quarta-feira, 29 de julho de 2020

Brasil no bambolê do capitão


Por que só Bolsonaro?

O Tribunal Penal Internacional de Haia, na Holanda, recebeu as acusações contra Jair Bolsonaro de crimes contra a humanidade no contexto da pandemia. Foram levadas por entidades brasileiras que representam mais de um milhão de profissionais da saúde, responsabilizando-o pela morte de milhares no país por sua ação ou omissão. Matar não se limita a um tiro à queima-roupa.


Pode-se escolher entre as práticas de Bolsonaro desde a chegada da Covid: piadas com o vírus, minimização de seu perigo, desinformação deliberada sobre ações de prevenção, desprezo por medidas nacionais que amenizassem a quebra da economia, recusa em aceitar as orientações dos órgãos internacionais, instigação à desobediência dessas orientações, desmoralização dos encarregados por ele próprio de dirigir a saúde e sua substituição por estranhos à matéria, fazer propaganda falsa de remédio, debochar das vítimas da doença, indiferença quanto ao destino da população que jurou proteger. Com tudo isso ao alcance de seu poder, quem precisa de arminha?

Mas não nos iludamos. Os trâmites do tribunal são lentos e talvez só cheguem a uma conclusão quando um dos dois já tiver acabado, o mandato de Bolsonaro ou o Brasil --o que vier primeiro. Mas seria um consolo ver no banco dos réus, nem que fosse por uma sentada, os responsáveis pela maior calamidade pública na história deste país.

O que, como aconteceu em outros tribunais internacionais, deveria reservar lugar também a executores de sua política. Isso incluiria o general Eduardo Pazuello, que pôs a farda a serviço da farsa, estimulando o uso de medicamento impróprio e arriscado, sonegando informações sobre a evolução da crise, recusando-se a prestar contas diárias à sociedade e cercando-se de colegas de quartel, talvez para dividir sua responsabilidade.

Mas, você sabe, Haia é uma cidade pacata, com seu ritmo próprio.
Ruy Castro

As mil e uma 'democracias'

É um sentimento quase universal quando dizemos que um país é democrático, nós o estamos elogiando, em consequência, os defensores de todo tipo de regime alegam que ele é democrático e temem que tenham de deixar de usar a palavra se esta for atrelada a algum significado.
 
As palavras desse tipo são muitas vezes usadas de maneira conscientemente desonesta. Ou seja, a pessoa que as utiliza tem sua própria definição particular, mas permite que o ouvinte pense que ela quer dizer algo bem distinto George Orwell, "Como morrem os pobres e outros ensaios"

'Isso não é gente'

Áudios e mensagens de texto com ataques a indígenas do município de General Carneiro, no interior de Mato Grosso, se tornaram alvos do Ministério Público Federal (MPF). Os comentários ofensivos foram compartilhados nas últimas semanas em um grupo de WhatsApp destinado aos moradores da cidade.

Nos áudios e nas mensagens de texto, os indígenas são apontados por alguns moradores como os principais responsáveis por propagar a covid-19 no município mato-grossense.

Os comentários ofensivos começaram, principalmente, após os moradores notarem que a maioria dos casos de covid-19 na cidade, até o momento, tinham sido registrados nas aldeias da região.

"Ô, companheiro, isso daí só é índio, rapaz... não é gente, não (...). Dentro de General mesmo, o número de infectados é muito pouquinho, graças a Deus. Agora os índios... esse povo aí é sem cultura, sem religião, quem dá conta desse povo aí?", disse um homem em um dos áudios compartilhados no grupo.

A cidade mato-grossense tem 5,5 mil habitantes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Parte da população é composta por indígenas pertencentes aos povos bororo e xavante.

Dados atuais da covid-19 no município apontam que General Carneiro registrou 160 casos de covid-19, sendo 117 deles em indígenas. Na cidade, sete pessoas morreram em decorrência do novo coronavírus, seis delas eram indígenas — três da etnia xavante e três da bororo.

As mensagens no grupo da cidade no WhatsApp causaram apreensão em indígenas, que passaram a temer que as acusações contra eles motivassem ataques às aldeias. Em razão disso, encaminharam o caso ao MPF e irão levá-lo para a Fundação Nacional dos Índios (Funai).

