segunda-feira, 5 de novembro de 2018
Bolsonaro e a agenda da educação
Primeiro vem o financiamento da educação, Estados e municípios estão para lá do limite de gastos. A situação vai se agravar dentro de poucos anos, quando a folha de pagamento dos aposentados ficar maior que a dos ativos - e para ela não existe Fundef. O Plano Nacional de Educação funciona como gasolina para apagar incêndio e sua necessidade e exequibilidade precisam ser repensadas. Feito isso, restará, no contexto da crise fiscal, encaminhar propostas para o futuro do Fundef, discussão necessariamente amarrada à reforma fiscal e à clareza sobre atribuições dos Estados e municípios.
Em paralelo vem a forma de lidar com Estados e municípios. Até aqui o Ministério da Educação (MEC) vem atuando na base de programas - caros, ineficazes e sem continuidade - e isso explica a dramática situação da educação. Por outro lado, é forte a pressão para constituir um nebuloso “sistema nacional de educação”, com forte ranço de corporativismo e apoiado em conhecidas técnicas de aparelhamento da burocracia estatal. O que e como fará o MEC?
Depois vem a reforma do ensino médio. Ela está em curso e há forte pressão do governo federal para os Estados aderirem. A intenção da reforma tem um único mérito: abrir espaço para o ensino médio técnico. Mas mesmo isso está mal definido. E todo o resto é capenga: os conceitos, os currículos, o aumento da carga horária. Uma cirurgia em alguns dispositivos da lei da reforma do ensino médio e uma ação competente nas orientações curriculares poderiam tornar viável uma virada positiva, mas tudo isso requer extrema agilidade e perícia. Uma decorrência específica dessa reforma é o futuro do Enem, que está clamando por profundas revisões.
Outro desafio é a Base Nacional Comum Curricular. Os dois principais candidatos à Presidência viram nela instrumentos para o controle ideológico da educação. As opções são conhecidas: trocar uma ideologia por outra - já que não existe neutralidade - e implantar remendos do tipo “cursos de moral e cívica”, de eficácia duvidosa. Uma terceira via seria mais produtiva: editar e apresentar uma versão simples, clara e objetiva da base nacional curricular, como fizeram os países mais avançados. Bons modelos não faltam.
Decisões acertadas sobre os tópicos acima não apenas servirão para sinalizar os rumos do governo, mas permitirão, ou não, recursos e espaços para o encaminhamento de novas propostas. O governo Bolsonaro parece mover-se entre dois campos. De um lado, as propostas liberais para a economia, que, se levadas a fundo, poderão trazer importantes mudanças para a educação. De outro, há as questões ideológicas.
A questão ideológica refere-se ao modelo de sociedade que queremos - e ao papel do governo e da escola. Focar nesse tema é guerra perdida. Há mais de 50 anos Hannah Arendt anteviu os problemas que começavam a aflorar na educação norte-americana e previu com acuidade o que viria a ocorrer nos anos posteriores. Olga Pombo revisitou e atualizou essas questões em sua magistral obra O Insuportável Brilho da Escola, na qual ela mostra a realidade e as consequências de uma escola que se afasta cada vez mais de sua missão de ensinar. Isso acontece porque os marcos de nossa convivência em sociedade ruíram - e não é a primeira vez. Impérios, culturas e civilizações têm data de validade e o que conhecemos como “civilização ocidental” já começou a ruir faz tempo.
Nesse contexto de desconstrução, o politicamente correto surgiu como tentativa de alertar sobre o risco de ofender suscetibilidades numa sociedade que começou a se tornar mais plural. Mas se converteu em odioso mecanismo de censura e policiamento da linguagem. E, pior, tornou-se interiorizado nos corações e mentes. Este é um bom momento para ler ou reler livros como The Language Police, de Diane Ravitch, que demonstra como o patrulhamento da linguagem foi internalizado nos currículos e livros didáticos. Ou saborear o politicamente incorreto livro de Anthony Esolen Ten Ways to Destroy the Imagination of your Child. Para ter um gostinho, eis o título do capitulo 4: Substitua os contos de fadas por clichês e modismos políticos OU vote cedo e frequentemente.
