terça-feira, 12 de março de 2019

O capitão mente

Que Jair Messias Bolsonaro sempre foi irresponsável já se sabia. Basta ter acompanhado seus 33 anos como deputado federal – ou seu comportamento no ano passado como candidato a presidente.

Uma vez eleito, o que agora se sabe é que ele passou à condição de leviano. Quando nada porque comanda diretamente ou por meio dos filhos uma rede de sites de aluguel destinada a disseminar mentiras.

A última delas (a última, não, a mais recente) foi o ataque à honra da repórter Constança Rezende, do jornal O Estado de São Paulo. E, por tabela, à imagem do centenário jornal.

A fraude avalizada por Bolsonaro ruiu por completo com o reconhecimento do site francês Mediapart de que eram falsas as informações postadas por um leitor em um dos seus blogs.

O blog é aberto aos leitores do site que podem escrever o que quiser sem que o Mediapart se responsabilize pelo conteúdo. Ali, um tal de Jawad Rhalib escreveu o que Bolsonaro passou adiante.

Rhalib escreveu que Constança teria declarado em conversa gravada por um estudante que sua intenção era a de arruinar a vida do senador eleito Flávio Bolsonaro e provocar o impeachment do pai dele.

O texto de Rhalib, que se apresentou como “documentarista”, foi reproduzido pelo jornal sensacionalista de direita americano Washington Times, famoso por seu viés racista.

E finalmente aqui saiu em um blog de apoiadores de Bolsonaro que mais de uma vez já foi recomendado por ele e seus filhos. Foi o que bastou para que Bolsonaro o endossasse.

O texto no blog Terça Livre foi assinado pela jornalista Fernanda Salles Andrade. Que vem a ser… O quê mesmo? Assessora do deputado estadual mineiro Bruno Engler, do PSL de Bolsonaro.

Pego mentindo, Bolsonaro não passou recebido. Preferiu escrever no Twitter que o “ambiente acadêmico vem sendo massacrado pela ideologia de esquerda que divide para conquistar”.

E advertiu a quem interessar possa, e com a maior cara de pau: “Neste contexto a formação dos cidadãos é esquecida e prioriza-se a conquista dos militantes políticos”.

A formação “dos cidadãos” é posta em grave risco quando um candidato a presidente da República se vale de notícias falsas para se eleger – e uma vez eleito, para governar.

Gente fora do mapa


Democracia direta: a verdadeira e a 'fake'

A capacidade de adaptação às mudanças sempre foi o fator decisivo de sobrevivência das espécies. Nas sociedades humanas também. A velocidade de resposta das instituições à mudança é o fator decisivo de sucesso.

Os Estados Unidos só viraram o que são hoje porque ao longo de todo o século 20 tiveram um quase monopólio da flexibilidade institucional que a vida como ela é requer. O resto dos países europeus, dos quais o Brasil é um prolongamento, não nasceram democráticos como eles. Foram obrigados a se ir democratizando, de confronto em confronto, pelos oprimidos do absolutismo que conheciam do novo sistema inventado na América e os encantava pelos efeitos que produzia pouco mais que ecos.

Foi esse desconhecimento que permitiu que tantos adotassem da democracia o discurso mas mantivessem do absolutismo a essência. Os portugueses foram os mestres dessa arte. No “sistema corporativo” que inventaram, a “cabeça” (antes o Imperador e depois da Republica o Judiciário, o poder não eleito que herdou as prerrogativas dele) reserva a cada parte do “corpo” o “direito especial” que houver por bem lhe outorgar.

Esse “especial” e o poder de distribui-lo ao seu belo prazer, a exata negação da essência da democracia cuja base é a igualdade de direitos, é o que nos mantém, a eles no poder, e a nós na servidão semi-feudal de que nunca saímos. Da “direita” ou da “esquerda”, com ou sem “revoluções”, eles vêm sempre dos 5% da população que recheiam as corporações que controlam o estado, as estatais e o poder de se auto-atribuir privilégios.


O círculo não foi rompido com o advento do governo Bolsonaro. O que ele representa é um movimento de subversão da hierarquia interna do “sistema” obtido com o recurso às redes sociais num momento em que a crise do estado levou o antigo caminho das urnas a um desmonte parcial. O governo eleito vem do “baixo clero”, sim, mas da mesma “nobreza” de detentores de privilégios em que o país continua dividido desde que foi arrancado de sua “americanidade” pela invasão do Rio de Janeiro pela corte portuguesa em 1808.