No grupo, intitulado "General Notícias Regiões", alguns moradores utilizaram termos ofensivos ao se referir aos indígenas. "Palhaçada esse tanto de casos positivos (de covid-19) em General. Estou vendo que essa 'porra' desse lugar vai fechar por causa desses índios (...). Não estou aguentando esses capetas desses índios na porta de casa pedindo comida 24 horas", disse uma moradora do município.


A mulher ainda defendeu, no áudio, que os indígenas sejam "trancados" nas aldeias para que não tenham contato com os demais moradores da cidade.

Em outro áudio, um homem chamou os indígenas da região de "bichos" e disse que eles precisam ser isolados, para proteger os outros moradores. "Tem que fechar as aldeias, né? Chegar lá, colocar a polícia lá e travar tudo. Teriam que fechar as aldeias para esses 'bichos'", afirmou.

Essas foram algumas das ofensas propagadas no grupo. A reportagem apurou que foram, ao menos, cinco áudios ofensivos nas últimas semanas, além de diversas mensagens de texto.

As ofensas preocuparam os indígenas da cidade. Os bororo, que vivem na Terra Meruri, consideraram as declarações como "violência moral, psíquica, ética e cultural" e afirmaram que a situação representa um caso de "preconceito, injúria racial e racismo".

Eles classificaram os áudios como "extremamente preocupantes e com teor criminoso, inadmissível em nossa sociedade e no regime jurídico brasileiro". Em documento assinado por lideranças da região, relatam que os ataques ocorrem desde junho, "por conta do perambulo e permanência na cidade, onde os moradores estão atribuindo a disseminação da pandemia ao trânsito de indígenas".
No documento, os indígenas afirmam que temem que os áudios culminem em agressões físicas contra o povo, "tendo em vista a quantidade de casos de violências graves a indígenas registrados no país".

Ainda no documento, eles argumentam que a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas destaca que deve haver respeito à liberdade e igualdade a todos.

O documento, que será encaminhado à Funai e ao MPF, pede que as mensagens compartilhadas no grupo de WhatsApp sejam investigadas e que os responsáveis pelas declarações sejam responsabilizados na Justiça.

Os bororo pedem também que sejam feitas ações de conscientização na cidade sobre a questão indígena, para combater o preconceito e o racismo.

"Com o avanço da tecnologia e dos meios de transporte, nós, povos indígenas, temos participado mais da rotina das cidades e no município de General Carneiro. Temos fortalecido o comércio local, somos ativos na economia e também devemos ser valorizados (...). Não buscamos atrito com os moradores, mas sim que os indivíduos envolvidos sejam julgados de acordo com a lei e que daqui pra frente possamos construir uma nova história", conclui o documento.
Medo de invasões

Um dos representantes dos bororo, o indígena Liberio Uiagumeareu, afirma que as declarações não podem ficar impunes. "A princípio, quando escutamos um áudio, ignoramos. Mas depois vimos que essa situação aumentou muito e outras pessoas falavam coisas parecidas. São falas preocupantes. Há muitas acusações falsas", diz ele, que é formado em Direito e atualmente vive com a família em Cuiabá (MT).

Também do povo bororo, Kleiton Rodrigues ressalta que as críticas e o preconceito contra indígenas na região são uma situação histórica. "Mas, ainda bem, não são todos que têm essa visão de ódio contra a gente", diz o indígena, que vive na terra Meruri, em General Carneiro.

Somente na Meruri já foram confirmados mais de 100 casos de covid-19. "A transmissão foi muito rápida", diz Kleiton. Ele não testou positivo para a covid-19 em um exame, mas acredita ter sido infectado pelo coronavírus, pois a esposa e os filhos, que moram com ele, foram diagnosticados com a doença.

"O Brasil todo estava despreparado para essa doença. O nosso povo está desassistido pelo governo", acrescenta Kleiton, que é presidente do Conselho de Saúde Indígena da aldeia.

Há cerca de 1,7 mil habitantes no território bororo, divididos em cinco municípios mato-grossenses. Em General Carneiro, vivem, aproximadamente, 600 deles.

