quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Patrão, profissão em perigo?

Ninguém mais quer ser patrão no Brasil, é horrível ser patrão no Brasil com essa legislação que está aí
Jair Bolsonaro

'Reforma fatiada' é mais confissão do que opção

O governo de Jair Bolsonaro revelou-se, já na fase de transição, uma espécie de Babel às avessas. Seus integrantes conseguem se desentender expressando-se no mesmo idioma. Em temas estratégicos como a reforma da Previdência, o desencontro tem duas serventias: expõe a incapacidade para encontrar soluções, ao mesmo tempo em que exibe o talento para fabricar as próximas confusões.

A reforma da Previdência “pode ser fatiada”, declarou Jair Bolsonaro nesta terça-feira, apenas 24 horas depois de Onyx Lorenzoni, seu futuro chefe da Casa Civil, ter afirmado que os técnicos do futuro governo preparavam um modelo previdenciário “para durar 30 anos”. Nada de “remendo”. Coisa “bem construída”, a ser aprovada no Congresso “sem açodamento”.


Mais açodado, Bolsonaro como que deu o dito de Onyx pelo não dito: “Não adianta você ter uma proposta ideal que vai ficar na Câmara ou no Senado. Acho que o prejuízo seria muito grande. Então, a ideia é por aí: começar pela idade (mínima), atacarmos os privilégios (do setor público) e tocar essa pauta.”

Sobre os prazos, Onyx declarou que o ideal seria aprovar a mexida previdenciária ao longo do primeiro ano de governo. Mas não pareceu ansioso. “Nós temos quatro anos para garantir o futuro dos nossos filhos e dos nossos netos”.

Bolsonaro revelou um certo interesse em adiantar o relógio de Onyx: “A Previdência (deficitária) é uma realidade, ela cresce ano após ano e não podemos deixar o Brasil chegar à situação que chegou a Grécia para tomar providência.”

Para aprovar uma emenda constitucional como a da Previdência, o governo terá de arrastar pelo menos 308 votos na Câmara er 49 no Senado. Onyx estima que o novo condomínio governista terá até 350 deputados e mais de 40 senadores.

Ora, nenhum presidente com semelhante cacife trataria uma reforma prioritária como um pedaço de salame a ser servido em fatias. O mais provável é que Onyx ainda não tenha apreendido um dos princípios básicos da política: jamais diga uma mentira que você não possa provar.

Nesse contexto, a reforma “fatiada” de Bolsonaro não é uma opção, mas uma confissão de que seu governo terá mais dificuldades no Congresso do que o otimismo de Onyx faz supor.

Brasil e as compras de Natal


As redefinições da China

Aproveitando a desaceleração na agenda no fim do mandato, estive por alguns dias na China, a convite e patrocínio total da Guangdong University of Technology para participar do Seminário Inovação nos Brics e a comunidade global com futuro compartilhado”. Aproveitei para adiantar meu estudo sobre “Porque a China deu certo”. A visão da China é motivo de admiração — aeroportos, estradas, trens, prédios e o desempenho econômico ainda mais. Trinta anos atrás, o PIB da China era de US$ 312 bilhões, do Brasil US$ 330 bilhões. Hoje o PIB chinês é de US$ 12.240 bilhões e do Brasil, US$ 2 bilhões.

Em poucos anos, conseguiram inclusão de 100 milhões de pessoas na classe média, com renda per capita equivalente à média da Europa; 400 milhões atingiram a da classe média brasileira. As cidades estão ligadas por uma rede com 28.000 km de “trens-bala”, enquanto toda a Europa tem 9.300 km. O nível de desenvolvimento científico e tecnológico permite ter uma nave espacial circulando ao redor da Lua. Ao lado desses sintomas de progresso, surpreende como as cidades são metrópoles modernas, limpas, com paz, calçamentos impecáveis, sem pobreza visível.


A surpresa é maior quando entramos nas universidades e temos a chance de estudar as redefinições que o pensamento chinês está promovendo sobre ideias dos tempos atuais. Os políticos, os intelectuais e o povo estão redefinindo conceitos que não se adaptam às exigências do bom funcionamento social nos tempos da robótica, da globalização e dos limites ecológicos ao crescimento da produção material. O próprio conceito de democracia está sendo redefinido em um país onde o único partido determina a coesão no presente e o rumo do país para o futuro.

Devido à política de crescimento industrial, Pequim e outras cidades chinesas estão entre as mais poluídas do mundo. Diante disso, o governo chinês tomou medidas para controlar a poluição: taxis são obrigados a usar energia elétrica e os motoristas pagam fortunas para emplacar carros novos se movidos a combustível fóssil. Intelectuais e dirigentes chineses dizem que a população certamente não votaria a favor dessas decisões.

