sexta-feira, 16 de agosto de 2024

O fenômeno bizarro das crianças loucas por skincare

No vídeo, ela mostra sua rotina de beleza e seus produtos favoritos. Na bancada de maquiagem, ela quase nem aparece dada a quantidade de produtos como hidratantes, séruns e outros "creminhos" e fórmulas de marcas de beleza famosas e caras, como a Drunk Elephant e a Bubble. São cerca de 20 potes e frascos.

A gente podia achar exagerado se a influenciadora em questão fosse uma mulher adulta, mas cada um faz o que quer. O problema é que quem aparece no vídeo é uma criança de 10 anos. Além disso, o vídeo é exibido no TikTok de seu pai, o influenciador britânico Jonathan Joly, que possui cerca de 3,7 milhões de seguidores nessa rede social e 1,87 milhões no Instagram.

A filha de Joly é apenas uma das milhares de representantes do fenômeno "Sephora Kids" (crianças Sephora, em tradução literal). A Sephora é uma das marcas de produtos de beleza mais badaladas e caras de nossos tempos, com lojas espalhadas mundo afora. A tendência perturbadora tem alarmado dermatologistas.

Não é para menos. Na rede preferida pelas crianças, o TikTok, os vídeos de rotina de beleza protagonizados por crianças estão por todo lado. Com faixas na cabeça como adultos, meninas com menos de 10 anos mostram que são obcecadas por produtos de beleza. Algumas delas usam produtos que contém retinol (um ácido com efeito "rejuvenescedor") e muitos outros produtos que não são indicados para crianças.

"A gente usa esse rolinho para espalhar o creme, o movimento tem que ser para fora, assim, para não criar rugas no futuro", fala uma menina de apenas 8 anos em um dos centenas de vídeos que assisti para escrever esse texto. A mãe, do lado, sorri. Ela não diz que a filha não devia estar preocupada com isso e que, inclusive, os sinais do envelhecimento são algo natural, não um monstro a ser temido por crianças.



É claro que as "Sephora Kids" são principalmente meninas, as maiores consumidoras de produtos de beleza. A indústria de cosméticos, extremamente lucrativa, parece ter encontrado um novo filão: mirar nas crianças e criar assim uma geração de dependentes-consumidores que vão comprar a vida toda. Ideia de gênio (do mal).

É claro que crianças não passam a seguir rotinas de beleza e a sonhar com produtos de belezas caros "do nada". Elas são influenciadas pelas redes sociais, em um círculo vicioso, onde cada vez mais meninas mostrando vídeos de skincare vão levar outras a fazer o mesmo. Elas também são mais suscetíveis aos apelos de consumo.


Acho que a maioria dos pais sabe que crianças não devem estar preocupadas com envelhecimento e que esses produtos podem fazer mal real para a pele e mente dos filhos. Mas há também o mundo dos pais influenciadores que lucram expondo seus filhos na internet. Alguns desses parecem ter entendido que filmar crianças seguindo rotinas de beleza ou comprando produtos gera cliques e, logo, dinheiro.

Uma das tendências no Youtube são vídeos do estilo "deixei minha filha gastar R$ 7 mil na Sephora", nos quais vemos crianças correndo dentro de lojas e comprando produtos de adulto como se estivessem na Fantástica Fábrica de Chocolates – um filme antigo que marcou a infância de muitas de nós. Só que, ao invés de correrem o risco de caírem em lagos de chocolate, elas podem se afogar em ácido retinóico.

E não sou só eu que estou falando. O fenômeno causa preocupação em dermatologistas de todo mundo. Segundo a Associação Britânica de Dermatologia, muitos dos produtos podem causar irritações em peles jovens e também alergias graves.

Além disso, eles alertaram para o fato de que muitos dos produtos são vendidos em embalagens sugestivas, muitas vezes brilhantes e coloridas, e, portanto, atraentes para as crianças. Até os nomes são atraentes, não? Eu mesma, confesso, à primeira vista, pensei que a Drunk Elephant e a Bubble eram marcas destinadas para crianças. Não são.

No site da Drunk Elephant, eles explicam que há produtos que podem ser usados por menores de 12 anos e que outros não são recomendados. Eles listam também quais as crianças menores de 12 podem usar sem medo. A Bubble também apresenta no site uma lista de produtos indicados para "iniciantes", ou seja, menores de 13 anos. Mas, bem, então está liberado para uma jovem de 15 anos usar creme antienvelhecimento?

Entre as perguntas e respostas do site da Drunk Elephant, uma me chamou atenção: "Bebês podem usar Drunk Elephant?". Se essa pergunta está lá é porque há quem faça rotina de skincare em bebês. E, sim, eu vi um vídeo no TikTok onde uma bebê de uns seis meses passava por uma.
E a tendência de aceitar o envelhecimento?

É no mínimo curioso que as crianças estejam usando produtos para prevenir rugas (sic) justamente em um momento em que o mundo todo fala da luta contra o etarismo e também de envelhecer sem medo.

