domingo, 10 de abril de 2016
Se ficar, o bicho pega
As nuances entre malefícios e benefícios da vitória ou da derrota é o que se discute hoje atrás do palco onde atuam defensores e detratores dos ocupantes do Palácio do Planalto e adjacências.
O partido de qualquer jeito está perdido no labirinto das próprias incongruências. Na perda de apoio popular, de prefeitos e parlamentares e também na escalada de radicalização em que entrou na esperança de salvar as aparências diante da militância. Levará uma surra histórica na eleição municipal de outubro, ficando ou saindo do comando formal do poder central.
O governo igualmente perdeu-se na ausência de ações capazes nem se diga de ultrapassar, mas de conter o aprofundamento das crises política e econômica, no abandono de qualquer pudor no uso do aparelho do Estado, na perda de apoio popular e político/parlamentar, no esgotamento do crédito de confiança de maior parte dos setores organizados da sociedade, no isolamento de uma presidente cada vez mais agressiva para com os críticos, impossibilitada de circular livremente pelo País que governa e sitiada a ponto de não ir à Grécia para acender a tocha olímpica, a fim de não ceder lugar ao vice Michel Temer como já havia feito recentemente ao cancelar uma viagem aos Estados Unidos.
Nesse cenário que se delineia dantesco, governistas (petistas, inclusive) e oposicionistas têm-se perguntado se a melhor solução não seria uma inversão de expectativas: a oposição apostar na permanência do PT no poder arrastando-se aos farrapos até 2018, e a situação procurar tirar vantagem da aprovação do impeachment, na esperança de ainda conseguir sair como vítima, levando a bandeira do “golpe” País afora, submergindo agora para tentar emergir mais à frente. Seria um caso em que a derrota de hoje seria a melhor solução na perspectiva do dia de amanhã. Há exemplo recente da perda vantajosa.
Quando a trajetória do governo Dilma Rousseff ladeira a baixo ganhou velocidade em seguida à reeleição, correu pela espinha da oposição um arrepio de alívio pela derrota em 2014.
Com base no seguinte raciocínio: se tivesse sido eleito presidente, o senador tucano Aécio Neves teria necessariamente de apresentar bons resultados em curto prazo. Enfrentaria terreno hostil por parte de um PT ainda detentor de razoável força política e seria fortemente cobrado pela sociedade, cuja lua de mel com ele teria breve duração ante a complexidade dos problemas a serem resolvidos.
Isso considerando que há um ano e meio a situação era menos adversa. A Operação Lava Jato não havia produzido tantos e tão consistentes fatos comprometedores para o governo, Luiz Inácio da Silva não havia sofrido pedido de prisão preventiva nem sido conduzido a depor de modo coercitivo, o procurador-geral da República não havia dado sinais claros de que estaria prestes a pedir investigação da presidente por suspeita de obstrução da Justiça e a sociedade brasileira não havia se manifestado com a contundência do dia 13 de março último.
Com a deterioração do quadro, o PT sentou praça no beco sem saída. De lá para cá, se debate numa defesa de argumentos inconsistentes, de atos e palavras cuja virulência não indica capacidade de executar a “repactuação” proposta pelo ministro Jaques Wagner. Entre outros motivos porque o ministro não explicitou os termos do pacto nem apresentou garantias de que, uma vez vitorioso, pela primeira vez o governo aceitaria a convivência pacífica com o contraditório.
Olho gordo
Tema único na agenda, na cabeça e no discurso da presidente Dilma Rousseff, o impeachment tem acentuado o distúrbio bipolar que desde sempre acomete o seu governo. Nesta última semana, os altos e baixos que até pouco tempo a psiquiatria classificava como maníaco-depressivos oscilaram com velocidade estonteante. Como espasmos, Dilma, Lula e os seus cantaram vitórias e amargaram derrotas sucessivas. E não conseguiram debelar os surtos.
A insistência de Dilma em escapar da realidade, conferindo ao seu governo e a si méritos imaginários, parece se encaixar no descritivo de psicopatias graves.
Na sexta-feira, ao entregar moradias do Minha Casa, Minha Vida, Dilma garantiu que fazia um enorme esforço para continuar os programas sociais na crise, eximindo-se da responsabilidade de ter degringolado a economia. Mais um pouco, diria que a culpa era de FHC.
Depois de repisar a tese de que impedimento constitucional é golpe, acrescida agora do adendo de que ela não cometeu crime de responsabilidade, Dilma reeditou a lengalenga de que seus opositores apostam no quanto pior melhor. Mas foi além: acusou-os de botar olho gordo.
Olho gordo significa mau-olhado ou inveja. Na primeira acepção é pouco provável que opositores estejam fazendo reza brava para afastar a presidente. Até porque têm apostas mais consistentes – processos de impeachment em curso no Parlamento e de cassação no TSE. A outra hipótese só seria aplicável pela cobiça direta ao cargo, algo que só poderia ser atribuído ao vice Michel Temer.
No mais, difícil imaginar que alguém tenha inveja da posição de Dilma, execrada por mais de 70% dos brasileiros. Muito menos inveja de seu governo, um dos piores de que se tem notícia.
Impedida ou não pelo Parlamento ou pelo TSE, Dilma deixará um estrago de dificílima recuperação nas próximas décadas.
Conseguiu, com êxito, fazer o país retroceder 25 anos, incluindo aí a área social que, em discurso, é tão cara ao petismo. Uma derrocada que começou no segundo mandato de seu patrono Lula, e que de lá pra cá só se aprofundou.
Tudo o que se fez em nome dos pobres quando visto a olho nu, revela o inverso.
Mais de 50% dos R$ 40 bilhões das pedaladas apontadas no processo de impeachment, que o governo diz ter operado para garantir programas sociais como o Bolsa Família, foram para subsidiar investimento privado de amigos - boa parte deles grandes empresários -, por meio do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), do BNDES. Ao todo, o Bolsa Família custa R$ 27 bilhões ao ano, menos de um terço do déficit já assumido pelo governo para 2016, e que deve chegar a muito mais.
Mais grave: em programas que realmente garantem desenvolvimento e qualidade de vida, andou-se rapidamente para trás.
No saneamento básico, conforme revelou reportagem de Giovana Teles (Jornal da Globo) em parceria com o Contas Abertas, a irresponsabilidade governamental é criminosa. Dos R$ 62 bilhões previstos nos PAC 1 e 2 para água e esgoto, apenas 7% foram executados. Desde 2007. Não à toa, 35 milhões de brasileiros não têm água tratada, a coleta de esgoto chega só a 48% e tratamento é quase luxo. Depois, ficam estarrecidos com surtos de dengue, zika e chikungunya.
O quadro de desgoverno total se repete na Educação, em que os alunos brasileiros perdem para o terceiro-mundo, e na Saúde, área em que o país amarga a 50ª colocação na pesquisa da Organização Mundial da Saúde/2014. Um pornográfico penúltimo lugar, atrás da Argélia, Irã e Azerbaijão.
Paralelamente, o país gasta mais de R$ 400 bilhões com a máquina pública federal, R$ 214 bilhões em salários. Custeia nada menos do que 113 mil cargos de confiança, 30% deles de livre provimento. Ao mesmo tempo, amarga o segundo ano consecutivo de crescimento negativo e recessão, com mais de 10 milhões de desempregados.
Dilma vive hoje a alucinação de que é vítima de um complô conspiratório. Deve ser perturbador. A mesma Dilma encantada com os olhos que pareciam de lince de seu marqueteiro e que na campanha à reeleição mentia sem pudor ao prometer um governo de encher os olhos, agora reclama de olho gordo.
Mas no caso dela nem as imbatíveis sete ervas -- espada de São Jorge, comigo-ninguém-pode, guiné, arruda, pimenteira, alecrim e manjericão – salvam.
A insistência de Dilma em escapar da realidade, conferindo ao seu governo e a si méritos imaginários, parece se encaixar no descritivo de psicopatias graves.
