“Somos sensíveis, amorosos, desagradáveis e instáveis porque (querendo ou não) temos um coração. Grande ou pequeno, generoso ou sovina, vaidoso ou humilde, duro ou mole. Quando ele para de bater é sinal de que o nosso corpo anoiteceu na profunda indiferença da morte.”
Ademais – continuou Demostenes, um amigo de infância que se recupera de um ataque cardíaco hospedado aqui em casa –, o coração é uma gaveta ou uma imensa caixa-forte guardadora de sentimentos, acontecimentos e pessoas. Sendo músculo e bomba, ele tem afinidade com os atletas e com os que jamais deixam de trabalhar. Mas, como os velhos automóveis, pode parar de funcionar.
– Olha, Roberto – continuou Demostenes com a serenidade de velho amigo –, enquanto a anestesia dopava a minha consciência, eu ouvia a minha alma e a equipe de médicos que futucava meu coração. Pensei no dentista e, surpreso, descobri que tratar de uma cárie era pior do que a viagem que os cirurgiões faziam no meu coração.
– Verdade? Ainda bem que não doeu nada – falei entre o descrente e o aliviado.
– De fato, Roberto, eles desvendaram o meu coração, desentupiram uma coronária e de quebra mapearam ventrículos e válvulas. Tudo vasculharam, mas nada souberam do lado negro de inveja ou dos rios entupidos pelo ressentimento e pela angústia. Uma verdadeira Amazônia que eu, em plena cirurgia, percorria invocando meus avós, pais, tios, amigos e irmãos; meus filhos e netos, meus trabalhos, amores e perdas. Os caras nem sequer tocaram no álbum de retrato dos mortos enterrados no meu peito. O ventrículo do erotismo, por exemplo, permaneceu virgem e a memória daquele beijo primeiro que o invadiu escapou ilesa da angioplastia. O mesmo ocorreu com o último ósculo dado no idoso um tanto atordoado pelas lúcidas recordações do coração, enquanto buliam no seu coração...
Curavam a veia, mas nada fizeram para sanar o coração como um bombeador de fantasias.
– Num dado momento, Roberto, tentei falar, mas a tristeza não deixou. Como era possível que o meu coração tivesse abandonado o coração que entesourava dores, perdas e gozos entre tantas preciosidades descarnadas que fazem a minha vida?
Ah! Amigo, o meu coração foi dividido com muita gente. Eu planejei meticulosamente, como faz um gângster de filme americano, entregá-lo para todo mundo. Meu coração jamais foi meu, sendo como é uma verdadeira casa da sogra. Um albergue aberto aos meus filhos, netos, amigos, alunos e viajantes.
Jamais cogitei de deixá-lo nas mãos firmes de cirurgiões e, sobretudo, de políticos – esses doutores em assassinar moralidades. Envolto, então, pelo torpor que me deixava pensar os extremos, eu juntava conscientemente o coração físico que vai morrer com o outro: o coração que guarda a minha vida e que – queira Deus – vai bater de quando em vez em outros corações até ser definitivamente esquecido.
– Quando num ecocardiograma – continuou Demostenes – o meu coração foi examinado, maravilhou-me descobrir que, na sua banal feição fisiológica, havia uma banda. O examinador buscava padrões, mas meus ouvidos musicais distinguiam um piano, um violino, um saxofone e pelo menos dois pandeiros.
– Roberto, o coração falava sua língua lida como patologia, mas para meus ouvidos era a prova daquilo que chamamos de “ritmo” e de harmonia. Uma música que vem do fundo de cada ser vivo e que, fora de seus algozes peitorais, inspira musicalidade.
– Mas, Demostenes, vem cá. Em nenhum momento você teve medo ou ficou angustiado?
– Não! Tivesse eu meus planos juvenis, com certeza. Mas em nenhum momento rezei para os deuses que eu tanto amo e respeito. Mas tive uma imensa saudade do meu velho coração, que vovó Emerentina dizia que podia cair porque estava pendurado por um fio...
– Hoje eu sei, meu querido amigo, que corações não caem. Eles sobem ou se enterram na lama insípida que produzem ao longo de vidas sem sentido. De existências ranzinzas sem beleza e sentimento. Idoso, é claro que penso na morte, mas, eu velho, a velha senhora como um grato epílogo de um livro ou de uma melodia de Jerome Kern. Estou seguro, porém, que vou sentir muita saudade...
PS: Demostenes e eu falamos muito. Conversamos toda a semana até que ele e sua esposa, a santa Glorinha, voltaram para o sítio onde moram. Tentei traduzir aqui sutilezas emocionais que um coração amigo exprimia. Imagine agora juntar as vozes de todos os corações. Que sinfonia de inexprimível beleza, amor e saudade elas iriam orquestrar. Não haveria nada mais sublime. Porque um coração cabe dentro do outro e do outro e do outro e do outro...
quarta-feira, 6 de outubro de 2021
Dezenove milhões
Dezenove milhões de quê? De quilos de ouro achados, ou perdidos? De árvores plantadas, ou de incêndios nas matas? De mortes ou de curas? Dezenove milhões de quê?