Os comentários no grupo de WhatsApp também incomodaram os xavante. A etnia tem visto a covid-19 se espalhar na terra Sangradouro, que abriga cerca de 1,2 mil habitantes somente na área pertencente a General Carneiro. Ali, os indígenas contabilizam mais de 100 casos.

"Essas ofensas aos indígenas existem há muito tempo. Atualmente, as pessoas têm se sentido mais protegidas pelo governo do Jair Bolsonaro, que não respeita os povos indígenas", declara Hiparidi Toptiro, xavante de Sangradouro e coordenador-geral do movimento Mobilização dos Povos Indígenas do Cerrado.

Os xavante são a etnia mais populosa de Mato Grosso e a quarta do país, com cerca de 23 mil indivíduos espalhados por nove terras indígenas, em mais de 320 aldeias — há centenas de casos do novo coronavírus em diferentes aldeias xavante.

Hiparidi afirma que discursos como os dos moradores de General Carneiro fortalecem ações contra indígenas e gera temor. "Isso favorece, por exemplo, ações daqueles que querem invadir e explorar as nossas terras, que se sentem mais fortes", declara.
Apurações do MPF

Os áudios e mensagens de texto do grupo de WhatsApp foram encaminhados ao MPF por representantes indígenas da região.

O MPF de Mato Grosso instaurou uma notícia de fato — medida inicial para colher informações sobre um caso — para apurar as mensagens. Posteriormente, se o procurador considerar necessário, pode converter o procedimento em inquérito. Depois, o caso pode se tornar um processo judicial.

As mensagens no grupo foram classificadas pelo MPF de Mato Grosso como "manifestações de discriminação, de ódio e de ameaça". Em nota, o Ministério Público Federal ressalta que os povos indígenas são "grupos culturalmente diferenciados", que "não devem sofrer restrições de direitos". A entidade frisa que a Constituição Federal busca a "igualdade material e a efetiva proteção dos direitos" desses povos.

O comunicado do MPF-MT ressalta que crimes de preconceito de raça e cor podem culminar em reclusão de dois a cinco anos "para quem praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, por intermédio de publicação de qualquer natureza".

O fato será apurado pelo procurador Everton Pereira Aguiar Araújo, de Barra do Garças (MT). Segundo o MPF-MT, os envolvidos poderão sofrer "responsabilização civil e criminal".

Um dos responsáveis pelos áudios contra os indígenas, um comerciante de 60 anos, que pediu para não ter a identidade divulgada, afirma estar muito arrependido dos comentários que fez. "Levaram minha declaração para outro lado. Não falei com malícia nenhuma. Fiquei muito chateado", diz à BBC News Brasil.

No áudio, o comerciante se referiu aos indígenas como "bichos", mas nega que tenha sido uma expressão preconceituosa. "Tenho uma mania besta de falar assim: 'fala, bicho' ou 'e aí, bicho'. Naquela hora falei bicho, mas eles são iguais a nós. Foi uma palavra errada", justifica.

"Me arrependo. Se soubesse que iria virar isso... Pedi desculpas (a líderes indígenas). Foi um erro meu. Foi um momento de burrice. Se fosse para ajoelhar para pedir perdão, eu faria. Mas agora não adianta, já está no Ministério Público e vou ter que arcar com as consequências", acrescenta o comerciante de General Carneiro.

Apesar de negar que tivesse a intenção de ofender, o homem justifica a crítica aos indígenas por um conflito familiar do passado. "O meu pai perdeu uma área de terra (em General Carneiro) para os indígenas em 1976. Era uma área 1,2 mil hectares, que hoje pertence a uma aldeia", diz. Ele afirma que não sabe, porém, detalhes sobre a decisão judicial que obrigou seu pai a deixar a propriedade.

Também entre os responsáveis pelos comentários contra os indígenas está o advogado Fabio Dias, que há mais de 16 anos se mudou de General Carneiro para a capital mato-grossense. No grupo, ele disse que "não é chegado a índio". Em nota à BBC News Brasil, ele afirma que se expressou mal. "O que queria dizer, na verdade, é que não sou chegado às causas indígenas, visto que no grupo havia uma campanha para arrecadação de itens de higiene em favor dos povos indígenas, da qual não participei", argumenta.