Na sexta-feira, ao entregar moradias do Minha Casa, Minha Vida, Dilma garantiu que fazia um enorme esforço para continuar os programas sociais na crise, eximindo-se da responsabilidade de ter degringolado a economia. Mais um pouco, diria que a culpa era de FHC.
Depois de repisar a tese de que impedimento constitucional é golpe, acrescida agora do adendo de que ela não cometeu crime de responsabilidade, Dilma reeditou a lengalenga de que seus opositores apostam no quanto pior melhor. Mas foi além: acusou-os de botar olho gordo.
Olho gordo significa mau-olhado ou inveja. Na primeira acepção é pouco provável que opositores estejam fazendo reza brava para afastar a presidente. Até porque têm apostas mais consistentes – processos de impeachment em curso no Parlamento e de cassação no TSE. A outra hipótese só seria aplicável pela cobiça direta ao cargo, algo que só poderia ser atribuído ao vice Michel Temer.
No mais, difícil imaginar que alguém tenha inveja da posição de Dilma, execrada por mais de 70% dos brasileiros. Muito menos inveja de seu governo, um dos piores de que se tem notícia.
Impedida ou não pelo Parlamento ou pelo TSE, Dilma deixará um estrago de dificílima recuperação nas próximas décadas.
Conseguiu, com êxito, fazer o país retroceder 25 anos, incluindo aí a área social que, em discurso, é tão cara ao petismo. Uma derrocada que começou no segundo mandato de seu patrono Lula, e que de lá pra cá só se aprofundou.
Tudo o que se fez em nome dos pobres quando visto a olho nu, revela o inverso.
Mais de 50% dos R$ 40 bilhões das pedaladas apontadas no processo de impeachment, que o governo diz ter operado para garantir programas sociais como o Bolsa Família, foram para subsidiar investimento privado de amigos - boa parte deles grandes empresários -, por meio do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), do BNDES. Ao todo, o Bolsa Família custa R$ 27 bilhões ao ano, menos de um terço do déficit já assumido pelo governo para 2016, e que deve chegar a muito mais.
Mais grave: em programas que realmente garantem desenvolvimento e qualidade de vida, andou-se rapidamente para trás.
No saneamento básico, conforme revelou reportagem de Giovana Teles (Jornal da Globo) em parceria com o Contas Abertas, a irresponsabilidade governamental é criminosa. Dos R$ 62 bilhões previstos nos PAC 1 e 2 para água e esgoto, apenas 7% foram executados. Desde 2007. Não à toa, 35 milhões de brasileiros não têm água tratada, a coleta de esgoto chega só a 48% e tratamento é quase luxo. Depois, ficam estarrecidos com surtos de dengue, zika e chikungunya.
O quadro de desgoverno total se repete na Educação, em que os alunos brasileiros perdem para o terceiro-mundo, e na Saúde, área em que o país amarga a 50ª colocação na pesquisa da Organização Mundial da Saúde/2014. Um pornográfico penúltimo lugar, atrás da Argélia, Irã e Azerbaijão.
Paralelamente, o país gasta mais de R$ 400 bilhões com a máquina pública federal, R$ 214 bilhões em salários. Custeia nada menos do que 113 mil cargos de confiança, 30% deles de livre provimento. Ao mesmo tempo, amarga o segundo ano consecutivo de crescimento negativo e recessão, com mais de 10 milhões de desempregados.
Dilma vive hoje a alucinação de que é vítima de um complô conspiratório. Deve ser perturbador. A mesma Dilma encantada com os olhos que pareciam de lince de seu marqueteiro e que na campanha à reeleição mentia sem pudor ao prometer um governo de encher os olhos, agora reclama de olho gordo.
Mas no caso dela nem as imbatíveis sete ervas -- espada de São Jorge, comigo-ninguém-pode, guiné, arruda, pimenteira, alecrim e manjericão – salvam.
PT: o fim de um ciclo
Ante a avalanche que se forma na direção do impeachment, cuja aceitação chega a 73%, segundo o Datafolha, a presidente Dilma e seu tutor, o ex-presidente Lula, comandam um processo de aliciamento parlamentar junto ao chamado baixo clero, que lembra os primórdios do mensalão. No final de 2002, o PT, por intermédio do então deputado José Dirceu, atraía o PMDB para a base do governo. Tudo estava acertado para o governo Lula ter sólida base de apoio. Dias após a anunciada a parceria, o presidente Luiz Inácio ordenava a Dirceu, nomeado Chefe da Casa Civil, a desfazê-la, por suposta crença na hipótese de que sairia mais barato ao governo cooptar para a banda governista deputados de siglas pequenas e médias. O mensalão apareceu mais adiante no cenário, revelado pelo então presidente do PTB, Roberto Jefferson.
A ideia de cooptar parlamentares por vias tortas costuma não ser eficaz. Por ocasião do impeachment de Collor, a manobra deu com os burros n’água. Credita-se o insucesso desse meio à frágil disposição de parlamentares sem convicção política (integrantes do baixo clero) de passar muito tempo sob o mesmo teto ou, ainda, à ambição de querer fatias sucessivas do bolo do poder, deixando o governo refém de barganhas. Na planilha dos “mutantes”, contabiliza-se, ainda, o pendor para alterar sua disposição quando o clamor das ruas for tão intenso a ponto de deixá-los surdos para os “motivos” (obras na base, cargos na administração) que os empurram para a proximidade do Palácio do Planalto. A insegurança grassa na área de representantes que dão um passo para lá e dois para cá ao som da música do momento.
Sob essa moldura, é arriscado garantir sucesso da presidente Dilma em seu esforço para se manter no comando do país, mesmo com a ajuda do tutor, Luiz Inácio, tornado articulador do projeto de sustentação do governo. Ao trazer Lula para o centro da articulação política, a mandatária Rousseff espera que ele consiga atravessar o Rubicão, na fronteira entre a salvação e a condenação pelo impeachment, conferindo-lhe a condição de se tornar o salvador do projeto de poder do PT, o guardião-mor do governo e, se sair bem na missão, postular a candidatura presidencial pelo PT, em 2018, sob o grito da militância (“não teve golpe”) e o refrão de Julio César: Alea iacta est ( a sorte está lançada). Mais do que sorte, Lula precisa vestir o manto de guerreiro, retomar Roma (a maioria no Congresso Nacional) e declarar guerra aos exércitos opositores que avançam na estrada de 2018.
Ocorre que esse traçado em linha reta do PT, de Lula e Dilma está sujeito a muitas curvas. A primeira delas é a leitura equivocada que o Partido dos Trabalhadores fez de seu projeto de poder. Imaginou que a ascensão de um ex-metalúrgico ao posto maior da Nação seria a chave para abrir um ciclo interminável de mando, eis que disporia de meios, recursos e instrumentos para tanto. Abandonou a identidade, errou na percepção, desviou-se na operação e acabou se afundando no mensalão e, agora, no petrolão. Em sua origem, o PT ganhou as tintas da ética e da mudança, a par da defesa das margens desvalidas. Simbolizava a redenção nacional, apoiado por intelectuais, igreja e com forte lastro na base de trabalhadores. Ao chegar ao centro do poder, entrou em perigosas curvas, passando a operar com as ferramentas da velha política- a cooptação fisiológica, as trocas no balcão de negócios. Amarrou-se ao passado, tornou-se assemelhado a outras siglas e implantou intensa partidarização da máquina administrativa.
Deixando de ser o intérprete de mudanças, acalentou por anos a fio o discurso separatista – nós, o bem, e eles, o mal. Lula jamais abandonou o refrão, que perdeu força na boca do palanqueiro que passou a ter hábitos elitistas por ele tão condenados. Conseguiu, graças à política de redistribuição de renda, elevar o padrão de vida de milhões de brasileiros. Reconhecido por isso, expandiu o projeto de poder do PT, elegendo a pupila Dilma, de perfil asséptico, bom nível gerencial. O resto é sabido. A presidente desfez a imagem de excelência técnica. Seu segundo mandato é um desastre. Um turbilhão de escândalos bate nos costados do governo, enquanto as crises política, econômica e moral apontam para o afastamento do lulopetismo do centro do poder. Afinal de contas, depois de três mandatos e meio consecutivos, chega-se à profecia de Delfim Netto, feita há duas décadas: “para se livrar do PT, o país deve experimentá-lo”. Hoje, o mago arremata com um sorriso: “só errei de timing; imaginei um tempo bem mais curto”. Pode até ser que o PT consiga chegar em 2108. Mas o seu ciclo estará fechado.