Pode ser R$ 19 milhões de renda anual? Sim, pode; milhares – não milhões, mas milhares – de brasileiros ganham tudo isso a cada ano, e alguns ganham ainda muito mais. Pode ser o abate semestral de cabeças de bovinos no Brasil? Pode, mas de fato no primeiro semestre do ano corrente tal abate ficou pouco abaixo de 15 milhões. Pode ser um prêmio da Mega-Sena? Também pode, um bom prêmio, por certo! Quem sabe 19 milhões seja a população de um país, ou de um estado brasileiro? Dezenove milhões é a população da Venezuela, e Guatemala e Equador têm, cada, um pouco menos. No Brasil, só SP e MG possuem mais de 19 milhões de habitantes; o RJ, terceiro mais populoso, não chega a 17!
Então, 19 milhões de quê?
Essa é a quantidade de brasileiros passando fome, hoje! Pessoas em estado caracterizado como “insegurança alimentar grave”! Uma das fotos da semana na imprensa internacional é de brasileiros disputando ossos descartados por um açougue!
Quem deveria estar fazendo grandes esforços para reduzir esse número disse, recentemente, que “nada é tão ruim que não possa piorar”. O que esperar desse governante? Nada de bom, por suposto! Mas ele mesmo já disse nada entender de economia, que essas questões devem ser tratadas com o posto Ipiranga!
(Uma digressão: não seria o caso de os detentores da marca “posto Ipiranga” processá-lo em razão do descrédito à que a expressão foi levada?)
Continuando. O posto Ipiranga está preso em uma ideologia superada – nem mais o FMI a professa – e nos aprisiona a todos. Para levantar algum dinheiro para pagar um auxílio – bem inferior ao necessário, e inferior também ao aprovado pelo Congresso ano passado – decide elevar o custo do crédito, prejudicando milhões – certamente mais que 19 – de pequenas empresas e pessoas físicas, ajudando de sobra a agravar a fome e a elevar a inflação.
Como outra fonte de recursos, manobra para dar tom de legalidade à recusa, pelo Estado, de pagar o que deve. Providências para reduzir a prática estatal, já de longa data, de jogar para o futuro o acerto financeiro de seus variados desacertos, como impedir reajustes legais e outros? Nenhuma!
A mais clara, mais evidente, mais eficaz, mais necessária e mais justa providência não é vista por quem, além de cego pela ideologia, poderia ser diretamente afetado: elevar impostos sobre aqueles que, por ganharem valores anuais muito acima dos milhões de reais, pagam uma das mais baixas cargas tributárias do planeta e papagueiam que a mesma é muito elevada! Elevada mesmo para quem passa fome, mas não para todos!
Pode ser R$ 19 milhões de renda anual? Sim, pode; milhares – não milhões, mas milhares – de brasileiros ganham tudo isso a cada ano, e alguns ganham ainda muito mais. Pode ser o abate semestral de cabeças de bovinos no Brasil? Pode, mas de fato no primeiro semestre do ano corrente tal abate ficou pouco abaixo de 15 milhões. Pode ser um prêmio da Mega-Sena? Também pode, um bom prêmio, por certo! Quem sabe 19 milhões seja a população de um país, ou de um estado brasileiro? Dezenove milhões é a população da Venezuela, e Guatemala e Equador têm, cada, um pouco menos. No Brasil, só SP e MG possuem mais de 19 milhões de habitantes; o RJ, terceiro mais populoso, não chega a 17!
Então, 19 milhões de quê?
Essa é a quantidade de brasileiros passando fome, hoje! Pessoas em estado caracterizado como “insegurança alimentar grave”! Uma das fotos da semana na imprensa internacional é de brasileiros disputando ossos descartados por um açougue!
Quem deveria estar fazendo grandes esforços para reduzir esse número disse, recentemente, que “nada é tão ruim que não possa piorar”. O que esperar desse governante? Nada de bom, por suposto! Mas ele mesmo já disse nada entender de economia, que essas questões devem ser tratadas com o posto Ipiranga!
(Uma digressão: não seria o caso de os detentores da marca “posto Ipiranga” processá-lo em razão do descrédito à que a expressão foi levada?)
Continuando. O posto Ipiranga está preso em uma ideologia superada – nem mais o FMI a professa – e nos aprisiona a todos. Para levantar algum dinheiro para pagar um auxílio – bem inferior ao necessário, e inferior também ao aprovado pelo Congresso ano passado – decide elevar o custo do crédito, prejudicando milhões – certamente mais que 19 – de pequenas empresas e pessoas físicas, ajudando de sobra a agravar a fome e a elevar a inflação.
Como outra fonte de recursos, manobra para dar tom de legalidade à recusa, pelo Estado, de pagar o que deve. Providências para reduzir a prática estatal, já de longa data, de jogar para o futuro o acerto financeiro de seus variados desacertos, como impedir reajustes legais e outros? Nenhuma!
A mais clara, mais evidente, mais eficaz, mais necessária e mais justa providência não é vista por quem, além de cego pela ideologia, poderia ser diretamente afetado: elevar impostos sobre aqueles que, por ganharem valores anuais muito acima dos milhões de reais, pagam uma das mais baixas cargas tributárias do planeta e papagueiam que a mesma é muito elevada! Elevada mesmo para quem passa fome, mas não para todos!
Melhor esquecer a corrupção, petistas
Como publicamos ontem, para 28% dos entrevistados pelo instituto de pesquisas Quaest, Lula é o melhor candidato para combater a corrupção. Está à frente de Jair Bolsonaro, com 24%, e Sergio Moro, com 14%, segundo o mesmo instituto. Esse resultado seria o coroamento da estratégia tão malandra quanto exitosa da demonização da Lava Jato e a consequente anulação das condenações de Lula, julgado por um juiz que teria sido parcial contra a alma mais honesta do Brasil (quiçá do mundo), para tirar proveito político disso e se tornar ministro de Jair Bolsonaro, outro que teria lucrado com a prisão do chefão petista.
