quarta-feira, 11 de outubro de 2023
Existe racionalidade na guerra da Faixa de Gaza?
Existia um padrão no relacionamento entre o grupo islâmico Hamas, que controla a Faixa de Gaza, e o Estado de Israel, até o ataque terrorista de sábado passado, quando milhares de foguetes foram lançados contra o território israelense, ao mesmo tempo em que os milicianos do Hamas invadiram por terra, mar e ar, tomando unidades militares, além de sequestrar mais de uma centena de civis e soldados. Cerca de 300 israelenses morreram e mais de 1.200 ficaram feridos no ataque surpresa da operação Tempestade Al-Aqsa, anunciada pelo comandante militar do Hamas, Muhammad Al-Deif.
O padrão consistia em o Hamas atacar Israel sempre que as negociações de paz com a Autoridade Palestina apresentavam alguma possibilidade de progresso, como que a dizer que a Organização pela Libertação da Palestina (OLP), liderada por Mahmoud Zeidan Abbas, se tornou irrelevante. A resposta de Israel era revidar os ataques e endurecer o tratamento dado aos palestinos da Faixa de Gaza, além de suspender as negociações de paz. Isso significava fortalecer a extrema direita israelense, liderada pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, e enfraquecer Abbas, o presidente da Autoridade Palestina. Era jogo jogado.
Desde sábado, ao mesmo tempo em que prestam solidariedade a Israel, as chancelarias do Ocidente tentam decifrar as intenções do Hamas com o ataque inopinado e brutal de sábado. Numa escala sem precedentes, pegou os israelenses de surpresa, mas, obviamente, teria como resposta uma arrasadora retaliação, como a que já está acontecendo. Há enorme disparidade estratégico-militar entre a milícia sunita, curiosamente apoiada pelos xiitas do Irã, e o Exército regular de Israel, capaz de mobilizar 300 mil reservistas em 48 horas, equipados com os armamentos mais modernos, inclusive nuclear.
Resguardadas as proporções, politicamente, o ataque do Hamas lembra um pouco a ofensiva do Ted (ano novo) Lunar dos vietcongs, os guerrilheiros comunistas do Vietnã do Norte que lutavam pela tomada do Vietnã do Sul para unificar o país, o que acabou ocorrendo em 1975. Naquele 30 de janeiro de 1968, 84 mil soldados do Exército norte-vietnamita (ENV) e guerrilheiros vietcongues atacaram 45 cidades, entre as quais quatro capitais de distrito e Saigon.
Até então, o governo dos Estados Unidos dizia que os vietcongs não tinham a capacidade de atacar as cidades importantes, operavam apenas nas zonas rurais. Naquela noite, Saigon, a capital do Sul, foi tomada, e um grupo de 15 guerrilheiros tentou invadir a embaixada americana local. Só foram expulsos da capital do Vietnã do Sul sete dias depois. O Ted Lunar, porém, foi um desastre militar para os vietcongs.
Além de perder muito armamento pesado, inclusive tanques, cerca de 30 mil guerrilheiros e soldados do Vietnã do Norte foram mortos, enquanto as baixas sul-vietnamitas e americanas somavam 11 mil. Também morreram 550 mil civis. Dos três objetivos da ofensiva, dois fracassaram: promover o levante popular e a liquidação do Exército sul-vietnamita. O terceiro foi alcançado: a desmoralização do Exército americano perante o movimento pacifista nos EUA e no mundo.
Hoje, os desdobramentos possíveis para a crise na Faixa de Gaza passam pela liquidação do Hamas por Israel. Há duas soluções para o conflito: a criação do Estado palestino ou uma diáspora da população de Gaza comparável à dos próprios judeus. Ao contrário de Israel, antes de se constituir como Estado-nação no Oriente Médio, uma luta iniciada na derrocada Império Turco-Otomano, a Palestina já existia durante 800 anos de dominação turca. Entretanto, os palestinos nunca tiveram um Estado constituído, embora tenham seus territórios reconhecidos por Israel no Acordo de Oslo, de 1993.