Para Luiz Inácio, a melhor coisa que poderia ocorrer seria o afastamento de Dilma da presidência. Seria o caminho mais rápido para voltar ao palanque da oposição, onde se sente mais confortável. A saída da pupila cairia bem nos tonéis da catarse social. Ampla maioria da população quer vê-la longe do Palácio do Planalto. Mas uma parcela ainda a festeja, sob o bordão “não vai ter golpe”, que o historiador argentino Carlos Malamud chama de “retórica bolivariana”. O ódio se espraia pelos ânimos de grupos organizados e militantes. A política ingressa nos corredores da judicialização. O STF, por meio de liminares de um ou outro ministro, em vez de contribuir para moderar o clima, acirra a contrariedade de uns e outros. As perguntas afloram: afinal de contas, o presidente da Câmara tem ou não a prerrogativa de aceitar ou arquivar processos de impeachment? Se for mero examinador de tecnicalidades, Eduardo Cunha teria de acolher os 40 pedidos que chegaram à Casa, conforme a posição( polêmica) do ministro Marco Aurélio Mello?
O país é uma grande fogueira. A ideia de eleições gerais surge no meio da fumaça, situação que exigiria a renúncia da presidente e do vice, ou ainda, a decisão do TSE, este ano, de cassar a chapa. Mudar a CF para atender ao casuísmo seria um desastre. O mesmo pode se dizer em relação à mudança de sistema de governo com a instalação de um semi-parlamentarismo. Sem rumos e perspectivas, o país parece caminhar em direção ao precipício.
A ideia de cooptar parlamentares por vias tortas costuma não ser eficaz. Por ocasião do impeachment de Collor, a manobra deu com os burros n’água. Credita-se o insucesso desse meio à frágil disposição de parlamentares sem convicção política (integrantes do baixo clero) de passar muito tempo sob o mesmo teto ou, ainda, à ambição de querer fatias sucessivas do bolo do poder, deixando o governo refém de barganhas. Na planilha dos “mutantes”, contabiliza-se, ainda, o pendor para alterar sua disposição quando o clamor das ruas for tão intenso a ponto de deixá-los surdos para os “motivos” (obras na base, cargos na administração) que os empurram para a proximidade do Palácio do Planalto. A insegurança grassa na área de representantes que dão um passo para lá e dois para cá ao som da música do momento.
Sob essa moldura, é arriscado garantir sucesso da presidente Dilma em seu esforço para se manter no comando do país, mesmo com a ajuda do tutor, Luiz Inácio, tornado articulador do projeto de sustentação do governo. Ao trazer Lula para o centro da articulação política, a mandatária Rousseff espera que ele consiga atravessar o Rubicão, na fronteira entre a salvação e a condenação pelo impeachment, conferindo-lhe a condição de se tornar o salvador do projeto de poder do PT, o guardião-mor do governo e, se sair bem na missão, postular a candidatura presidencial pelo PT, em 2018, sob o grito da militância (“não teve golpe”) e o refrão de Julio César: Alea iacta est ( a sorte está lançada). Mais do que sorte, Lula precisa vestir o manto de guerreiro, retomar Roma (a maioria no Congresso Nacional) e declarar guerra aos exércitos opositores que avançam na estrada de 2018.
Ocorre que esse traçado em linha reta do PT, de Lula e Dilma está sujeito a muitas curvas. A primeira delas é a leitura equivocada que o Partido dos Trabalhadores fez de seu projeto de poder. Imaginou que a ascensão de um ex-metalúrgico ao posto maior da Nação seria a chave para abrir um ciclo interminável de mando, eis que disporia de meios, recursos e instrumentos para tanto. Abandonou a identidade, errou na percepção, desviou-se na operação e acabou se afundando no mensalão e, agora, no petrolão. Em sua origem, o PT ganhou as tintas da ética e da mudança, a par da defesa das margens desvalidas. Simbolizava a redenção nacional, apoiado por intelectuais, igreja e com forte lastro na base de trabalhadores. Ao chegar ao centro do poder, entrou em perigosas curvas, passando a operar com as ferramentas da velha política- a cooptação fisiológica, as trocas no balcão de negócios. Amarrou-se ao passado, tornou-se assemelhado a outras siglas e implantou intensa partidarização da máquina administrativa.
Deixando de ser o intérprete de mudanças, acalentou por anos a fio o discurso separatista – nós, o bem, e eles, o mal. Lula jamais abandonou o refrão, que perdeu força na boca do palanqueiro que passou a ter hábitos elitistas por ele tão condenados. Conseguiu, graças à política de redistribuição de renda, elevar o padrão de vida de milhões de brasileiros. Reconhecido por isso, expandiu o projeto de poder do PT, elegendo a pupila Dilma, de perfil asséptico, bom nível gerencial. O resto é sabido. A presidente desfez a imagem de excelência técnica. Seu segundo mandato é um desastre. Um turbilhão de escândalos bate nos costados do governo, enquanto as crises política, econômica e moral apontam para o afastamento do lulopetismo do centro do poder. Afinal de contas, depois de três mandatos e meio consecutivos, chega-se à profecia de Delfim Netto, feita há duas décadas: “para se livrar do PT, o país deve experimentá-lo”. Hoje, o mago arremata com um sorriso: “só errei de timing; imaginei um tempo bem mais curto”. Pode até ser que o PT consiga chegar em 2108. Mas o seu ciclo estará fechado.
Para Luiz Inácio, a melhor coisa que poderia ocorrer seria o afastamento de Dilma da presidência. Seria o caminho mais rápido para voltar ao palanque da oposição, onde se sente mais confortável. A saída da pupila cairia bem nos tonéis da catarse social. Ampla maioria da população quer vê-la longe do Palácio do Planalto. Mas uma parcela ainda a festeja, sob o bordão “não vai ter golpe”, que o historiador argentino Carlos Malamud chama de “retórica bolivariana”. O ódio se espraia pelos ânimos de grupos organizados e militantes. A política ingressa nos corredores da judicialização. O STF, por meio de liminares de um ou outro ministro, em vez de contribuir para moderar o clima, acirra a contrariedade de uns e outros. As perguntas afloram: afinal de contas, o presidente da Câmara tem ou não a prerrogativa de aceitar ou arquivar processos de impeachment? Se for mero examinador de tecnicalidades, Eduardo Cunha teria de acolher os 40 pedidos que chegaram à Casa, conforme a posição( polêmica) do ministro Marco Aurélio Mello?
O país é uma grande fogueira. A ideia de eleições gerais surge no meio da fumaça, situação que exigiria a renúncia da presidente e do vice, ou ainda, a decisão do TSE, este ano, de cassar a chapa. Mudar a CF para atender ao casuísmo seria um desastre. O mesmo pode se dizer em relação à mudança de sistema de governo com a instalação de um semi-parlamentarismo. Sem rumos e perspectivas, o país parece caminhar em direção ao precipício.
Solução é fazer nova eleição ou trocar de povo
Para pacificar sua gente e tentar contornar a crise, o Brasil precisa convocar novas eleições presidenciais. Esse é o desejo de 79% dos brasileiros, informa o Datafolha. Só há duas formas de satisfazer esse anseio coletivo sem brigar com a Constituição: ou Dilma e Temer pedem para sair ou o TSE enxerga tudo o que está na cara e manda a dupla para casa antes do fim do ano, disparando o gatilho constitucional da nova eleição.
Fora disso, só trocando de povo. Esse povo que está aí é muito exigente. Quer o impeachment de Dilma (61%). Mas também quer o impedimento de Temer (58%). A maioria (60%) se daria por satisfeita com a dupla renúncia. Cético, o povo parece brincar com a hipocrisia dos políticos como quem brinca de roleta russa, na certeza de que a sinceridade que eles manipulam está completamente descarregada.