É nessa caixa de marimbondos - ou ninho de víboras - que o presidente Jair Bolsonaro prometeu mexer. É inviável cortar as cabeças da hidra. Mas não se avança e não se convive sem referentes em comum. Ao comentar sobre a preparação das novas gerações, Harari afirma que nunca foi tão importante levar a sério o “conhece-te a ti mesmo”, de Sócrates”. Como promover isso sem fundar a escola em nossas referências culturais?
A escola não precisa de adjetivos como “com partido” ou “sem partido”. Também não precisa de adjetivos como “com cultura” ou “sem cultura”. A escola - ou que o que resta dela - deve ensinar a pensar, e não ensinar o que pensar. Deve proporcionar aos alunos as ferramentas para pensar, para refletir sobre o papel deles em um mundo cada vez mais complexo. Isso se faz com um rigoroso currículo com foco no estudo da língua e das nossas raízes e referências culturais, da matemática e das ciências; com uma equipe de professores recrutados entre os melhores de sua geração; e com um contexto escolar em que se cultivem o trabalho, o mérito, a disciplina, a tolerância, a paz e o respeito. E requer profunda mudança na política do livro didático, para dela retirar o ranço do politicamente correto.
Já o vezo liberal do novo governo poderá ensejar gigantescos avanços na eficiência da educação e, com isso, promover avanços significativos na qualidade e na redução das desigualdades. Mas isso seria assunto para outro artigo.
Corrupção do poder pelo poder
Com esquerda e direita se deslocando para um lado ou outro, virou uma busca de poder e não de ação. É uma atitude corrupta você buscar o poder pelo poder, como vi então e vejo hoje. E é dos dois lados. Acho as duas propostas muito fracasMaria Bonomi, 86 anos, gravadora e escultora ítalo-brasileira presa na ditadura, homossexual assumida
Mesmo sem lei, Escola sem Partido se espalha pelo país
Quando o garçom vai embora, ele continua a conversa, apertando os olhos castanhos sob as sobrancelhas grossas. Filósofos como Schopenhauer, Maquiavel e Gramsci são citados para embasar seus argumentos.
"Schopenhauer diz que, quando uma pessoa te ofende, é porque ela não sabe te rebater. Ela quer desqualificar seu argumento desqualificando você", ele explica, dando um gole no café.
O assunto é Escola Sem Partido. André é um apoiador do movimento contra a "doutrinação ideológica". Segundo o grupo, cujas ideias estão entre as propostas do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) para a Educação, professores se aproveitariam da "audiência cativa" dos estudantes para aliciá-los para uma corrente ideológica - quase sempre de esquerda.
Os mesmos princípios estão em um projeto de lei que deve ser votado nesta semana em comissão especial da Câmara. A proposta estabelece que cada sala de aula deverá ter um cartaz especificando os deveres dos docentes, como "não cooptar os alunos para nenhuma corrente política, ideológica ou partidária".
"Enfim", André dá de ombros, balançando os fones de ouvido ao redor do pescoço. "Quando você debate com professores, eles usam as táticas que Schopenhauer explica, apelam para a plateia. Ele não quer te dirigir à verdade. O objetivo é convencer a sala de que você é um aluno arrogante."
André está no Ensino Médio. Ele tem 16 anos.
Independentemente da aprovação do texto no Congresso, André discute os conceitos do Escola Sem Partido como se eles estivessem valendo. E, de certa forma, eles estão.
Na semana passada, Ana Caroline Campagnolo, deputada estadual eleita pelo PSL em Santa Catarina, postou em suas redes sociais uma mensagem incentivando estudantes a gravar seus professores na segunda pós-eleição e denunciá-los caso suas "manifestações político-partidárias ou ideológicas" humilhassem ou ofendessem "sua liberdade de crença e consciência".