No xadrez da geopolítica do Oriente Médio, isso nunca interessou ao Ocidente. Assim como não interessa que os curdos, a maior população apátrida do mundo, tenham um Estado próprio, encravado entre a Turquia, a Síria, o Iraque e o Irã, que não pretendem conceder independência ao Curdistão.
Pode ser que a explicação do ataque terrorista do Hamas esteja em Teerã, que não tem nenhum interesse num acordo entre Arábia Saudita e Israel, como vem sendo negociado. O envolvimento do Hezbollah, que o Irã também financia, pode escalar o conflito na fronteira com o Líbano. Nesse caso, haveria também um projeto do Hamas de tomar a Cisjordânia da Autoridade Palestina, como fez em Gaza.
A situação atual em Gaza é muito complexa. Caso tenha êxito em liquidar o Hamas, como anunciou o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, Israel terá de escolher entre promover o exílio em massa de palestinos da Faixa de Gaza, privando-os de água, luz, alimentos e assistência médica, para colonizar definitivamente esse território; ou retomar as negociações com a OLP de Abbas, para a criação do Estado Palestino, na Cisjordânia e em Gaza, o que seria uma decisão disruptiva da atual política de Israel e das potências do Ocidente.
O padrão consistia em o Hamas atacar Israel sempre que as negociações de paz com a Autoridade Palestina apresentavam alguma possibilidade de progresso, como que a dizer que a Organização pela Libertação da Palestina (OLP), liderada por Mahmoud Zeidan Abbas, se tornou irrelevante. A resposta de Israel era revidar os ataques e endurecer o tratamento dado aos palestinos da Faixa de Gaza, além de suspender as negociações de paz. Isso significava fortalecer a extrema direita israelense, liderada pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, e enfraquecer Abbas, o presidente da Autoridade Palestina. Era jogo jogado.
Desde sábado, ao mesmo tempo em que prestam solidariedade a Israel, as chancelarias do Ocidente tentam decifrar as intenções do Hamas com o ataque inopinado e brutal de sábado. Numa escala sem precedentes, pegou os israelenses de surpresa, mas, obviamente, teria como resposta uma arrasadora retaliação, como a que já está acontecendo. Há enorme disparidade estratégico-militar entre a milícia sunita, curiosamente apoiada pelos xiitas do Irã, e o Exército regular de Israel, capaz de mobilizar 300 mil reservistas em 48 horas, equipados com os armamentos mais modernos, inclusive nuclear.
Resguardadas as proporções, politicamente, o ataque do Hamas lembra um pouco a ofensiva do Ted (ano novo) Lunar dos vietcongs, os guerrilheiros comunistas do Vietnã do Norte que lutavam pela tomada do Vietnã do Sul para unificar o país, o que acabou ocorrendo em 1975. Naquele 30 de janeiro de 1968, 84 mil soldados do Exército norte-vietnamita (ENV) e guerrilheiros vietcongues atacaram 45 cidades, entre as quais quatro capitais de distrito e Saigon.
Até então, o governo dos Estados Unidos dizia que os vietcongs não tinham a capacidade de atacar as cidades importantes, operavam apenas nas zonas rurais. Naquela noite, Saigon, a capital do Sul, foi tomada, e um grupo de 15 guerrilheiros tentou invadir a embaixada americana local. Só foram expulsos da capital do Vietnã do Sul sete dias depois. O Ted Lunar, porém, foi um desastre militar para os vietcongs.
Além de perder muito armamento pesado, inclusive tanques, cerca de 30 mil guerrilheiros e soldados do Vietnã do Norte foram mortos, enquanto as baixas sul-vietnamitas e americanas somavam 11 mil. Também morreram 550 mil civis. Dos três objetivos da ofensiva, dois fracassaram: promover o levante popular e a liquidação do Exército sul-vietnamita. O terceiro foi alcançado: a desmoralização do Exército americano perante o movimento pacifista nos EUA e no mundo.