Dilma fala da crise econômica como se lidasse com uma virose de causa desconhecida. Para evitar que os rivais obtenham na Câmara 342 votos pró-impeachment, ela virou uma grande compositora. Compõe com qualquer um. Como boneca do ventríloquo Lula, propõe diálogo a quem precisa de interrogatório —Ciros e Jáderes, Renans e Valdemares, Sarneys e outros azares. Triste ocaso.
Temer faz pose de futuro a bordo do PMDB, um transatlântico perfeitamente integrado ao Brasil do faturo. Distribui acenos no convés. E delega a operação da casa de máquinas a Romero Jucá e Eduardo Cunha. Articulam-se com os mesmos azares que tricotam com o governo. A Lava Jato informa que todos têm telhado de vidro, paletó de vidro, gravata de vidro, camisa de vidro, calça de vidro… Tudo é de vidro, exceto a cara, que é de pau.
A alternativa revela-se tão temerária (sem trocadilho), que consegue atenuar os temores em relação a Dilma. Há 23 dias, apoiavam o impeachment da presidente 68% dos brasileiros. O índice caiu sete pontos. Reprovavam o governo de madame 69% dos entrevistados pelo Datafolha. Hoje, a taxa de reprovação é de 63%. Uma queda de seis pontos.
Entre uma pesquisa e outra, o Brasil não mudou de rota. Continua a caminho do brejo. A única coisa que se ajustou foi o discurso de Dilma, Lula e Cia.. Grudaram em Temer a pecha de oportunista e a má fama de Eduardo Cunha. Trombetearam o fato de que, sob Temer, Eduardo Cunha passaria a ser o número 2 da República.
O povo, que já conhece bem o seu país, sabe como isso vai acabar. O Brasil deixou de ser imprevisível. Tornou-se um país tristemente previsível. Daí as três alternativas: ‘Fora, Dilma e Temer’, ‘TSE neles’ ou ‘Fora, povo’.
Lula, o deus da picaretagem
Em pregação a seus fiéis contra o impeachment, na sexta-feira, Lula pontificou nova máxima da bíblica esquerda petista: "Eles são desinformados". Naquele jeitão de apaziguador do fogaréu, voltou a atacar com o "desinformado'" como metáfora para os que não sabem de nada. Tanto que ratificou ao proclamar que os petistas é que sabem fazer política, que sabem governar, que sabem tudo.
Ao trocar o discurso fingidamente de conciliação, mas embutido estava o grito de morte aos "coxinhas", Lula levou o debate para a desinformação no mundo mais do que informado e informatizado. É que ainda não se deu conta do desgaste do tempo em sua imagem e palavrório.
Quem não dança nos louvores do PT logicamente não pode dizer aleluia para o que Lula fala. Ainda quando a informação é generalizada com a televisão, o rádio e principalmente a internet. Só há desinformado por opção e é minoria.
A velharia e velhacaria do discurso foi mais uma tentativa de glorificar os feitos petistas que não formam decálogo como as falcatruas dessa esquerda de barro.
Lula pontificou que só o PT e a esquerda sabem fazer política. Também sabem governar, sabem administrar o Erário, sabem acabar com as diferenças. Menosprezou os valores dos que não pensam como eles. Daqueles que não sabem roubar país, estados e municípios, não sabem dar pedaladas, não sabem fazer o toma lá dá cá com dinheiro público, não sabem ser presenteados com benesses das grandes empresas, não sabem abrir conta na Mossack Fonseca, não sabem enfim ser picaretas para com o próximo.
É estarrecedor como um mequetrefe de republiqueta consegue aglomerar tanta ovelha para ouvir blá-blá-blá mais do que sovado e mofado. Eis a prova que a tal Pátria Educadora, da qual deviam dar exemplo, é de fachada, porque nem seus líderes sabem o que é educar um povo. Discursos como os de Lula, que sempre ensinam a mais descarada demagogia pelega, são atentados à educação política e claras conclamações a uma divisão entre os que sabem tudo, institucionalizando crimes contra o país, e a honestidade generalizada dos que querem acabar com a roubalheira.
Foi um pregão bem ao estilo Lula de enganar quem não sabe de nada e acredita saber de tudo. Por isso aplaudiram com a certeza de quem pontifica sobre o país como num púlpito.
Ao trocar o discurso fingidamente de conciliação, mas embutido estava o grito de morte aos "coxinhas", Lula levou o debate para a desinformação no mundo mais do que informado e informatizado. É que ainda não se deu conta do desgaste do tempo em sua imagem e palavrório.
Quem não dança nos louvores do PT logicamente não pode dizer aleluia para o que Lula fala. Ainda quando a informação é generalizada com a televisão, o rádio e principalmente a internet. Só há desinformado por opção e é minoria.
A velharia e velhacaria do discurso foi mais uma tentativa de glorificar os feitos petistas que não formam decálogo como as falcatruas dessa esquerda de barro.
Lula pontificou que só o PT e a esquerda sabem fazer política. Também sabem governar, sabem administrar o Erário, sabem acabar com as diferenças. Menosprezou os valores dos que não pensam como eles. Daqueles que não sabem roubar país, estados e municípios, não sabem dar pedaladas, não sabem fazer o toma lá dá cá com dinheiro público, não sabem ser presenteados com benesses das grandes empresas, não sabem abrir conta na Mossack Fonseca, não sabem enfim ser picaretas para com o próximo.
É estarrecedor como um mequetrefe de republiqueta consegue aglomerar tanta ovelha para ouvir blá-blá-blá mais do que sovado e mofado. Eis a prova que a tal Pátria Educadora, da qual deviam dar exemplo, é de fachada, porque nem seus líderes sabem o que é educar um povo. Discursos como os de Lula, que sempre ensinam a mais descarada demagogia pelega, são atentados à educação política e claras conclamações a uma divisão entre os que sabem tudo, institucionalizando crimes contra o país, e a honestidade generalizada dos que querem acabar com a roubalheira.
Dilma descobre o culpado pela crise que devasta o Brasil: é o vizinho de olho gordo
Para provar que o governo fez tudo certo, e portanto nada tem a ver com a maior crise econômica do Brasil republicano, Dilma Rousseff precisa encontrar o culpado pelo naufrágio. Entre o dia da posse e a semana passada, Dilma incluiu na lista de acusados a mudança de rumo da China, FHC, a redução da receita proporcionada pela exportação de commodities, a seca do Nordeste, a queda do preço do barril de petróleo, o Tribunal de Contas da União, a oposição que teima em disputar o terceiro turno e a Operação Lava Jato.
Esses suspeitos já podem dormir sem sobressaltos. Nesta sexta-feira, Dilma enfim identificou o responsável pelos estragos monumentais: é o vizinho de olho gordo. A descoberta foi anunciado na zona oeste do Rio, no comício de inauguração de dois condomínios do Minha Casa, Minha Vida. Um se chama Mikonos. O outro, Santorini. Fora o nome, ambos têm tanto a ver com ilhas gregas quanto o neurônio solitário com o mundo real. Confira a transcrição do palavrório em dilmês castiço:
“É importante… qui as pessoas… algumas pessoas têm de pará de torcê pro quanto pior, melhor. Que qui é torcê pro quanto pior, melhor? É aquele vizinho da gente que sempre bota olho gordo e qué qui as coisas não dêem certo. (Aplausos). Vocês conhecem gente assim. (Salva de palmas) . São pessoas qui querem… qui querem… querem pescar em águas turvas. Que qui é pescar em águas turvas? Se piorá, as pessoas acham que pode facilitá a vida delas, e chegá ao poder não através do voto, mas através de um golpe”.