Na postagem, ela escreveu que "muitos professores doutrinadores" estariam "inconformados e revoltados" com a vitória de Bolsonaro. Na quinta-feira, o juiz Giuliano Ziembowicz, da Vara da Infância e da Juventude de Florianópolis, determinou "a retirada imediata" dessas mensagens das redes da deputada.
Ao longo de um mês, professores, alunos e pais relataram à BBC News Brasil que ações como a sugerida por Campagnolo já acontecem nas salas de aula. Não são sempre casos conhecidos, mas transformações sutis e amplas - brigas, palavras silenciadas, conteúdo suprimido -, que alteram a dinâmica de ensino.
Nesta reportagem, André e outros atores que vivem essas transformações contam como o Escola Sem Partido já é um programa em movimento em colégios do país.
Há alguns meses, em uma turma do oitavo ano, o professor de história Ricardo caminhava por entre as carteiras para checar que tipo de soluções os alunos estavam propondo para o país. Era essa a atividade do dia em uma das escolas privadas em que trabalha. Ele perguntou a uma adolescente qual era sua sugestão. "Matar todos os comunistas", ela teria respondido.
"Perguntei o que são comunistas, mas ela não sabia, eram os pais que falavam isso. Tinha certeza que, se questionasse algo, seria demitido no dia seguinte. Então não falei nada."
Os princípios do projeto e do movimento Escola Sem Partido insistem na defesa do direito dos pais sobre o ensino dos filhos, para que eles "recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções".
O discurso de que professores devem repassar apenas o conteúdo aprovado pelas famílias é recorrente entre os apoiadores do movimento. Outro ponto forte é o de que deve haver espaço igual para visões opostas sobre todos os temas - em teoria, seria possível criticar, mas também necessário listar as vantagens do capitalismo, por exemplo.
Para o professor da faculdade de educação da Universidade Federal Fluminense e coordenador do Movimento Educação Democrática, Fernando Penna, é visível que essas ideias já chegaram às escolas.
Ele diz estar numa posição privilegiada para atestar o alcance das regras: percorreu 23 Estados brasileiros dando palestras sobre o assunto. Em todos, conta, encontrou professores que, como Rafael, foram pressionados para cumpri-las ou denunciados por não fazê-lo: "é um processo muito difuso".
A chave para entender o crescimento orgânico do movimento são os projetos de lei que carregam seu nome nas esferas municipais e estaduais. São mais de 150 deles, de acordo com o último levantamento do grupo Professores Contra o Escola Sem Partido, feito em janeiro. E mesmo que apenas 14 tenham sido aprovados em Estados como Ceará, Rio de Janeiro e Paraíba, a percepção de que o projeto está valendo teria se espalhado entre os pais. Vários deputados e senadores eleitos neste pleito também defendem essa bandeira.
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Bolsonaro, o homem e seu tempo
Quando tentou, pouco antes, a presidência da Câmara dos Deputados contra Rodrigo Maia, do DEM, obteve meros quatro votos dos parlamentares. Tinha dificuldades para encontrar uma legenda que o abrigasse e até mesmo um nome a vice. Era tido como personagem pitoresco, movido a arroubos radicais. Um xenófobo, homofóbico e racista de carteirinha, que abominava as liberdades de gênero e opinião, com um temperamento provocador, instigando emoções extremas. Bolsonaro erigiu, mesmo assim, um personagem sob medida para uso eleitoral nesse escrutínio. Caiu nas graças do povo, tendo como reflexo mais de 57 milhões de votos – feito extraordinário para quem mal havia emplacado meia dúzia de projetos de lei na longa temporada de quase 30 anos e sete mandatos no Congresso. No fundo, no fundo, Bolsonaro surfou a onda de um sentimento difuso da população, misturando medo e esperança, desencanto e rebeldia. No Brasil, como de resto em boa parte do mundo, há uma espécie de histeria conservadora que impacta a vida das pessoas e coloca de ponta-cabeça comportamentos e princípios, resvalando no retrocesso.
