terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Pensamento do Dia

 


Vingança, não, por favor!

A cultura brasileira glorifica duas negações à vingança que geraram grandes obras no teatro e na literatura pelo abandono do velho hábito rural da legenda do talião bíblico do olho por olho, dente por dente. Quando João Suassuna foi assassinado no Rio por um pistoleiro profissional para punir com a morte o chefe político acusado de ter sido o mandante da execução de João Pessoa, em Recife, a matriarca Ritinha Vilar reuniu os filhos e os fez jurarem que jamais vingariam o pai. Desde os três anos, Ariano seguiu a lei dos irmãos mais velhos e se dedicou a honrar a memória paterna em sua vasta obra teatral e romanesca.

Um ano mais novo do que Ariano e nascido no longínquo sertão do mesmo Estado da Paraíba, Francisco Pereira da Nóbrega assumiu compromisso similar com a mãe, Jardelina, e interrompeu o derramamento mútuo de sangue. Assim, rompeu a corrente da vendeta do pai, o cangaceiro Chico Pereira, assassinado pela polícia de seu Estado. Padre, filósofo, membro da Academia Paraibana de Letras, escreveu o primoroso Vingança, não! sobre a saga familiar. A crônica policial é pródiga de exemplos em que a violência da tradição tem sido substituída pelo convívio pacífico de antigos inimigos mortais.

Na vida pública, o talião também pode ser trocado por reconciliação de ex-desafetos. A Paraíba, palco dos fatos narrados, tem bons exemplos disso: em 1950, José Américo de Almeida saiu da União Democrática Nacional (UDN) e foi para o Partido Liberal (PL) para derrotar na eleição para governador o chefão de sua ex-legenda. Teve, então, o apoio do arquiadversário Partido Social Democrático (PSD). Em 1986, os inimigos João Agripino Filho e Ernani Sátiro se uniram para apoiar a indicação de Antônio Mariz, que perdeu a eleição indireta para o indicado de Zé Américo, Tarcísio Burity. Destino inglório também teve a Frente Ampla formada por Juscelino Kubistchek e João Goulart com o ex-rival Carlos Lacerda, em 1966. A iniciativa foi abortada pelos antigos aliados da ditadura militar de 1964.


Caso clássico a ser narrado ainda é o do Partido Popular (PP), fundado pelo udenista Magalhães Pinto e por seu antiquíssimo rival, o pessedista Tancredo Neves, em 1980. Mas só duraria dois anos, após reforma partidária imposta pelos sequazes da ditadura. Ou seja, são exemplos eloquentes, mas nem todos deram certo.

Ainda é cedo para determinar êxito ou fiasco da tentativa de qualificar a Frente Ampla partidária formada para atender ao clamor popular pelo fim do desgoverno nazifascistoide de Jair Messias Bolsonaro. Mas manda a prudência temer pela possibilidade de não dar certo a gestão a ser empreendida pela Frente Amplíssima necessária para dar à chapa eleita pelos Partidos dos Trabalhadores (PT) e Socialista Brasileiro (PSB). Pois há nítidos indícios de que o PT não prioriza o fortalecimento de uma aliança multipartidária e mutiideológica para reconstruir o Estado e dar continuidade ao projeto democrático contido na Constituição de 1988, implodidos pela perversa atuação da extrema direita no poder desde 2019.

O emedebista Michel Temer, duas vezes eleito pela população vicepresidente na chapa de Dilma Rousseff, foi excluído da lista de convidados para a diplomação de Lula e Alckmin. Este é o claro recado de que os petistas não desistiram da vingança do impeachment de Dilma, esquecendo que madame não teria mandatos a cumprir sem os votos do aliado da chapa. E mais: que as eleições não foram fraudadas e, portanto, ele não foi golpista, mas eleito pelo voto popular que a elegeu. Isso é grave, mas não é tudo. Pior ainda é a conformação de um governo que não promete ser de um Lula novo, mas a recuperação de um velho desastre econômico que resultou em grotesco arremedo de Pietá nos jardins do Alvorada abandonado por Jair Messias e Michelle Bolsonaro. O Dilma 2 e meio.