Quer dizer: o desemprego em expansão, a inflação, a recessão que já dura três anos, o desmonte da Petrobras, a irresponsabilidade fiscal, as pedaladas criminosas, o virus zika, o triunfo da mosquita, a debandada da base governista, as maiores manifestações de protesto da história do Brasil, a tragédia de Mariana, o recorde mundial de corrupção estabelecido pelo Petrolão, a assombrosa taxa de impopularidade, as bandalheiras imobiliárias de Lula, a compra de parlamentares, o impeachment iminente, aquele 7 a 1 contra a Alemanha, fora o resto — nada disso teria acontecido se não existisse gente que torce pelo fracasso de quem reside na casa ao lado.
A tese do olho gordo talvez merecesse dois segundos de reflexão se Dilma não morasse no Palácio da Alvorada. Faz mais de cinco anos que não tem vizinho. sem alguém que torça contra por perto, chefia o pior governo de todos os tempos.
Impacto profundo
É uma agonia acompanhar a dificuldade que a esquerda, o PT e ainda muitos no Brasil têm em entender as consequências de gastar além das possibilidades. Em seu terceiro ano consecutivo de deficit e ameaçado de cair justamente pelas “pedaladas fiscais”, o governo Dilma segue forçando a barra para aumentar o já insuportável desequilíbrio nas contas públicas.
Quer isso: 1) via redução dos pagamentos de dívidas de Estados e municípios, ao custo de R$ 10 bilhões ao ano; 2) pelo abatimento em sua meta fiscal de quase R$ 100 bilhões para compensar quedas na receita e bancar investimentos; e 3) ao cobiçar que o Banco Central volte a emitir títulos, o que foi vetado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (em 2000).
Esta última medida substituiria o uso de títulos do Tesouro por papéis do próprio BC como lastro nas operações de política monetária.
Complicado? Um bom pedaço da dívida bruta contabilizada no Tesouro sumiria sem ter sido paga.
A trajetória da dívida pública é nosso grande problema de fundo. Ela indica se corremos o risco de quebrar, com consequências não excludentes: calote em quem tem dinheiro no banco, superinflação e uma crise que traria saudades de 2015.
Entre 2013 e 2014, a dívida bruta aumentou 2,2 pontos, chegando a 59% como proporção do PIB. Mas, no ritmo atual, terá dado um salto de 16 pontos no primeiro biênio de Dilma 2. Para o final de 2018, já há quem a projete em quase 85% do PIB.
O interessante (e educativo) é que a explosão de gastos e as “pedaladas” de Dilma para expandir programas sociais e estimular a economia tiveram o efeito inverso.
É justamente o excesso do remédio que está matando o doente, fazendo do período atual o primeiro em um quarto de século em que desigualdade e renda pioram juntas no Brasil.
É como se mercado e os mais bem informados se encolhessem instintivamente pressentindo que, sem controle nos gastos, o pior está por vir.
Quer isso: 1) via redução dos pagamentos de dívidas de Estados e municípios, ao custo de R$ 10 bilhões ao ano; 2) pelo abatimento em sua meta fiscal de quase R$ 100 bilhões para compensar quedas na receita e bancar investimentos; e 3) ao cobiçar que o Banco Central volte a emitir títulos, o que foi vetado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (em 2000).
Complicado? Um bom pedaço da dívida bruta contabilizada no Tesouro sumiria sem ter sido paga.
A trajetória da dívida pública é nosso grande problema de fundo. Ela indica se corremos o risco de quebrar, com consequências não excludentes: calote em quem tem dinheiro no banco, superinflação e uma crise que traria saudades de 2015.
Entre 2013 e 2014, a dívida bruta aumentou 2,2 pontos, chegando a 59% como proporção do PIB. Mas, no ritmo atual, terá dado um salto de 16 pontos no primeiro biênio de Dilma 2. Para o final de 2018, já há quem a projete em quase 85% do PIB.
O interessante (e educativo) é que a explosão de gastos e as “pedaladas” de Dilma para expandir programas sociais e estimular a economia tiveram o efeito inverso.
É justamente o excesso do remédio que está matando o doente, fazendo do período atual o primeiro em um quarto de século em que desigualdade e renda pioram juntas no Brasil.
É como se mercado e os mais bem informados se encolhessem instintivamente pressentindo que, sem controle nos gastos, o pior está por vir.
Como cuidam do país!
(Ser) deputado é tranquilo: trabalho terça, quarta e quinta metade do tempo. Faço de conta que estou trabalhandoPaulo Maluf
Um momento terrível
Assim como se procura de todas as formas evitar uma cirurgia, ato traumático com corte e costura, também deve-se evitar um processo de impeachment. Chega-se a este na mais traumática e dolorosa das hipóteses. Chegamos a ela.
Atitude drástica, interrompe o normal exercício de governar, de legislar e de julgar as inúmeras situações que precisam de decisões para a democracia funcionar. Nisso os agentes e os atores econômicos perdem o rumo, não conseguem enxergar o futuro com clareza nem suportar as agruras do caos que se estabelece.
À frente se depara com uma espessa camada de incertezas e de riscos.
Para se chegar a tanto, precisou-se evidentemente de imperícia e desatenção da presidente.
Nenhum complô tem o poder de desencadear um processo dessa natureza e gravidade. Apenas um elevado e assustador descontentamento que ultrapassa dois terços do eleitorado abre caminho a um pedido de impeachment. Assim foi com Fernando Collor, que destratou a coisa pública. Collor era, e é, de direita, e a ele a Câmara deu cartão vermelho.
Apenas a rejeição, brotando em cada esquina, motiva um Parlamento a se jogar nesse processo, contrariando a natural tendência de se acertar com o Executivo. O começo de um rito tão drástico dinamita a ponte para a volta à governabilidade.
Com Collor, o Congresso encontrou um pretexto na compra de um veículo Fiat pago com cheque do tesoureiro de campanha. Evidentemente, uma gota que fez transbordar o balde cheio de insatisfação.
Economia em colapso, empresas que se reputavam como as mais sólidas em ruínas. Esse é o quadro. Pequenas ou grandes, as empresas se encontram todas a dar cortes dolorosos, que, em efeito dominó, geram uma depressão descontrolada.
Assistimos atônitos à maior onda de desemprego de todos os tempos e ainda ao arraso da capacidade de recuperação num prazo razoável.
O governo não tem propostas, e as que apresenta são ineficazes, algumas evidentemente absurdas que asfixiam quem já não tem qualquer oxigênio. Elevam-se impostos para arrecadar menos, já que o aumento não cobre a parcela de inibição das atividades.
Assusta. Sabe-se que demolir é rápido, mas construir é um desafio demorado. Cem quilos de dinamite colocam abaixo em cinco segundos uma superestrutura que demorou anos de esforço e de investimentos, assim como um punhado de medidas erradas pode levar à falência o Estado fragilizado pela corrupção sistêmica.
Precisa dar um basta a governos que agradam a partidos de assaltantes, todavia o que se vê neste momento é a repetição do erro de fatiar os Estados para evitar o impeachment. Isso acena a manutenção das roubalheiras que geraram o esfarelamento da confiança. Não é a solução para a superação, mas um aprofundamento de erros do passado.
A sabedoria de um estadista está em ver o Estado que tem para governar como um conjunto que ele precisa equilibrar. Não pode governar apenas para agradar de imediato a uma parte, sabendo que isso inviabiliza a sustentabilidade do Estado no futuro.
Precisa saber propor as medidas que, mesmo impopulares, garantam a sobrevida do sistema público. O Brasil não absorveu a necessidade, ainda que tardia, de reformas tributárias, previdenciárias e trabalhistas, adiadas desde a década de 70. Dilma não é culpada de tudo. Recebeu uma herança que requer uma incrível capacidade de governança e de engajamento com muita coragem.
Suas decisões, mais que direcionadas aos jovens que serão os pagadores da falta de atitudes, se restringiram à medíocre valorização de partidos. Faltou coragem para peitá-los, autoridade e exemplo para desconstituir o fisiologismo.
O grau de corrupção, que é um mal inextirpável, depende exatamente da autoridade que a conduta do governante gera. Faltou-lhe essa capacidade mais gravemente do que faltou a FHC e a Lula.