É uma realidade paralela que, embora não tenha vasos comunicantes com a verdade dos fatos, pode ter turvado a visão de uma parcela significativa dos brasileiros sobre o ex-condenado Lula, apontado como o chefe de uma organização criminosa que saqueou a Petrobras e áreas circunstantes. Mas eu seria parcimonioso, muito parcimonioso, ao comemorar a difusão da realidade paralela.
É preciso que se diga que a mesma sondagem aponta que a corrupção é o maior problema do Brasil apenas para 10% dos entrevistados. E que a vantagem de Lula é superior nos quesitos que mais causam insônia aos cidadãos: saúde (37%) e economia (44%). Ou seja, quanto pior o país ficar nessas áreas, melhor para o ex-condenado.
Na verdade, os petistas têm de torcer para que corrupção não se torne assunto importante na eleição de 2022, ainda mais se Sergio Moro entrar na disputa. Se isso ocorrer, não haverá um Gilmar Mendes capaz de deter as campanhas que mostrarão impiedosamente a roubalheira perpetrada sob os auspícios de Lula. E um debate direto com ex-juiz da Lava Jato sobre o tema não deverá ser propriamente um passeio para o chefão da organização.
Melhor deixar a corrupção para lá, petistas, sob pena de o Pixuleco voltar com força.
É uma realidade paralela que, embora não tenha vasos comunicantes com a verdade dos fatos, pode ter turvado a visão de uma parcela significativa dos brasileiros sobre o ex-condenado Lula, apontado como o chefe de uma organização criminosa que saqueou a Petrobras e áreas circunstantes. Mas eu seria parcimonioso, muito parcimonioso, ao comemorar a difusão da realidade paralela.
A mesma pesquisa da Quaest mostra que a soma dos que não acham que Lula é o melhor candidato para combater a corrupção alcança 53%, aí incluídos Jair Bolsonaro, Sergio Moro, Ciro Gomes, João Doria, Datena, Luiza Trajano, Eduardo Leite e outros. Se somarmos a porção dos entrevistados que não souberam ou não quiseram responder, 19%, esse número sobe para 72%. Ainda que, numa pesquisa futura, metade desses últimos acabe entrando na realidade paralela, Lula teria um total favorável de 37% — um número assombroso para qualquer pessoa que tenha mais de dois neurônios, sem dúvida, mas que está longe de ser a maioria absoluta.
É preciso que se diga que a mesma sondagem aponta que a corrupção é o maior problema do Brasil apenas para 10% dos entrevistados. E que a vantagem de Lula é superior nos quesitos que mais causam insônia aos cidadãos: saúde (37%) e economia (44%). Ou seja, quanto pior o país ficar nessas áreas, melhor para o ex-condenado.
Na verdade, os petistas têm de torcer para que corrupção não se torne assunto importante na eleição de 2022, ainda mais se Sergio Moro entrar na disputa. Se isso ocorrer, não haverá um Gilmar Mendes capaz de deter as campanhas que mostrarão impiedosamente a roubalheira perpetrada sob os auspícios de Lula. E um debate direto com ex-juiz da Lava Jato sobre o tema não deverá ser propriamente um passeio para o chefão da organização.
Melhor deixar a corrupção para lá, petistas, sob pena de o Pixuleco voltar com força.
Desespero eleitoral inflaciona custo Bolsonaro
Nunca houve um presidente da República que tenha provocado tantos retrocessos ao Brasil como Jair Bolsonaro nem um governo tão disfuncional quanto o seu. O fato novo a menos de um ano das eleições é que nunca existiu um candidato à reeleição com tantos flancos de exposição e tantos recordes negativos quanto ele. E isso é um fator a agravar exponencialmente o já impagável custo Bolsonaro.
Temos o primeiro presidente a buscar ser reeleito sem ter sequer um partido, que não lidera as intenções de voto, que tem o governo mais mal avaliado desde que o instituto da reeleição foi criado, que ostenta o maior índice de desempregados e que é, de todos os que disputaram novo mandato, aquele cujo governo enfrenta a maior inflação (acima dos 10% em 12 meses) um ano antes do pleito.
Saindo dos índices mensuráveis, quando se entra na seara política, o que se tem é um presidente isolado, inconfiável aos olhos das instituições, cujas decisões passaram a ser manietadas, quando não abertamente tuteladas, pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Congresso.
Um quadro assim é de difícil reversão. Daqui até o fim do ano, os dissabores no caminho de Bolsonaro tendem a se avolumar. Outubro terminará com o presidente indiciado pela CPI da Covid e com seus crimes, de responsabilidade e comuns, cometidos na gestão da pandemia enunciados em voz alta. Provavelmente o aliado Augusto Aras não fará nada com isso, mas os propósitos de registro histórico, denúncia internacional e reparação para os milhões de enlutados da pandemia tratarão de aumentar a queda livre de popularidade do capitão.
Novembro e dezembro serão meses de desespero orçamentário. E é um risco ter alguém como Bolsonaro, sem apreço algum a equilíbrio, do fiscal ao democrático, assim acuado. Lula tende a consolidar sua liderança, as definições de candidatos no campo do centro devem avançar, e ao presidente só restarão os truques populistas para tentar se viabilizar eleitoralmente.