Tiradentes foi o último episódio realmente revolucionário do Brasil. Sendo a unica revolução real da humanidade a que decorre da “iluminação” da conquista da autonomia na busca da verdade que só a educação proporciona, a manutenção da sombra da ignorância é, como sempre foi, a arma essencial do status quo. Com o recrudescimento da censura, depois do enforcamento do alferes, a toda referência que não fosse européia que a Republica não conseguiu romper, quem sonha com mudanças no Brasil sonha com os efeitos de um processo cuja mecânica o país inteiro desconhece quase absolutamente, e que é fruto de uma tecnologia de construção de instituições cheias de sofisticadas sutilezas. É nisso que reside a nossa maior dificuldade. O que se pode reformar, para colher lá na frente esta ou aquela mudança real de rumo de uma sociedade, são as instituições. Mas muito maior que a dificuldade de saber como conseguir abrir a porta a mudanças tem sido a de formular quais mudanças, exatamente, é preciso fazer para colher a democratização que todos desejam.

A História tem seus caprichos. Bolsonaro não é a revolução mas chega no momento em que ela se tornou inevitável. Uma vez no poder, deu-se conta, por meio de um eficiente trabalho intensivo de informação de sua equipe econômica, da urgência e da gravidade terminal da crise da previdência. Conduzido por ela, vai bater na barreira de sempre. O medo de cair no vácuo venezuelano levou a uma supervalorização da constituição antes da definição da sucessão pelas redes sociais. Mas o fato é que, na ausência do “direito divino”, ela foi transformada no congelador de privilégios da hora. E tem sido brandida como antes brandia-se a heresia para impedir avanços.

A verdade é a única arma capaz de romper essa barreira. A reforma de Paulo Guedes, por mais próxima que chegue da profundidade com que foi desenhada, apenas abrirá a porta a um processo de ajustes permanentes em que o Brasil terá de se engajar daqui por diante, dadas as mudanças na extensão da vida humana, nas relações de trabalho, nos costumes, em tudo, enfim, que até aqui descrevia a condição humana. A previdência, assim como tudo o mais na ordem institucional brasileira e mundial passa a ser um processo em permanente evolução que vai requerer retoques em velocidade alucinantemente crescente. Se nunca fez sentido enfiar privilégios previdenciários na constituição, portanto, agora faz menos ainda. Desconstitucionalizar a previdência é, portanto, um objetivo absolutamente prioritário.

A forma como a vida nacional já vem sendo decidida através das redes, contornando instituições esclerosadas, proporciona uma sensação de alívio neste primeiro momento de “vingança” dos “sem voz”, mas não passa de uma reprodução perigosamente tosca do que os suíços vêm praticando há 729 anos e os americanos de lá importaram há cerca de 120. Como toda ferramenta esse expediente serve, porém, a quem quer que recorra a ele, para o bem ou para o mal. O que tira desse sistema o seu potencial venenoso é a construção de um modelo confiável de representação do país real no país oficial. Não há mal nenhum em que o povo encurte os caminhos das suas relações com o governo desde que seja para REFORÇAR a representação aumentando o poder de cada representado sobre O SEU representante. Isso só se consegue com eleições distritais puras. Desde que se saiba exatamente qual representante representa cada conjunto de brasileiros, não ha mal nenhum, muito ao contrário, em que a relação entre eles seja a mais direta possível, para fazer ou desfazer leis, para encurtar ou encompridar mandatos. Mas se esse encurtamento partir do governo, o resultado é opressão.

Nesse sentido, os Bolsonaro vêm “acertando no errado”, o que lhes tem rendido poder, aquela coisa que corrompe sempre e corrompe absolutamente quando é absoluto. Por isso é bom não esquecer jamais. Não existe democracia sem representação.

Jair e Bolsonaro

O enredo parece inspirado em “blockbusters” que de vez em quando ganham as telas de todo o mundo: enquanto a população se distraía com as festas de fim de ano e as férias de verão, sorrateiramente dois governos se instalavam no Planalto. Mas, ao contrário do que costuma acontecer nesses filmes, não havia nenhum impostor sentado na cadeira presidencial.

É como se Jair estivesse no comando de um dos governos e Bolsonaro, de outro. Sim, apenas uma fantasia, mas uma fantasia mais real do que a realidade insólita exibida nos dois meses e meio de mandato do capitão – e, mais grave, até pouco tempo atrás “comprada” com naturalidade por determinadas parcelas da sociedade, especialmente pelos mercados e por setores produtivos da economia.