Embora não existam provas de que Dilma tenha se locupletado dos butins que ocorreram no raio de sua responsabilidade, enfrenta a conta das omissões, das promessas descabidas, de escolhas que se abateram como bumerangue na sociedade e nela.
Se no sistema presidencialista brasileiro as notas baixas são insuficientes para destituir, resta o impeachment como saída constitucional à disposição do Congresso. A “responsabilidade” é uma obrigação ampla de qualquer cidadão. O médico que não aplica o remédio certo ou aplica o errado incorre no crime de responsabilidade. Ele tem o dever de saber o que um remédio ou uma cura provocam.
O que faltou a Dilma é a responsabilidade com o conjunto da obra que assumiu junto com a faixa presidencial. Isso a levou ao banco dos réus, como levaria um médico que tomasse uma medida incorreta.
O Brasil está sangrando, enquanto parlamentares e presidente decidem o futuro. O que não é justo é manter o Brasil agonizando.
Dilma pode evitar o impeachment, mas está atrasada. Como conseguirá garantir a governabilidade nos dois anos que lhe restam? Como, sem o apoio do Congresso e da maioria da população?
Assusta ainda pensar que o eventual substituto, Michel Temer, precisará de condições de governabilidade sem a paz imprescindível.
Cabe ao PT e ao PMDB, e até a outros partidos, pensar numa refundação que passe necessariamente por um firme compromisso com a ética. Máculas todos têm, e quebrar paradigmas é fundamental.
Ergue-se neste momento a necessidade de uma Constituinte, sem políticos no meio, mas notáveis, pessoas com mais de 60 anos, que em 180 dias, ou mais depressa, redijam uma Carta Magna e coloquem fim à colcha de retalhos que se tornou o ordenamento nacional. O Brasil precisa dar um salto e deixar de ser uma incongruência generalizada.
Atitude drástica, interrompe o normal exercício de governar, de legislar e de julgar as inúmeras situações que precisam de decisões para a democracia funcionar. Nisso os agentes e os atores econômicos perdem o rumo, não conseguem enxergar o futuro com clareza nem suportar as agruras do caos que se estabelece.
À frente se depara com uma espessa camada de incertezas e de riscos.
Para se chegar a tanto, precisou-se evidentemente de imperícia e desatenção da presidente.
Nenhum complô tem o poder de desencadear um processo dessa natureza e gravidade. Apenas um elevado e assustador descontentamento que ultrapassa dois terços do eleitorado abre caminho a um pedido de impeachment. Assim foi com Fernando Collor, que destratou a coisa pública. Collor era, e é, de direita, e a ele a Câmara deu cartão vermelho.
Apenas a rejeição, brotando em cada esquina, motiva um Parlamento a se jogar nesse processo, contrariando a natural tendência de se acertar com o Executivo. O começo de um rito tão drástico dinamita a ponte para a volta à governabilidade.
Com Collor, o Congresso encontrou um pretexto na compra de um veículo Fiat pago com cheque do tesoureiro de campanha. Evidentemente, uma gota que fez transbordar o balde cheio de insatisfação.
Economia em colapso, empresas que se reputavam como as mais sólidas em ruínas. Esse é o quadro. Pequenas ou grandes, as empresas se encontram todas a dar cortes dolorosos, que, em efeito dominó, geram uma depressão descontrolada.
Assistimos atônitos à maior onda de desemprego de todos os tempos e ainda ao arraso da capacidade de recuperação num prazo razoável.
O governo não tem propostas, e as que apresenta são ineficazes, algumas evidentemente absurdas que asfixiam quem já não tem qualquer oxigênio. Elevam-se impostos para arrecadar menos, já que o aumento não cobre a parcela de inibição das atividades.
Assusta. Sabe-se que demolir é rápido, mas construir é um desafio demorado. Cem quilos de dinamite colocam abaixo em cinco segundos uma superestrutura que demorou anos de esforço e de investimentos, assim como um punhado de medidas erradas pode levar à falência o Estado fragilizado pela corrupção sistêmica.
Precisa dar um basta a governos que agradam a partidos de assaltantes, todavia o que se vê neste momento é a repetição do erro de fatiar os Estados para evitar o impeachment. Isso acena a manutenção das roubalheiras que geraram o esfarelamento da confiança. Não é a solução para a superação, mas um aprofundamento de erros do passado.
A sabedoria de um estadista está em ver o Estado que tem para governar como um conjunto que ele precisa equilibrar. Não pode governar apenas para agradar de imediato a uma parte, sabendo que isso inviabiliza a sustentabilidade do Estado no futuro.
Precisa saber propor as medidas que, mesmo impopulares, garantam a sobrevida do sistema público. O Brasil não absorveu a necessidade, ainda que tardia, de reformas tributárias, previdenciárias e trabalhistas, adiadas desde a década de 70. Dilma não é culpada de tudo. Recebeu uma herança que requer uma incrível capacidade de governança e de engajamento com muita coragem.
O Brasil precisa dar um salto e deixar de ser uma incongruência generalizada
O grau de corrupção, que é um mal inextirpável, depende exatamente da autoridade que a conduta do governante gera. Faltou-lhe essa capacidade mais gravemente do que faltou a FHC e a Lula.
Embora não existam provas de que Dilma tenha se locupletado dos butins que ocorreram no raio de sua responsabilidade, enfrenta a conta das omissões, das promessas descabidas, de escolhas que se abateram como bumerangue na sociedade e nela.
Se no sistema presidencialista brasileiro as notas baixas são insuficientes para destituir, resta o impeachment como saída constitucional à disposição do Congresso. A “responsabilidade” é uma obrigação ampla de qualquer cidadão. O médico que não aplica o remédio certo ou aplica o errado incorre no crime de responsabilidade. Ele tem o dever de saber o que um remédio ou uma cura provocam.
O que faltou a Dilma é a responsabilidade com o conjunto da obra que assumiu junto com a faixa presidencial. Isso a levou ao banco dos réus, como levaria um médico que tomasse uma medida incorreta.
O Brasil está sangrando, enquanto parlamentares e presidente decidem o futuro. O que não é justo é manter o Brasil agonizando.
Dilma pode evitar o impeachment, mas está atrasada. Como conseguirá garantir a governabilidade nos dois anos que lhe restam? Como, sem o apoio do Congresso e da maioria da população?
Assusta ainda pensar que o eventual substituto, Michel Temer, precisará de condições de governabilidade sem a paz imprescindível.
Cabe ao PT e ao PMDB, e até a outros partidos, pensar numa refundação que passe necessariamente por um firme compromisso com a ética. Máculas todos têm, e quebrar paradigmas é fundamental.
Ergue-se neste momento a necessidade de uma Constituinte, sem políticos no meio, mas notáveis, pessoas com mais de 60 anos, que em 180 dias, ou mais depressa, redijam uma Carta Magna e coloquem fim à colcha de retalhos que se tornou o ordenamento nacional. O Brasil precisa dar um salto e deixar de ser uma incongruência generalizada.
Outras tentativas de impeachment, e nenhuma chamada de 'golpe'
Nas guerras, nas grandes contendas ou, até mesmo, nas simples discussões a dois sobre questões menores, há inúmeras vítimas, mas a maior delas (e a que mais incomoda) é sempre a verdade.
Lembro-me dessa lição porque (alguns) “luminares”, tanto do direito como da política, ou da intelectualidade, em meio à grave crise por que passa o país, põem a boca no mundo – por escrito ou verbalmente, nos jornais, nas emissoras de rádio e televisão, mas, sobretudo, nas redes sociais – para esbofetearem ainda mais a verdade.
A presidente Dilma, ao tentar esconder a verdade do que ocorreu no governo do ex-presidente Lula e está ocorrendo no seu próprio governo, do ponto de vista tanto legal ou constitucional como ético, ressuscitou, no “Palácio dos Comícios” (novo nome do Palácio do Planalto), a palavra “nazismo”. Ao usar e estimular, exaustiva e repetidamente, o uso do slogan “Não vai ter golpe”, como técnica de combate contra um processo legítimo e constitucional, a presidente se traiu e simplesmente adotou, inconscientemente ou não, os mesmos métodos de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Adolf Hitler. Ou seja: a mentira, repetida mil vezes, acaba se tornando verdade.