Hoje, os desdobramentos possíveis para a crise na Faixa de Gaza passam pela liquidação do Hamas por Israel. Há duas soluções para o conflito: a criação do Estado palestino ou uma diáspora da população de Gaza comparável à dos próprios judeus. Ao contrário de Israel, antes de se constituir como Estado-nação no Oriente Médio, uma luta iniciada na derrocada Império Turco-Otomano, a Palestina já existia durante 800 anos de dominação turca. Entretanto, os palestinos nunca tiveram um Estado constituído, embora tenham seus territórios reconhecidos por Israel no Acordo de Oslo, de 1993.
No xadrez da geopolítica do Oriente Médio, isso nunca interessou ao Ocidente. Assim como não interessa que os curdos, a maior população apátrida do mundo, tenham um Estado próprio, encravado entre a Turquia, a Síria, o Iraque e o Irã, que não pretendem conceder independência ao Curdistão.
Pode ser que a explicação do ataque terrorista do Hamas esteja em Teerã, que não tem nenhum interesse num acordo entre Arábia Saudita e Israel, como vem sendo negociado. O envolvimento do Hezbollah, que o Irã também financia, pode escalar o conflito na fronteira com o Líbano. Nesse caso, haveria também um projeto do Hamas de tomar a Cisjordânia da Autoridade Palestina, como fez em Gaza.
A situação atual em Gaza é muito complexa. Caso tenha êxito em liquidar o Hamas, como anunciou o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, Israel terá de escolher entre promover o exílio em massa de palestinos da Faixa de Gaza, privando-os de água, luz, alimentos e assistência médica, para colonizar definitivamente esse território; ou retomar as negociações com a OLP de Abbas, para a criação do Estado Palestino, na Cisjordânia e em Gaza, o que seria uma decisão disruptiva da atual política de Israel e das potências do Ocidente.
O insuportável peso das guerras
Durou poucos meses a Primavera de Praga, o respiro democrático de 1968, quando a população saiu às ruas para protestar contra o regime autoritário da então União Soviética - da qual a Tchecoslováquia fazia parte - e alçou conquistas como liberdade de expressão e o fim da censura à imprensa. Logo tanques russos invadiram a capital, Moscou retomou o governo e radicalizou a repressão que se estendeu por mais de 20 anos.
O conflito tcheco é pano de fundo do romance “A insustentável leveza do ser”, de Milan Kundera, morto em julho. Na obra, a eclosão do embate aprofunda a crise existencial dos personagens, impondo a reflexão sobre o impacto da guerra nos destinos humanos.
Em um ensaio sobre a leveza, o escritor Italo Calvino, morto em 1985, referiu-se ao livro de Kundera como a “constatação amarga do inelutável peso de viver”. Convidado a ministrar um ciclo de conferências na Universidade de Harvard, Calvino elegeu a leveza como um dos valores - literários e humanos - a serem preservados para o século XXI.
Ao se deparar com uma realidade opaca, apática e perversa, Calvino afirmou que o mundo inteiro parecia transformado em pedra, como se “ninguém pudesse escapar ao olhar inexorável da Medusa”. Lembrou que o único herói capaz de decepar a cabeça da Medusa foi Perseu, que voava com sandálias aladas, e sustentava-se sobre o que há de mais leve, “as nuvens e o vento”.
No mesmo texto, Calvino observou que, sob vários aspectos, a época que serve de pano de fundo à peça “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare, “não difere muito das nossas cidades ensanguentadas, de disputas tão violentas e insensatas quanto as dos Capuleto e Montecchio” - alusão às famílias adversárias, cuja guerra particular é obstáculo ao amor dos protagonistas.
Para Calvino, a guerra simboliza o peso de viver, sobretudo ao interromper abruptamente os destinos de inocentes, em especial de crianças. Peso que desabou no Oriente Médio, a partir do ataque terrorista do Hamas contra civis israelenses no sábado, e que motivou a reação de Israel, e um novo capítulo da guerra sangrenta entre os dois povos.