Paulo Guedes ainda resiste aos apelos pela prorrogação pura e simples do auxílio emergencial, o que desobrigaria o governo de tirar uma receita da cartola para cobri-lo, ou aos palpites para que o benefício seja elevado para além dos R$ 300 com que aquiesceu. Mas está nas cordas diante da necessidade de explicar as condições em que manteve ativa uma empresa offshore enquanto esteve no posto, e seus adversários, na oposição e no governo, estão dispostos a explorar isso.
Além disso, mesmo se resolver fazer o milagre do crescimento do Bolsa Família afetando responsabilidade fiscal, o governo ainda tem um caminho tortuoso pela frente, que passa pela aprovação da reforma do Imposto de Renda e de uma Proposta de Emenda à Constituição que dê um verniz de legalidade à pedalada com precatórios. Isso tudo num Congresso em que senadores e deputados estarão cada vez mais preocupados com a própria reeleição e medirão sempre a conveniência de se atrelar a um governo em franca decomposição.
Tudo isso significa que Bolsonaro é carta fora do baralho e o segundo turno sem ele é o cenário mais provável? Não. Com o instituto da reeleição, o peso da máquina e da vantagem de o governante disputar no exercício do mandato é imenso.
Basta lembrar que Dilma Rousseff se reelegeu na bacia das almas, contando com um marketing de destruição dos rivais e adiando o cavalo de pau numa economia que já ruía.
Bolsonaro pode barbarizar no fiscal e ainda recorrer a toda a caixa de ferramentas de crimes virtuais usada em 2018 sem controle da Justiça Eleitoral nem o devido cuidado por parte da imprensa e dos adversários. Sua intenção de tentar inclusive melar o pleito, se for preciso, está dada.
Por tudo isso, a candidatura Bolsonaro vai aprofundar o estrago ao Brasil que sua Presidência acidental e desastrosa já causou. Será mais um ano de crise permanente.
Temos o primeiro presidente a buscar ser reeleito sem ter sequer um partido, que não lidera as intenções de voto, que tem o governo mais mal avaliado desde que o instituto da reeleição foi criado, que ostenta o maior índice de desempregados e que é, de todos os que disputaram novo mandato, aquele cujo governo enfrenta a maior inflação (acima dos 10% em 12 meses) um ano antes do pleito.
Saindo dos índices mensuráveis, quando se entra na seara política, o que se tem é um presidente isolado, inconfiável aos olhos das instituições, cujas decisões passaram a ser manietadas, quando não abertamente tuteladas, pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Congresso.
Um quadro assim é de difícil reversão. Daqui até o fim do ano, os dissabores no caminho de Bolsonaro tendem a se avolumar. Outubro terminará com o presidente indiciado pela CPI da Covid e com seus crimes, de responsabilidade e comuns, cometidos na gestão da pandemia enunciados em voz alta. Provavelmente o aliado Augusto Aras não fará nada com isso, mas os propósitos de registro histórico, denúncia internacional e reparação para os milhões de enlutados da pandemia tratarão de aumentar a queda livre de popularidade do capitão.
Novembro e dezembro serão meses de desespero orçamentário. E é um risco ter alguém como Bolsonaro, sem apreço algum a equilíbrio, do fiscal ao democrático, assim acuado. Lula tende a consolidar sua liderança, as definições de candidatos no campo do centro devem avançar, e ao presidente só restarão os truques populistas para tentar se viabilizar eleitoralmente.
Paulo Guedes ainda resiste aos apelos pela prorrogação pura e simples do auxílio emergencial, o que desobrigaria o governo de tirar uma receita da cartola para cobri-lo, ou aos palpites para que o benefício seja elevado para além dos R$ 300 com que aquiesceu. Mas está nas cordas diante da necessidade de explicar as condições em que manteve ativa uma empresa offshore enquanto esteve no posto, e seus adversários, na oposição e no governo, estão dispostos a explorar isso.
Além disso, mesmo se resolver fazer o milagre do crescimento do Bolsa Família afetando responsabilidade fiscal, o governo ainda tem um caminho tortuoso pela frente, que passa pela aprovação da reforma do Imposto de Renda e de uma Proposta de Emenda à Constituição que dê um verniz de legalidade à pedalada com precatórios. Isso tudo num Congresso em que senadores e deputados estarão cada vez mais preocupados com a própria reeleição e medirão sempre a conveniência de se atrelar a um governo em franca decomposição.
Tudo isso significa que Bolsonaro é carta fora do baralho e o segundo turno sem ele é o cenário mais provável? Não. Com o instituto da reeleição, o peso da máquina e da vantagem de o governante disputar no exercício do mandato é imenso.
Basta lembrar que Dilma Rousseff se reelegeu na bacia das almas, contando com um marketing de destruição dos rivais e adiando o cavalo de pau numa economia que já ruía.
Bolsonaro pode barbarizar no fiscal e ainda recorrer a toda a caixa de ferramentas de crimes virtuais usada em 2018 sem controle da Justiça Eleitoral nem o devido cuidado por parte da imprensa e dos adversários. Sua intenção de tentar inclusive melar o pleito, se for preciso, está dada.
Por tudo isso, a candidatura Bolsonaro vai aprofundar o estrago ao Brasil que sua Presidência acidental e desastrosa já causou. Será mais um ano de crise permanente.