"Em relação ao meu ponto de vista, tenho que todos nós, independente de raça, cor, nação, cultura, religião e outras peculiaridades individuais e coletivas, somos todos iguais, e temos direitos a diferenças, e o dever ético/social de respeitá-las", completa o advogado, de 40 anos.

A reportagem tentou contato com outras pessoas que também fizeram comentários contra os indígenas no grupo de WhatsApp, porém não obteve respostas.
O ódio no contexto da pandemia

Antropólogo e professor da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Diógenes Cariaga pontua que o preconceito contra os indígenas é uma situação que perdura há séculos. "Há questões que reforçam a discriminação e o discurso de ódio contra os indígenas, como os problemas fundiários e a disputa política em relação à identificação e demarcação das terras."

Para ele, a pandemia reforçou esse preconceito. "Uma situação como a que vivemos atualmente reacende esse discurso. Ao longo do século, criaram a imagem do indígena como alguém que não trabalha, que é preguiçoso e bêbado. Essa argumentação é recorrente em discursos regionais e é alimentada por uma estrutura tensa de problemas fundiários, como se todos os indígenas fossem assim", diz.

"No Brasil, a pandemia veio pelas pessoas de classe média alta, que viajaram para fora, até chegar aos indígenas. Em Dourados (MS), por exemplo, um dos primeiros casos em aldeias foi o de uma indígena que trabalhava em um frigorífico", relata o especialista. Ele avalia que há uma "construção histórica de preconceito contra os indígenas" que faz com que muitas pessoas associem a disseminação do coronavírus a esses povos.

Ele cita uma situação que ocorreu semanas atrás em Dourados, segunda maior cidade de Mato Grosso do Sul, como exemplo do preconceito sofrido por indígenas no contexto da pandemia do novo coronavírus. Uma academia do município publicou, em seu perfil no Instagram, uma imagem de uma indígena, que estava com duas crianças, andando sem máscara em uma rua da cidade.

"As academias são lugares de proliferação de covid e precisam estar fechadas para que as pessoas fiquem com suas imunidades bem baixas. Porém, essas pessoas (indígenas) podem andar sem máscara e, se não me engano, a aldeia estava cheia de covid. Acordaaa, Dourados!", escreveu um dos responsáveis pela academia — que está fechada em razão da quarentena, para evitar a propagação do coronavírus.

Dourados, que tem cerca de 210 mil habitantes, já registrou mais de 4 mil casos de covid-19. Desses, 200 ocorreram em terras indígenas.

A publicação da academia, apagada minutos depois, causou indignação. Muitos internautas apontaram que se tratou de caso de racismo ao expor os indígenas e apontá-los como responsáveis pela propagação da covid-19 na cidade. "Esse tipo de discriminação tem sido recorrente", diz Diógenes.

"O que me parece é que setores que sempre foram contrários às questões indígenas passaram a manipular o discurso para tornar os indígenas responsáveis pela pandemia. Eles (os indígenas) são os mais vulneráveis a tudo isso e estão sendo duramente impactados. Mas existe uma construção de narrativa para manipular o discurso e colocá-los como culpados", afirma o antropólogo.

O Ministério Público Federal de Mato Grosso do Sul instaurou, em 16 de julho, um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) — que tem início após as primeiras apurações do órgão. Os responsáveis pela academia negam que a publicação tenha sido racista e alegam que o texto teve interpretação diferente da que queriam passar.

O MPF informa que analisa o caso para avaliar se será encerrado ou se poderá culminar em um processo judicial. Responsável pelo procedimento, o procurador do MPF de Dourados, Marco Antônio Delfino de Almeida, afirma à BBC News Brasil que consultará a comunidade indígena sobre o caso. "Obviamente, o sentimento da comunidade terá repercussão para avaliarmos as medidas a serem empreendidas", declara
A covid-19 entre os indígenas

Enquanto aumenta o discurso de ódio, cresce também a precariedade da condição de vida nas aldeias. Os indígenas são considerados especialmente vulneráveis à covid-19 por alguns fatores como o compartilhamento de objetos, a frágil assistência médica em seus territórios e a grande quantidade de pessoas morando em áreas muito próximas.