Enquanto Jair e a ala arquiconservadora do ministério atendiam a uma parte do eleitorado, com declarações e atitudes controvertidas, principalmente na chamada pauta social e de costumes, Bolsonaro e a equipe econômica atendiam à outra parte, com o discurso insistente de prioridade absoluta à reforma da Previdência e outros projetos dentro do campo do liberalismo, como as mudanças na legislação sindical e trabalhista.

Cada um desses públicos escutava as mensagens de seu interesse e tapava os ouvidos para as outras, como se a saída fosse escolher um presidente para chamar de seu. Tem a Damares com o rosa e o azul, tem o Vélez com os brasileiros canibais? Sim, mas tem também Moro e Guedes, com carta branca para fazer e desfazer nas suas áreas. Desnecessário dizer que as cartas não são tão brancas assim.

As duas alas preferiam não questionar até quando os governos de Jair e Bolsonaro conseguiriam manter essa distância. A cada dia que passa, porém, ficam cada vez mais visíveis os limites dessa convivência.

É verdade que uma certa mistura de papéis já era esperada, com base na divisão das forças que apoiaram a candidatura Bolsonaro e até na inexperiência do grupo que chegou ao poder. Mas dificilmente alguém imaginaria a sucessão de inconveniências de alguns ministros e principalmente do próprio presidente – que chegaram ao extremo com a absurda divulgação do tal vídeo obsceno no Twitter e, logo em seguida, com a fala sobre a subordinação da democracia às Forças Armadas.

Jair e Bolsonaro meteram os pés pelas mãos e assustaram uma parcela considerável de apoiadores. Menos, é óbvio, as turbas de “haters” que infestam as redes sociais. Como sempre, na sequência vieram as traduções do pensamento bolsonariano – “não foi bem isso que ele quis dizer” –, principalmente pela voz do vice Hamilton Mourão. O crescente mal-estar causado por esses episódios, porém, só faz reforçar as críticas ao despreparo do presidente e, por tabela, ampliar os rumores de desconforto entre os militares do entorno do Planalto.

Pelas mudanças de direção nos mercados nos últimos dias, pode-se concluir que os investidores já começam a se perguntar onde vai dar essa confusão. Não há como esquecer o Jair e ficar só com o Bolsonaro. Ou o contrário. Na quinta-feira, o dólar chegou a bater na marca dos R$ 3,90, a maior do ano, e analistas atribuem parte dessa escalada aos tropeços do governo, ainda que o principal fator seja a piora do cenário externo.

Na avaliação geral, Bolsonaro não tem demonstrado firmeza em relação à reforma da Previdência. Prova é que, com uma penosa negociação pela frente, achou por bem ir para o celular e atacar o carnaval. Desse jeito, não há articulação política que aguente o tranco.

É muito cedo para decretar que a reforma da Previdência vai ou não vai adiante ou que investidores estrangeiros voltem ou continuem afastados do Brasil. Especialmente investidores na economia real, que dependem de mais garantias sobre a consistência do ideário liberal do governo Bolsonaro. Mas que é preciso organizar já o governo, da porta para dentro, não há a menor dúvida.

Reformistas defendem que, para pôr de pé a Nova Previdência, é crucial o presidente entrar em campo. Atendendo a pedidos, depois das confusões carnavalescas, Bolsonaro fez várias manifestações em redes sociais sobre a urgência nas mudanças na Previdência e sobre a necessidade de não “desidratar” a proposta original. Além disso, reuniu-se com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para acertar o tom do início das conversas no Congresso e os agrados às bancadas de aliados.

A pergunta fundamental, porém, é: “qual” presidente vai entrar no jogo da Previdência? Aquele que banca o programa econômico de Paulo Guedes ou o que bate boca no Twitter com quem vem pela frente? Antes de qualquer coisa, Jair e Bolsonaro têm de se entender.

Jair Bolsonaro cria no Twitter um Brasil alternativo

No momento, há dois países num mesmo Brasil. Há o país real e o país alternativo, que existe apenas no Twitter de Jair Bolsonaro. No Brasil do Twitter do presidente, o Carnaval é um grande Golden shower e o Caso Coaf não passa de um conjunto de "chantagens, desinformações e vazamentos", dos quais a imprensa se aproveita para fabricar uma guerra contra o Palácio do Planalto.