O replantio de boa política
A poucas semanas da abertura da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, a ser realizada em Glasgow, cientistas brasileiros divulgaram estudo que mostra como o desmatamento e a elevação da temperatura poderão tornar quase inviável a vida humana na Amazônia.
Segundo o texto divulgado, 12 milhões de brasileiros que vivem na região estarão expostos a ondas de calor extremo até 2100, caso se confirmem as perigosas tendências atuais. Um calor tão forte que seria intolerável para os humanos.
Ao redigirem o estudo, os cientistas levaram em conta a mudança do clima em todo o planeta e o desmatamento da Amazônia, com o risco de transformação de grandes áreas de florestas em savanas. Se o combate à mudança climática depende de uma ação global, alertam, o combate ao desmatamento está nas nossas mãos.
“Podemos controlar o corte de árvores, podemos não desmatar”, disse ao jornal Valor Econômico o climatologista Paulo Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “Temos que fazer isso e temos que reflorestar.”
Na opinião do cientista, é necessário promover um entendimento nacional e global sobre a necessidade de se revegetar a Amazônia. “Este cenário não é para 2100”, alerta. “A floresta está em caminho avançado de savanização.”
Percepção global sobre os riscos de desmatamento da Amazônia já existe. E a pressão do resto do planeta sobre o atual governo brasileiro para reverter o quadro vai crescer na conferência de Glasgow. O isolamento do país em relação ao tema, desde 2019, vai aumentar.
Enquanto a atual política ambiental estiver em vigor, resta à sociedade civil e aos movimentos de oposição buscar aquilo que foi sugerido pelo climatologista: um entendimento nacional sobre a necessidade não apenas de conter o desmatamento, mas de replantar a floresta.
A busca de uma nova política ambiental poderia se transformar em um dos principais pilares de uma plataforma mínima de consenso entre os candidatos a ocupar o gabinete onde hoje está Jair Bolsonaro. O outro pilar, igualmente consensual, seria a defesa da democracia.
Parecem bandeiras óbvias. Mas não são. Elas são claras para aquela parcela do eleitorado que tem acesso à informação de boa qualidade sobre a saúde do planeta e a crescente radicalização política, que coloca em risco conquistas democráticas já dadas como parte irreversível de nosso cotidiano.
A radicalização tem funcionado como um motor de produção de lucros para empresas responsáveis pelas redes sociais. Quanto mais forem motivadas pelo ódio, informam pesquisadores e ex-empregados dessas empresas, mais as pessoas permanecem ligadas nas redes e nos anúncios publicados por seus patrocinadores.
A eleição de Bolsonaro demonstrou que não são poucos os eleitores seduzidos por tentações autoritárias e por promessas de desenvolvimento que desprezam os limites do planeta. Não seria sábio menosprezar o peso político desses eleitores.
Até hoje o debate tem horizonte curto. Discute-se quem vai às ruas junto de quem vai para protestar contra o governo. Ou para defender o improvável impeachment de Bolsonaro. As vaias de militantes de esquerda na manifestação da Avenida Paulista ao pré-candidato do PDT, Ciro Gomes, mostram que ainda há um longo caminho para a convivência civilizada entre as oposições.
A agenda política ainda parece tomada, de um lado, pela constatação de que o segundo turno provavelmente contará com a presença de Bolsonaro e do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. E, de outro, pelas negociações em torno da construção de uma possível via alternativa para 2022.
Nenhuma palavra, até o momento, sobre os dois temas que dominam o noticiário internacional a respeito do Brasil nos últimos meses: o desmatamento da Amazônia e a erosão da democracia por iniciativa do próprio presidente da República.
Ninguém vai pedir a pré-candidatos como Lula e o governador de São Paulo, João Dória, que estabeleçam uma pauta econômica comum. As diferenças entre eles não permitiriam que um debate entre suas equipes durasse mais do que 15 minutos.
A persistirem as atuais tendências eleitorais, porém, Lula, Doria ou Ciro Gomes têm chances de enfrentar Bolsonaro em um segundo turno das eleições. Ou seja, enfrentar um presidente que é sinônimo de ameaças tanto ao meio ambiente quanto à democracia.
A busca de consensos, embora difícil, pode produzir bons resultados. Representantes de empresas e instituições privadas já assinaram manifestos em defesa das florestas e do regime democrático. Ex-ministros de diferentes governos também já se posicionaram em defesa da Amazônia e das urnas eletrônicas.
Pois os candidatos de oposição cujos nomes poderão estar nas mesmas urnas têm diante de si a possibilidade de tecer um consenso mínimo sobre temas essenciais ao futuro de um país que se quer civilizado, livre e ambientalmente responsável. A possibilidade de juntos dizerem não ao desmatamento e sim ao regime democrático.
Se não basta deter a derrubada de árvores, como alertou o climatologista do Inpe, também não será suficiente deter a escalada autoritária. Na Amazônia, como em todo o Brasil, é preciso promover o replantio. Da floresta, claro. Mas também da boa política.
Segundo o texto divulgado, 12 milhões de brasileiros que vivem na região estarão expostos a ondas de calor extremo até 2100, caso se confirmem as perigosas tendências atuais. Um calor tão forte que seria intolerável para os humanos.
Ao redigirem o estudo, os cientistas levaram em conta a mudança do clima em todo o planeta e o desmatamento da Amazônia, com o risco de transformação de grandes áreas de florestas em savanas. Se o combate à mudança climática depende de uma ação global, alertam, o combate ao desmatamento está nas nossas mãos.
