quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Pensamento do Dia

 


A vergonhosa imunidade tributária religiosa

A imunidade tributária concedida a entidades religiosas no Brasil é um tema de considerável controvérsia e debate, que abrange questões legais, éticas e políticas. Embora a Constituição declare o país como um Estado laico, o Brasil enfrenta desafios significativos para reconciliar a liberdade religiosa com a justiça fiscal e a transparência financeira. Esta análise busca explorar as várias dimensões desse assunto complexo e polarizado.


Essa questão levanta preocupações essenciais sobre a equidade no sistema tributário brasileiro, transcende o debate meramente fiscal e toca no cerne da justiça social, enquanto cidadãos e empresas são compelidos a pagar impostos para garantir serviços públicos fundamentais, como saúde, educação e segurança, as instituições religiosas são eximidas dessa responsabilidade fiscal. Essa disparidade alimenta debates acalorados sobre justiça tributária e a distribuição equânime do ônus fiscal. Afinal, por que entidades que movimentam muitas vezes grandes somas de dinheiro e possuem propriedades valiosas deveriam ser poupadas da contribuição tributária, enquanto os cidadãos comuns suportam todo o peso dos impostos?

O economista brasileiro Eduardo Giannetti, em sua obra "A Tirania do Meritocrata", argumenta de forma contundente: "A imunidade tributária religiosa é uma anomalia que compromete não apenas a eficiência, mas também a legitimidade do sistema tributário, impondo um peso desproporcional aos contribuintes comuns e exacerbando as desigualdades sociais". Essa imunidade cria uma espécie de privilégio fiscal que não se coaduna com os princípios de igualdade perante a lei e de justiça social que deveriam nortear a política tributária de um Estado democrático.

A falta de transparência nas finanças das instituições religiosas é uma preocupação legítima que vai além das questões fiscais. Sem a exigência de prestação de contas detalhadas sobre a utilização de seus recursos, há uma lacuna na compreensão de como esses fundos são efetivamente empregados, abrindo espaço para questionamentos sobre a possível utilização inadequada desses recursos, seja para enriquecimento pessoal de líderes religiosos, seja para financiar atividades que não condizem com os valores éticos e morais pregados pelas instituições, até proselitismo político.

A sociedade tem o direito de demandar transparência na gestão financeira das entidades religiosas, especialmente quando beneficiadas com imunidade tributária. Em 2023, uma megaigreja em São Paulo foi alvo de investigações por suspeitas de lavagem de dinheiro e evasão fiscal, evidenciando a importância da transparência financeira e a urgente necessidade de regulamentação e fiscalização mais rigorosas. Afinal, a confiança e a credibilidade das instituições religiosas perante a sociedade dependem não apenas de sua mensagem espiritual, mas também de sua integridade financeira e ética conforme os princípios de responsabilidade e transparência que regem uma sociedade democrática e pluralista. A atual situação pode criar um ambiente propício para abusos, muitos líderes religiosos aproveitam essa proteção para benefício pessoal, acumulando riqueza e poder sem prestar contas à comunidade.

A ausência de regulamentação facilita práticas questionáveis, como enriquecimento ilícito e desvio de recursos que deveriam ser destinados ao bem comum, inúmeros casos ilustram a necessidade urgente de medidas mais robustas para mitigar o abuso de poder e garantir a integridade financeira das instituições religiosas e de seus doadores, ao reconsiderar essa imunidade de tributos, surge a oportunidade de direcionar os recursos antes isentos para áreas prioritárias como saúde, educação e infraestrutura, impactando positivamente a qualidade e o acesso aos serviços essenciais para toda a sociedade.

Num Estado laico como o Brasil, a manutenção da imunidade tributária religiosa pode parecer conflitante com os princípios de neutralidade do Estado em questões religiosas. A concessão de benefícios fiscais a instituições religiosas suscita debates sobre como conciliar essa separação com políticas tributárias que privilegiam desproporcionalmente entidades religiosas, as quais deveriam se sustentar exclusivamente pelos recursos de seus fiéis, não por favores estatais. É irônico notar que parte desses fiéis, sobretudo das megaigrejas, manifesta oposição à intervenção do Estado na economia, mas apoia plenamente a continuidade desses privilégios injustificados.

Quando uma denominação religiosa passa a receber benefícios fiscais substanciais, enquanto outras são deixadas de lado, isso levanta críticas sobre a imparcialidade do Estado e destaca a necessidade de revisão das políticas fiscais para assegurar a aplicação justa e equitativa da lei. No entanto, ao invés de abolir esse privilégio indevido, optou-se por estendê-lo a todas as congregações religiosas, universalizando algo que deveria ser eliminado.