No Brasil real, há pessoas espantadas com a alternância de extremos no poder. Saiu a turma do "nós contra eles". Entrou a tropa do "eles contra nós". Os dois grupos têm pelo menos dois pontos em comum. Não enxergam culpados no espelho. E vêem a imprensa como grande inimiga da nação. Antes, era a "mídia golpista". Agora, são os os cultores de "fake news".

No Brasil do Twitter de Bolsonaro, um "fake" presidente distorce declarações de uma jovem jornalista para acomodar nos lábios dela as frases que atormentam os seus pesadelos. Nos sonhos ruins de Bolsonaro, a imprensa quer "arruinar a vida" de Flávio Bolsonaro, o filho "Zero Um" e "buscar o impeachment" do inquilino do Planalto. Pilhado nas distorções, esse presidente "fake" das redes sociais não deu o braço a torcer. Ele voltou à carga: "Segue o jogo da farsa e do vitimismo" da imprensa, escreveu Bolsonaro.

No país real, um presidente novo em folha espalha no Planalto um rastro pegajoso em que se misturam nódoas do amigo Queiroz, que ele indicou para assessorar o primogênito, manchas do laranjal plantado na folha do gabinete do filho e até marcas de um repasse esquisito para a conta da primeira-dama. Mas o Bolsonaro do Brasil alternativo do Twitter, quando confrontado com o melado que escorre ao redor no país real avalia que não deve nada a ninguém. Muito menos explicações.

Pensamento do Dia


O estômago de Moro

Um dos grandes mistérios a serem desvendados no novo governo é o tamanho do estômago do ministro da Justiça Sérgio Moro. Em pouco mais de sessenta dias de gestão, Moro tem se mostrado flexível às mais diversas intempéries, jamais insinuando qualquer insatisfação.

Em Davos, durante o Fórum Econômico Mundial, defendeu com presteza seu superior quando, em um debate sobre populismo, aventou-se a possibilidade de Bolsonaro ser um representante castiço da leva de autocratas que surgiram no mundo na esteira da frustração popular com a política, e que nada fizeram para combater a corrupção. Moro disse aos presentes que, diferentemente de Silvio Berlusconi na Itália, Bolsonaro tinha um discurso forte anti-corrupção e estava agindo para combatê-la. Era janeiro e o caso Queiroz estava em seu auge.

Naquele mesmo dia, soube-se que seu filho, Flávio Bolsonaro, empregou em seu gabinete na Alerj familiares de um dos líderes milicianos suspeitos do assassinato da vereadora Marielle Franco. Moro foi questionado por jornalistas em Davos e se limitou a dizer que não lhe cabia comentar sobre o tema.


Quando desconvidou a cientista política Ilona Szabó de integrar o Conselho Nacional de Política Criminal, um cargo não deliberativo e não remunerado, a pedido de Bolsonaro, o ministro agiu como soldado. Foi pragmático e não se abalou em ter sua autoridade soterrada pelo andar de cima. Cumpriu as ordens do chefe sem grandes demonstrações de pesar. Havia conhecido Ilona, ironicamente, durante o debate em Davos em que defendeu que Bolsonaro e Berlusconi não tinham nada a ver.

Quem observa o funcionamento do Ministério da Justiça enxerga em Sérgio Moro um estômago de avestruz e nenhum sinal de fígado. Ele estaria disposto a agir estrategicamente, engolindo críticas da opinião pública e evitando desgastes considerados desnecessários com o governo, em favor de um objetivo maior: conseguir aprovar o pacote anti-crime e outras medidas executivas que não necessitem de aval do Congresso, no intuito de concretizar um legado de combate à corrupção.

Moro trouxe para dentro do MJ expertise investigativa do COAF e de outros órgãos de controle. Tem, portanto, um núcleo de investigação dentro de casa. Como ministro, também tem a prerrogativa de pedir a instauração de inquéritos a um órgão subordinado, que é a Polícia Federal. Trata-se de um conjunto de atribuições nunca antes detido por um ministro da Justiça.

Os limites do estômago de Moro serão testados quando as ligações que receber do andar de cima não mais tratarem de assuntos banais, como o caso Ilona. Será educativo saber como o ministro lidará com indigestões.