O recurso, previsto na Constituição, e há pouco regulamentado pelo Supremo Tribunal Federal, não é mais novidade. O próprio Lula e, antes dele, Fernando Henrique e José Sarney enfrentaram inúmeras tentativas de pedido de impeachment, e nenhuma delas foi chamada de “golpe”.
Desnecessário lembrar, por outro lado, de que o impeachment do ex-presidente Fernando Collor, no qual o PT teve papel de destaque, nunca foi considerado golpe por quem quer que fosse.
Mesmo assim, em resposta ao utópico editorial “Nem Dilma, nem Temer”, da “Folha de S.Paulo”, a presidente, antes de reafirmar que não renunciará, aproveitou-se da chance, em sua página do Facebook, para dizer o seguinte, referindo-se ao jornal: “Antes apoiador do impeachment, agora pede a (sua) renúncia, evitando, assim, o constrangimento de respaldar uma ação indevida, ilegal e criminosa”.
Depois dessa resposta, ficou mais do que evidente que a presidente confunde o seu destino com o destino do país. É muita pretensão, leitor! Ou, então, se trata de grave e preocupante caso de compulsão e, como toda compulsão, difícil de ser tratada. A que acomete a presidente – a pior delas, a compulsão pelo poder, qualquer que seja sua forma –, acomete, igualmente, as pessoas do ex-presidente Lula, do presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, e do presidente do Senado, Renan Calheiros. Juntos, submetem a grave constrangimento a grande maioria do povo brasileiro. Os quatro, juntinhos, fariam um bem imenso ao Brasil se renunciassem não apenas aos cargos, mas à vida publica. À qual, aliás, não souberam servir com honra e dignidade.
O editorial da “Folha de S.Paulo”, quando propõe a renúncia da presidente e de seu vice e, em seguida, o afastamento, pela Câmara ou pelo STF, “da nefasta figura de Eduardo Cunha”, esquecendo-se, porém, de Renan Calheiros, outra figura nefasta, talvez esteja com a razão, mas como tese. Tem total razão, todavia, quando afirma que “a presidente Dilma perdeu as condições de governar o país”.
Sobra-nos, leitor, o impeachment, para estancar a hemorragia que ameaça afogar o país. Para isso, há que se respeitar a Constituição e a vontade, já expressa, da maior parte do povo brasileiro.
E, enfim, que aceitemos o que ficar decidido.
Lembro-me dessa lição porque (alguns) “luminares”, tanto do direito como da política, ou da intelectualidade, em meio à grave crise por que passa o país, põem a boca no mundo – por escrito ou verbalmente, nos jornais, nas emissoras de rádio e televisão, mas, sobretudo, nas redes sociais – para esbofetearem ainda mais a verdade.
A presidente Dilma, ao tentar esconder a verdade do que ocorreu no governo do ex-presidente Lula e está ocorrendo no seu próprio governo, do ponto de vista tanto legal ou constitucional como ético, ressuscitou, no “Palácio dos Comícios” (novo nome do Palácio do Planalto), a palavra “nazismo”. Ao usar e estimular, exaustiva e repetidamente, o uso do slogan “Não vai ter golpe”, como técnica de combate contra um processo legítimo e constitucional, a presidente se traiu e simplesmente adotou, inconscientemente ou não, os mesmos métodos de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Adolf Hitler. Ou seja: a mentira, repetida mil vezes, acaba se tornando verdade.
O recurso, previsto na Constituição, e há pouco regulamentado pelo Supremo Tribunal Federal, não é mais novidade. O próprio Lula e, antes dele, Fernando Henrique e José Sarney enfrentaram inúmeras tentativas de pedido de impeachment, e nenhuma delas foi chamada de “golpe”.
Desnecessário lembrar, por outro lado, de que o impeachment do ex-presidente Fernando Collor, no qual o PT teve papel de destaque, nunca foi considerado golpe por quem quer que fosse.
Mesmo assim, em resposta ao utópico editorial “Nem Dilma, nem Temer”, da “Folha de S.Paulo”, a presidente, antes de reafirmar que não renunciará, aproveitou-se da chance, em sua página do Facebook, para dizer o seguinte, referindo-se ao jornal: “Antes apoiador do impeachment, agora pede a (sua) renúncia, evitando, assim, o constrangimento de respaldar uma ação indevida, ilegal e criminosa”.
Depois dessa resposta, ficou mais do que evidente que a presidente confunde o seu destino com o destino do país. É muita pretensão, leitor! Ou, então, se trata de grave e preocupante caso de compulsão e, como toda compulsão, difícil de ser tratada. A que acomete a presidente – a pior delas, a compulsão pelo poder, qualquer que seja sua forma –, acomete, igualmente, as pessoas do ex-presidente Lula, do presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, e do presidente do Senado, Renan Calheiros. Juntos, submetem a grave constrangimento a grande maioria do povo brasileiro. Os quatro, juntinhos, fariam um bem imenso ao Brasil se renunciassem não apenas aos cargos, mas à vida publica. À qual, aliás, não souberam servir com honra e dignidade.
O editorial da “Folha de S.Paulo”, quando propõe a renúncia da presidente e de seu vice e, em seguida, o afastamento, pela Câmara ou pelo STF, “da nefasta figura de Eduardo Cunha”, esquecendo-se, porém, de Renan Calheiros, outra figura nefasta, talvez esteja com a razão, mas como tese. Tem total razão, todavia, quando afirma que “a presidente Dilma perdeu as condições de governar o país”.
Sobra-nos, leitor, o impeachment, para estancar a hemorragia que ameaça afogar o país. Para isso, há que se respeitar a Constituição e a vontade, já expressa, da maior parte do povo brasileiro.
E, enfim, que aceitemos o que ficar decidido.
'Nós' e 'eles', 24 anos depois
Mesmo antes da eleição de Lula para a Presidência, em 2002, o discurso petista dividia o país entre “nós” e “eles” – respectivamente, os adeptos/aliados do PT e todos os que discordavam das plataformas do partido em temas sociais, econômicos ou comportamentais. Assim, entre “eles” havia personalidades de visões às vezes diametralmente opostas: Fernando Henrique Cardoso, Ulysses Guimarães, Paulo Maluf, José Sarney, Fernando Collor de Mello, José Serra, Itamar Franco... todos esses já foram “eles” em algum momento; uns ainda o são, outros passaram a ser “nós” mais recentemente. Honestos e ladrões, direitistas e social-democratas, conservadores e liberais; para estar no grupo “deles” bastava apenas não ser petista.
Vamos supor, por um momento, que esta dicotomia faça sentido ou esteja correta. Mesmo neste caso, existe uma pauta que, em momentos especiais da história do Brasil, torna-se uma unanimidade: o combate à corrupção. De muitas comparações feitas entre 1992 e 2016, justamente essa convergência tem sido negligenciada. Quando ficou evidente que Fernando Collor estava envolvido em corrupção, o Brasil inteiro foi às ruas. “Nós” e “eles” se uniram no “fora Collor”, e isso incluiu também os que, pertencendo ao grupo “deles”, até concordavam com medidas que o então presidente havia tomado, como a abertura do mercado nacional a diversos produtos estrangeiros, ou o início do programa de privatizações. Mas mesmo quem apoiou as medidas liberais de Collor o quis fora do poder porque não tolerava a rede de corrupção implantada no Planalto e na Casa da Dinda. O leitor consegue se lembrar, hoje, de alguém que em 1992 tenha ficado ao lado de Collor por convicção sincera, sem que, pessoalmente, tivesse algo a perder com sua queda?