Há um ano e meio, a Rússia invadiu a Ucrânia, ocupando pontos de fronteira no país europeu, e lançando bombas sobre as principais cidades ao redor do país, dando início a uma guerra que até a semana passada era o principal foco de atenções do palco internacional. Agora divide os sombrios holofotes com o conflito no Oriente Médio.
Há mais conflitos armados em andamento, agravando a crise dos refugiados e turbinando as estatísticas de mortes em combates: Síria, Iêmen, Etiópia, Afeganistâo, Haiti e Mianmar, além dos grupos jihadistas em atuação em vários países da África.
O mundo está sobrecarregado de sangue e sofrimento. Não se pode afirmar, na definição exata do termo, que o Brasil encontra-se em guerra. Num cenário em que confrontos entre a polícia e os criminosos, ou entre facções criminosas ceifam vidas com balas perdidas, impedem o funcionamento de escolas, restringem a liberdade de ir e vir de moradores das regiões atingidas, o que podemos dizer é que regiões do país vivem em estado de guerra.
Nesta segunda-feira, as forças de segurança no Rio de Janeiro montaram uma verdadeira operação bélica, mobilizando mil agentes das polícias Militar e Civil, em ações simultâneas no Complexo da Maré, na Vila Cruzeiro e na Cidade de Deus. O alvo era a facção criminosa a quem se atribui a morte de três médicos em um quiosque em área nobre da capital fluminense na semana passada.
O poder bélico dos criminosos é tão impressionante que disparos de fuzis atingiram dois helicópteros, que tiveram de fazer pousos de emergência. Na verdade, estas aeronaves são o símbolo mais evidente do estado de guerra do Rio de Janeiro. Vejam que o seguro das aeronaves tem “cláusulas de guerra”, ou seja, condições especiais mais comuns em países em conflito, como a Rússia e a Ucrânia, que contemplam reparos em casos de acidentes em conflitos armados.
Se o Brasil não declarou guerra contra um oponente, a Natureza declarou guerra ao país, em meio ao aquecimento global. A região da Floresta Amazônica enfrenta uma seca que pode bater recordes, com rios em níveis mínimos, mortes de peixes e botos, população ribeirinha com carência de itens básicos. Dezenas de municípios do Amazonas estão em situação de emergência. Há risco desta estiagem superar a megasseca de 2005, quando o Estado agonizou com falta de alimentos, água, combustível e energia.
Se o Norte sofre com a estiagem, a Região Sul está praticamente submersa. Há um mês, um ciclone extratropical causou dezenas de mortes e devastou cidades no Rio Grande do Sul, destruindo comércios e obras de infraestrutura. Até hoje, fortes chuvas assolam a região.
A sucessão de guerras e conflitos encurrala os cidadãos, dissemina o terror, e cobra saída premente para a paz.
Se escolhesse um símbolo para saudar o novo milênio, que não viu chegar, Calvino escolheria a leveza. “Cada vez que o reino do humano me parece condenado ao peso, digo para mim mesmo que à maneira de Perseu eu deveria voar para outro espaço”. Mas como fazer, sem as sandálias aladas de Perseu?
O conflito tcheco é pano de fundo do romance “A insustentável leveza do ser”, de Milan Kundera, morto em julho. Na obra, a eclosão do embate aprofunda a crise existencial dos personagens, impondo a reflexão sobre o impacto da guerra nos destinos humanos.
Em um ensaio sobre a leveza, o escritor Italo Calvino, morto em 1985, referiu-se ao livro de Kundera como a “constatação amarga do inelutável peso de viver”. Convidado a ministrar um ciclo de conferências na Universidade de Harvard, Calvino elegeu a leveza como um dos valores - literários e humanos - a serem preservados para o século XXI.
Ao se deparar com uma realidade opaca, apática e perversa, Calvino afirmou que o mundo inteiro parecia transformado em pedra, como se “ninguém pudesse escapar ao olhar inexorável da Medusa”. Lembrou que o único herói capaz de decepar a cabeça da Medusa foi Perseu, que voava com sandálias aladas, e sustentava-se sobre o que há de mais leve, “as nuvens e o vento”.