Embora a imunidade levante preocupações legítimas sobre a equidade fiscal, é importante reconhecer o papel positivo que as instituições religiosas desempenham na promoção do bem-estar social e da caridade, muitas igrejas, mesquitas, sinagogas, centros espiritas, terreiros e outros templos, estão ativamente envolvidos em programas de assistência social, distribuição de alimentos, cuidados de saúde e educação. Um exemplo é a atuação da Igreja Católica na promoção da justiça social e na defesa dos direitos humanos, mediante iniciativas como campanhas contra a fome, abrigos para moradores de rua e programas de educação para crianças carentes. Não há dúvidas sobre a importância desse trabalho, mas muitas entidades civis também operam dessa forma sem nenhuma imunidade tributária, não é à toa que as instituições que mais crescem no país são as igrejas, e a imunidade tributária indubitavelmente é uma parte significativa desse fenômeno de sucesso.

No campo jurídico, o debate sobre a imunidade tributária religiosa é complexo e multifacetado, envolvendo questões constitucionais, interpretação legislativa e precedentes judiciais. A Constituição Federal de 1988 estabelece claramente a imunidade tributária para templos de qualquer culto, mas a extensão dessa imunidade tem sido objeto de controvérsia. Um caso notável é o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017, que decidiu que o dízimo cobrado por algumas igrejas deve ser considerado uma contribuição voluntária e, portanto, não sujeita à tributação. Essa decisão gerou debates sobre a extensão da imunidade tributária e sua relação com a liberdade religiosa e o Estado laico.

Para uma compreensão mais ampla, é útil examinar práticas tributárias em outros países. Muitas nações ao redor do mundo têm políticas de imunidade tributária para instituições religiosas, embora a extensão e o escopo dessa imunidade sejam significativamente menores que no Brasil. Parecido com nosso país nos Estados Unidos, as instituições religiosas são amplamente isentas de impostos, o que tem sido objeto de crescente debate, recentemente, aumentaram as críticas às megaigrejas que acumulam grandes fortunas sem fins beneficentes claros, levantando questões sobre a necessidade de reformas na política tributária relacionada às instituições religiosas.

À medida que o debate continua a evoluir, é importante considerar futuras direções e desafios. Uma abordagem equilibrada e baseada em evidências é essencial para encontrar soluções que promovam justiça fiscal, liberdade religiosa e bem-estar social. Um possível caminho a seguir poderia envolver a criação de mecanismos de prestação de contas mais robustos para instituições religiosas, garantindo transparência financeira e responsabilidade social. Além disso, poderiam ser exploradas alternativas de financiamento para serviços sociais atualmente mantidos por instituições religiosas, como parcerias público-privadas ou programas de incentivo fiscal para doações beneficentes.

Para avançar em direção a um sistema tributário mais justo e equitativo, é fundamental considerar propostas concretas de reformas que abordem as desigualdades criadas pela imunidade tributária religiosa. Uma abordagem poderia ser a implementação de um sistema de auditoria e prestação de contas obrigatória para todas as instituições religiosas, garantindo que seus recursos sejam utilizados de maneira transparente e beneficente. Além disso, a criação de um teto para a isenção tributária poderia assegurar que apenas pequenas e médias instituições, que realmente necessitam do benefício para realizar suas atividades sociais e comunitárias, sejam isentas, enquanto megaigrejas e grandes organizações religiosas contribuam normalmente para o sistema tributário.

A imunidade tributária religiosa no Brasil é um tema complexo e multifacetado, envolvendo considerações legais, éticas, sociais e culturais. Embora seja claro que as instituições religiosas desempenham um papel na promoção do bem-estar social e da coesão comunitária, também é importante garantir que essas organizações contribuam de maneira justa e equitativa para o financiamento do Estado. Ao buscar um equilíbrio sustentável entre liberdade religiosa, justiça fiscal e responsabilidade social, o país avançará em direção a uma sociedade mais inclusiva, justa e solidária para todos os seus cidadãos, não apenas para os fiéis dessas instituições religiosas.

Portanto, é crucial implementar políticas que promovam a transparência financeira das instituições religiosas. À medida que o Brasil avança em direção a um futuro de maior justiça fiscal e transparência, é imperativo adotar abordagens baseadas em evidências e princípios democráticos. Assim, a existência da imunidade tributária religiosa é incongruente com a democracia laica, antagonizando os valores fundamentais da democracia e do Estado de direito.