As manifestações recentes na França, contra o aumento no preço do combustível fóssil para reduzir o consumo e a poluição, são exemplo da contradição entre democracia dos eleitores de hoje e a democracia comprometida com o futuro. Os interesses imediatos do eleitor e os interesses de longo prazo do povo se chocam impedindo medidas que limitem o consumo. Na democracia chinesa, os membros do partido discutiram por anos esse assunto e decidiram reduzir a taxa de crescimento em nome do equilíbrio ecológico.

É certamente um conceito de democracia diferente do ocidental. Além disso, segundo eles, a primazia absoluta do voto individual universal impede a adoção de filtros que levem em conta o mérito de cada candidato. Disseram-me que lá a democracia não se baseia apenas no voto, mas também no mérito demonstrado por cada candidato a cargo público ao longo da carreira.

Quando perguntei sobre a liberdade pessoal de ir e vir — na China para emigrar de uma província a outra é preciso autorização do governo central — perguntaram a mim se no Rio de Janeiro e outras grandes cidades do Brasil um cidadão pode caminhar livremente nas ruas, ou se a violência impede a livre circulação. Explicaram também que lá existe planejamento de instalações educacionais e hospitalares e a migração livre desarticularia o equilíbrio entre a oferta e a demanda dos serviços.

O conceito de igualdade, que até o período revolucionário era absoluto — todos com mesma renda e consumo — passou a ser relativo. O governo chinês se propõe a erradicar a pobreza, mas tolera a desigualdade de renda e consumo que decorre do mérito do cidadão, graças ao talento, à persistência, à criatividade e ao empreendedorismo.

É cedo para saber se as redefinições em marcha na China vão levar o Ocidente a rever seus conceitos ou se o povo chinês vai preferir adotar conceitos ocidentais. Mas não se pode negar que a revolução tecnológica em marcha, simultânea à globalização e aos limites ecológicos, exige revisões de nossos conceitos. E não se pode negar que os chineses estão tentando inventar a modernidade, na prática do desenvolvimento e na teoria de conceitos.
Cristovam Buarque

Brasil já desmatou 'duas Alemanhas' de floresta amazônica

Numa região do Maranhão onde a Floresta Amazônica começa a dominar a paisagem, uma área de mata nativa acaba de ser destruída. O solo – agora exposto – aparece na tela de um dos computadores da equipe que monitora o desmatamento da maior floresta tropical do mundo, espalhada por nove estados brasileiros.

O dano ambiental é revelado nas imagens de satélite capturadas no dia anterior, interpretadas por profissionais que estão a mais de 2 mil quilômetros da mata recém-cortada. O trabalho de análise minucioso é feito em São José dos Campos, interior de São Paulo, de onde o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) acompanha há 30 anos a taxa anual de desmatamento da Amazônia.


"De imediato, o sistema de monitoramento não parece correr riscos", responde Claudio Almeida, coordenador do programa no Inpe, quando questionado sobre as perspectivas para o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro. Anualmente, 2,2 milhões de reais são repassados ao Inpe para custear os projetos que monitoram a degradação florestal no país.

Bolsonaro já deu provas de que temas ambientais terão pouco espaço na agenda. Um exemplo recente é a desistência do Brasil de sediar a Conferência do Clima da ONU, decisão influenciada pelo governo de transição, como admitiu o presidente eleito.

O sistema de monitoramento do Inpe revelou que o Brasil já desmatou um total de 783 mil quilômetros quadrados de Floresta Amazônica – área que equivale a mais de duas vezes o território da Alemanha. Desse total, 436 mil quilômetros quadrados foram desmatados após 1988, quando o Inpe passou a monitorar a floresta anualmente.

Em 2018, a taxa de desmatamento da Amazônia foi a mais alta da última década: 7,9 mil quilômetros quadrados, dos quais cerca de 95% correspondem a cortes ilegais.

A história da vigilância por satélites começou às avessas. No fim dos anos 1970, o governo militar queria fiscalizar se a floresta estava sendo destruída como o programado: havia incentivo para substituir a vegetação por fazendas, e o Inpe foi convidado a criar uma forma de verificar se as árvores nativas estavam dando lugar a pastos.

Anos mais tarde, o cenário mudou. "O país passou a sofrer uma grande pressão internacional por conta dos investimentos que estavam acabando com a Amazônia", contextualiza Dalton de Morisson Valeriano, pesquisador que ajudou a implementar o monitoramento.

Foi então que o país passou a medir as taxas anualmente. Em 1988, as imagens registradas por um satélite americano chegavam ao Inpe impressas em papel. Eram necessárias 229 fotos, cada uma com cerca de 90 cm x 120 cm, para analisar toda a Amazônia.