“Podemos controlar o corte de árvores, podemos não desmatar”, disse ao jornal Valor Econômico o climatologista Paulo Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “Temos que fazer isso e temos que reflorestar.”
Na opinião do cientista, é necessário promover um entendimento nacional e global sobre a necessidade de se revegetar a Amazônia. “Este cenário não é para 2100”, alerta. “A floresta está em caminho avançado de savanização.”
Percepção global sobre os riscos de desmatamento da Amazônia já existe. E a pressão do resto do planeta sobre o atual governo brasileiro para reverter o quadro vai crescer na conferência de Glasgow. O isolamento do país em relação ao tema, desde 2019, vai aumentar.
Enquanto a atual política ambiental estiver em vigor, resta à sociedade civil e aos movimentos de oposição buscar aquilo que foi sugerido pelo climatologista: um entendimento nacional sobre a necessidade não apenas de conter o desmatamento, mas de replantar a floresta.
A busca de uma nova política ambiental poderia se transformar em um dos principais pilares de uma plataforma mínima de consenso entre os candidatos a ocupar o gabinete onde hoje está Jair Bolsonaro. O outro pilar, igualmente consensual, seria a defesa da democracia.
Parecem bandeiras óbvias. Mas não são. Elas são claras para aquela parcela do eleitorado que tem acesso à informação de boa qualidade sobre a saúde do planeta e a crescente radicalização política, que coloca em risco conquistas democráticas já dadas como parte irreversível de nosso cotidiano.
A radicalização tem funcionado como um motor de produção de lucros para empresas responsáveis pelas redes sociais. Quanto mais forem motivadas pelo ódio, informam pesquisadores e ex-empregados dessas empresas, mais as pessoas permanecem ligadas nas redes e nos anúncios publicados por seus patrocinadores.
A eleição de Bolsonaro demonstrou que não são poucos os eleitores seduzidos por tentações autoritárias e por promessas de desenvolvimento que desprezam os limites do planeta. Não seria sábio menosprezar o peso político desses eleitores.
Até hoje o debate tem horizonte curto. Discute-se quem vai às ruas junto de quem vai para protestar contra o governo. Ou para defender o improvável impeachment de Bolsonaro. As vaias de militantes de esquerda na manifestação da Avenida Paulista ao pré-candidato do PDT, Ciro Gomes, mostram que ainda há um longo caminho para a convivência civilizada entre as oposições.
A agenda política ainda parece tomada, de um lado, pela constatação de que o segundo turno provavelmente contará com a presença de Bolsonaro e do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. E, de outro, pelas negociações em torno da construção de uma possível via alternativa para 2022.
Nenhuma palavra, até o momento, sobre os dois temas que dominam o noticiário internacional a respeito do Brasil nos últimos meses: o desmatamento da Amazônia e a erosão da democracia por iniciativa do próprio presidente da República.
Ninguém vai pedir a pré-candidatos como Lula e o governador de São Paulo, João Dória, que estabeleçam uma pauta econômica comum. As diferenças entre eles não permitiriam que um debate entre suas equipes durasse mais do que 15 minutos.
A persistirem as atuais tendências eleitorais, porém, Lula, Doria ou Ciro Gomes têm chances de enfrentar Bolsonaro em um segundo turno das eleições. Ou seja, enfrentar um presidente que é sinônimo de ameaças tanto ao meio ambiente quanto à democracia.
A busca de consensos, embora difícil, pode produzir bons resultados. Representantes de empresas e instituições privadas já assinaram manifestos em defesa das florestas e do regime democrático. Ex-ministros de diferentes governos também já se posicionaram em defesa da Amazônia e das urnas eletrônicas.
Pois os candidatos de oposição cujos nomes poderão estar nas mesmas urnas têm diante de si a possibilidade de tecer um consenso mínimo sobre temas essenciais ao futuro de um país que se quer civilizado, livre e ambientalmente responsável. A possibilidade de juntos dizerem não ao desmatamento e sim ao regime democrático.
Se não basta deter a derrubada de árvores, como alertou o climatologista do Inpe, também não será suficiente deter a escalada autoritária. Na Amazônia, como em todo o Brasil, é preciso promover o replantio. Da floresta, claro. Mas também da boa política.
Taxas, números e ainda os velhos mitos
Na semana em que os Estados Unidos batem 700 mil mortes com 43,5 milhões de casos e o Brasil, 600 mil mortes com quase 22 milhões de casos de Covid-19, nos perguntamos como chegamos até aqui. De pouco adianta considerarmos as diferenças de tamanho de população, e portanto a desproporção nos números, ou tampouco quem teve o braço poderoso do SUS como arma salvífica, ou quem morreu em casa porquanto não teve como pagar o serviço privado, como vimos em Nova York. Essas parecem frias questões estatísticas, e ainda que muito graves, se esmaecem frente aos fatos atuais que assistimos, sem surpresa, virem à tona no Brasil, do que chamaríamos más práticas médicas, passíveis de esclarecimento, apuração e punição.