A outra vingança é a volta por cima da temporada do líder máximo na prisão da Polícia Federal em Curitiba. Iniciada com a colaboração do adversário favorito na farsa da transformação de multicondenado em inocente-mor, ela se concretiza na tentativa de tornar o presidente eleito uma versão sindical de Nelson Mandela. Consagrando por evidente a desnecessidade de qualquer tipo de arrependimento. Ou da garantia de que um Lula 3 não repita seu passado oculto nas trevas desse nefando acordo com o Congresso de Arhur Lira e seus nefastos orçamento secreto e PEC da Gastança, aumentos absurdos de vencimentos de maiorais de republiqueta e indulgência absoluta para a mais suprema impunidade.

Diante de tais fatos nefastos resta a esperança que a divisão do País, refletida nas votações dos candidatos a presidente, sirva de alerta contra abusos repetitivos e insuportáveis. O povo brasileiro não suporta mais farsas e avanços absurdos de assaltos ao erário, seja em arrombamentos dos cofres das viúvas, seja no aumento da dívida pública para sustentar sombra, água fresca e luxo nos palácios de ostentação de uma casta indiferente, insensível e insaciável. A história já deu várias demonstrações de que quando a situação chega a esses extremos, uma explosão pode se tornar inevitável. É melhor criar juízo e consertar.

País doente

O fanatismo tirou a consciência da nossa sociedade. Infelizmente o Brasil ficou um país doente. Vamos ver se a gente se recupera dessa pandemia de fake news e de falta de responsabilidade
General Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro-chefe da Secretaria de Bolsonaro

Forças Armadas perdem ao se envolver em disputa política

“O respeito do povo americano por seus militares está despencando. Caiu 22 pontos percentuais nos últimos cinco anos, segundo pesquisas realizadas pela Fundação Reagan”. O texto acima está no artigo “Don’t drag military into politics”, da analista Kori Schake, publicado no site War on the Rocks. Traz um alerta sobre o perigo de envolver militares nas disputas políticas partidárias.

Kori é do Instituto Hoover da Universidade Stanford. Já trabalhou nos departamentos de Defesa e de Estado, foi diretora de estratégia e requisitos de defesa no National Security Council (NSC) e ocupou a cadeira em estudos de segurança internacional de West Point.

Não é um comentário amador, feito por pseudoanalista de Google em busca de likes. Está fundamentado em experiências pretéritas que devem ser avaliadas pelas lideranças americanas neste momento de tamanha divisão em sua sociedade.

Segundo a articulista, e com base na última pesquisa daquela fundação, mais de 60% dos entrevistados disseram que perderam a confiança em suas Forças Armadas porque a liderança militar se tornou excessivamente politizada.

Vaticina Kori que a América, para ter uma força de combate eficaz, precisará corrigir essa percepção pública, isolar os militares, impedindo-os de ser peões em disputas partidárias.

Ela não aponta o dedo seletivamente. A mira de sua metralhadora enquadra opiniões nos extremos da discussão acadêmica e ideológica.

Dos militares, defende que devem lutar para manter as principais funções da profissão perante o Estado — representativa, consultiva e executiva —, esquivando-se das pendengas políticas.

Dos congressistas, critica a postura de se camuflarem atrás dos uniformes (ainda respeitados apesar da queda de confiança) para promulgar políticas impopulares, mesmo as relacionadas aos casos mais relevantes de segurança nacional.

A pesquisa não combina com a avaliação interna dos militares quanto a seu papel. Eles acreditam que são modelos de profissionalismo, apartidários e, consoante com a narrativa, trabalham para massificar essa atitude por meio de uma educação militar estritamente profissional.

Ainda assim, as lideranças castrenses estão preocupadas com o ativismo político dos veteranos, que vem se avolumando e se refletindo sobre a força em serviço ativo.