O capitão reformado despontou por encarnar esses valores. A evangelização do moralismo entrou na ordem do dia. Não é difícil encontrar quem aposte em transformações concretas na rotina dos brasileiros por conta dessa ascensão da ultradireita por aqui. Nas escolas, livros didáticos podem ser revistos e o hábito, superado faz tempo, de cantar o Hino Nacional antes das aulas pode voltar a vigorar. Na TV, programas de cunho erótico-sexual já começam a sofrer com o fenômeno da baixa audiência. Nas ruas, o patriotismo virou moda. Sinal de “novos” velhos tempos. Nos idos de 60, o então presidente Jânio Quadros, tido como um delegado de costumes, celebrizou-se não apenas pela vassoura na mão a varrer corruptos como também por proibir o biquíni na praia e multar apostadores do jogo de bicho e das corridas de cavalo. Queria uma faxina do que encarava como maus costumes, tal qual Bolsonaro tenta hoje. Amparado por militares e religiosos, que deram esteio a sua campanha com o viés nacionalista do “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, Bolsonaro se converteu no terceiro presidente dos quadros do exército eleito diretamente pelas urnas. Antes dele, Hermes da Fonseca, ainda na infante República, fez uma gestão marcada pela ocupação dos estados federativos com a missão de combater oligarquias. Eurico Gaspar Dutra, em meados do século passado, que havia montado trincheira de resistência ao Tenentismo – a célebre rebelião de oficiais que saíram em marcha dos quartéis para protestar contra as práticas políticas correntes nos anos 20 –, proibiu o comunismo e mandou intervir nos sindicatos. Essas experiências, um tanto usurpadoras de direitos individuais, sobranceiramente autoritárias, acendem o sinal de alerta sobre eventuais desvios de conduta do futuro mandatário. A partidarização da caserna, seja no Brasil ou em outros países – majoritariamente terceiro-mundistas –, não produziu até aqui exemplos engrandecedores. Ao contrário. Para ficar em um único caso, a Venezuela do comandante Hugo Chaves é o retrato triste da degradação social que essa combinação pode provocar. Na teoria pura do Estado, assim como em uma república é imprescindível e inerente a tripartição dos poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) é incompatível a um membro das Forças Armadas, que têm de zelar por tal tripartição, integrar um desses poderes. Salvo na situação do postulante de farda seguir para a reserva antes de almejar qualquer cargo eletivo. Mesmo nessas circunstâncias, como é a de Bolsonaro, a mistura pode ser uma aventura perigosa. A partidarização dos quartéis flerta com a quebra da ordem e da hierarquia, confunde poder originário e derivado e, quase sempre, descamba para a anarquia. O indivíduo talhado no ambiente de rigidez e disciplina dos quartéis, com o apoio das armas, pode se ver seduzido pelo poder desproporcional que o voto e o clamor das ruas lhe entregam e usar indevidamente a soma desses instrumentos.
Está marcado na história, às vezes até em forma de golpes de Estado. Mesmo a “Quartelada”, que levou a derrubada da monarquia e a proclamação da República, traz em seu ímpeto original uma rebelião contra a ordem constituída.
O presidente Bolsonaro, nos novos tempos que se descortinam, precisa dar demonstrações cabais de que vai respeitar as instituições e os ditames da Carta Magna. Necessita de uma vez por todas perceber que há uma grande diferença entre fazer campanha e administrar um país, com as complexidades, diferenças regionais e de pensamento do Brasil. Que o futuro chefe da Nação desça do palanque em paz para governar para todos. Sem rancores ou perseguições indevidas, movido pelo sentimento de verdadeiro estadista que sabe não corresponder ao desejo da maioria, mas que se esforçará para atender aos anseios gerais.