Se a qualidade de nossa presença no mundo está determinada por nosso equilíbrio emocional, psicológico e espiritual, essa vigilância do viver “aqui e agora”, em momento tão inaudito e demarcador de nossas vidas, ela exige igualmente a perda da inocência e a crítica permanente. Em meio ao desmonte desse esquema hospitalar e de uso compulsório de medicamentos que há mais de um ano sabíamos que não funcionavam para prevenção ou tratamento da Covid-19, revimos o documento que um grupo de pesquisadores e médicos escreveram no ano passado, incluindo os resultados finais de estudos bem conduzidos e revisados por pares, sobre a cloroquina e ivermectina. Este documento hoje se incorpora ao dossiê da CPI do Senado, por solicitação da mesma, para subsídio científico.
Fundador de cinco start-ups, chamado de “druida, gaulês, sábio ou guru”, genial para uns e charlatão para outros, nega qualquer veleidade financeira, mas de fato foi após aportes de grants vultosos, que passou a ter um protagonismo mais condizente com sua personalidade e de modo corretamente premonitório declarou que vírus emergentes seriam a grande ameaça deste século, comparável àquela das grandes pestes da Idade Média e que a transmissão por aerossol seria inevitável. Bingo, mas francamente, muitos de nós sabíamos isso, e o próprio Bill Gates o dissera em entrevista dada em 2015. Com alarde anunciou em fim de fevereiro de 2020, para um auditório lotado e mesmerizado por sua verve, como discípulos de Platão na Academia de Atenas, que “os pragmáticos chineses haviam descoberto que a cloroquina é ativa in vitro” e que essa seria “a mais fácil infecção respiratória a ser tratada”. A partir daí, quando começavam as primeiras mortes pela doença na França, o professor Raoult entra na vida cotidiana dos franceses quase que por efração, um arrombamento.
Resta sempre o alerta, que norteia nosso olhar cauteloso e crítico de médicos, frente a quem insista em reiterar que “as pessoas interpretam o que elas veem e fazem suas ilusões”.
Se a qualidade de nossa presença no mundo está determinada por nosso equilíbrio emocional, psicológico e espiritual, essa vigilância do viver “aqui e agora”, em momento tão inaudito e demarcador de nossas vidas, ela exige igualmente a perda da inocência e a crítica permanente. Em meio ao desmonte desse esquema hospitalar e de uso compulsório de medicamentos que há mais de um ano sabíamos que não funcionavam para prevenção ou tratamento da Covid-19, revimos o documento que um grupo de pesquisadores e médicos escreveram no ano passado, incluindo os resultados finais de estudos bem conduzidos e revisados por pares, sobre a cloroquina e ivermectina. Este documento hoje se incorpora ao dossiê da CPI do Senado, por solicitação da mesma, para subsídio científico.
Nesse clima, lendo a recém publicada biografia do professor Didier Raoult (“Une folie française”, Ed. Gallimard) procuramos entender como o criador obstinado do engodo da cloroquina, em meio à maior crise sanitária dos últimos cem anos no planeta, colocou lenha explosiva numa fogueira já bem ardente. Entendemos perfeitamente como personalidades de muita inteligência e capacidade de articulação e argumentação podem seduzir até dirigentes com um eficiente manipular das vaidades humanas. Nascido em Dakar, no Senegal, filho de médico, exemplo de fruto dos estertores do império colonial francês, sua trajetória recente revela uma vez mais como paixões e crenças tomam o lugar da razão em tempos críticos. Com fotos suas com várias personalidades em seu gabinete, de presidentes da república francesa, e escritores famosos, como Michel Onfray, que esteve a seu lado em diversas aparições públicas, não era tão conhecido fora de suas lides o dr. Raoult, com pesquisas reconhecidas na área das rickettsioses, até que recebe uma dotação milionária do presidente Sarkozy, para seu instituto, e inicia uma profusão de publicações científicas. Bernard-Henri Lévy, o controverso filósofo contemporâneo, que também já adoecera de malária em suas viagens à África, chega a incensá-lo como “um personagem fora do comum, maior que a própria vida”.
Fundador de cinco start-ups, chamado de “druida, gaulês, sábio ou guru”, genial para uns e charlatão para outros, nega qualquer veleidade financeira, mas de fato foi após aportes de grants vultosos, que passou a ter um protagonismo mais condizente com sua personalidade e de modo corretamente premonitório declarou que vírus emergentes seriam a grande ameaça deste século, comparável àquela das grandes pestes da Idade Média e que a transmissão por aerossol seria inevitável. Bingo, mas francamente, muitos de nós sabíamos isso, e o próprio Bill Gates o dissera em entrevista dada em 2015. Com alarde anunciou em fim de fevereiro de 2020, para um auditório lotado e mesmerizado por sua verve, como discípulos de Platão na Academia de Atenas, que “os pragmáticos chineses haviam descoberto que a cloroquina é ativa in vitro” e que essa seria “a mais fácil infecção respiratória a ser tratada”. A partir daí, quando começavam as primeiras mortes pela doença na França, o professor Raoult entra na vida cotidiana dos franceses quase que por efração, um arrombamento.
Resta sempre o alerta, que norteia nosso olhar cauteloso e crítico de médicos, frente a quem insista em reiterar que “as pessoas interpretam o que elas veem e fazem suas ilusões”.
A República dos Idiótes
Na semana passada, chegou-me às vistas um tuíte da deputada Carla Zambelli, do PSL, com o seguinte comentário:
“Sou trans e quero ser respeitada. Meu corpo, minhas regras.”
Incrédulo, talvez com a pressão um pouco baixa, tirei meus óculos, sacudi a cabeça, e, ao torná-los ao rosto, fiz como recomendava Guimarães Rosa a Miguilim – mirei bem a mensagem antes de novamente a ler.