Situações como a de General Carneiro ilustram a vulnerabilidade dos indígenas em relação à covid-19. "O meu povo está doente e assustado com tudo isso. A nossa terra é também um território vulnerável porque a BR-070 passa por aqui e muitos automóveis transitam diariamente em nosso entorno. Além disso, os produtores de grãos estão nos pressionando para arrendar nossas terras", diz Hiparidi.

Um dos representantes dos xavante de General Carneiro, Hiparidi contraiu a covid-19 recentemente e passou dias internado. "A situação por aqui não está fácil. Os números são muito maiores do que pensamos. E, além disso, ainda há o ódio das pessoas contra a gente", lamenta.

Os representantes dos xavante e dos bororo relatam que foram colocadas barreiras sanitárias nas entradas das aldeias para controlar o fluxo dos moradores. Eles pontuam que o fluxo de indígenas na cidade caiu, porém, muitos deles precisam ir a regiões centrais do município por questões básicas, como comprar mantimentos.

Hiparidi afirma que o discurso de ódio contra os indígenas tem se tornado cada vez mais comum e forte, em razão da conduta do presidente Jair Bolsonaro em relação ao tema.

O líder indígena classifica a postura do presidente Jair Bolsonaro como genocida, pois aponta que não deu o suporte necessário para evitar que o novo coronavírus se espalhasse nas aldeias. No início de julho, o Supremo Tribunal Federal determinou que o Estado tomasse providências para auxiliar a população indígena no combate ao vírus.

"Em todo o Brasil há indígenas morrendo. Está claro o descaso do governo federal com a gente. Tenho certeza de que é uma ação proposital do Bolsonaro contra os indígenas", declara Hiparidi.

No país, segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), já foram registrados mais de 14 mil casos de covid-19 entre indígenas e mais de 260 mortes. Organizações que defendem os povos, porém, afirmam que o número é muito maior e que há milhares de casos que não foram contabilizados oficialmente.

Em General Carneiro, por exemplo, os representantes dos bororo e xavante acreditam que há mais de 200 casos de covid-19, mas apenas a metade desse número consta em dados oficiais. A Prefeitura da cidade justifica que os casos são registrados conforme os testes dão resultado positivo.

Em nota, a prefeitura de General Carneiro classifica como "fato isolado" a situação da cidade, na qual a maioria dos casos de covid-19 ocorre entre os indígenas. No comunicado, a prefeitura afirma que repudia qualquer tipo de discriminação, "em especial aos povos indígenas", e diz que tem executado diversas atividades junto com representantes das aldeias para conter o avanço do coronavírus.

A Sesai diz, em nota encaminhada à BBC News Brasil, que tem atuado no enfrentamento à covid-19 em aldeias de todo o país, por meio de Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI).

Já a Fundação Nacional do Índio (Funai) afirma, também em nota à BBC News Brasil, que já investiu, aproximadamente, R$ 24 milhões em ações de combate à covid-19. A entidade argumenta que tem feito diferentes ações, como a criação de barreiras sanitárias para impedir a entrada de não indígenas nos territórios e a distribuição de alimentos para "garantir a segurança alimentar dos indígenas, medida que colabora para que eles permaneçam nas aldeias".

Brasil é o terceiro país mais letal do mundo para ativistas ambientais

Depois de cair algumas posições no ranking que aponta os países mais perigosos para ambientalistas no mundo no ano passado, o Brasil voltou a aparecer entre aqueles onde mais defensores do meio ambiente são assassinados. Com 24 mortes registradas em 2019, quatro a mais do que em 2018, o país passou do quarto ao terceiro lugar na lista internacional, segundo relatório da ONG Global Witness publicado nesta quarta-feira.

Desde que a organização, sediada no Reino Unido, passou a sistematizar informações do tipo, em 2012, nunca houve tantos crimes como em 2019, que atingiu a marca de 212 assassinatos. No topo do ranking está outro país sul-americano, a Colômbia, com 64 mortes. Filipinas, o país "líder" do ano passado, aparece agora em segundo lugar, com 43 vítimas.