Vale o recheio


Se nada for verdadeiro, tudo é espetáculo. A carteira mais recheada garante a pirotecnia mais ofuscante
Timothy Snyder

Quem mexeu nas minhas emendas?

O livro Quem mexeu no meu queijo (Record), de 1998, é o maior sucesso de Spencer Johnson, psicólogo norte-americano que optou pela literatura para apresentar seus estudos sobre o comportamento humano. Escreveu duas dezenas de livros, mas foi essa parábola sobre as dificuldades de as pessoas encararem as mudanças que se tornou um best-seller, principalmente entre executivos impactados pela revolução digital. O livro de autoajuda foi traduzido para quase 40 idiomas e vendeu mais de 1,5 milhão de exemplares no Brasil.

A novela, com pouco mais de 100 páginas, começa com uma reunião entre antigos colegas de uma escola secundária de Chicago. O grupo conversa sobre a vida. Diante das lamentações de ex-colegas, Michael, um dos participantes do encontro, conta uma história que mudou sua forma de enxergar as mudanças.

“Há muito tempo, num país muito distante, quando as coisas eram diferentes, havia quatro pequenos personagens que corriam através de um labirinto à procura de queijo, que os alimentasse e os fizesse felizes. Dois eram ratos, chamados Sniff e Scurry, e dois homenzinhos — seres tão pequenos quanto os ratos, mas que se pareciam muito com as pessoas de hoje, e agiam como elas. Seus nomes era Hem e Ham”, conta Michael.

No labirinto, Sniff, Scurry, Hem e Ham levavam uma vida tranquila depois que encontraram uma quantidade absurda de queijo. Os dois ratinhos e os dois homens não precisaram mais ficar correndo pelos corredores do labirinto em busca de alimentos. Entretanto, os dias, as semanas, os meses e os anos foram se passando, e o estoque de queijo, pouco a pouco, foi sendo consumido sem que ninguém notasse. Até que um dia os queijos acabaram.


O choque pelo fim do alimento foi diferente entre ratos e homens. Cada dupla de personagens age de maneira distinta. Alguns teimam em manter a rotina, enquanto outros se dispõem a se aventurar novamente pelos corredores do labirinto, como faziam antigamente. Quem mexeu no meu queijo é uma ótima parábola sobre o comodismo, o apreço exagerado à rotina e a aversão às mudanças impostas pela vida.

Um pouco de medo pode ser bom para sair da zona de conforto. Mas não é bom quando o medo existe de modo que não se consegue fazer nada. Você não pode esperar resultados diferentes se faz tudo sempre da mesma maneira. É mais ou menos o que está acontecendo com a política brasileira, especialmente no Congresso. O país está patinando; corta-se impostos com uma mão e aumenta-se os gastos públicos com a outra. A conta não fecha. Aprova-se uma reforma tributária e se mantêm os privilégios.

Como não há transparência quanto à aplicação dos recursos do Orçamento da União, os parlamentares já não precisam se preocupar com o sucesso das políticas públicas nem prestam contas do exercício do mandato aos seus eleitores. Simplesmente, utilizam os recursos para “comprar” a própria reeleição, cooptando prefeitos, vereadores e cabos eleitorais, sem falar na formação de caixa-dois eleitoral, que continua. Cada deputado, por exemplo, tem mais de R$ 60 milhões em emendas impositivas para gastar como quiser, uma parte dos quais, diretamente no terceiro setor, sem passar por nenhum órgão de controle.

Não é por outra razão a reação do Congresso às liminares do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre as emendas impositivas ao Orçamento, principalmente as chamadas emendas Pix e as emendas de comissão, que reeditaram as emendas secretas ao Orçamento da União. O ministro determinou que a execução de todas as emendas impositivas seja suspensa pelo Executivo até que o Congresso garanta a transparência dessas emendas, o que é um preceito constitucional. Ou seja, mexeu no queijo das excelências às vésperas de uma eleição.

O mais incomodado é o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cujo poder é anabolizado pelas emendas Pix e emendas de comissão, num pacto com os líderes de bancada, que decidem para quem e aonde vão. Acuada, a ala política do Palácio do Planalto acusa Dino de deflagrar uma crise entre o Congresso e o Judiciário, que acaba caindo no colo do Executivo. Depois da liminar, Lira telefonou para o ministro da Casa Civil, Rui Costa, para comunicar que as propostas de interesse do governo estavam suspensas. O pretexto é de que Lula teria incentivado Dino a suspender a execução das emendas.