Chega de bancar republiqueta

Peraí, presidente: o senhor e seus filhos têm que tomar um rumo. Chega. Nós não somos uma republiqueta. O presidente tem que se portar como presidente e parar de repercutir besteiras
Vanderlan Cardoso, senador do PP-GO

Por que as chuvas continuam matando tantas pessoas no Brasil?

Ao menos 12 pessoas morreram na região metropolitana de São Paulo com os desdobramentos das chuvas que caíram desde a noite deste domingo (11). Segundo especialista ouvido pela BBC News Brasil, a forma de ocupação da cidade e a ausência de obras de drenagem contribuem para que tragédias como esta sejam frequentes nos inícios de ano.

O urbanista Gilson Lameira é professor da cadeira de infraestrutura urbana da Universidade Federal do ABC (UFABC) - o campus da instituição em Santo André ficou ilhado.

Segundo ele, não é possível afirmar que catástrofes como esta estejam relacionadas com as mudanças climáticas: historicamente, a região metropolitana de São Paulo é um local com grande nível de chuvas. 

"Estatisticamente, estas taxas de chuvas não são novidades. As chuvas nessa região já foram até maiores. Diminuíram nos últimos 15 anos, e agora parecem estar voltando ao patamar anterior", diz ele.


Em um balanço apresentado na manhã desta segunda-feira, a Prefeitura de São Paulo disse que a região recebeu, desde o dia 1º de março, mais de 90% do volume de chuvas esperado para todo o mês de março. Foram 160,8 milímetros de chuva - esperava-se, para março, um volume total de chuvas da de 177,4 milímetros.

Só entre as 19h de domingo e as 7h de segunda-feira, a capital paulistana acumulou 57,8 milímetros, o que corresponde a quase um terço do esperado para todo o mês.

A chuva forte provocou mortes na capital e em outros cinco municípios da região metropolitana. Segundo o Corpo de Bombeiros paulista, seis pessoas foram vítimas de afogamentos e outras cinco morreram em deslizamentos de terra - o 12º óbito ocorreu quando um carro caiu dentro de um córrego em Santo André.

O maior número de mortes foi em Ribeirão Pires, município de 121 mil habitantes que faz divisa com bairros da Zona Leste de São Paulo. Quatro pessoas perderam a vida no local, em deslizamentos de terra.

Em São Caetano do Sul, no ABC Paulista, três pessoas morreram afogadas; e outras três morreram desta forma em Santo André. Embu das Artes, São Bernardo do Campo e São Paulo também registraram uma morte por afogamento cada.

As quatro mortes ocorridas em Ribeirão Pires foram de pessoas que estavam em uma casa no bairro de Estância das Rosas, que desabou. Além das mortes, mais duas pessoas ficaram feridas.

O Corpo dos Bombeiros também recebeu 601 chamadas para atender a ocorrências ao longo da madrugada de segunda-feira.

No pior momento das enchentes, a cidade registrou 52 pontos de alagamento - muitos deles com interrupção do trânsito, o que provocou a maior lentidão do tráfego do ano na cidade até agora.

Além disso, uma fábrica de caminhões da Mercedes-Benz em São Bernardo do Campo foi atingida por alagamentos e interrompeu a produção nesta segunda-feira. Em nota, a empresa disse que está "trabalhando para realizar os procedimentos de limpeza e manutenções necessárias para que a fábrica volte a operar o mais rápido possível".

Bolsonaro: proibidão para menores e maiores

Não precisamos recorrer a seriados chiques e distópicos, como abestalhadamente já fez este cronista. Nem citar os Black Mirrors ou South Parks da vida. O buraco, a cratera, o rombo simbólico é mais embaixo. Bolsonaro é típico personagem da pornochanchada brasileira, o cinema popular dos anos 1970-80, não por coincidência a época de um Brasil idealizado pelo capitão-presidente nos seus micro-sermões nostálgicos e patrióticos.


Machão caricato, boçal -usou o auxílio-moradia “pra comer gente”-, homofóbico, eterno espírito de baixo clero, cristão de araque etc. Caberia em vários filmes do gênero. Inclusive no clássico Histórias que nossas babás não contavam (1979), dirigido por Oswaldo de Oliveira, uma paródia de Branca de Neve e os Sete Anões. Bolsonaro faria o caçador. Óbvio que prefiro o mitológico Costinha no papel. E Deus salve, para todo sempre, a Adele Fátima, magnífica atuação.