Ele terá de encontrar, pela natureza do posto onde não cabem inspirações tirânicas, novas formas de conciliação e proximidade com o universo ideológico que não compartilha de suas ideias e exprime ainda medo e desencanto. O candidato que catequizou fiéis e foi chamado de “mito” por alguns está devendo grandeza de espírito especialmente quando repudia a crítica.
Bolsonaro fará do Planalto puxadinho das 'redes'
Já se sabia que qualquer um com um computador e dois neurônios podia editar seus próprios livros ou gravar seus próprios CDs sem sair de casa. Bolsonaro demonstrou que, assim como qualquer um pode dispensar a indústria editorial para publicar sua obra ou a indústria fonográfica para gravar sua banda, qualquer um também pode virar presidente da República sem precisar de uma superestrutura partidária ou de um aparato de comunicação.
Os partidos e a mídia tradicional são as grandes estruturas que Bolsonaro acredita ter tornado desnecessárias. “Eu cheguei aqui graças às mídias sociais”, disse o presidente eleito aos repórteres na semana passada. Antes, como que decidido a realçar a condição de porta-voz de si mesmo, ele avisara pelo Twitter: “Anunciarei os nomes (dos ministros) em minhas redes. Qualquer informação além é mera especulação maldosa e sem credibilidade.”
Num instante em que deputados e senadores começam a pôr em dúvida a disposição do tuiteiro de acabar com o toma-lá-dá-cá, foi como se Bolsonaro avisasse: “Não vem que não tem, tá Ok? Comigo será diferente.” Numa hora em que investidores hesitam em migrar do papelório para o investimento de risco, foi como se o capitão anunciasse: “Podem acreditar na plataforma ultraliberal do meu Posto Ipiranga porque eu vou manter isso daí. Comigo é capitalismo, não comunismo.”
Bolsonaro segue nas redes sociais e nos grupos de WhatsApp as pegadas de Donald Trump. A exemplo do seu ídolo norte-americano, o novo presidente brasileiro já sinalizou o desejo de tratar a mídia como algo irrelevante. Gruda na imprensa que o imprensa o selo de fake news Aproveita-se da fragilidade da indústria da informação, sobretudo a impressa, com a circulação estagnada —ou em declínio.
Suprema ironia: na época em que o país estava submetido a três poderes efetivos –Exército, Marinha e Aeronáutica— costumava-se atribuir à imprensa importância capital na cruzada da resistência que levou à redemocratização. Ao ecoar as ruas na campanha das Diretas-já, jornais ajudaram a empurrar a farda de volta para os quartéis. Hoje, um capitão sente-se à vontade para pregar o fechamento de um jornal como a Folha, que puxou o coro. O último a adotar comportamento semelhante foi Fernando Collor. Sofreu impeachment.
A internet revelou-se uma extraordinária ferramenta. Bolsonaro, com o auxilio de Carlos, o filho que ele chama de “Zero Dois”, encontrou na web o seu caminho das pedras. Seria um desperdício fechar a vitrine eletrônica na fase pós-eleitoral. Mas a vitamina pode virar veneno se Bolsonaro não perceber que chegará o momento em que a plateia desejará ver em exposição algo além do lero-lero.
Tornou-se imperioso fechar o balcão que transformou o Congresso numa instituição meio entreposto, meio bordel. Entretanto, Bolsonaro precisa demonstrar que seus 28 anos de Câmara serviram para alguma coisa. Ou percebe que não se constrói uma base congressual distribuindo bordoadas nas redes sociais ou se arrisca a ser engolido pelo pedaço da oligarquia que sobreviveu ao tufão das urnas.
Em entrevista veiculada na edição mais recente de Veja, a repórter Ana Clara Costa perguntou a Renan Calheiros: As redes sociais mudaram o eixo da velha política? E a veneranda raposa do MDB, já de olho na Presidência do Senado: “Elas introduziram novos elementos, mas não se governa com mandatários virtuais. Por isso, é necessário que se tenha uma interlocução competente, que se construa uma convergência. Passada essa aridez da eleição, é preciso menos Twitter e menos palpite em Brasília e mais deputado e senador de carne e osso, que entendam a complexidade do processo.”