Na noite de quarta-feira, a poderosa Comissão Mista de Orçamento decidiu retaliar o Judiciário e rejeitou a Medida Provisória 1238/24, que abre crédito orçamentário de R$ 1,3 bilhão para o Poder Judiciário e o Conselho Nacional do Ministério Público. Vamos ver se magistrados e procuradores, que também gastam muito, apertarão os cintos e enfrentarão o problema. Ou será que vão recuar de uma decisão constitucionalmente correta?

A liminar não inclui recursos destinados a obras em andamento ou ações para atendimento de calamidade pública. Foi encaminhada pelo ministro Dino para o plenário virtual. Agora, aguarda manifestação dos demais ministros. As emendas impositivas são emendas individuais de transferência especial, as chamadas emendas Pix, cuja destinação não depende de projeto nem destinação preestabelecida, num montante de R$ 25 bilhões; emendas individuais de transferência com finalidade definida, ou seja, como os recursos devem ser aplicados e finalidade específica; emendas de bancadas estaduais, no valor R$ 11,3 bilhões para essas emendas, sem que os autores sejam conhecidos. É muito queijo.

Elon Musk, o menino mimado que não sabe ouvir não

"Meninos mimados não podem reger a nação." A frase, do rapper Criolo, traz uma verdade: é realmente perigoso quando alguém com comportamento de criança mimada resolve ser, por exemplo, presidente de um país. Mas ainda pode ser pior: o menino mimado pode querer reger o mundo.

Esse parece ser o caso do multimilionário Elon Musk, o homem mais rico do mundo, que entra em polêmica dia sim e dia não e, como proprietário das gigantes Tesla e do Twitter (que ao comprar ele nomeou de X), atua como uma espécie de dono do mundo, fazendo o que bem quer e sem noção de limite.


No último sábado, ele levou isso ao extremo e anunciou que fecharia o escritório do X no Brasil. A notícia causou alarme, pois a primeira impressão que dá é que o Brasil ficaria sem Twitter (ou sem X). Não é verdade. Ele mesmo explicou que os brasileiros continuariam tendo acesso à rede social. O que ele fechou teria sido uma "firma" onde trabalhavam cerca de 40 pessoas, já que a maioria dos empregados do Twitter foi demitida em 2022, quando Elon comprou a empresa.

O motivo da saída é um show de menino mimado: basicamente, Musk se recusa a cumprir as leis e regras do Brasil. E, contrariado, respondeu: "não quero mais brincar". Explicando: o milionário anunciou o fechamento do X no país dizendo que estava sendo perseguido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

"A decisão de fechar o escritório X no Brasil foi difícil, mas, se tivéssemos concordado com as exigências de censura secreta (ilegal) e entrega de informações privadas de @alexandre, não haveria como explicar nossas ações sem ficarmos envergonhados", alegou Musk.

Junto com a nota, ele anexou o suposto despacho recebido por seus advogados, que teria sido enviado pelo ministro Alexandre de Moraes. O documento postado por ele parece um ofício padrão, onde os advogados da empresa são intimados para que tomem providências necessárias e cumpram, no prazo de 24 horas uma decisão anterior para bloquear contas de usuários da rede. Caso não cumprissem, diz o documento, a administradora da empresa poderia ser presa e a direção deveria pagar uma multa de R$ 20 mil por dia. No ofício, é explicado que eles não haviam respondido a vários contatos da justiça.

Não há nada de escandaloso nisso. Afinal, o X, sendo uma empresa que atua no Brasil, está sujeita, como todas e todos, às autoridades brasileiras e às leis do país. E, pelo menos no caso atual, quando a justiça pede o bloqueio de um perfil, é porque ele está agindo contra a lei, seja publicando conteúdo de ódio, fake news e por aí vai. Mentira não é liberdade de expressão. E também não existe o direito à ofensa.

Além disso, como todo mundo devia saber, o Brasil tem muitos problemas, mas não é uma ditadura e não vive sob regime de censura no momento. Existem leis, assim como em todos os países, e elas devem ser cumpridas. Simples assim.

Quando fala que não aceita seguir as leis do Brasil e por isso prefere fechar o escritório, o multimilionário age como um "dono da bola", aquele personagem da infância que achava que podia inventar e mudar as regras do jogo. Infelizmente, no caso de Elon Musk, não se trata de uma brincadeira de playground, mas de assuntos muito sérios, como propagação de discurso de ódio e fake news.

Não é só o Brasil que Elon trata como seu playground. No momento, ele briga também com a União Europeia.