Foi quando pude entender que a deputada se reportava a um vídeo de internet com pessoas que se autodeclaravam “transvacinadas” e ostentavam em suas camisetas o seguinte slogan: “me sinto vacinado em um corpo não vacinado”.
O grupo, que passaria despercebido, não fosse o impulso de autoridades da República como Zambelli, afirmava ser discriminado por sentir seus corpos resistentes e protegidos contra a COVID-19, mesmo não tendo recebido a vacina.
O movimento parece que tem até uma pauta definida de reivindicações, que, em suma, se resume no desejo de sua escolha antivacinal ser tratada com a mesma liberdade e respeito social destinados a indivíduos transgêneros.
Antes fosse, caros leitores. Seria uma piada ruim, grotesca, mas ainda assim seria uma piada. No entanto, sinto pena de dizer que essa gente, de fato, existe, e tem ganhado espaço em razão da simpatia, mesmo que jocosa, pouco importa, de celebridades bolsonaristas.
Nesses termos, o assunto, claro, atraiu a contrariedade de grupos que defendem os direitos de indivíduos transgêneros, e que viram na bandeira dos “transvacinados” uma tentativa de ridicularizar a sua própria.
Tem razão o inconformismo dos transgêneros. Mas, quem me conhece, sabe o quanto defendo a liberdade de expressão e de manifestação de todos, e, portanto, vou arriscar um conselho aos transvacinados.
Troquem de nome. Passem a se chamar “idiótes”. Assim mesmo, com acento agudo e terminação em “es”.
Segundo a lição do filólogo alemão Werner Jaeguer, o termo “idiótes” é grego, tem origem no século IV a.C, e foi cunhado para designar indivíduos que não se enquadravam na comunidade, vivendo enfiados em seu próprio mundinho, em torno apenas de seus próprios apetites.
Acredito que a definição se encaixe como uma luva ao movimento.
E quem sabe, com o tempo, e o apoio de tanta gente importante, o grupo não cruze rios e montanhas, desbrave fronteiras, e de posse de seu nome grego possa cumprir pelo avesso o sonho de Platão, fundando a República dos Idiótes.
Enquanto isso, o uso do termo imporá um certo ar de intelectualidade, um quê de “chic”. Com a vantagem de não ofender a terceiros, e, de quebra, permitir ao grupelho e seus simpatizantes lacração certa na internet, dissimulando uma fingida adaptação à linguagem neutra.
Fica a dica.
“Sou trans e quero ser respeitada. Meu corpo, minhas regras.”
Incrédulo, talvez com a pressão um pouco baixa, tirei meus óculos, sacudi a cabeça, e, ao torná-los ao rosto, fiz como recomendava Guimarães Rosa a Miguilim – mirei bem a mensagem antes de novamente a ler.
Foi quando pude entender que a deputada se reportava a um vídeo de internet com pessoas que se autodeclaravam “transvacinadas” e ostentavam em suas camisetas o seguinte slogan: “me sinto vacinado em um corpo não vacinado”.
O grupo, que passaria despercebido, não fosse o impulso de autoridades da República como Zambelli, afirmava ser discriminado por sentir seus corpos resistentes e protegidos contra a COVID-19, mesmo não tendo recebido a vacina.
O movimento parece que tem até uma pauta definida de reivindicações, que, em suma, se resume no desejo de sua escolha antivacinal ser tratada com a mesma liberdade e respeito social destinados a indivíduos transgêneros.
O leitor deve estar pensando: é piada. O governador Doria mexeu tanto nos feriados em São Paulo que deve ser primeiro de abril no calendário do colunista, e ele está nos pregando uma peça.
Antes fosse, caros leitores. Seria uma piada ruim, grotesca, mas ainda assim seria uma piada. No entanto, sinto pena de dizer que essa gente, de fato, existe, e tem ganhado espaço em razão da simpatia, mesmo que jocosa, pouco importa, de celebridades bolsonaristas.
Nesses termos, o assunto, claro, atraiu a contrariedade de grupos que defendem os direitos de indivíduos transgêneros, e que viram na bandeira dos “transvacinados” uma tentativa de ridicularizar a sua própria.
Tem razão o inconformismo dos transgêneros. Mas, quem me conhece, sabe o quanto defendo a liberdade de expressão e de manifestação de todos, e, portanto, vou arriscar um conselho aos transvacinados.
Troquem de nome. Passem a se chamar “idiótes”. Assim mesmo, com acento agudo e terminação em “es”.
Segundo a lição do filólogo alemão Werner Jaeguer, o termo “idiótes” é grego, tem origem no século IV a.C, e foi cunhado para designar indivíduos que não se enquadravam na comunidade, vivendo enfiados em seu próprio mundinho, em torno apenas de seus próprios apetites.
Acredito que a definição se encaixe como uma luva ao movimento.
E quem sabe, com o tempo, e o apoio de tanta gente importante, o grupo não cruze rios e montanhas, desbrave fronteiras, e de posse de seu nome grego possa cumprir pelo avesso o sonho de Platão, fundando a República dos Idiótes.
Enquanto isso, o uso do termo imporá um certo ar de intelectualidade, um quê de “chic”. Com a vantagem de não ofender a terceiros, e, de quebra, permitir ao grupelho e seus simpatizantes lacração certa na internet, dissimulando uma fingida adaptação à linguagem neutra.
Fica a dica.
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