Perigoso para menores, sob pena de um Brasil sem futuro, o moralista militar da reserva é igualmente proibidão para maiores de 60 anos. Imagina se depender da bondade da turma de Paulo Guedes (todo-poderoso ministro da Economia) e se for pobre, como a massa maior do país. Vixe. Pode ter que escapar fedendo com 400 mirréis para remediar o irremediável custo das receitas e caldos de uma velhice sem sustança.

O capitão da reserva, com a sua denúncia moral rasa e o fastio para governar, se enquadra em outra característica atribuída ao ciclo da pornochanchada: distrair os fanáticos eleitores para evitar questões graves da realidade do país. Nada como um carnavalesco post pornô para desviar dos escândalos do Queiroz e do laranjal do partido que o conduziu, generosamente com dinheiro público, ao Palácio do Planalto.

Ao situar o presidente como personagem elementar de tal safra cinematográfica, longe desse escriba a intenção de diminuir a importância do movimento que começou no Rio de Janeiro e teve a Boca do Lixo paulistana como sua Hollywood. Sou fã e confesso em público, sem vergonha, a minha devoção. É que a pornochanchada é quase o lugar (óbvio) de fala do Bolsonaro, entende? Sabe a última do capitão? A antologia completa está inteira nesse ciclo do cinema tupiniquim, incluindo no pacote a paranoia diante dos “comunistas”, temática presente nas películas dos anos 1970.

Para entender o Brasil deste período, recomendo, além de rebobinar as velhas fitas de VHS no inconsciente, assistir ao documentário Histórias que nosso cinema (não) contava (2018), dirigido por Fernanda Pessoa. O filmaço passou por algumas poucas salas no Brasil (que pena, merecia cartaz permanente pelo seu caráter pedagógico, paulofreiriano, talvez) e é fácil de encontrar nos serviços de streaming.

Cinema é montagem. E a diretora, na companhia de Luiz Cruz, o montador do longa-metragem, sabem disso. Pesquisa profunda qual a garganta daquele outro clássico norte-americano (Deep Throat, 1972), o filme não é carente de voz em OFF ou de entrevistados para narrar um mundo de coisas. Bastou a sabedoria de editar falas & falocentrismos, cenas e obscenidades que dão conta de um país que já mudou muito, mas foi buscar no reino da pornochanchada, nas eleições do ano passado, o seu comandante em marcha-ré.

Pessoa e Cruz enfileiram 27 longas para contar sobre o cinemão do período da Ditadura Militar. E agora José? (Tortura do Sexo), dirigido por Ody Fraga é exemplar, com cenas que reúnem os castigos dos porões e um possível erotismo de dar um nó no cabeção do doutor Freud. Doideiras que só a pornochanchada, não o Cinema Novo ou cult decifravam.

Tem o Silvio de Abreu com Árvore dos Sexos (1977) e Cada Um Dá o Que Tem(1975), fita que dirige com Adriano Stuart e John Herbert. Reparo na vida e obra de Sílvio de Abreu. Tanta tv, tanto cinema, tanto teatro... Em todas as funções possíveis: roteirista, ator, supervisor de núcleos dramáticos etc etc. Sério candidato a um dos maiores artistas brasileiros de todos os tempos. Repare na biografia desse homem. Além de tudo, dirigiu o maior elogio ao freudianismo de todos os tempo, Mulher Objeto (1981), com Helena Ramos (palmas eternas) e Nuno Leal Maia —sim, Nuno fabuloso também em O bem dotado, o homem de Itu(direção José Miziara, 1978).

O filme da Pessoa é um delírio sem fim para a minha geração, mas creio que seja mais importante ainda para quem desconhece o ciclo da pornochanchada e agora se vê desgovernado pelo capitão-presidente. Se senti falta de um Walter Hugo Khouri, nosso Antonioni da Móoca, matei a saudade da Sandra Bréa (1952-2000), tem lindeza maior no cosmo? Senti falta pelo universo que sugere, mas é polêmico situar o Khouri neste ciclo, talvez não lhe pertença.

Em compensação, a ficção científica A Super Fêmea (Anibal Massaini Neto, 1973), com Vera Fischer, é um nirvana. Que documentário rico sobre um período idem. Pena que, na vida real, só nos sobrou este caricato capitão-presidente enquanto obscuro objeto do resquício autoritário. “Noooossa!”, exclamaria o grande Costinha, com sua imoral bocarra. “Tás brincando?!”, completaria a mesma humorística figura.

Xico Sá