Lembra a pesquisadora que o endosso dos veteranos aos candidatos presidenciais tem sido uma verdadeira corrida militarista, desde que o ex-comandante da Marinha Paul Kelley apoiou o ex-presidente George H.W. Bush em 1988.

Destaca que os ex-presidentes Barack Obama e Donald Trump nomearam veteranos para altos cargos civis. E que o presidente Joe Biden indicou o general da reserva Lloyd Austin, há pouco aposentado, para o delicado cargo de secretário de Defesa.

Hoje, os comitês eleitorais republicanos ou democratas divulgam ruidosamente listas com nomes de oficiais aposentados de altas patentes que os apoiam vibrantemente e incluem imagens de militares uniformizados em anúncios de campanha. Como elixir, ela exorta os congressistas americanos a resistir à tentação de chamar para dançar a música da política o desengonçado estamento militar, um amador nesse salão de baile.

Kori conclui que a esmagadora maioria dos militares americanos está implorando para ser deixada fora da política pantanosa.

Eles querem o devido reconhecimento por defenderem o povo e seus interesses, a soberania dos Estados Unidos, os valores da cultura americana. Não é pouco.

Num exercício de imaginação, próximo da realidade contemporânea, se o artigo da professora descrevesse outros países, revelaria o mesmo dilema da mistura entre o profissionalismo militar e as artimanhas políticas, variando a intensidade conforme a democracia estivesse mais ou menos madura nessas sociedades.

Para o bem dos países que se vestem da normalidade institucional, a sociedade, os políticos e os militares devem prestar atenção aos apelos da professora doutora Kori Schake. Ela sabe o que diz.

Terroristas que pedem golpe militar estão à procura de um cadáver

Todo cuidado é pouco até o domingo, dia da posse do presidente eleito; e depois também, só que sob nova administração. Já não há governo desde que Bolsonaro perdeu, e ele pode fugir do país a pretexto de descansar, na verdade com medo de ser preso.

No sábado, véspera de Natal, o motorista de um caminhão-tanque que abasteceria os postos de gasolina do aeroporto de Brasília notou que algo estranho se passava. Descobriu que havia um artefato agarrado ao eixo do caminhão; tirou-o e chamou a polícia.

Sabia que arriscava sua vida. O que não sabia, e a polícia só soube depois, é que se tratava de uma bomba mal feita; obra de amador. Acionada para que explodisse, não explodiu. A perícia constatou que alguém antes tentou explodi-la, sem sucesso.

No domingo, um telefonema anônimo deu conta à polícia da existência de outra bomba, desta vez na cidade do Gama, a 3,2 quilômetros de Brasília. Não era uma bomba. Eram bananas de dinamite embrulhadas em panos e jogadas dentro de um matagal.


A equipe de transição do novo governo fez a leitura correta pelo menos até aqui: a bomba que não estourou, e os 40 quilos de explosivos encontrados no matagal do Gama, foram usados para provocar um susto e diminuir o tamanho da festa da posse.

Os terroristas alcançaram seu objetivo. A equipe de transição já registra sinais de desistência de caravanas de ônibus que partiriam de outros Estados para Brasília. Justifica-se o temor: há 15 dias, Brasília foi palco de queima de ônibus e de ataques a prédios.

Os baderneiros agiram sob o olhar cúmplice da polícia. Ninguém foi preso. A maioria deles continua acampada à porta do QG do Exército. E foi ali, segundo o réu confesso George Washington Sousa, que se planejou pôr a bomba no caminhão-tanque.

Hoje, na Esplanada dos Ministérios, haverá o primeiro ensaio do esquema de segurança da festa de posse. O segundo e último ensaio será na próxima sexta-feira. Espera-se que até amanhã estejam preenchidas todas as vagas de ministros de Estado.

O futuro ministro da Justiça, Flávio Dino, diz que o plano da festa será revisto. Se depender dos responsáveis pela segurança, Lula e Janja desfilarão pela Esplanada em carro fechado; se depender do PT, em carro aberto. Lula dará a palavra final só no domingo.