Está entendido que Bolsonaro fará do Planalto um puxadinho daquilo que passou a chamar, com enorme intimidade, de “minhas redes.” Faz muito bem. Entretanto, deveria esquecer Donald Trump. Os Estados Unidos oferecem melhores contrapontos. Harry Truman, por exemplo, deixou gravado na história um precioso ensinamento.
Presidente americano de uma época em que as pessoas, sem internet, tinham dificuldades para entender como funcionavam os palitos de fósforos, Harry Truman declarou o seguinte: “Há provavelmente 1 milhão de pessoas neste país que poderiam desempenhar melhor estas funções. Mas eu é que estou encarregado de executá-las, e o faço da melhor maneira que posso.”
Embora seu sobrenome sugira o contrário, Jair Messias Bolsonaro não é uma reedição do Salvador. Receberá a faixa das mãos de Michel Temer, derradeira herança de Dilma Rousseff. Temer não é senão uma evidência de que as mesmas redes sociais que elegem um presidente podem convocar o asfalto para derrubá-lo.
Até bem pouco, as ''redes'' eram dominadas pelo PT. Se o destino de Dilma serviu para alguma coisa foi para mostrar o seguinte: poderosos que navegam no cristal líquido do computador ou do celular equilibrando-se apenas em cima da própria empáfia arriscam-se a confundir jacaré com tronco na hora do naufrágio.
Crônicas do ensaio geral
Cada vez que vejo uma equipe nova assumir o governo, lembro-me dos andarilhos aturdidos por sofisticadas demandas a que não podem atender. Quando Bolsonaro apareceu diante da câmera, ao vencer as eleições, tinha apenas uma bandeira do Brasil, levemente torta, colada com durex na parede. No passado, candidatos contratavam hotéis, posavam diante de grandes painéis, e suas imagens eram transmitidas em alta definição.
Isso só aumentou em mim a suspeita de que, apesar de sua força descentralizada na sociedade, a campanha de Bolsonaro era modesta e artesanal. Basta lembrar que, nos últimos dias, todos os principais atores do grupo foram silenciados. Compreendo que isso era para não causar polêmicas. Teoricamente, nos últimos dias, todos falam porque o o objetivo central é persuadir.
Bolsonaro tem noção dos limites. Num culto religioso, ele afirmou que pode não estar bem preparado, mas Deus capacita os escolhidos. Acho que a fé ajuda, suscitando energia, resiliência e até compaixão. Nesse sentido, a fé ilumina.
No entanto, há temas espinhosos que demandam conhecimento, experiência e até um certo talento. A ideia de fundir os ministérios da Agricultura e Meio Ambiente — que Bolsonaro defendeu e depois voltou atrás mais de uma vez — não me parece uma inspiração divina.
Já desenvolvi um primeiro argumento sobre esse tema, afirmando que era muito vasto. O Meio Ambiente cuida desde conceder licenças na área do pré-sal ao monitoramento de um lobo-guará na Serra da Canastra, à redução de emissões de CO2, ao controle da biodiversidade — enfim, como costumamos brincar, não é um meio ambiente, mas um ambiente quase inteiro.
Há um outro argumento. A fusão poderia suscitar acusações do tipo raposa tomando conta do galinheiro. Isso é ruim no exterior. Pode provocar uma resistência nos consumidores. Resistência espontânea ou induzida pelos competidores internacionais.
Paranoia? Uma ponta de paranoia é saudável. Estava no Congresso quando apareceu a falsa notícia no Canadá de que havia doença da vaca louca no Brasil.