No mesmo texto, Calvino observou que, sob vários aspectos, a época que serve de pano de fundo à peça “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare, “não difere muito das nossas cidades ensanguentadas, de disputas tão violentas e insensatas quanto as dos Capuleto e Montecchio” - alusão às famílias adversárias, cuja guerra particular é obstáculo ao amor dos protagonistas.
Para Calvino, a guerra simboliza o peso de viver, sobretudo ao interromper abruptamente os destinos de inocentes, em especial de crianças. Peso que desabou no Oriente Médio, a partir do ataque terrorista do Hamas contra civis israelenses no sábado, e que motivou a reação de Israel, e um novo capítulo da guerra sangrenta entre os dois povos.
Há um ano e meio, a Rússia invadiu a Ucrânia, ocupando pontos de fronteira no país europeu, e lançando bombas sobre as principais cidades ao redor do país, dando início a uma guerra que até a semana passada era o principal foco de atenções do palco internacional. Agora divide os sombrios holofotes com o conflito no Oriente Médio.
Há mais conflitos armados em andamento, agravando a crise dos refugiados e turbinando as estatísticas de mortes em combates: Síria, Iêmen, Etiópia, Afeganistâo, Haiti e Mianmar, além dos grupos jihadistas em atuação em vários países da África.
O mundo está sobrecarregado de sangue e sofrimento. Não se pode afirmar, na definição exata do termo, que o Brasil encontra-se em guerra. Num cenário em que confrontos entre a polícia e os criminosos, ou entre facções criminosas ceifam vidas com balas perdidas, impedem o funcionamento de escolas, restringem a liberdade de ir e vir de moradores das regiões atingidas, o que podemos dizer é que regiões do país vivem em estado de guerra.
Nesta segunda-feira, as forças de segurança no Rio de Janeiro montaram uma verdadeira operação bélica, mobilizando mil agentes das polícias Militar e Civil, em ações simultâneas no Complexo da Maré, na Vila Cruzeiro e na Cidade de Deus. O alvo era a facção criminosa a quem se atribui a morte de três médicos em um quiosque em área nobre da capital fluminense na semana passada.
O poder bélico dos criminosos é tão impressionante que disparos de fuzis atingiram dois helicópteros, que tiveram de fazer pousos de emergência. Na verdade, estas aeronaves são o símbolo mais evidente do estado de guerra do Rio de Janeiro. Vejam que o seguro das aeronaves tem “cláusulas de guerra”, ou seja, condições especiais mais comuns em países em conflito, como a Rússia e a Ucrânia, que contemplam reparos em casos de acidentes em conflitos armados.
Se o Brasil não declarou guerra contra um oponente, a Natureza declarou guerra ao país, em meio ao aquecimento global. A região da Floresta Amazônica enfrenta uma seca que pode bater recordes, com rios em níveis mínimos, mortes de peixes e botos, população ribeirinha com carência de itens básicos. Dezenas de municípios do Amazonas estão em situação de emergência. Há risco desta estiagem superar a megasseca de 2005, quando o Estado agonizou com falta de alimentos, água, combustível e energia.
Se o Norte sofre com a estiagem, a Região Sul está praticamente submersa. Há um mês, um ciclone extratropical causou dezenas de mortes e devastou cidades no Rio Grande do Sul, destruindo comércios e obras de infraestrutura. Até hoje, fortes chuvas assolam a região.
A sucessão de guerras e conflitos encurrala os cidadãos, dissemina o terror, e cobra saída premente para a paz.
Se escolhesse um símbolo para saudar o novo milênio, que não viu chegar, Calvino escolheria a leveza. “Cada vez que o reino do humano me parece condenado ao peso, digo para mim mesmo que à maneira de Perseu eu deveria voar para outro espaço”. Mas como fazer, sem as sandálias aladas de Perseu?
Faixa de Gaza vira campo de concentração para palestinos pobres
Assim como as grandes potências do mundo ocidental fecharam os olhos ao sofrimento dos judeus enquanto eles eram dizimados pela Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial, agora procedem do mesmo modo em relação ao sofrimento imposto por Israel aos palestinos que vivem na Faixa de Gaza.