Com essa unidade nacional do “fora Collor” em mente, voltemos a 2016. O Fiat Elba de 24 anos atrás se transformou em dezenas de bilhões de reais em “pedaladas”, e em outros tantos bilhões em desvios e propinas da Petrobras, outras empresas estatais e ministérios, de acordo com as descobertas da Operação Lava Jato. Para recordar a expressão do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, “o seu, o meu, o nosso” dinheiro estava sendo embolsado por partidos políticos para a construção de seu projeto de poder. Não deveria ser um motivo ainda maior para que, novamente, “nós” e “eles” estivessem juntos na rua pedindo pelo fim do governo que não apenas permitiu, mas organizou tal esquema?
Infelizmente, não é o que vem acontecendo. É verdade que, ao lado de todos aqueles identificados como “eles”, há alguns tradicionalmente considerados como “nós” e que estão do lado do impeachment, como Fernando Gabeira, com longo histórico de posições de esquerda. Casos como o de Gabeira, no entanto, são uma minoria.
Em 1992, qualquer um que permanecesse do lado de Collor, com tudo o que as investigações do seu esquema haviam descoberto, seria considerado um defensor do indefensável justamente porque não havia tolerância com a ladroagem. É essa intolerância com a corrupção que seria natural esperar neste momento, inclusive daqueles que estão de acordo com o PT em temas como o papel do Estado na economia, programas sociais ou plataformas de cunho moral. Mas muitas dessas pessoas escolheram ficar ao lado do PT e de seus líderes (alguns deles atrás das grades), apesar de tudo o que já foi comprovado.
Como pessoas de boa índole, que inclusive se pautam pela ética no comportamento pessoal, passam a defender o indefensável quando se trata do atual governo? A pura afinidade ideológica não pode ser explicação suficiente: não consideramos correto defender corruptos só porque concordam conosco. É essa reflexão que gostaríamos de deixar para aqueles que desejam construir um país livre de corrupção, independentemente da coloração política de cada um.
Com essa unidade nacional do “fora Collor” em mente, voltemos a 2016. O Fiat Elba de 24 anos atrás se transformou em dezenas de bilhões de reais em “pedaladas”, e em outros tantos bilhões em desvios e propinas da Petrobras, outras empresas estatais e ministérios, de acordo com as descobertas da Operação Lava Jato. Para recordar a expressão do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, “o seu, o meu, o nosso” dinheiro estava sendo embolsado por partidos políticos para a construção de seu projeto de poder. Não deveria ser um motivo ainda maior para que, novamente, “nós” e “eles” estivessem juntos na rua pedindo pelo fim do governo que não apenas permitiu, mas organizou tal esquema?
Infelizmente, não é o que vem acontecendo. É verdade que, ao lado de todos aqueles identificados como “eles”, há alguns tradicionalmente considerados como “nós” e que estão do lado do impeachment, como Fernando Gabeira, com longo histórico de posições de esquerda. Casos como o de Gabeira, no entanto, são uma minoria.
Em 1992, qualquer um que permanecesse do lado de Collor, com tudo o que as investigações do seu esquema haviam descoberto, seria considerado um defensor do indefensável justamente porque não havia tolerância com a ladroagem. É essa intolerância com a corrupção que seria natural esperar neste momento, inclusive daqueles que estão de acordo com o PT em temas como o papel do Estado na economia, programas sociais ou plataformas de cunho moral. Mas muitas dessas pessoas escolheram ficar ao lado do PT e de seus líderes (alguns deles atrás das grades), apesar de tudo o que já foi comprovado.
Como pessoas de boa índole, que inclusive se pautam pela ética no comportamento pessoal, passam a defender o indefensável quando se trata do atual governo? A pura afinidade ideológica não pode ser explicação suficiente: não consideramos correto defender corruptos só porque concordam conosco. É essa reflexão que gostaríamos de deixar para aqueles que desejam construir um país livre de corrupção, independentemente da coloração política de cada um.
América Latina não será (por enquanto) de classe média
A desaceleração da América Latina cobrou uma nova vítima: a expansão da classe média.
A história da ascensão desse grupo não deixa de ser impressionante: nada menos do que 3,5 milhões de latino-americanos deixaram de ser pobres e migraram para a classe média em 2014. No entanto, o crescimento é baixo comparado ao que se registrou na região entre 2002 e 2012. “Nesse período, mais de 10 milhões de pessoas se tornaram classe média a cada ano”, afirma o economista Oscar Calvo-González, do Banco Mundial, gerente do departamento de pobreza e igualdade para a América Latina.
Se a evolução continuasse nesse ritmo (1% ao ano), a América Latina se tornaria uma região predominantemente de classe média em 2017, segundo cálculos do Laboratório contra a Pobreza na América Latina (LAC Equity Lab), do Banco Mundial.
Mas, no meio do caminho, veio a redução dos preços das matérias-primas (que impulsionaram o crescimento econômico entre 2002 e 2012) e isso significou uma desaceleração no crescimento econômico, em especial em países sul-americanos como o Brasil. Na média ponderada, a América Latina está entrando no quinto ano consecutivo de retração. A nova realidade faz com que os economistas não se arrisquem a dar uma previsão sobre quando a região poderia chegar à condição de classe média.
Mesmo com o novo cenário, há duas boas notícias. A primeira é que o percentual de latino-americanos de classe média não diminuiu: 35% da população em 2014, ante os 34,8% do ano anterior. E, apesar do menor crescimento da renda para os 40% mais pobres da América Latina, a taxa de pobreza continuou a cair, passando de 24,1% em 2013 para 23,3% em 2014.
Se a pobreza diminuiu e a classe média estagnou, o que está acontecendo com a maior parte dos latino-americanos? Segundo dados do Banco Mundial, eles estão se juntando aos vulneráveis, nome dado a quem ganha entre 4 e 10 dólares por dia. De fato, o grupo é o que mais tem crescido nos últimos anos.
Uma questão importante é os vulneráveis estão mais sujeitos a cair na pobreza do que a classe média. “Por isso, minimizar esse risco será um importante objetivo em toda a região durante o ajuste ao novo ambiente econômico”, comenta Calvo-González.
Mariana Kaipper Ceratti
A história da ascensão desse grupo não deixa de ser impressionante: nada menos do que 3,5 milhões de latino-americanos deixaram de ser pobres e migraram para a classe média em 2014. No entanto, o crescimento é baixo comparado ao que se registrou na região entre 2002 e 2012. “Nesse período, mais de 10 milhões de pessoas se tornaram classe média a cada ano”, afirma o economista Oscar Calvo-González, do Banco Mundial, gerente do departamento de pobreza e igualdade para a América Latina.
Se a evolução continuasse nesse ritmo (1% ao ano), a América Latina se tornaria uma região predominantemente de classe média em 2017, segundo cálculos do Laboratório contra a Pobreza na América Latina (LAC Equity Lab), do Banco Mundial.
Mas, no meio do caminho, veio a redução dos preços das matérias-primas (que impulsionaram o crescimento econômico entre 2002 e 2012) e isso significou uma desaceleração no crescimento econômico, em especial em países sul-americanos como o Brasil. Na média ponderada, a América Latina está entrando no quinto ano consecutivo de retração. A nova realidade faz com que os economistas não se arrisquem a dar uma previsão sobre quando a região poderia chegar à condição de classe média.
Mesmo com o novo cenário, há duas boas notícias. A primeira é que o percentual de latino-americanos de classe média não diminuiu: 35% da população em 2014, ante os 34,8% do ano anterior. E, apesar do menor crescimento da renda para os 40% mais pobres da América Latina, a taxa de pobreza continuou a cair, passando de 24,1% em 2013 para 23,3% em 2014.
Se a pobreza diminuiu e a classe média estagnou, o que está acontecendo com a maior parte dos latino-americanos? Segundo dados do Banco Mundial, eles estão se juntando aos vulneráveis, nome dado a quem ganha entre 4 e 10 dólares por dia. De fato, o grupo é o que mais tem crescido nos últimos anos.
Uma questão importante é os vulneráveis estão mais sujeitos a cair na pobreza do que a classe média. “Por isso, minimizar esse risco será um importante objetivo em toda a região durante o ajuste ao novo ambiente econômico”, comenta Calvo-González.
Mariana Kaipper Ceratti
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