Fizemos uma comissão, demos entrevistas, inclusive cheguei a planejar uma viagem ao Canadá. Eu, que sou vegetariano, me vi, de repente, combatendo pela carne brasileira. Daquele grupo, lembro-me de Ronaldo Caiado, eleito governador de Goiás.
Tomar uma decisão dessas apenas nos bastidores, sem consultar estudiosos ou mesmo o agronegócio exportador, não seria o melhor caminho.
Mas nem tudo estaria perdido. O Congresso brasileiro, de alguma forma, será acionado. Uma medida provisória talvez. E nossa tarefa será a de levar o debate para o interior da Câmara, através do Parlamento universal em que se transformaram as redes sociais.
Temos um ponto em comum, que é a luta contra a corrupção. Vamos ter de conversar com os eleitores de Bolsonaro, sobre a nova dimensão da ética: a que diz respeito às futuras gerações.
Não porque eu tema que o planeta acabe, isso não acontecerá . Temo pela vida humana, que pode tornar-se inviável, ser expelida do organismo terrestre.
Assim como Trump, Bolsonaro tende ao ceticismo em relação ao aquecimento global. Acham que o tema foi muito ideologizado. Parcialmente, aceito o argumento. Mas a proposta que solucionaria este problema é usar a ciência como mediação do debate.
Ciência nem sempre significa unanimidade. Senti isso quando da proibição do amianto. Havia cientistas a favor e contra. No caso do aquecimento global, o peso numérico dos cientistas que acreditam é esmagador. Viajando, como faço, pelo Brasil, nem precisaria tanto da ciência, apesar de sua autoridade.
Capitão, fé em Deus. Mas a outra parte do dito popular, pé na tábua, poderia ser reservada para o consenso, como, por exemplo, acabar com a estatal que cuida do trem-bala. Nesse ritmo, acabariam criando uma estatal para a viagem a Marte.
Eduação sexual é lei nas escolas alemãs
Por lei, os 16 estados federais alemães são obrigados a promover a educação sexual nas escolas em parceria com instituições de aconselhamento familiar, com base num currículo nacional. A Central Alemã de Esclarecimentos sobre Saúde (BZgA), criada em 2003 como um centro especializado da Organização Mundial da Saúde (OMS), é a principal responsável pela implementação das diretrizes, que são guiadas pelos Padrões para a Educação Sexual na Europa (2010).
Em 2013, um pai de nove crianças foi preso por proibir uma das filhas de frequentar as aulas de educação sexual numa escola primária do estado da Renânia do Norte-Vestfália. A mãe só não foi detida porque estava em fase de amamentação do bebê mais novo do casal. Em 2017, a família de origem russa decidiu retornar à Sibéria por não concordar com o sistema educacional alemão.
Mais do que ensinar sobre métodos contraceptivos e os aspectos biológicos dos órgãos sexuais, os professores alemães também discutem igualdade de gênero, valores sociais e emoções relacionadas à sexualidade e a relacionamentos. A abordagem do tema é holística, considerando os diferentes aspectos da sexualidade humana. Por isso, na maioria dos estados, a educação sexual é integrada a outras disciplinas, como ética, biologia, religião e ciências sociais. Em alguns estados, há disciplinas específicas de educação sexual nas escolas.
Tenho amigos alemães que receberam orientações sobre educação sexual também na crisma da Igreja Católica. Uma educadora trouxe dildos e camisinhas para que todos pudessem treinar como se proteger antes de uma relação sexual.
O índice de uso da pílula anticoncepcional é alto entre as jovens alemãs, assim como o uso da camisinha, o que contribui para os baixos índices de gravidez na adolescência no país. Quanto melhor a educação sobre o tema, menores as chances de se contrair doenças sexuais transmissíveis e de gravidez precoce.
Para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a educação sexual é um tema urgente nas escolas e de maneira nenhuma incentiva o comportamento sexual de risco. Pelo contrário, os futuros jovens terão mais responsabilidade sobre saúde sexual e reprodutiva.
Karina Gomes
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