tons de cinza, a direita compartilha o mesmo propósito de Trump: promover o realinhamento ideológico do Brasil aos Estados Unidos. Daí seu apoio ao ataque americano.
O apoio manifesta-se de várias formas. Pelo silêncio, por exemplo. Nomes destacados da direita (alô, alô, Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado, Ratinho Junior) não esperneiam contra o tarifaço.
Manifesta-se pela cumplicidade com os Bolsonaro. Não os culpam pelo que Trump faz com o Brasil. Não é sobre taxação. É sobre a tentativa de intervenção estrangeira em nossos assuntos internos.
É sobre Trump vincular o tarifaço ao julgamento de Bolsonaro e dos demais golpistas de 2022 e de 2023. Vinculação infame que, se aceita, poria um fim à soberania do Brasil.
A direita alia-se a Trump quando responsabiliza o governo pelo que acontece, quando acusa o governo de não negociar, quando sugere que Lula bata às portas da Casa Branca e peça arrego.
Certamente para Lula ser humilhado como já foram os chefes de Estado da Ucrânia, do Canadá e da África do Sul. Outro dia, a Europa rendeu-se a Trump enquanto ele jogava golfe na Irlanda.
Bolsonaro diz sentir-se humilhado por usar tornozeleira e estar preso em casa. A humilhação maior foi suplicar o apoio do então presidente Joe Biden para derrotar Lula, mas isso ele não diz.
Que venha o meteoro, se é que não veio. Que venham as próximas sanções de Trump. O Brasil é grande demais, é rico demais para ser abatido. E não tem vocação para protetorado.
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