Nenhuma das grandes potências ignorava a existência de campos de concentração com suas câmeras de gás para matar judeus, ciganos e outras minorias, mas denunciar a existência deles ou atacá-los não fazia parte de suas prioridades Era preciso derrotar Hitler rapidamente para poupar vidas de soldados aliados.
O mesmo raciocínio se aplicou à guerra contra o Japão. Derrotá-lo pelos meios convencionais custaria milhares de vidas aos Estados Unidos, Rússia, Reino Unido e França. Então, os Estados Unidos lançaram duas bombas atômicas que mataram entre 90 mil e 166 mil pessoas em Hiroshima, e 60 mil a 80 mil em Nagasaki.
Em maio de 2016, o presidente Barack Obama visitou Hiroshima para depositar uma coroa de flores no monumento aos mortos. Hiroshima e Nagasaki não faziam parte do complexo industrial militar do Japão durante a Segunda Guerra. Perguntaram a Obama se ele pediria perdão pelo que seu país fez. Resposta:
“Não, porque creio que é importante reconhecer que no meio de uma guerra os líderes tomam todo tipo de decisões”.
Joe Biden era vice de Obama. Biden, ontem, como presidente dos Estados Unidos, falou ao mundo sobre os ataques do grupo terrorista Hamas que matou até aqui mais de 998 israelenses e feriu cerca de 3.420. Não deu uma palavra sobre os 950 palestinos mortos e os 5.000 feridos por causa dos ataques de Israel a Gaza.
Quando Israel começou a bombardear a Faixa de Gaza, no sábado à noite, a mulher de Amer Ashour entrou em trabalho de parto. “Estava preocupado como é que chegaríamos à maternidade”, contou Ashour. O que não esperava é que quando saísse do hospital, com o filho recém-nascido, não tivesse mais onde morar.
O apartamento de Ashour foi pulverizado por uma bomba israelense. Sua família faz parte dos mais de 180 mil habitantes da Faixa de Gaza que viram suas casas reduzidas a pó e destroços pelo bombardeio aéreo mais intenso de 75 anos de guerra entre israelenses e palestinos. Quem Israel pune?
“Há [16] anos que Israel reagiu à tomada de controle da Faixa de Gaza pelo Hamas impondo a sanção coletiva de um bloqueio sem precedentes aos cerca de dois milhões de habitantes deste território”, lembra Jean-Pierre Filiu, professor de Estudos do Oriente Médio no Instituto Sciences Po, em Paris.
Gazza tornou-se o que o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy chamou em 2007 de “a maior prisão do mundo a céu aberto”. Isso não impediu que desde então tivessem acontecido quatro guerras entre Israel e o Hamas (2008-2009, 2012, 2014 e 2021). “Neste 7 de Outubro, o caldeirão acabou por explodir”, observa Filiu.
O bloqueio barra o acesso da população de Gaza a serviços fundamentais em Jerusalém, como cuidados especializados de saúde, bancos e educação. A taxa de desemprego é elevadíssima; duplicou de 23,6% em 2005, antes do bloqueio, para 49% em 2020. A taxa de pobreza saltou de 40% para 56%.
Israel limita a importação de alimentos a uma cesta básica de subsistência mínima, “que é suficiente para sobreviver sem desenvolver má nutrição”, segundo investigadores da Universidade Americana de Beirute (Líbano). Na verdade, 80% da população depende da ajuda humanitária internacional para sobreviver.
A mesma política aplica-se à eletricidade, combustível e água. Antes do início dos bombardeios no sábado, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, aconselhou os palestinos civis a abandonarem a Faixa de Gaza. Mas eles não podem fazê-lo. As duas entradas e saídas foram fechadas por Israel e Egito.
Gaza virou um campo de concentração para palestinos pobres, e uma fortaleza para o Hamas que os usam como escudos. “Combatemos animais humanos, e agimos em consequência”, justifica o ultradireitista Yoav Galant, ministro da Defesa de Israel. “Nem eletricidade, nem alimentos, nem combustível”.