A técnica era artesanal: pesquisadores passavam anos debruçados sobre as fotos, circulando os pontos identificados como desmatamento para, depois, estimar o tamanho da área atingida. O relatório referente a 1988 só foi divulgado três anos mais tarde.

"Tivemos que lidar com todas essas limitações e vencer a desconfiança internacional", pontua Thelma Krug, uma das criadoras do sistema e atual vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). "Temos hoje um programa consolidado. Governo nenhum ousaria mais duvidar dos dados", afirma.

Atualmente, dados de três satélites são usados pelos pesquisadores: Landsat8, dos Estados Unidos; Liss3, da Índia; e Cbers4, resultado de uma parceria entre Brasil e China. Desde 2003, o trabalho foi digitalizado, e dois programas monitoram a Amazônia simultaneamente. O Prodes calcula as taxas anuais de desmatamento, e o Deter B, que "enxerga" a floresta com melhor resolução, aponta onde o corte está sendo realizado no momento em que ele acontece.

E lá no México...

Há desonestidade quando um funcionário público aceita receber até 600 mil pesos mensais (cerca de R$ 112 mil). Isso é corrupção num país com tanta pobreza. Houve uma mudança, e será aplicada uma política de austeridade
Andrés Manuel López Obrador, novo presidente do México

A desigualdade importa?

A maior parte das pessoas, quando fala em desigualdade, está no fundo se referindo à pobreza. Mortalidade infantil, falta de saúde e segurança, analfabetismo, fome; esses são sintomas da pobreza —da falta de recursos para atender a necessidades básicas. Não estão diretamente ligados à desigualdade, isto é, à distância que separa os pobres dos ricos.

Bangladesh é mais igualitário que o Canadá; mas é muito mais pobre. É por isso que se criou um lugar-comum de que a desigualdade não importa; só importa a pobreza. Melhorando as condições de vida absolutas dos mais pobres, não seria preciso se preocupar com a distância existente entre eles e os mais ricos.


A conclusão é precipitada. Deixando de lado a questão do valor abstrato da desigualdade (se ela é, em si mesma, boa ou má, justa ou injusta), há certos efeitos dela que são negativos. Um deles é a redução do bem-estar. Ao contrário do mito liberal dos proprietários independentes que vivem contentes com o que têm, sem se comparar ao vizinho, a imensa maioria das pessoas vive a necessidade de se comparar e sobressair; e o consumo reflete isso.

Um mundo excessivamente desigual, em que os mais pobres veem o abismo que os separa dos ricos e sabem que essa distância jamais será vencida, será também um mundo de muita frustração existencial.

Além disso, a extrema desigualdade econômica abre caminho para a captura da política e da legislação pelos interesses dos mais ricos, sem que o grosso da população tenha qualquer arma para se defender da sanha daqueles que já têm mais.

A extrema igualdade, contudo, também traz perigos. Uma sociedade muito igualitária é uma sociedade que tende a não premiar o desempenho excepcional, tolhendo seus maiores talentos e impondo a todos o peso da conformidade à média. Não é à toa que os EUA, país competitivo e (por isso) desigual, atraem tantos dos melhores profissionais e acadêmicos do planeta.

Vale lembrar também que a desigualdade econômica não é a única desigualdade relevante. O preço pago pelos países socialistas pela redução radical da desigualdade econômica, além da pobreza crônica, foi produzir uma brutal desigualdade de poder, muito maior até mesmo do que as democracias capitalistas mais deturpadas (como a nossa).

Algumas formas de combate à pobreza reduzem também a desigualdade: por exemplo, taxação dos mais ricos e distribuição de renda para os mais pobres. O Brasil, que taxa proporcionalmente pouco os estratos superiores da renda, temos espaço para melhorar aí.

Outras, contudo, podem combater a pobreza sem mexer na desigualdade ou podendo até aumentá-la. É o que aconteceu na China nas últimas décadas: graças a reformas liberalizantes, o país experimentou uma brutal redução da pobreza extrema (foram 300 milhões de pessoas que deixaram a pobreza extrema e hoje consomem avidamente) ao mesmo tempo em que a desigualdade também se intensificou: há toda uma classe de milionários e bilionários que antes não existia.

Como na maioria das questões importantes da vida, a ciência não tem as respostas. A quantidade ideal de desigualdade varia segundo as circunstâncias e as preferências de cada um. Provavelmente, nenhum dos extremos será desejável à maioria das pessoas.

No Brasil, um dos países mais desiguais do mundo, essa discussão sobre a desigualdade importa. Não é, contudo, o problema mais urgente. Afinal, se há crianças morrendo de diarreia, significa que o nosso principal desafio não é reduzir a desigualdade, e sim combater a pobreza.
Joel Pinheiro da Fonseca