Meu palpite: na verdade não estamos avançando tanto assim nesse ponto. Existem exemplos pontuais de mulheres famosas que envelhecem lindamente sem procedimentos, claro. Mas muitas mulheres seguem escravas, principalmente em países como o Brasil e os Estados Unidos (campeões mundiais de cirurgias plásticas e procedimentos estéticos).

Se nossas crianças já estão tão envenenadas com os vírus da juventude eterna e do consumismo desenfreado é porque alguma coisa está muito errada. E a indústria de beleza, que lucra com a insatisfação feminina, agradece.

Espectro

À noite, o vazio de gente deixa os amplos espaços do Congresso com ar sinistro. Os estalos dos móveis, estruturas e outros barulhos ecoam amedrontando aos que não estão acostumados com a grandeza barulhenta daquele vazio. Mas pancadas vigorosas, diferentes dos barulhos normais, gelaram de medo os seguranças naquela madrugada. Três novas batidas ecoaram pelos vãos da moderna arquitetura. Os guardas se entreolharam.


– Olha! De novo!
– Deve ser a dilatação.
– Não! Não é. Eu conheço o barulho. Estou aqui há tempos e nunca ouvi nada igual.
– Será que tem alguma coisa se quebrando?
– Não vi nenhuma rachadura.
– Escuta! De novo!

Outras três batidas. Mais fortes que as primeiras.

– Vem de lá.
– Do Plenário?
– É! Tenho certeza.
– Vamos lá.
– Não sei…
– Vamos! Estamos aqui para isso. E, se for algum defeito na estrutura, não vai cair de uma hora para outra.
– Tá bom… Vamos… Mas com cuidado…


Concentraram olhares em quaisquer sombras que lhes parecessem diferentes. Outras três pancadas lhes fizeram voltar os olhos rapidamente para a mesa do Plenário. Um deles quis gritar, mas não conseguiu. O grito entalou a garganta. O outro segurou seu braço com força, meio para apoiar-se, meio para impedir que o outro lhe deixasse sozinho.

– Não pode ser!
– Que horror! Horror! Isto não é deste mundo.
– Você vê? Está vendo?
– Mas não acredito. Não pode ser!

Um espectro luminoso, de expressão circunspecta e tristonha, mas que mantinha certa altivez, ocupava a cadeira que cabe ao presidente das sessões. Segurava em uma das mãos o que parecia ser um livro. A outra mão, espalmada, batia firme sobre a mesa como se quisesse chamar a atenção de uma multidão barulhenta.

– George me falou disso, mas eu não acreditei.
– Como assim?
– Ele me falou de um espírito que habita o Plenário, mas eu não acreditei. Achei que fosse invenção dele. Mas é verdade!
– Não pode ser, essas coisas não existem.
– Aquilo ali é o que então?
– Não sei. Não pode ser.
– Ele me disse que era o espírito antigo. Que está aqui há anos. Que aparece quando as coisas vão mal por aqui. Ouvi que apareceu em 1968, pouco antes do AI-5. George disse que o viu antes do impedimento da presidente Dilma, mas eu não acreditei. Eu não acreditei, mas olha, olha!…
– Há algo de podre na República do Brasil…
– Vou falar com ele.
– Tá maluco? Não tem como saber se é coisa do bem ou do mal.
– Pior que os vivos que andam por aqui todos os dias não pode ser.

Dirigiu-se ao espectro.

– Quem é você?

Outras três batidas secas.

– Horror! Tristeza! Vergonha!

A voz do espectro soou pelo plenário sem que ele mexesse os lábios. Era grave, clara e alta como se os microfones estivessem ligados. Os guardas o ouviam trêmulos.

– Sou a esperança dos desesperançados. O sonho dos ingênuos. A vergonha dos honestos. Sou o pudor, o decoro, e o respeito. Sou a honra, a coragem e a franqueza. Sou a sabedoria, a piedade, a responsabilidade. Sou o rei que jamais reinou neste lugar. O que nunca foi. O que nunca será. O que falta. Sou o cadáver vilipendiado a cada desonra, a cada oportunismo, a cada baixeza dos vivos que habitam esta casa. Sou os que não estão aqui. Os que não podem entrar. Os que das coisas daqui, não podem escapar.

Mais três batidas e o espectro foi-se tão misteriosamente quanto surgiu. Os guardas saíram sem nada dizer um para o outro, prometendo a si mesmos jamais falar do que viram e ouviram. Ninguém acreditaria. Ninguém lhes daria ouvidos. Ninguém por lá quer saber de nada daquele espectro.

Ofensiva contra Moraes escancara guerra entre Congresso e STF

A reportagem de Glenn Greenwald e Fabio Serapião sobre o uso que o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes fez do poder de polícia do Tribunal Superior Eleitoral quando o presidia trouxe à tona personagens e diálogos de um enredo conhecido, de métodos controversos, mas lícitos.

Já se sabia que esses diálogos existiam desde que Eduardo Tagliaferro, ex-perito criminal do TSE, foi preso por agressão à mulher em maio, em São Paulo. Frustrado na expectativa de ser ajudado por ministro que já foi secretário de Segurança paulista, Tagliaferro também foi demitido um mês antes de Moraes deixar a presidência do TSE.

