terça-feira, 16 de julho de 2024

Informação não é conhecimento


Fascinados pelo moderno, somos como o Carlos da Maia e o Ega ("Os Maias"), que vão a correr atrás do elétrico na esperança de virem a ser civilizados. 
António Carlos Cortez

A cor de cada um

Na República do Espicha-Encolhe cogitava-se de organizar partidos políticos por meio de cores. Uns optaram pelo partido rosa, outros pelo azul, houve quem preferisse o amarelo, mas vermelho não podia ser. Também era permitido escolher o roxo, o preto com bolinhas e finalmente o branco.


– Este é o melhor – proclamaram uns tantos. – Sendo resumo de todas as cores, é cor sem cor, e a gente fica mais à vontade.

Alguns hesitavam. Se houvesse o duas-cores, hem? Furta-cor também não seria mau. Idem, o arco-íris. Havia arrependidos de uma cor, que procuravam passar para outra. E os que negociavam: só adotariam uma cor se recebessem antes 100 metros de tecido da mesma cor, que não desbotasse nunca.

– Justamente o ideal é a cor que não desbota – sentenciou aquele ali. – Quando o Governo vai chegando ao fim, a fazenda empalidece, e pode-se pintá-la da cor do sol nascente.

Este sábio foi eleito por unanimidade Presidente do Partido de Qualquer Cor.
Carlos Drummond de Andrade, "Contos Plausíveis"

Bolsonaro vai continuar sangrando até ser condenado e preso

Perdi a conta do número de vezes que escrevi que o cerco se fecha em torno de Bolsonaro. Ou então que ele deu mais um tiro no próprio pé. Para não cansar você que me lê, prometo nunca mais repetir essas coisas. Mas que o cerco se fecha, é fato. E que Bolsonaro tem a mania de atirar no pé, também. (Acabo de esquecer a promessa que fiz duas linhas atrás.)

No embalo do atentado a tiros contra Donald Trump, um dos filhos de Bolsonaro, Eduardo, o mais ideológico, espalhou que seu pai, caso Trump se reeleja, sairá vencedor. Uma vez empossado, Trump pressionaria a justiça brasileira e o Congresso para libertar os golpistas do 8 de janeiro. O passo seguinte seria restabelecer a elegibilidade de Bolsonaro.

Você é capaz de imaginar Trump dedicando-se a salvar Bolsonaro e os bolsonaristas condenados por atentarem contra a democracia – e, no caso de Bolsonaro, roubo de joias e fraude em atestados de vacina contra o Covid-19? Faça-me o favor: Trump teria mais o que fazer. Seu interesse pela América Latina é igual a zero. Ele nunca pôs os pés por aqui.


E a justiça brasileira? Dá para imaginar a toga em modo de alvoroço para anular suas decisões e atender aos reclamos do presidente dos Estados Unidos, interessado em libertar golpistas que bateram continência a pneus e acamparam em portas de quartéis clamando por uma intervenção militar? Ora, tenha dó. Menos, menos.

Dó de mim, não de Bolsonaro. Ele não merece sua piedade. Sabe a última de Bolsonaro e da gangue que o cercava, todas pessoas honradas que só queriam o bem do país? O ministro Alexandre de Moraes – sim, sempre ele – suspendeu o sigilo do áudio de uma reunião onde Bolsonaro discute como salvar seu filho Flávio, o senador, da encrenca da rachadinha.

“É o caso de conversar com o chefe da Receita”, sugeriu Bolsonaro a duas advogadas de Flávio. Participaram da reunião que aconteceu em agosto de 2020 o chefe da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), o delegado Alexandre Ramagem, e o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.

À época, o secretário da Receita era José Tostes. Bolsonaro menciona ainda o chefe do Serpro (estatal de processamento de dados do governo) e Gustavo Canuto que estava à frente da Dataprev, outra estatal de processamento de dados. Ramagem gravou a reunião – segundo ele, com autorização de Bolsonaro. Tiro no pé ou não?

A certa altura da gravação, ouve-se o general Heleno a comentar:

“Tentar alertar ele que ele tem que manter esse troço fechadíssimo. Pegar de gente de confiança dele. Se vazar [inaudível]."

No período de um mês, o secretário da Receita reuniu-se meia dúzia de vezes com as advogadas no Palácio do Planalto, e pelo menos uma vez com elas e Flávio no apartamento do senador. A gravação foi apreendida pela Polícia Federal no notebook de Ramagem e faz parte do inquérito que apura o uso da ABIN para beneficiar Bolsonaro e seus filhos.

O cerco (perdão!) a Bolsonaro nem tão cedo se fechará.

As festas da Convenção

A Convenção do Partido Republicano, tal como a que vai acontecer com os democratas, é uma festa aclamatória que dura alguns dias e que envolve milhares de membros do partido, em representação dos 50 Estado e do Distrito Federal de Washington. É uma festa pública de várias festas privadas que vão do inicio da tarde, a formal, até às tantas, quando o Sol aparece e o álcool se esgota em Milwaukee.

Tive a oportunidade única de fazer a cobertura, enquanto jornalista acreditado nas campanhas, das duas Convenções, no final dos anos 90, e o espetáculo é inesquecível. A começar logo na «cidade dos media»: são dezenas de espaços e tendas criadas e montadas no exterior do pavilhão onde se concentram milhares de jornalistas de todos os meios, sendo a maioria esmagadora (!) americanos. É nas Convenções que aparecem as maiores estrelas das televisões e jornais, sempre ladeados de um «staff» majestoso e quase infinito, com tudo à disposição. Nesta cidade trabalha-se, come-se, bebe-se, e outras coisas mais.

Desta vez, no Wisconsin, esta Convenção ganhou a proporção de um acontecimento mundial: todos querem ver a orelha e o estado de espírito de Trump, que acredita que Deus o salvou, sendo, por isso, um ex futuro presidente escolhido pela Providência Divina. Ouvimos isto, em 1939, há 85 anos, e acabou na Segunda Guerra Mundial. Deus não vota nas eleições americanas, nem em Trump ou Biden.