Nenhuma das grandes potências ignorava a existência de campos de concentração com suas câmeras de gás para matar judeus, ciganos e outras minorias, mas denunciar a existência deles ou atacá-los não fazia parte de suas prioridades Era preciso derrotar Hitler rapidamente para poupar vidas de soldados aliados.
O mesmo raciocínio se aplicou à guerra contra o Japão. Derrotá-lo pelos meios convencionais custaria milhares de vidas aos Estados Unidos, Rússia, Reino Unido e França. Então, os Estados Unidos lançaram duas bombas atômicas que mataram entre 90 mil e 166 mil pessoas em Hiroshima, e 60 mil a 80 mil em Nagasaki.
Em maio de 2016, o presidente Barack Obama visitou Hiroshima para depositar uma coroa de flores no monumento aos mortos. Hiroshima e Nagasaki não faziam parte do complexo industrial militar do Japão durante a Segunda Guerra. Perguntaram a Obama se ele pediria perdão pelo que seu país fez. Resposta:
“Não, porque creio que é importante reconhecer que no meio de uma guerra os líderes tomam todo tipo de decisões”.
Joe Biden era vice de Obama. Biden, ontem, como presidente dos Estados Unidos, falou ao mundo sobre os ataques do grupo terrorista Hamas que matou até aqui mais de 998 israelenses e feriu cerca de 3.420. Não deu uma palavra sobre os 950 palestinos mortos e os 5.000 feridos por causa dos ataques de Israel a Gaza.
Quando Israel começou a bombardear a Faixa de Gaza, no sábado à noite, a mulher de Amer Ashour entrou em trabalho de parto. “Estava preocupado como é que chegaríamos à maternidade”, contou Ashour. O que não esperava é que quando saísse do hospital, com o filho recém-nascido, não tivesse mais onde morar.
O apartamento de Ashour foi pulverizado por uma bomba israelense. Sua família faz parte dos mais de 180 mil habitantes da Faixa de Gaza que viram suas casas reduzidas a pó e destroços pelo bombardeio aéreo mais intenso de 75 anos de guerra entre israelenses e palestinos. Quem Israel pune?
“Há [16] anos que Israel reagiu à tomada de controle da Faixa de Gaza pelo Hamas impondo a sanção coletiva de um bloqueio sem precedentes aos cerca de dois milhões de habitantes deste território”, lembra Jean-Pierre Filiu, professor de Estudos do Oriente Médio no Instituto Sciences Po, em Paris.
Gazza tornou-se o que o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy chamou em 2007 de “a maior prisão do mundo a céu aberto”. Isso não impediu que desde então tivessem acontecido quatro guerras entre Israel e o Hamas (2008-2009, 2012, 2014 e 2021). “Neste 7 de Outubro, o caldeirão acabou por explodir”, observa Filiu.
O bloqueio barra o acesso da população de Gaza a serviços fundamentais em Jerusalém, como cuidados especializados de saúde, bancos e educação. A taxa de desemprego é elevadíssima; duplicou de 23,6% em 2005, antes do bloqueio, para 49% em 2020. A taxa de pobreza saltou de 40% para 56%.
Israel limita a importação de alimentos a uma cesta básica de subsistência mínima, “que é suficiente para sobreviver sem desenvolver má nutrição”, segundo investigadores da Universidade Americana de Beirute (Líbano). Na verdade, 80% da população depende da ajuda humanitária internacional para sobreviver.
A mesma política aplica-se à eletricidade, combustível e água. Antes do início dos bombardeios no sábado, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, aconselhou os palestinos civis a abandonarem a Faixa de Gaza. Mas eles não podem fazê-lo. As duas entradas e saídas foram fechadas por Israel e Egito.
Gaza virou um campo de concentração para palestinos pobres, e uma fortaleza para o Hamas que os usam como escudos. “Combatemos animais humanos, e agimos em consequência”, justifica o ultradireitista Yoav Galant, ministro da Defesa de Israel. “Nem eletricidade, nem alimentos, nem combustível”.
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