"Infelizmente, a tendência é que as coisas piorem a cada ano", comenta Ben Leather, da Global Witness, em entrevista à DW Brasil.


Entre os motivos para o aumento dessa violência, analisa Leather, está a crescente demanda pelo consumo. "Para suprir seus negócios, empresas buscam novas áreas, novos territórios, e colocam em ameaça as comunidades que estão lá e defendem suas terras, seus direitos", diz.

A impunidade também é vista como parte da engrenagem que sustenta o cenário. "A cada ano, defensores são mortos, e quase nenhum caso vai parar na Justiça. Quem comete os crimes se sente livre para continuar. Por isso, os governos precisam agir", ressalta Leather.

No Brasil, a grande maioria dos assassinatos de ambientalistas em 2019 ocorreu na Amazônia. Para a Global Witness, é preciso destacar que alguns tipos de ambientalistas brasileiros enfrentam riscos mais específicos e sérios. "São os indígenas os mais expostos à violência", destaca Leather.

Das 24 mortes contabilizadas em território brasileiro pelo relatório, dez delas, ou cerca de 42%, foram de indígenas. "Eles representam apenas 0,4% da população do país, ou seja, estão super-representados entre os ativistas assassinados", lamenta o membro da Global Witness.

Nomes de brasileiros como o de Paulo Paulino Guajajara estão na lista da Global Witness. Conhecido como guardião da floresta, ele foi assassinado na Terra Indígena Arariboia, no Maranhão, em novembro de 2019. Paulino Guajajara fiscalizava e denunciava invasões das terras e roubo de madeira – função que se tornou mortal no país.

Um levantamento feito pelo Instituto Socioambiental (ISA) mostrou que esse território indígena na Amazônia tem sofrido com invasões e desmatamento sem precedentes. Para tirar a madeira roubada do local, os criminosos chegam a abrir mais de 100 quilômetros de estradas clandestinas por mês na mata.

"De uns tempos para cá, os ataques se voltaram mais contra os indígenas. No passado, eram os missionários que defendiam a causa que eram assassinados, mas houve esta virada histórica", analisa Christian Ferreira Crevels, antropólogo do Conselho Missionário Indigenista (Cimi).

Um dos casos marcantes foi o de Irmã Cleusa, assassinada em 1985. Como missionária, defendia a terra indígena dos Apurinã às margens do rio Paciá, em Lábrea, estado de Amazonas.

A mudança, segundo Crevels, tem uma explicação clara. "No Brasil da impunidade, as mortes dos indígenas defensores dos territórios, do meio ambiente, repercutem menos. Quantos brasileiros perderam a vida no interior e nunca foram conhecidos...", complementa.

São nomes como o de Dilma Ferreira Silva, líder rural e coordenadora regional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), assassinada em 2019 no Pará, que também consta no relatório da Global Witness.

Segundo a denúncia oferecida pelo Ministério Público Estadual, o fazendeiro Fernando Ferreira Rosa Filho, mandante do crime, encomendou a morte da ativista por ela ameaçar denunciar suas atividades ilegais – como desmatamento ilegal – às autoridades.

"Sabemos que nosso relatório traz só a ponta do iceberg. Só contamos o número de assassinatos. Sabemos que em todo o mundo, inclusive no Brasil, há muitos defensores do meio ambiente e membros de suas famílias que sofrem muita violência: são difamados, censurados, ameaçados, assediados e presos", comenta Leather.

O Brasil nunca foi um território seguro para ativistas do meio ambiente. Crevels, do Cimi, lembra que outros governos tiveram pontos negativos. "Os ataques não são novos. Vale lembrar que a violência da construção da usina de Belo Monte, no governo Dilma Rousseff, também deixou o seu legado de como executar um projeto na Amazônia desrespeitando tudo", pontua o antropólogo.

O governo de Jair Bolsonaro e seu ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, no entanto, agravam o quadro. "Ele [o governo] vocaliza um apoio a situações que geram conflito territorial. As pessoas pensam: 'posso me armar e ir para o conflito que o presidente garante'", analisa Crevels.

Além disso, políticas ambientais que apontam para "perdão" futuro por crimes cometidos são apontadas como estímulo à violência. "Principalmente quando Bolsonaro diz que vai rever terras indígenas já homologadas, por exemplo, é como uma incitação à invasão", diz o antropólogo.