O momento em que o arsenal do ex-perito vem à tona é mais eloquente do que o conteúdo até aqui divulgado. Menos de 24 horas depois, deu-se nova exibição da mediocridade histriônica de Pablo Marçal, no debate de “O Estado de S.Paulo” com candidatos à prefeitura da capital.

Marçal está a negócios na disputa. Com os cortes dos ataques, tem multiplicado seus seguidores nas redes, que se iniciaram com o marketing da pilantragem (“aprenda inglês dormindo”) e se firmaram em comunidades de extrema direita afeitas a armas e a discurso de ódio contra mulheres. Além de investir nos negócios que duplicaram seu patrimônio em um ano, mantém mobilizada a comunidade bolsonarista raiz.


Apesar de o ex-presidente apoiar formalmente outro candidato, o prefeito Ricardo Nunes, é Marçal quem atiça sua base para que possa ser mobilizada em momentos como este, de ofensiva contra o alvo número 1 do bolsonarismo. A nacionalização da campanha é diferente daquela imaginada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Marçal não teria como fazer tão bons negócios nem prestar serviços ao bolsonarismo se uma legislação efetiva contra notícias falsas já tivesse sido aprovada. A extrema direita no Congresso pressiona contra sua aprovação e o Centrão cede a seus caprichos porque deles faz uso.

Moraes milita por esta lei, mas inexiste meio de campo capaz de negociar sua aprovação em troca da conclusão dos três inquéritos que dirige, das “fake news”, milícias digitais e tentativa de golpe, e que lhe proporcionam concentração de poder inaudita.

O primeiro, também chamado de inquérito do “fim do mundo”, já tem cinco anos. A prorrogação tem sido justificada pelo fracasso em institucionalizar o combate às notícias falsas com uma lei. Na presença do inquérito e na ausência da lei, surge Marçal.

Enquanto o candidato do PRTB aloprava no debate, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado derrubava trecho de decreto presidencial que proibia a instalação de clubes de tiro a menos de um quilômetro de escolas - outra demonstração de força do bolsonarismo do momento.

Moraes não parecia desconhecer seus excessos. O recuo dos últimos meses ganhou tração com a soltura do ex-diretor geral da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques e do ex-assessor de Bolsonaro Felipe Martins. Não adiantou. Até porque a roda não parou de girar.

A reportagem já estava no ar quando o ministro autorizou o bloqueio das redes sociais do senador Marcos do Val (Podemos-ES) e de sua conta bancária. O senador fez publicações contra delegado da Polícia Federal executor de ordens emanadas do inquérito do 8 de Janeiro. Do Val ainda publicou vídeos de crianças criticando o delegado. As crianças são filhas do blogueiro Oswaldo Eustáquio, que moram em Brasília. O blogueiro, que está foragido na Espanha, teve prisão determinada por Moraes.

Na manhã desta quarta-feira, Do Val lançou-se candidato à presidência do Senado tendo por bandeira o impeachment de Moraes, que acabou de ganhar outro pedido, do senador Eduardo Girão (PL-CE). O bolsonarismo não tem os 54 votos para isso, nesta legislatura. A candidatura, nesse clima de acirramento com o STF, é água no moinho favorito, o do senador Davi Alcolumbre (União-AP).

Para conter as pretensões bolsonaristas à mesa, o presidente da CCJ do Senado se enche de argumentos para arrancar mais concessões do Executivo aos seus feudos. Se Alcolumbre e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pretendiam se valer da investida contra Moraes para conter a ação do STF contra a opacidade das emendas parlamentares, o ministro Flávio Dino resolveu dobrar a aposta. A Corte que começa a votar nesta sexta a decisão liminar de Dino contra as “emendas Pix” foi surpreendida nesta quarta com outra decisão do ministro suspendendo todas as emendas impositivas.

Também na sexta-feira finda o prazo para o procurador-geral da República, Paulo Gonet, decidir se vai denunciar Bolsonaro pela muamba das joias sauditas. A primeira pressão sobre a PGR veio da dobradinha Centrão/bolsonarismo no TCU que a equiparou ao relógio doado a Lula pelo governo francês. A reportagem da “Folha de S.Paulo” redobra a pressão.

E, finalmente, a ofensiva sobre Moraes se dá numa conjuntura de faxina no Judiciário contra a venda de sentenças envolvendo juízes, desembargadores e até ministros de tribunais superiores, em processos que arrolam próceres do crime organizado. Pelo menos um integrante do STJ já recebeu memorandos em defesa de traficantes das mãos de advogados que foram levados a seu gabinete por parlamentares.

As operações acontecem em momento de acirrada divisão do STF. A trinca formada por Moraes, Dino e Gilmar Mendes enfrenta Nunes Marques, nomeado por Bolsonaro, na indicação para as vagas de tribunais. Em abril, Nunes Marques mandou tirar a tornozeleira eletrônica de Rogério Andrade, acusado de chefiar a organização criminosa do jogo do bicho no Rio.