No dia 12 de agosto, o comissário da UE Thierry Breton publicou no X uma carta onde alertava que a empresa tinha que seguir as regras previstas pelo novo regulamento digital do bloco europeu. A reação de Musk foi citar uma piada do filme satírico americano Trovão Tropical: "Eu realmente queria responder com esse meme, mas eu nunca seria tão rude e irresponsável", escreveu em seu perfil. Logo abaixo, ele postou postou um meme onde está escrito: "literalmente, f.. sua própria cara". Maturidade: cinco anos.

A lógica "o mundo é o meu playground" é usada pelo milionário também na Tesla. Nós, que moramos na Alemanha, sabemos disso, já que Elon Musk é uma espécie de vizinho problemático de todos nós. Isso porque, em 2020, ele começou a construir em Grünheide, em Brandemburgo, nos arredores de Berlim, a maior fábrica da Tesla na Europa. Desde então, tudo tem sido caótico, e leis não são cumpridas.

Para dar uma ideia da loucura: a construção da megafábrica, feita em tempo recorde, começou antes que a empresa tivesse todas as licenças formais para começar a levantar a obra. Eles simplesmente fizeram, desobedecendo várias regras, principalmente ambientais. A empresa já foi multada pelo menos seis vezes pela Secretária de Meio Ambiente de Brandemburgo e há denúncias sérias de acidentes durante a obra e de infrações que poderiam gerar multas de 500 mil euros.

No momento, eles fazem uma expansão da fábrica, novamente sem licença definitiva de aprovação da obra. O governo de Brandemburgo deu para eles uma "licença provisória". Os moderadores da área são contra a expansão, assim como ambientalistas. Mas Musk não está nem aí. E segue ganhando aplausos e seguidores fanáticos por causa desse seu "jeitão". Quinta série. Sim, ele faz tudo isso e, para muitos, é um herói. Complicado.

‘O calor consome, a secura arde e o ar sujo sufoca’

"Passei a última semana no Rio de Janeiro sentindo o cheiro dos incêndios do Pantanal. Não estava mais no Mato Grosso do Sul, para onde viajei a trabalho no início do mês. Mas o odor das cinzas persistia nos meus cabelos, roupas, botas, mochila, por mais que os lavasse.

O calor consome, a secura arde e o ar sujo sufoca. Os incêndios florestais são uma penosa materialização do conceito de saúde única, que mostra não haver bem-estar humano se não há equilíbrio ambiental.


Os dados de satélite deixaram evidente que boa parte dos brasileiros respira a fumaça vinda dos gigantescos incêndios do Pantanal e da Amazônia. Ela chega ao Sul e ao Sudeste pelos mesmos canais atmosféricos que antes levavam umidade, isto é, os rios voadores, que agora são rios de fumaça. Nas regiões Norte e no Centro-Oeste, origem do fogo, a ameaça para a saúde é muito maior. Para aqueles na zona quente afetada, o impacto é direto.

E se você, como eu, for embora, o efeito dos grandes incêndios florestais continuará a lhe perseguir. Não é apenas a lembrança da devastação que assombra. Nariz e garganta ficam irritados. A fumaça carrega particulados (PM2.5 e PM10), que podem ser inalados e comprometem a saúde.

O cheiro de queimado fica impregnado. Lavei os cabelos todos os dias após o trabalho de campo em áreas incendiadas. Não saiu. E só desapareceu alguns dias após o retorno ao Rio.

Isso acontece porque o odor de queimado é resultado de uma combinação complexa de compostos químicos cozidos em fogo alto. A receita inclui hidrocarbonetos aromáticos e outras substâncias químicas produzidas pela queima da vegetação e dos animais calcinados.

A lista de substâncias é grande e mal cheirosa. Tem aldeídos e cetona, todos com cheiro forte e irritante. Há ácidos orgânicos, como o acético; e fenóis, igualmente desagradáveis. Esses compostos se ligam às fibras e minúsculas tramas de variados tipos de tecidos e materiais. Os cabelos são porosos e também os absorvem.

Meu incômodo não tem relevância, mas exemplifica a dimensão do alcance desses eventos. E ela é amplificada para quem enfrenta o fogo e mora no Pantanal ou na Amazônia. Passa de mal-estar a problema de saúde.

Em três décadas de jornalismo, já cobri numerosos incêndios florestais Brasil afora. Eram eventos extremos sazonais, mas estão cada vez mais frequentes, maiores e intensos. E são incêndios que, segundo modelos climáticos, só tendem a se agravar, caso o ser humano não faça a sua parte. Já temos problemas demais de saúde e de qualidade de vida, não precisamos acrescentar mais um, as consequências do fogo, à longa lista."