Leather, da Global Witness, tem uma visão semelhante. "O Brasil sempre foi perigoso para ativistas. Mas é claro que este novo governo tem uma política muito clara de priorizar lucro num espaço curto de tempo, sem considerar o meio ambiente. Ele claramente quer abrir a Amazônia para negócios em processos rápidos."

Saio em férias para tentar evitar o fim do mundo

Nos próximos 15 dias desfrutarei de férias. Nada a ver com descanso. Saio em missão especial. Tentarei deter o Apocalipse. Soube de fonte segura que o mundo começou a acabar pelo Brasil. Você talvez não tenha notado, mas já está acontecendo.

De acordo com o mapa que obtive com exclusividade, a sala fica numa área erma do Além. Na porta, abaixo do número 2020, lê-se: "DJF - Divisão do Juízo Final". Por alguma razão, o primeiro botão pressionado no painel de descontrole foi o do Brasil. Tudo transcorre como planejado.


Se nada for feito, coisas esquisitas começarão a acontecer dentro de duas semanas. Já se sabe o seguinte:

A escuridão apagará a luz do céu de Brasília. O chão se repartirá sob o Palácio da Alvorada, cuspindo das profundezas um ser estranho. Bolsonaro identificará algo de familiar na aparência do visitante. O Apocalipse do capitão terá a cara do Olavo de Carvalho.

"Elegi você pra virar a mesa, não pra ficar embaixo dela, dizendo amém pros milicos e sorrindo pros vagabundos do STF", dirá o ser de aparência olavista, em timbre cavernoso. "Eu te destituo. Condeno-te a mastigar três vezes por dia a cloroquina que Asmodeu amassou. Por toda a eternidade".

Uma chuva de comprimidos cairá sobre os escombros do palácio residencial. E Bolsonaro começará a deglutição. As pílulas lhe perfurarão o cérebro. Seu inferno será engolir toda a cloroquina que o Exército for capaz de fabricar.

Antes de ser sorvido pelo solo, Bolsonaro gritará por socorro. Dois homens descerão do horizonte cavalgando um par de emas. Por um segundo, o presidente se imaginará salvo. Mas logo notará que um sujeito se parece com Rodrigo Maia. O outro tem a calva do Alexandre de Moraes. O gordinho sorri de modo estranho e balbucia: "Deixa que eu chuto". Uma das emas assume a dianteira: "Só depois que eu bicar."

Mourão se apossará do trono. Informado de que um general assumiu o controle do governo civil mais militar da história, o brasileiro se convencerá de que está mesmo diante do fim dos tempos.

De repente, tudo começará a desandar. Paola Oliveira envelhecerá instantaneamente. Silvio Santos acordará com a voz do Lombardi. Paulo Guedes se converterá ao socialismo. William Bonner apresentará o Jornal Nacional de sunga...

Uma onda de suicídios em massa se seguirá ao pronunciamento em que Mourão anunciará em rede nacional suas primeiras quatro decisões:

1) Transformar o Brasil numa monarquia.

2) Conceder ao Zero Um, ao Zero Dois e ao Zero três o título de príncipes honorários.

3) Reconduzir o Weintraub ao posto de ministro da Educação.

4) Entregar a alma ao centrão.

Se tudo correr conforme o planejado, o Brasil amanhecerá deserto numa determinada segunda-feira. O país terá morrido na véspera. Sobrarão apenas duas pessoas: uma jovem militante petista e um blogueiro bolsonarista de meia-idade.

Ela se esconderá no sítio de um amigo, em Atibaia. Ele, na casa de um advogado, também em Atibaia. Ambos serão salvos para poupar trabalho à Divisão do Juízo Final. Avalia-se na sala 2020 que não haverá risco de o Brasil renascer do cruzamento de uma petista com um bolsonarista. Dá-se de barato que os dois brigarão até a morte no instante em que se encontrarem.

Tentarei abortar o Apocalipse, desapertando o botão no painel de descontrole. Se eu não voltar em 15 dias, é porque não consegui evitar que o fim do mundo começasse pelo Brasil.